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NELMA ALVES MARQUES PINTOR 1ª edição SESES rio de janeiro 2017 EDUCAÇÃO INCLUSIVA Conselho editorial roberto paes e luciana varga Autor do original nelma alves marques pintor Projeto editorial roberto paes Coordenação de produção luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico paulo vitor bastos Diagramação érik guarisco Revisão linguística marlon magno Revisão de conteúdo simon skarabone rodrigues chiacchio Imagem de capa denis kuvaev | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) P659e Pintor, Nelma Alves Marques Educação inclusiva. / Nelma Alves Marques Pintor. Rio de Janeiro: SESES, 2017. 168 p.: il. ISBN 978-85-5548-452-0 1.Educação inclusiva. 2. Deficiência. 3. Diversidade. I. SESES. II. Estácio. CDD 370.5 Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063 Sumário Prefácio 7 1. Perspectiva histórica da educação especial e da educação inclusiva 9 Introdução 10 A pessoa com deficiência na história: extermínio, segregação, exclusão, assistencialismo, filantropia 11 Tempos primitivos 11 Antiguidade 13 O cristianismo, a inquisição e o renascimento: idade média 17 Idade moderna 20 Repercussões para a educação especial 22 Sobre a surdez 23 Sobre a deficiência física 26 Sobre a deficiência mental/deficiência intelectual 28 O movimento de integração: modelo médico da deficiência 33 O movimento de inclusão: modelo social da deficiência 36 2. Diversidade e diferenças no contexto escolar 43 Diversidade, diferenças 44 Discriminação e preconceito intra e extraescolar 48 A formação do professor frente ao multiculturalismo 51 O professor de sala de recursos e o ensino colaborativo 55 A implantação das salas de recursos no Brasil 55 O professor de sala de recursos e o ensino colaborativo 61 3. O paradigma de suportes na educação inclusiva 75 Introdução 76 Caros alunos e alunas! 76 O que é paradigma? 76 A rede de suportes para a educação inclusiva 77 Flexibilização no desenho curricular e no acesso ao currículo na educação inclusiva 80 O que é currículo? 82 Flexibilizações curriculares significativas ou de grande porte 90 Flexibilizações curriculares não significativas ou de pequeno porte 93 A avaliação na perspectiva da educação inclusiva 98 Recursos de tecnologia assistiva e de comunicação alternativa e aumentativa 107 4. O atendimento educacional especializado para o público-alvo da educação especial 115 Introdução 116 Fundamentos legais do atendimento educacional especializado 116 O AEE para alunos com deficiência física 118 AEE para alunos com deficiência visual 125 AEE para alunos com deficiência intelectual 130 O Bilinguismo e o Processo de Ensino-aprendizado do Aluno com Surdez 136 O português escrito e a pessoa com surdez 143 O atendimento educacional especializado para alunos com surdez 144 O processo de educação do aluno com transtornos globais do desenvolvimento 146 O AEE para alunos com altas habilidades/superdotação 150 5. Projetos educacionais na escola inclusiva 161 Introdução 162 As linguagens da arte na educação inclusiva: música, artes plásticas, teatro, dança, entre outras 162 Projetos educacionais inclusivos 167 Dança inclusiva 168 Linguagens plásticas – pintura 169 Artes cênicas 170 Artes musicais 171 A parceria com a família 173 A construção de uma comunidade inclusiva 175 Matriz de RBC 179 7 Prefácio Prezados(as) alunos(as), A educação mundial, como outros setores sociais, está em franco processo de transição paradigmática. Os conceitos de sociedade, de homem, de conhecimento, de cultura, de infância, e mesmo de educação, entre outros, precisam ser ressignifica- dos para atender às exigências da inclusão social e do respeito à diversidade humana. Os movimentos sociais em prol da implantação, manutenção e consolidação dos direitos humanos resultaram na reflexão de valores como consciência huma- na, paz, cuidado, humanização, valores sociais, éticos e estéticos. Dentro dessa perspectiva, encontra-se o movimento da Educação Inclusiva, ancorado em con- cepções antropológicas, filosóficas, sociológicas e político-sociais de equidade, al- teridade, igualdade, singularidade, diversidade, heterogeneidade1. A compreensão desses conceitos justifica a necessidade e urgência por uma educação que abandone antigas concepções de ensino que a colocaram no fosso da estagnação, da alienação e do fracasso pedagógico em que se encontra. A es- cola excludente, discriminatória, homogeneizadora, pensada para uma parcela da sociedade (capitalista), especialmente para os “bem-nascidos”, choca-se com as demandas da população do novo milênio. O aluno, neste novo tempo, precisa e tem direito a ser visto em sua singularidade e respeitado em suas peculiaridades. Entende-se por crise de paradigma “uma crise de concepção, de visão de mun- do...” (MANTOAN, 2003, p. 14). Assim, a transição paradigmática, resultante da crise entre os paradigmas2, abre um novo cenário para a educação e para a escola. O mundo já não é o mesmo de tempos atrás. O conhecimento, as ciências, as metodologias, os procedimentos científicos se modificam, provocam insegurança e desestabilizam as certezas e as antigas verdades. Por outro lado, embora a crise gere incertezas e inseguranças, ela também é capaz de mobilizar novas possibilidades de interpretação do conhecimento e de busca por alternativas capazes de sustentar e nortear as mudanças, como é o caso das diversas reformas ocorridas nos sistemas de ensino ao longo das últimas déca- das. É nesse cenário que se insere a opção pelo modelo de escola inclusiva, a escola de todos e para todos (CROCHÍK, 1997; STAINBACK, 1999; CARVALHO, 2004; COSTA, 2002, 2005; STAINBACK, 2005). 1 Para maior aprofundamento desses conceitos, ver Sawaia (2004). 2 Essa ideia corrobora a concepção de Morin (apud PETRAGLIA, 1995) sobre “crise planetária”. 8 Em substituição ao modelo de escola excludente, propõe-se uma escola que busca garantir o direito à educação, à igualdade de oportunidades com respeito às características e necessidades individuais, a fim de que os indivíduos alcancem seu desenvolvimento intelectual, ético e cultural. Uma escola acolhedora das diferen- ças, que rompe com as posturas preconceituosas e discriminatórias cristalizadas socialmente; que consolida formas de relações interpessoais e estratégias pedagógi- cas humanizadoras. Ou seja, relações e estratégias alicerçadas em valores, atitudes e afetos que constroem a subjetividade e o humano de cada indivíduo. O pressuposto de que a Educação Inclusiva é um movimento que compreende a educação como direito humano fundamental se constitui como base para uma sociedade mais justa. O atendimento de todas as crianças, a despeito de suas ca- racterísticas, desvantagens ou dificuldades, implica habilitar todas as escolas para o atendimento em sua comunidade. Dessa forma, todo esse empreendimento não pode se abstrair de que a formação, a qualificação e a valorização do professor e do profissional de educação se constituem como pilares dessas mudanças. Em nosso livro, vamos trabalhar com cinco capítulos, cada um abordando um conjunto de informações que são importantes na inserção de conhecimentos acerca da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Vamosconhecer, juntos, um pouco da vida de pessoas com deficiência por meio de uma breve retrospectiva histórica, desde os tempos antigos, na Grécia, quando elas eram mortas e segregadas, chegando aos dias atuais, nos quais muitas dessas pessoas permanecem sendo alvo do assistencialismo e da filantropia. Veremos no segundo capítulo que as diferenças humanas persistem ainda hoje em função da discriminação e do preconceito. No capítulo três vamos estudar o modelo de suporte para os alunos com deficiência, abordando a flexibilização do currículo para garantir o acesso ao conhecimento, e tam- bém as formas de avaliação e as tecnologias assistivas que favorecem seu aprendizado. Vamos estudar as diferentes abordagens do atendimento educacional espe- cializado para os alunos alvo da educação matriculados nas salas de recursos e também veremos outros recursos que podem ser oferecidos por meio de projetos educativos na escola, ou mesmo fora dela. Nesse sentido, veremos como a família precisa ser parceira no acompanhamento do processo formativo do aluno e qual sua influência na construção de uma comunidade inclusiva. Bons estudos! Perspectiva histórica da educação especial e da educação inclusiva 1 capítulo 1 • 10 Perspectiva histórica da educação especial e da educação inclusiva Introdução Você já observou como a televisão e toda a mídia valorizam e enaltecem a be- leza e a força muscular? Os personagens das novelas são interpretados por homens e mulheres que se encaixam no padrão de beleza disseminado pelo mundo capi- talista. São corpos esculturais, bem demarcados em seus contornos musculares, rostos com traços faciais bem delineados. Em geral, são brancos, de olhos azuis ou verdes, com cabelos loiros lisos ou levemente cacheados, e de estatura alta ou mediana – enfim, um padrão de beleza que inspira serem pessoas ricas, bem-nas- cidas e cultas. Os corpos esculturais e a beleza são admirados desde a Antiguidade pelos povos gregos e romanos, inspirando saúde e força vindas dos deuses. Entretanto, a beleza envolve certo conceito de subjetividade – o que é beleza para determinada pessoa ou grupo pode não ser para os demais. Por isso é dito que “a beleza está nos olhos de quem vê”. Ser belo e forte é o que todos querem porque implica, supos- tamente, na certeza de ser aceito, admirado, valorizado e incluído. Para se sentirem belas consigo mesmas e aos olhos dos outros, algumas pessoas chegam a desenvolver um narcisismo exagerado. Ao contrário da beleza, “a fealdade era um sinal dos maus, dos loucos ou dos perigosos”, afirma Etcoff (2001, p. 41). Aos despossuídos de beleza e que traziam no corpo as deformidades e malformações, e na mente as desordens e confusões, lhes cabiam a morte e a exclusão social. Desde os tempos remotos, as diferenças, entre os povos, de raça, cor, língua, sexo, religião, cultura, entre outras, tanto diferem quanto identificam as pessoas pertencentes aos diversos grupos sociais. As diferenças individuais são inerentes aos seres vivos. Nas sociedades, ao longo dos tempos, as características individuais passaram a ser definidoras de categorias que serviram para incluir ou excluir o homem de seu grupo. É um pouco dessa história que vamos estudar neste capítulo! capítulo 1 • 11 OBJETIVOS • Conhecer a vida das pessoas com deficiência na história da humanidade; • Identificar períodos históricos de extermínio e segregação de pessoas diferentes; • Reconhecer situações de assistencialismo e filantropia; • Diferenciar os movimentos de integração e de inclusão educacional; • Explicar o modelo médico e o modelo social da deficiência. A pessoa com deficiência na história: extermínio, segregação, exclusão, assistencialismo, filantropia Neste capítulo inicial, vamos fazer uma viagem desde os tempos pré-históri- cos até os dias atuais para compreender um pouco sobre a vida de pessoas com diferenças e, especificamente, com deficiências e como eram tratadas em seus gru- pos sociais. Tempos primitivos Registros acerca da vida dessas pessoas indicam que tudo que fugia à norma, ao padrão, ao esperado pelo grupo sempre causou espanto, medo, horror e mesmo admiração e curiosidade. Aqueles que apresentavam comportamentos mentais bizarros e atitudes atípi- cas diferentes do seu grupo de origem eram vistos como doentes mentais, loucos, insanos, perigosos, e eram afastados do convívio com as outras pessoas tidas como sãs e normais. Além dos comportamentos diferentes, os indivíduos nascidos com deformi- dades físicas também eram alvo de morte, de abandono e de exclusão por diversas sociedades ao longo da história da humanidade. Estudos no campo da Antropologia trazem evidências de pesquisas na área da Paleontologia e da Arqueologia que favoreceram os descobrimentos mais antigos acerca de artefatos e fósseis humanos durante o século XIX. Destaque para, segun- do Mello (1986), as importantes descobertas dos homens fósseis de Cro-Magnon e o Pithecanthropus erectus. capítulo 1 • 12 Foram as descobertas de gravuras, esculturas, ferramentas, entre outras ma- nifestações culturais encontradas em escavações arqueológicas que permitiram os estudos antropológicos do homem na pré-história Pithecanthropus erectus – também conhecido como Homo erectus erectus – foi um dos primeiros hominídeos fósseis en- contrados. Sua descoberta ocorreu entre 1890 e 1897, em Java, pelo jovem médico holandês Eugène Dubois O Homem de Cro-Magnon – descoberto em 1868 – tinha uma estatura de até 1,90 m. (Portanto, semelhante ao ho- mem moderno.) Outras descobertas em pesquisas arqueológicas na era primitiva mostram si- nais de fraturas, lesões e amputações nos corpos dos hominídeos. Silva (2016), em seus estudos sobre as sociedades primitivas, indica que o mergulhador profis- sional Henri Cosquer descobriu, em 1985, numa caverna pré-histórica perto de Marselha, na França, sinais de ocupação por mais de 25.000 anos e ilustrações de animais e de mais de 56 mãos, muitas com dedos amputados. Esculturas em pedras referentes aos povos primitivos da cultura solustrense que vive- ram no período paleolítico superior, compreendido entre 100.000 e 12.000 anos antes a.C., segundo Cascudo (1973 apud MELLO, 1986), foram encontradas registrando a impressão da mão humana trabalhada com detalhes e, às vezes, faltando o dedo polegar. A presença dessas ilustrações nas cavernas sugere que os indivíduos ampu- tados, com lesões e fraturas, adquiridas, provavelmente, em lutas corporais pela sobrevivência, tenham recebido apoio e permanecido convivendo com seu grupo de origem. Portanto, abrigados e incluídos. Por outro lado, em relação aos indivíduos com comportamento mental bizarro, os insanos e loucos, avaliados à luz de sua época, eram considerados normais, enquanto outros eram tachados apenas de estranhos ou excêntricos (COLEMAN, 1973, p. 5-6). EXEMPLO Vejamos alguns exemplos citados pelo autor: • Saul, rei de Israel, no século XI a.C., sofria de periódicos acessos maníaco-depressivos. Durante um acesso de mania (excitação), rasgou toda a roupa em público. Em outra ocasião, tentou matar seu filho Jonatan. capítulo 1 • 13 • Hércules, sob efeito de confusão mental ao longo de vários episódios, matou dois de seus filhos, dois filhos de seu irmão, seu melhor amigo e seu mestre. No que tange às atitudes dos grupos frente às pessoas com deficiência nas sociedades primitivas, são polarizadas se manifestando pela aceitação da convivên- cia ou, ao contrário, pelo extremo do extermínio e exclusão, passando por uma manifestação intermediária de abandono e segregação. Essas manifestações vão ultrapassar e se prolongar por outros períodos históricos, como veremos adiante. Muitas tribos do continente africano (azande, dahomey, xagga), da Malásia (semang) e da Nova Zelândia(macri), citadas por Silva (2016), demonstram ati- tude de aceitação e convivência respeitosa para com crianças, adultos e idosos com deficiência física (malformações e deformidades) e sensorial (cegueira). Essas pes- soas nunca eram abandonadas ou mortas e acreditava-se que seus acometimentos tinham causas sobrenaturais. Tribos da Ilha de Bali, na Indonésia, do Caribe, da Bolívia e também os es- quimós costumam abandonar ou mesmo levar à morte pessoas incapacitadas por doenças, deficiência física e por velhice, justificando a dificuldade de locomoção para a sobrevivência do grupo. Eles são discriminados por sua fraqueza e incapacidade. As populações indígenas, como os ajore do Paraguai, os dene do noroeste do Canadá, os dieri da Austrália, os navajos e apaches norte-americanos, entre outras, adotavam a prática da morte para as crianças nascidas com defeitos físicos, mal- formadas e fracas. Acreditavam que os infantes eram vítimas de espíritos maus, ou que sua deformidade se devia a bruxarias, ou não serem aceitas por ameaçarem os deuses, segundo Silva (idem). Essas crianças eram mortas a pauladas, asfixia- das, afogadas, abandonadas nas florestas, queimadas vivas, entre outras práticas de extermínio. Antiguidade Vem de longa data a crença em possessão demoníaca como causa para defi- ciências e as perturbações mentais nos indivíduos. Essas referências são encontra- das em obras da Antiguidade na China, no Egito, em registros hebreus e escritos gregos, como nos mostra Coleman (1973). Em geral, acreditava-se que os indivíduos estavam sob domínio dos espíritos maus, mas, dependendo dos comportamentos apresentados, também se supunha que estavam encarnados por bons espíritos. capítulo 1 • 14 Se as palavras exprimissem um sentido religioso e místico, segundo o autor (1973, p. 33), a interpretação era de que o indivíduo estava possuído por um bom espírito ou por um deus, passando a ser tratado com temor e respeito, sendo acolhido entre seus pares. Mas, quando o indivíduo possuído manifestava comportamento excessivamente ativo e agressivo, indo de encontro aos preceitos estabelecidos pelos sacerdotes dos templos, a crença era de que estava possuído pelo demônio. Inicialmente, “o primeiro tipo de tratamento para a posse do demônio era o exorcismo”, como salienta Coleman (1973, p. 34), e era de responsabilidade dos xamãs. Posteriormente, passou para as mãos dos sacerdotes gregos, egípcios e chineses. O sacerdócio médico aplicou várias técnicas de tratamento para os indivíduos, dependendo do tipo de possessão; desde o tratamento mais humano e científi- co (teatro, passeios, música) até o tratamento com técnicas mais bárbaras (fome, açoites e correntes). Do ponto de vista histórico, foram os sacerdotes, os médicos e os filósofos que operaram maior influência na substituição das explicações sobrenaturais e demoníacas por explicações naturalísticas da anormalidade e das doenças mentais. Na Grécia, destaca-se o grande médico Hipócrates (460–357 a.C.), que, embora cidadão comum, recebera formação inicial em uma escola de sacerdotes médicos. Hipócrates nasceu em 460 a.C. na pequena ilha de Cós. Seu pai era sacerdote de Asclépio (filho de Apolo, deus com poderes de curar os enfermos e ressuscitar os mortos) e lhe ensinou a Medicina. Possuidor de longa experiência adquirida em viagens de estudo e de excursões de conferências ao Egito, Grécia e à Ásia Menor. Com seu gênio, fez triunfar a Escola Médica de Cós. Hipócrates é considerado o Pai da Medicina. Supostamente é autor de cerca de setenta tratados do Corpus Hipocraticum descrevendo a Medicina científica do século V a.C. Fonte: Adaptado de Mueller (1968). Hipócrates discordava veementemente das crenças da interferência de demô- nios para o desenvolvimento de doenças e repudiava o tratamento pelo uso de magia. Para ele, esclarece Mueller (1968, p. 33): capítulo 1 • 15 Deus que é fonte de pureza não pode contaminar o homem e é ímpio recorrer a tais práticas. Dessa forma, a Medicina hipocrática seguindo o princípio pitagórico já ex- posto anteriormente, ressalta que a verdadeira sede da inteligência é o cérebro e que, portanto, as doenças não resultavam de interferências demoníacas, de causas sobrenaturais, mas por comprometimento de alterações em seu funcionamento. ATENÇÃO Importante referência é dedicada ao médico grego Galeno (século II d.C.) por suas importantes descobertas no campo da anatomia. Fazia experiências em fisiologia prati- cando secções da medula espinhal em diferentes níveis a fim de verificar quais paralisias eram provocadas. Seguidor dos princípios da Medicina hipocrática para a explicação naturalista do compor- tamento anormal, Galeno localizou as funções psíquicas no cérebro. Para ele, as aberrações mentais que designou como “demência” e “imbecilidade” resultavam, entre outros fatores, das alterações na temperatura e umidade do cérebro (TELFORD; SAWREY, 1976). Ainda na Antiguidade, é sabido que as cidades gregas exterminavam as crian- ças nascidas com deformidades e malformações físicas. Platão (350 a.C.), em seu livro A república, ao se referir ao meio de conservar as raças puras, expõe que tal princípio deve ser observado já por ocasião da seleção dos indivíduos para o casa- mento. Assim, no diálogo entre Glauco e Sócrates, este se pronuncia: Convém, segundo os princípios aqui estabelecidos, que sejam frequentes os enlaces dos melhores indivíduos de ambos os sexos e, ao inverso, raros os maus. Vale a pena curar os filhos dos primeiros e não dos últimos, se é que se quer que o rebanho conserve sem degeneração toda a sua beleza. (PLATÃO, 1970, p. 135). capítulo 1 • 16 Pode-se deduzir dessa exposição os sinais de uma prática eugênica com a preo- cupação dos gregos em construir e conservar uma raça pura, eliminando toda possibilidade de degenerescência. Quanto à forma de como proceder à limpeza da raça, o diálogo afirma: Os filhos bem-nascidos serão levados ao berço comum e confiados a amas de leite que terão casas à parte em um bairro da cidade. Quanto às crianças doentes e as que sofrerem qualquer deformidade, serão levadas, como convém, a paradeiro desconhecido e secreto. (PLATÃO, 1970, p. 136). O paradeiro desconhecido das crianças débeis e malformadas era a morte, tanto na Grécia como em Roma e Esparta. Misès (1977, p. 13) encontra em Sêneca a seguinte afirmação: Nós matamos os cães danados, ou touros ferozes e indomáveis, degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o rebanho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmo as crianças, se forem débeis ou anormais, nós as afogamos; não se trata de ódio, mas da razão que nos convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las. (“De Ira”, I, XV). Há que reconhecer que condutas desse tipo são reprovadas e constituem cri- mes de infanticídio no mundo atualmente. Entretanto, a morte de crianças con- sideradas deficientes na Antiguidade, pela ignorância da época, era aceita como parte da cultura local. Ou seja; tratava-se de uma seleção biológica claramente com fins de promover a limpeza da raça e de evitar a reprodução dos indivíduos considerados anormais. capítulo 1 • 17 CURIOSIDADE Eugenia A palavra “eugenia”, de origem grega, “Eugen-s”, foi cunhada pelo cientista britânico Francis Galton em 1883, com o significado de “bem-nascido”. Ele passou a se interessar e pesquisar sobre o campo da hereditariedade humana após a leitura do livro Sobre a origem das espécies por meio da seleção natural escrito por seu primo Charles Darwin, em 1859. Em seu livro Hereditary Genius (O gênio hereditário), escrito em 1869, Galton construiu a eugenia com base nas ideias da importância da variedade hereditária na reprodução do- méstica, na sobrevivênciado mais apto, na luta pela vida e na analogia entre reprodução doméstica e seleção natural (STEPAN, 2005). Em meados do século XIX, houve uma revolução social ligada ao conhecimento acerca das explicações hereditárias na transmissão das características patológicas e normais dos seres humanos. Essas características estavam relacionadas com a criminalidade, a violência e as deficiências de toda ordem, segundo a autora. O fim do século V é considerado o fim da Antiguidade com a tomada de Roma pelos povos bárbaros e o colapso das civilizações grega e romana. A demonologia ressurge com fortes crenças nas antigas superstições que vão se prolongar por toda a Idade Média. Algumas modificações surgiram com o advento do Cristianismo, mas incapazes de acabar com o horror das perseguições e mortes aos indivíduos considerados anormais e possuídos pelos espíritos malignos. Os retardados mentais, os loucos e os criminosos eram reunidos pela mesma causalidade, sua possessão pelo demônio. Acreditava-se que sua anormalidade era imputada por Deus para indicar a presença do demônio. O cristianismo, a inquisição e o renascimento: idade média Com o cristianismo, surge uma postura de certo compromisso ambivalente da Igreja em relação a esses indivíduos em que se observava ora a segregação da comu- nidade, ora o seu assassinato. Ou seja, há tanto atitudes de piedade e de proteção como, ao mesmo tempo, atitudes de rejeição. Segundo Misès (1977, p. 14), é possível perceber ao longo de toda a era cristã e até mesmo em nossos dias essas manifestações misturadas a intensos sentimentos de culpabilidade e a projetos de reparação. Os pressupostos da religião à época capítulo 1 • 18 supunham a existência de uma alma imortal cristã em cada ser humano. Dessa forma, as pessoas com deficiência mental passaram a ser vistas como “les enfants du bon Dieu”, como nos indica Pessoti (1984 apud KASSAR, 1999). Durante essa época, os mosteiros eram utilizados como local de refúgio e de reclusão para indivíduos com deficiência mental e outras anomalias, cabendo aos padres o seu tratamento e acolhimento. Tem início o surgimento de instituições de atendimento a todo tipo de pessoas; crianças, pobres e desvalidos, deficientes mentais e físicos, além de delinquentes, o que demonstra um atendimento carac- terizado por uma postura caritativa e assistencialista dos sujeitos excluídos social- mente, a quem se permitia uma assistência pela caridade cristã. LEITURA Leia o livro do famoso escritor francês Victor Hugo, O corcunda de Notre-Dame, publi- cado em 1831, e assista ao filme. Também associada à noção de demonização do louco e do anormal, existia a concepção de bruxaria, de feitiçaria, segundo a qual as malformações seriam o efeito do seu poder de fazer nascer crianças idiotas e de provocar anomalias men- tais. Essas noções contribuíram para a Igreja cristã instituir a Inquisição, conside- rada uma página negra na história do cristianismo ao final do século XV. Designados pelo papa, dois monges dominicanos escreveram um manual in- titulado Malleus Maleficarum (O malho das bruxas), que, durante séculos, foi reverenciado entre os católicos e protestantes. capítulo 1 • 19 O texto detalhava todo um ritual capaz de confirmar a existência de bruxaria, descrever os “sintomas”, examinar e levar a julgamento a própria bruxa ou aquele que estivesse em seu poder. Confirmada a suspeita, após o julgamento, a sentença ou o castigo, segundo explica Coleman (1973, p. 44), poderia ser de três formas: Todo esse horror que se propagou por meio da Inquisição lentamente vai se transformando por força das ideias médicas, provocando enfraquecimento das concepções teológicas que endossavam a doença mental e as anomalias como cas- tigo de Deus ou associação voluntária com o diabo. O pensamento médico começa a discutir as causas naturalísticas da doença mental e da idiotia. Começa a surgir uma atividade intelectual mais ativa com o Renascimento que vai trazer perspectivas mais humanitárias para essas pes- soas. Do século XVI ao século XVIII, o mundo vai viver um período de luzes em todas as atividades humanas, principalmente nos campos da Filosofia, da Medicina e da Física. capítulo 1 • 20 Idade moderna Como afirma Bianchetti (1995, p. 11), é impossível negar que o século XVI foi um divisor de águas na história da humanidade. Ele elenca acontecimentos decisivos que aportaram mudanças paradigmáticas, como a gradativa saída do teocentrismo para dar lugar ao antropocentrismo; o expansionismo dos merca- dos em decorrência das grandes navegações; a teoria geocêntrica é questionada e derrubada com os estudos de Nicolau Copérnico (1473–1543) e Galileu Galilei (1564–1642), passando a ser aceita a teoria heliocêntrica; e, entre outras mu- danças, a visão mecanicista do universo resultante dos estudos de Isaac Newton (1643–1727) passou a ser utilizada também para definir o corpo humano como uma máquina. Infelizmente, da visão mecanicista do homem resultou a lamentável visão de que a deficiência estaria relacionada a uma alteração no funcionamento do corpo, a uma disfunção. Conclui Bianchetti (1995, p. 12) que “se na Idade Média a defi- ciência está associada ao pecado, agora está relacionada à disfuncionalidade”. Ou seja, sai da área de influência teológica para ser objeto da área médica. No início do século XVI, o alquimista e médico suíço-alemão Paracelso (1490–1541), pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, formulou um estudo considerado confuso sobre as causas psíquicas para o retardamento e a insanidade. Ele indicava como tratamento o “magnetismo corporal” que, mais tarde, se tornou a hipnose (COLEMAN, 1973). Paracelso admitia como causa das doenças as perturbações dos humores, os traumatismos e as influências do céu (MUELLER, 1968, p. 165). Sua obra foi controversa até sua morte. Insatisfeitos com as práticas da Igreja, foram raros os intelectuais que ousaram contestar a influência de maus espíritos e do diabo nas manifestações dos indiví- duos considerados possuídos pelo mal. Entretanto, Félix Plattner (1536–1614), com seus argumentos racionais, foi um dos que se opuseram às superstições que afirmavam a influência do diabo. Escreveu um ensaio em que classificou as psico- ses em quatro categorias: capítulo 1 • 21 Mentis imbecilitas (debilidade do espírito). Mentis consternatio (perda da consciência na epilepsia, na catalepsia e no coma apoplético) . Mentis alienatio (diversas alienações). Mentis defatigatio (a excitação), como descreve Mueller (1968). Plattner também é descrito como o precursor da teoria da degenerescência e assim explica: Por seus pais, alguns entre os imbecis, recebem um caráter hereditário e são causas internas que são responsáveis pela imbecilidade; daí decorre muitas vezes que como os homens ativos e inteligentes concebem seres semelhantes a eles, assim também os improdutivos concebem crianças de espírito embotado. É porque desde a mais tenra idade elas são marcadas por tais sinais e porque os receberam de tais pais, que podemos facilmente estabelecer uma relação de causalidade (MISÈS, 1977, p. 17-18). O pensamento médico segue se estruturando e consolidando as bases racio- nais e naturais, levando os conhecimentos em Anatomia, Fisiologia e História Natural a destronar a Teologia. Nesse sentido, durante os séculos XVI e XVII, os médicos vão se dedicar a buscar causas orgânicas para explicar a deficiência, motivo pelo qual se intensifi- ca o movimento de institucionalização intensiva de pessoas com deficiências na Europa nos séculos XVIII e XIX, segundo Kassar (1999). Instituições asilares ficaram conhecidas nesse período como, o Mosteiro de Bedlan, em Londres, transformado em um hospital de doenças mentais em 1547; o Hospital San Hipólito,no México, em 1566; o hospital La Maison de Charenton, na França, em 1641; a Torre dos Lunáticos de Viena, em 1784; e tan- tos outros. Em geral, eram prédios que serviam como prisões e foram modificados para atender como hospitais, onde os doentes eram tratados mais como animais do que como seres humanos (COLEMAN, 1973). capítulo 1 • 22 Durante o século XVIII, vão surgir grandes pensadores responsáveis por uma obra de grande erudição. Os “enciclopedistas” tinham como meta uma renovação social por meio de um rico sistema de informações a fim de influenciar um novo processo civilizatório. Nessa mesma época, o filósofo John Locke (1632–1704) vai se contrapor à concepção inatista do desenvolvimento das ideias. Sua teoria da Tábula Rasa postula que a mente, ao nascer, é semelhante a uma página em branco, que pode ser preenchida por efeito da educação – principalmente a educação da criança. Seu tratado Da educação das crianças exerceu considerável influência no pensamento educacional do século XVIII, como mostra Mueller (1968). Ora, ao contestar e se contrapor ao princípio do inatismo em que prevalece a força da hereditariedade na constituição do homem, Locke advogava, em outras palavras, em favor da igualdade humana; a educação iria formar as ideias e preen- cher a página em branco. Há de se esclarecer que a igualdade se constitui como um dos cinco pilares do liberalismo defendidos pela Revolução Francesa: individualis- mo, liberdade, propriedade e igualdade (BIANCHETTI, 1995). MULTIMÍDIA Assista ao vídeo no YouTube “Visão histórica da deficiência”, com Pedro Morgado http://youtu.be/dGaqVtyeklU Repercussões para a educação especial Para melhor entendimento das repercussões acerca de como as visões e noções históricas relacionadas aos indivíduos com deficiência incidiram sobre as iniciati- vas para educá-los, é necessário que voltemos nosso olhar para os acontecimentos a partir de século XVI. Por força da aversão, do medo e do preconceito contra os loucos, os idiotas, surdos, cegos, enfim, o imperfeito, a humanidade impõe resistência a sua presença e convivência entre os considerados sãos e perfeitos. A luta pela aceitação e pelo reconhecimento de sua identidade como cidadão se prolonga até os dias atuais deste novo século em que a barbárie, camuflada por preconceitos subliminares e capítulo 1 • 23 supostas condutas politicamente corretas, se projeta silenciando e invisibilizando os diferentes. Faremos agora um rápido mergulho no tempo a fim de capturar alguns frag- mentos sobre algumas deficiências na história. Sobre a surdez Na Antiguidade, a capacidade de falar por meio da voz estava associada à inte- ligência. A ausência da fala no surdo, a mudez, fazia dele um indivíduo pouco in- teligente, o que o levava a enfrentar resistência para sua aceitação social. A crença era de que seu impedimento sensorial o tornava incapaz para aprender. Século XVI No século XVI, na modernidade, o médico e filósofo italiano Girolamo Cardano (1501–1576) afirmava que a surdez e a mudez não se constituíam em impedimento para o ensino e para a aprendizagem do surdo. Foi o monge beneditino espanhol Pedro Ponce de Leon (1510–1584) quem criou a primeira escola para alunos surdos no Monastério de Valladolid, na Espanha. Usando como metodologia a datilologia e também a oralização, é consi- derado o primeiro educador a desmutizar surdos. Criou também uma escola para formação de professores de surdos. capítulo 1 • 24 Séculos XVII a XIX Durante os séculos XVII a XIX, o ensino dos surdos esteve baseado no méto- do do oralismo, ou seja, no ensino da língua falada. Na Espanha, em 1613, o pa- dre espanhol Juan Pablo Bonet (1573–1633) publicou um livro sobre seu método oral intitulado “Redução das letras e arte de ensinar a falar os mudos”, tornando-se outro precursor do oralismo. Também adepto da língua falada aos surdos na Alemanha, Samuel Heinicke (1727– 1790) fundou, em 1750, a primeira escola pública que tinha como mé- todo o oralismo. Na França, na década de 1750, o abade Charles Michel de L’Épee (1712– 1789) foi um filantropo que passou a se interessar pela língua gestual ao perceber duas irmãs se comunicando por gestos nos arredores de Paris. Ele então criou um sistema de instrução em língua de sinais e, em 1799, transformou sua pró- pria casa em uma escola pública para surdos, intitulada Instituto Nacional de Surdos-Mudos. Entre outras eminentes personagens ligadas à história dos surdos encontra- mos, no século XIX, nos Estados Unidos, o educador Thomas Hopkins Gallaudet (1787–7851). Seu interesse pelos surdos surgiu durante suas férias, na casa de seus pais, ao perceber uma menina isolada das outras crianças brincando no quintal. Impressionado pela ausência da fala na menina, tentou entrar em comunicação com ela por meio de várias formas como gestos, desenhos e escrita do nome. Essa experiência impulsionou Gallaudet a se dedicar ao ensino dos surdos. Após viagem em que teve conhecimento dos métodos de ensino em países da Europa, acabou criando a Escola Americana de Surdos, em 1817, a primeira nos Estados Unidos, onde implantou o método da língua americana de sinais. No Brasil, durante o reinado de Pedro II, em 26 de setembro de 1857 foi fun- dada a primeira escola para alunos surdos, o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). Sobre a cegueira Desde a Antiguidade, as pessoas com cegueira ou pouca visão recebiam em geral o mesmo tratamento que todos os excluídos, os considerados anormais. Nas cidades de Esparta, Atenas e Roma, sofriam diferentes tipos de atrocidades – eram afogados, abandonados nas matas, nas margens das estradas ou mortas. capítulo 1 • 25 A cegueira, em muitas culturas orientais, era associada à maldição e ao castigo. Em outras culturas, havia a crença na determinação divina, que atribuía aos cegos poderes divinos e sobrenaturais. Ser maltratado, excluído ou morto, ou, em vez disso, ser reverenciado e acolhido eram consequências da crença sobre a origem da cegueira. Ser impedido de ver a luz e também todo o simbolismo associado à ceguei- ra faziam do cego um indivíduo morto, um incapaz e dependente, segundo Motta (2016). Por outro lado, viver na escuridão impede o indivíduo cego de ver a miséria humana e o aproxima da santidade. Alguns cegos foram reverenciados como videntes, profetas e sábios (TELFORD; SAWREY, 1976, p. 370). Esses autores também afirmam que os cegos sempre gozaram de muitos privi- légios em relação a outros tipos de deficiência. Belarmino (1997) indica, entre as “celebridades” da Grécia Antiga, o poeta cego Homero, autor das clássicas obras A Ilíada e A odisseia. Na Coreia, no século XVI, era comum a prática da adivinhação entre os cegos. Já na Bíblia, a cegueira aparece relacionada à concepção de pecado e na religião espírita, associada à ideia de “prova”, de “expiação” e de “missão” por meio da reencarnação. capítulo 1 • 26 Em relação à era cristã, a autora discorre sobre a prática da institucionalização dos cegos em abrigos e monastérios. Assim, no século VII, foi criado um “lar para cegos” em Jerusalém; no século IX, surgiu a mesquita de El Hagar, fundada no Cairo (Egito); e, no século XIII, a Casa dos Trezentos, na França. Durante os séculos XVI e XVII surgiram, segundo Belarmino (1997, p. 34-35), as “primeiras tentativas para a criação de métodos que permitissem aos cegos a linguagem escrita”. Os métodos se baseavam em letras móveis fundidas em metal, recortadas em papel ou em “alfinetes de diversos tamanhos pregados em almofadas”. Foi o humanista francês Valentin Haui (1745–1822) que no final do século XVIII escreveu o primeiro livro em relevo para o ensino de cegos e também fun- dou, em Paris, em 1784, a primeira escola francesa para o ensinodesses indiví- duos, e que existe até os dias de hoje, com o nome de Institut National des Jeunes Aveugles. Nessa escola, estudou o jovem Louis Braille, que logo percebeu a dificul- dade para a escrita por meio das letras em relevo. Ao ser apresentado a um método de transmissão de mensagens secretas criado pelo capitão de artilharia Charles Barbier, usado às escuras, durante a noite, com seus soldados em campo de bata- lha, Louis Braille aprimorou o método e criou o seu próprio sistema de escrita. Assim, o sistema Braille de escrita para cegos tornou-se mundialmente aceito. No Brasil, no século XIX, o imperador d. Pedro II fundou a primeira escola especializa- da para o ensino de cegos em 1854, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Durante a República, o instituto tornou-se o Instituto Benjamin Constant, uma homenagem ao pri- meiro presidente republicano da instituição. Sobre a deficiência física O estudo das antigas civilizações greco-romanas mostra como o corpo era reverenciado em suas formas, sua beleza e sua força. O culto ao corpo era festeja- do no grandioso evento das Olimpíadas, quando os indivíduos se envolviam em diversas atividades esportivas para demonstrar sua força e destreza. Em Roma, os gladiadores eram treinados em exercícios de luta e coragem com objetivos capítulo 1 • 27 militares. Diante da importância dada ao corpo, a deficiência e a malformação eram vistas como maldição, pecado e castigo divino. O destino das pessoas com deficiência física, como visto anteriormente, era o abandono, a exclusão e a morte. Só a partir da Idade Média, por influência do cristianismo, a Igreja passou a acreditar que as pessoas com deficiência possuíam alma. As torturas e as mortes diminuíram, dando início às práticas caritativas e assistencialistas. ATENÇÃO É importante salientar que o movimento das Cruzadas, nos séculos XI ao XIII, liderado pela Igreja, resultou em um grande contingente de deficientes físi- cos. No entanto, só posteriormente, no período do Renascimento, o médico fran- cês Ambroise Paré (1510–1590) criou um método cirúrgico para amputados de guerra. Seu método aperfeiçoou a técnica de ligação das artérias danificadas para restaurar e curar a circulação sanguínea. Esse método substituiu a cauterização com ferro em brasa e azeite fervente. Além do mais, foi uma importante contri- buição para a criação das próteses ortopédicas. Ainda na Idade Média, a acondroplasia ou nanismo também era associado à feitiçaria. Os anões ora eram vendidos como escra- vos, ora serviam como “bobos da corte”, destinados a divertir os nobres em festas. As pesquisas de Aparecida Souza e Mancussi e Faro (2011) e de Karan e Lopes (2005) confirmam que, em 460 a.C., Hipócrates descreveu deformidades e articulações em um de seus livros do Corpus hippocraticum. Antes mesmo da era cristã, os movimentos eram usados como recurso terapêutico para corrigir deformidades do corpo, as então chamadas “diferenças incômodas”. Há informações de que Cláudio Galeno (130–199 a.C.) havia criado uma gi- nástica para o tronco e os pulmões, a fim de corrigir o tórax deformado. Entretanto, o humanista Jeronimus Mercurialis (1530–1606), médico e pedagogo italiano do século XVI, em seu livro Arte ginástica, publicado em 1569, resgatou a importân- cia dos exercícios físicos, aos modos da Grécia Antiga, como recurso terapêutico para as malformações corporais. capítulo 1 • 28 Entre os séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial, o uso das máqui- nas pelas indústrias possibilitou o benefício de aumentar a produção de bens e serviços em grande escala, mas, por outro lado, gerou um grande contingente de pessoas com deficiências físicas por conta de acidentes de trabalho e do manejo inadequado das máquinas. Na Alemanha, no ano de 1832, foi criada a primeira escola destinada a essa população (REBELATTO; BOTOMÉ, 1999). No Brasil, nas décadas de 1940 e 1950, a epidemia de poliomielite assolou o território nacional e foram criados os primeiros centros de reabilitação física por iniciativa da sociedade civil (BRASIL, 2010). Uma das primeiras foi a Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR), em 1954. CURIOSIDADE Você sabia que o Brasil erradicou a poliomielite, conhecida como paralisia infantil, na década de 1980? Poliomielite Palavra de origem greco-latina “pólio” = cinzento, “mielos” = medula e “ite” = inflamação. A poliomielite é uma doença infectocontagiosa viral aguda que pode gerar paralisia e morte, também conhecida por pólio ou por paralisia infantil. Fonte: Silva e Câmara (2011). Em São Paulo, em 1950, foi fundada a Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD) e, em 1958, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, foi criada a Associação Fluminense de Reabilitação (AFR). Sobre a deficiência mental/deficiência intelectual Como vimos no breve resgate histórico da deficiência, o sofrimento inerente a essa condição acompanha as pessoas até os dias atuais e é associado a preconceitos, estereótipos e atitudes de discriminação que potencializam sua situação de infe- rioridade na sociedade. capítulo 1 • 29 Sob essa ótica, na Antiguidade, sobre o indivíduo com deficiência mental, o débil mental, o idiota, o retardado, o anormal, como era chamado, recaíam medi- das extremas como a morte resultante da crença de possessão demoníaca e também em consequência do medo e da repulsa por sua aparência e seu comportamento. Com o cristianismo, essas atitudes tornam-se um pouco tolerantes por causa da ética cristã anunciar que esse indivíduo possui uma alma imortal e humana, e é um filho de Deus. Para o autor cristão Santo Agostinho (354–430), as crianças nascem idiotas para expiar a culpa dos pais por se afastarem de Deus, como explica Misès (1977). Mais tarde, Santo Tomás de Aquino defende que a imbecilidade não estaria relacionada a um pecado e seria resultado de uma demência natural. Na Idade Média, o idiota e o louco são explorados nas “festas dos tolos”, vistos como bobos e sem maldade. Instaura-se uma postura ambivalente na opinião da sociedade em relação a eles, ou seja, ora são alvos de rejeição, ora de proteção. A partir do século XVI, o interesse pelo estudo da deficiência mental despon- ta e é dominado pelas ciências médicas, inicialmente com os estudos de Cardano (1501–1576), Paracelso (1490–1541) e Plattner (1536–1614). No século XVII, destaca-se o médico Vicente Moles, que dividia a imbecili- dade em causas naturais e patológicas. Essa visão do comprometimento orgânico da deficiência, em 1664, foi consolidada com a publicação da obra de Thomas Willis (1625–1675) intitulada Cerebri Anatome, na qual tenta explicá-la com base em estudos anatômicos e fisiológicos (GIORDANO, 2000). No século XVIII, Misès nos informa que J. E. Foderé (1764–1835) publicou em 1791 o seu Tratado do bócio e do cretinismo, que reforça e consagra a ideia do fatalismo hereditário da deficiência mental (GIORDANO, 2000, p. 26). capítulo 1 • 30 No início do século XIX, o médico, psiquiatra e reeducador de surdos-mu- dos dr. Jean Marc Gaspard Itard (1774–1838) foi o responsável pelo tratamento de um menino encontrado no sul da França, nas florestas de Aveyron, a quem deu o nome de Victor de Aveyron, um menino selvagem que vivera com os lobos, onde fora supostamente abandonado para morrer. Itard desenvolveu o primeiro trabalho médico-pedagógico para o ensino de uma criança com deficiência men- tal, com o objetivo de mostrar a possibilidade de educabilidade dessas pessoas. Suas técnicas e procedimentos se constituem nas matrizes que deram origem ao que, no futuro, ficaria conhecido como “educação especial”. LEITURA Leia o livro A educação de um selvagem: as experiências pedagógicas de Jean Itard. Autoras: Luci Banks-Leite e Izabel Galvão (Orgs.). São Paulo: Editora Cortez, 2000.O trabalho de Itard influenciou seus seguidores, que deram prosseguimento aos estudos e trabalhos com crianças e jovens com deficiência mental. Podemos citar entre eles Esquirol, Séguin, Maria Montessori, Decroly, Alfred Binet, en- tre outros. Jean Étiene Dominique Esquirol (1772–1840), psiquiatra francês, foi aluno de Philippe Pinel, com quem se aproximou do estudo da loucura – os “lunáti- cos”, como eram chamados os acometidos por essa doença à época. No campo da deficiência mental, Esquirol estabeleceu a diferença entre a doença mental (a demência) e a deficiência mental (amência). Sendo assim, ele não considerava a deficiência mental uma doença, mas um quadro em que as faculdades intelectuais estão permanentemente comprometidas impedindo o desenvolvimento pela edu- cação. Vejamos a opinião de Esquirol (apud Misès, 1977, p. 28-29) a respeito: Em seu livro, Pan (2003) nos relembra que Esquirol, em sua obra, estabeleceu dois níveis de retardo mental: a imbecilidade e a idiotia, que, mais tarde, recebe- riam as denominações de deficiência leve, moderada e grave, dependendo do grau de comprometimento de cada uma delas. Édouard Séguin (1812–1880), aluno de Itard, foi um grande defensor da educação para as pessoas com deficiência mental, porque pensava que as situações de aprendizagem escolar seriam capazes de alterar a conduta intelectual da pessoa. Por isso, é considerado o pai da educação especial, de acordo com Pan (2000). capítulo 1 • 31 A idiotia não é uma doença, mas um estado no qual as faculdades intelectuais não se manifestam nunca, ou não puderam desenvolver-se o bastante para que o idiota pudesse adquirir conhecimentos relativos à educação que recebem os indivíduos de sua idade, e colocados na mesma condição que ele. A idiotia começa com a vida ou nessa idade que precede o inteiro desenvolvimento das faculdades intelectuais e afetivas; os idiotas são o que devem ser durante todo o curso de sua vida; tudo revela neles uma organização imperfeita ou estacionária em seu desenvolvimento. Não se concebe a possibilidade de mudar esse estado. Ele desenvolveu vários exercícios para estimular o desenvolvimento das funções sensoriais. Também no século XIX, o médico britânico Jonh Langdon Haydon Down (1828–1896), estudando crianças com deficiência mental, descre- veu, em 1866, as características da síndrome que recebeu seu nome, a síndrome de Down, cujos casos englobam invariavelmente déficit intelectual. Maria Montessori (1870–1952) foi a primeira mulher italiana a se formar em Medicina. Era simpatizante das ideias de Itard e de Séguin, e fundou uma casa para tratamento de crianças com retardo mental, a Casa dei Bambini (Casa das Crianças), dando origem a várias outras casas nas quais desenvolveu seu modelo pedagógico de educação. Röhrs (2010) ressalta que a obra de Montessori apresenta pontos em comum com Ovide Decroly e com as abordagens de Pestalozzi. Na concepção montessoria- na, as crianças precisam de um ambiente apropriado para poder viver e aprender. É possível educar e transformar os seres humanos manipulando as informações sensoriais transmitidas para as crianças; portanto, a percepção tem papel central na aprendizagem, ao mesmo tempo que o desenvolvimento físico. Sendo assim, a organização e a interação com o meio são fundamentais. Entre outros aspectos da riqueza de sua obra, Maria Montessori “compreendeu que o ‘deficiente mental’ era responsabilidade da educação e não exclusivamente da Medicina” (RÖHRS, 2010, p. 47), mesmo sendo uma médica. Outro médico que também promoveu estudos nessa área foi Jean Ovide Decroly (1871–1932), contemporâneo de Montessori. Ele dedicou sua vida ao estudo das desvantagens mentais, das crianças anormais e com trauma de lin- guagem. Atribuiu à escola uma missão prioritária na prevenção desses problemas e se engajou na luta pela obrigatoriedade escolar em Bruxelas, a despeito de sua capítulo 1 • 32 formação médica. A sua defesa da aplicação dos mesmos procedimentos educa- tivos no ensino especial e regular provocou escândalo na educação tradicional na Bélgica. Ele foi acusado de transformar os próprios filhos em cobaias. Por outro lado, Decroly delega a responsabilidade médico-pedagógica pelo ensino à atuação interdisciplinar entre o médico, o psicólogo, o professor, e o assistente social; ou seja, uma atuação “psico-médico-sócio-escolar” (DUBREUCQ, 2010). Decroly também atribui um papel marcante à questão da educação infantil no que tange à ligação do corpo e pensamento, o sensorial e o perceptivo, o afetivo e o intelec- tual. Era crítico contumaz do modelo de educação da época, advogava em favor de uma escola “Para a vida e pela vida”. Assim, propõe uma escola que atenda com a mesma qualidade as diferenças das crianças, na qual se incluem as ditas normais e as ditas especiais. Nos fins do século XIX e início do século XX, o psicólogo francês Alfred Binet (1857– 1911) criou o primeiro teste de inteligência com o objetivo de identificar crianças que apresentavam dificuldades de escolarização. Em parceria com seu colaborador Théodore Simon, publicou revisões de seu teste, que passou a se chamar Escala Métrica de Inteligência Binet-Simon. De 1905 até 1911, ano da morte de Binet, a Escala Métrica sofreu considerá- veis revisões, como nos informa Zazzo, Gilly e Verba-Rad (1970). Como estudio- so das funções superiores do psiquismo, em seu teste Binet estava preocupado em estabelecer o diagnóstico da debilidade mental. Então, em 1904, foi encarregado por uma comissão ministerial para o ensino especial de criar um instrumento a fim de descobrir as crianças com retardo mental em função de um déficit de inteligência e aquelas cujo retardo se devia às condições desfavoráveis do meio e da escolaridade. Entretanto, a Escala Métrica respondia apenas ao estado atual da criança, fi- xando-a nos níveis de retardo, sem possibilidade de expressar um prognóstico futuro. Recebeu muitas críticas de psicólogos contemporâneos de Binet pelo fato de as questões do teste estarem saturadas de aquisições escolares, de conceitos relativos à linguagem e ao vocabulário dependente do meio escolar e do ambiente familiar da criança testada. Na Escala Métrica, Binet localizou a idiotia na idade mental de 2 anos, a imbe- cilidade em 7 anos e a debilidade mental em torno dos 10 anos de idade. Também capítulo 1 • 33 determinou os níveis de normalidade e de superioridade mental. A partir de seu teste foi possível estabelecer o indicador de quociente de inteligência, o chamado QI. Ao longo do século XX, o uso de testes e baterias psicométricas instaurou no campo da Psicologia uma escola chamada Psicometria. Os resultados dos testes passaram a servir mais para exclusão e segregação do que para inclusão social e educacional das crianças com deficiência. No que tange à questão da educação dos indivíduos com deficiência mental no Brasil, Mazzotta (1996) esclarece que, em 1874, teve início, na Bahia, um atendimento médico-pedagógico no Hospital Estadual de Salvador, depois deno- minado Hospital Juliano Moreira. Tratava-se de um atendimento assistencialis- ta com ausência de informações acerca das abordagens educacionais empregadas com as crianças. Muitas instituições foram criadas em todo território nacional para atendimen- to às crianças com deficiência nas primeiras décadas do século XX. Para atendi- mento específico à deficiência mental, podemos citar, por exemplo: • A Primeira Escola Especial para Creanças Anormaes, intitulada de Pavilhão Bourneville, que funcionou dentro do Hospício Nacional de Alienados no Rio de Janeiro, de 1903 a 1920, segundo Mueller (2000). • O Colégio dos Santos Anjos, em Santa Catarina, em 1909. • A Escola Especial Ulisses Pernambucano, em Pernambuco, em 1941. • A Sociedade Pestalozzi do Rio de Janeiro, no Rio deJaneiro, em 1948. • A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), no Rio de Janeiro, em 1954, e em São Paulo, em 1961. O movimento de integração: modelo médico da deficiência O movimento de institucionalização das pessoas com deficiência, em que pese o abrigamento oferecido, consolidou a condição de segregação da/na família e da sociedade, de modo geral. capítulo 1 • 34 Na primeira metade do século XX, foram criadas, no Brasil, diversas institui- ções e escolas, como as aqui citadas, destinadas ao atendimento de crianças com distintas formas de deficiência, mantidas pelo poder público e pela filantropia. A partir da década de 1960, surgem as primeiras legislações que visam a ofere- cer o atendimento educacional aos alunos excepcionais, denominação à época. O modelo de atendimento era baseado na Pedagogia Emendativa, preconizada pela Lei nº 1929 de 6 de dezembro de 1958, que dispõe sobre o ensino emendativo. Entre outras providências, a lei estabelece em seu art. 1º que: O ensino emendativo destina-se às crianças e adolescentes que, por suas condições individuais, não possam frequentar, com proveito, as escolas de ensino comum (anômalos do físico e da inteligência) ou cujas condições não aconselhem o seu convívio com alunos destas escolas (anômalos de caráter). Portanto, o ensino emendativo era desenvolvido de maneira a segregar os alu- nos considerados excepcionais, mantendo-os alijados do convívio com seus pares sem deficiência. No art. 3º da referida lei, observa-se que: Fica o Poder Executivo autorizado a criar escolas para anômalos do físico (débeis, cegos, surdos-mudos, amputados) ou classes especiais, anexas às escolas comuns, onde alunos dessa categoria possam receber ensino adequado. Parágrafo único – As classes especiais a que se refere este artigo poderão destinar-se, também, a amblíopes, semissurdos e portadores de defeitos de prolação e, bem assim, a tracomatosos*. Tracomatosos: Tracoma é uma doença oftalmológica contagiosa. Houve, dessa forma, um crescimento do número de espaços segregados para o atendimento a esses alunos, instaurando-se um verdadeiro sistema paralelo de educação. Com base nessa visão segregacionista e com amparo do viés médico-pe- dagógico, o art. 9º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 5.692/71 estabe- lecia “tratamento especial” para os alunos com deficiência física ou mental, os que se encontravam atrasados quanto à idade regular de matrícula e os superdotados. capítulo 1 • 35 A partir da década de 1960, o modelo médico da deficiência está associado e dá subsídios ao paradigma da integração escolar. Estrutura-se na concepção de que a deficiência é uma condição do corpo e de responsabilidade do indivíduo. Nesse sentido, a “cura” e a reabilitação ocorreriam pelo tratamento no campo das ciên- cias médicas, com o objetivo de tornar saudável e curada a pessoa com deficiência, a fim de que estivesse apta a aprender e ter seu direito à educação garantido. A escola, por sua vez, vai solicitar ao aluno e a sua família tratamento clíni- co ou terapêutico em diversas áreas médicas (Neurologia, Psicologia, Psiquiatria, Fonoaudiologia, Fisioterapia, entre outras), para que, depois de curado, o aluno tenha condições de aprender. Ela considera as dificuldades para aprender exclusi- vamente consequências de problemas associados à saúde. ATENÇÃO O modelo médico da deficiência exerceu influência (e ainda exerce) sobre a educa- ção e determinou formas de agir, pensar, sentir, e também o comportamento das crianças e dos professores, e prescreveu um modelo de educação à época. Desse modelo, condutas, comportamentos e procedimentos reminiscentes podem ser observados nas práticas cotidia- nas nas escolas atualmente. Estando curado e reabilitado em sua deficiência, de acordo com o paradigma da integração, o aluno poderia pleitear sua integração na escola regular. Para tal, deveria estar apto a se adequar ao modelo educacional vigente na escola regular. Havia um processo de normalização em que os movimentos sociais, muitos lide- rados pelas próprias famílias, tinham como objetivo retirar as pessoas com defi- ciência da segregação e do isolamento das instituições especializadas para inseri-las em condições sociais normais e semelhantes de participação, não apenas na escola, mas no trabalho, no lazer etc. Nas décadas de 1970 e início de 1980, o paradigma da integração vai se for- talecendo e difundido também com o impulso do conceito de mainstreaming, que previa a inserção do aluno com deficiência “o mais possível para os serviços educa- cionais disponíveis na corrente principal da comunidade” (SASSAKI, 1997, p. 32). capítulo 1 • 36 No final da década de 1980, o paradigma da integração foi se enfraquecendo, pois embora a pessoa com deficiência estivesse inserida nas escolas de classes especiais e nas escolas regulares, competia a ela se adaptar e superar todas as barreiras que obstavam sua aprendizagem e participação plena, tanto no sistema educacional como na sociedade em geral. Nesse sentido é que se faz a crítica ao modelo médico da deficiência, que tenta tornar essa pessoa o mais saudável para ser aceita. Por outro lado, para a integração, havia, como afirma Sassaki (1977), um esforço unilateral do indivíduo ou de sua família para inseri-lo socialmente. As instituições, em momento algum, se mobilizavam para entender e atender às necessidades específicas desses sujeitos. Ou seja, o paradigma da integração não satisfaz plenamente os direitos de todas essas pessoas, pois a sociedade e os poderes públicos instituídos se omitem de sua responsabilidade para com elas. O movimento de inclusão: modelo social da deficiência O modelo integracionista começa a ser questionado nos círculos acadêmicos e científicos no Brasil, coerentemente com as discursões internacionais sobre os direitos humanos, alicerçados no resgate de dispositivos legais que têm como eixo estruturante a Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, no pós-guerra. Diante da exclusão persistente na sociedade, a desigualdade social mantém os sujeitos alijados de seus direitos estabelecidos constitucionalmente, principalmen- te o das pessoas com deficiência, porque, considerados incapazes de aprender e de produzir, não conseguem responder às expectativas do mundo capitalista. Ao final da década de 1980 e início da década de 1990, o Brasil foi impul- sionado em direção à reflexão e luta pelos direitos humanos por força também de importantes movimentos nacionais, como a Constituinte, da qual se originou a nova Constituição do país, no ano de 1988. capítulo 1 • 37 Chamada de “Constituição cidadã”, estabelece o resgate dos direitos dos brasileiros, aviltados e subtraídos durante o período do Golpe Militar, que durou cerca de vinte anos. Do ponto de vista internacional, o Brasil passa a assumir, como signatário, as deliberações resultantes de grandes encontros, como a Conferência Mundial de Educação para Todos (Education For ALL), que ocorreu em Jontiem, na Tailândia, em 1990, e a Conferência Mundial de Salamanca, na Espanha, em 1994, encontro que originou a Declaração de Salamanca, documento considerado um divisor de águas no campo da educação especial. As deliberações indicam a centralidade da educação como condição de eman- cipação do homem de qualquer esfera social, cor da pele, sexo, religião, entre ou- tras categorias, e como forma de se contrapor à barbárie da exclusão. Tal exclusão é alicerçada em condutas e atitudes de discriminação e de preconceito. A inclusão social não pode prescindir da capacidade do respeito às diferenças e da garantia aos direitos inerentes ao ser humano. Assim, ela se caracteriza pela busca da sociedade e da escola em aceitar, acolher e se modificar para responder às demandassociais e de aprendizagem das pessoas com e sem deficiência. Nesse caso, a sociedade e a escola passam a ver a deficiência com um olhar social. De acordo com o modelo social da deficiência, os problemas das pessoas em consequência de sua deficiência são potencializados pelas condições do meio ambiente em que estão inseridas. São as condições sociais que acarretam incapacidade, colocando a pessoa em situação de desvantagem para desempenhar seus papéis na sociedade ou na escola. Portanto, seguindo o paradigma da inclusão social, cabe aos poderes públicos e à sociedade se transformar e eliminar as barreiras atitudinais, físicas, tecnológi- cas, o que for, que impeçam o ser humano de ter acesso aos bens e serviços para capítulo 1 • 38 seu desenvolvimento e qualidade de vida. A sociedade e o meio ambiente, come- çando muitas vezes pela própria família, precisam mudar e modificar suas atitudes acerca das pessoas com deficiência – a começar pela certeza de que são capazes de aprender e produzir, se lhes forem oportunizadas condições de acesso e de apren- dizagem, de acordo com suas capacidades e singularidades. REFLEXÃO Como você imagina uma escola inserida em uma sociedade inclusiva? Que pessoas vocês consideram mais excluídas da escola no Brasil? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BANKS-LEITE, Luci; GALVÃO, Izabel (Orgs.). A Educação de um selvagem: as expe- riências pedagógicas de Jean Itard. São Paulo: Editora Cortez, 2000. BELARMINO, Joana. Associativismo e política: luta dos grupos estigmatizados pela cidadania plena. João Pessoa: Ideia, 1997. BIANCHETTI, Lucídio. Aspectos históricos da educação especial. Revista Brasileira de Educação Especial, São Paulo, UFSC, v. II, n. 3, p. 7-19, 1995. BULFINCH, Thomas. 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LEITURA Fragmentos do mito de Narciso Havia uma fonte clara, cuja água parecia de prata, à qual os pastores jamais levavam rebanhos, nem as cabras montanhesas frequentavam, nem qualquer um dos animais da flo- resta. Também não era a água enfeada por forlhas ou galhos caídos das árvores; a relva crescia viçosa em torno dela, e os rochedos a abrigavam do sol. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede. Debruçou-se para desalterar-se, viu a própria imagem refletida na fonte e pensou que fosse algum belo espírito das águas que ali vivesse. Ficou olhando com admiração para os olhos brilhantes, para os cabelos anelados como os de Baco ou de Apolo, o rosto oval, o pescoço de marfim, os lábios entreabertos e o aspecto saudável e animado do conjunto. Apaixonou-se por si mesmo. Baixou os lábios para dar um beijo e mergulhou os braços na água para abraçar a bela imagem. Esta fugiu com o contato, mas voltou um momento depois, renovando a fascinação. Narciso não pode mais conter-se, revoltado porque era desejado e amado por todas as ninfas e nunca tinha amado nenhuma delas. - Por que me desprezas belo ser? - perguntou ao suposto espírito - Meu rosto não pode causar-te repugnância. Tu mesmo não pareces olhar-me com indiferença. Quando estendo os braços, fazes o mesmo, e sorris quando te sorrio, e respondes com acenos aos meus acenos. Suas lágrimas caíram na água, turbando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou: - Fica, peço-te! Deixa-me, pelo menos, olhar-te, já que não posso tocar-te! Deitado à beira da fonte, Narciso foi perdendo cores, o vigor e a beleza até que, final- mente, morreu. As ninfas o choraram, mas não encontraram o corpo para cremá-lo. Encon- traram em seu lugar uma flor roxa, rodeada de folhas brancas que tem o nome e conserva a memória de Narciso. capítulo 1 • 41 Adaptado do livro de Thomas Bulfinch - O Livro de Ouro da Mitologia: História de Deuses e Heróis. Rio de Janeiro: Agir, 2015, p.108. capítulo 1 • 42 Diversidade e diferenças no contexto escolar 2 capítulo 2 • 44 Diversidade e diferenças no contexto escolar Diversidade, diferenças O que entendemos por diversidade? Ela envolveconcepções que vão muito além da compreensão de que as pessoas são fisicamente diferentes, possuem origem étnico-social diversa e se diferem pela personalidade que apresentam. Muito além da concepção do que se refere ao “di- verso”, o conceito de diversidade tem sido usado como sinônimo de deficiência, de diferença, de identidade, de desigualdade. As desigualdades estão relacionadas mais especificamente às oportunidades de participação socioeconômica dos sujeitos na vida em sociedade; as identidades se referem às noções que os sujeitos e os grupos de pessoas constroem de si mesmos, as formas de reconhecimento próprio, como “eu”, como individualidade única ou do grupo a que pertence. É a partir das relações com os outros que se constrói a noção de identidade. Isolado do grupo, da convivência social e do diálogo com os outros, a pessoa não desenvolve sua noção de “eu”, sua identidade. Identidade e diferença estão intimamente relacionadas. Ao me reconhecer como um “eu”, eu me reconheço concomitantemente como um “não eu”, por- tanto, diferente dos outros. A diferença, ao mesmo tempo em que nos identifica, nos diferencia. Porém, a sociedade historicamente qualificou as diferenças entre as pessoas, atribuindo graus de valoração positivos e superiores às características dos grupos sociais hegemônicos, de poder. Foram, então, identificadas, como capítulo 2 • 45 negativas ou inferiores, as características definidoras das diferenças para “menos”, para “baixo”; as que fogem ao padrão estabelecido pelos grupos majoritários. Especificamente utilizado para se referir às pessoas com deficiência, o termo diversidade avançou a partir de expressões carregadas de simbolismo negativo e pejorativo, para designá-las de maneira mais respeitosa e ética. Termos antigos – como imbecil, idiota, oligofrênico, demente, anormal, excepcional – serviam mais para desqualificar, agredir, menosprezar e discriminar as pessoas com deficiência do que para identificar sua alteração funcional. No âmbito da educação, o entendimento da diversidade está associado à con- dição de diferença, de multiplicidade. Nesse sentido, os termos deficiente, espe- cial, portador de deficiência, portador de necessidades especiais, muito utilizados no discurso acadêmico científico ao final do século XX, foram substituídos pela expressão “pessoa com deficiência”. Pois trata-se de uma “pessoa”, na concepção mais plena de “ser humano”. A diversidade se refere à multiplicidade de diferenças individuais na sociedade e na escola. Esta se constitui como um microcosmo da sociedade em que estão presentes indivíduos diferentes entre si em aspectos étnicos-raciais, linguísticos, religiosos; em aspectos socioeconômicos e em condições de funcionamento físico, emocional, intelectual, entre outras características. A diversidade, no entanto, pressupõe a heterogeneidade dos indivíduos ma- terializada pelas diferenças, que enfrentam resistências para serem aceitas por in- divíduos ou grupos que se consideram hegemônicos. São os ditos “normais”, que tendem a excluir de seu convívio negros, homossexuais, prostitutas, deficientes, doentes mentais – enfim, os outros, os diferentes. Tendemos a nos afastar do diferente, por medo, por desconhecimento, ou mesmo por indiferença; ou tendemos a nos aproximar, por curiosidade, por admi- ração ou por identificação. Ou seja, aproximamos o que é idêntico e afastamos o que é diferente. Além disso, há outras facetas no entendimento da alteridade – da- quilo que é relativo ao outro, da forma como percebemos o outro e sua diferença – explicadas pela Teoria das Representações Sociais. capítulo 2 • 46 NOTAS Teoria das representações sociais A Teoria das Representações Sociais constitui um campo multidimensional de estudo e pesquisas dentro das Ciências Humanas, que teve início na França, com Serge Moscovici, e que tem como um de seus principais expoentes a pesquisadora Denise Jodelet (2001). Para Jodelet, “as representações sociais são fenômenos complexos, sempre ativados e em ação na vida social”. Enquanto sistema de interpretação, é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a constru- ção de uma realidade comum a um conjunto social. Rege a nossa relação com o mundo e com os outros. A representação social é sempre representação de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito). As características do sujeito e do objeto nela se manifestam. A repre- sentação social tem como seu objeto uma relação de simbolização (substituindo-o) e de interpretação (conferindo-lhe significações). A particularidade do estudo das representações sociais é o fato de integrar na análise desses processos a pertença e a participação, sociais ou culturais, do sujeito. No âmbito da educação, as vítimas de processos históricos de exclusão vêm de- monstrando diferentes formas de resistência e mobilizando atores sociais como educadores, cientistas e políticos a se manifestarem em busca de alternativas con- tra a exclusão. Desses movimentos, surgiram: a) as associações de acolhimento e de defesa de direitos; b) diferentes dispositivos legais (leis, decretos, normas e pa- receres); c) além de políticas sociais que objetivam a construção de uma sociedade democrática e inclusiva. EXEMPLO Vejamos alguns exemplos: a) IBDD - Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência - www.ibdd.org.br/ AFR - Associação Fluminense de Reabilitação ANDEF - Associação Niteroiense dos Deficientes Físicos - www.andef.org.br/ IBC - Instituto Bejamin Constant INES - Instituto Nacional de Educação de Surdos FENAPAES - Federação Nacional das Apaes - https://www.apaebrasil.org.br/ b) Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei nº 9.394/1996 capítulo 2 • 47 Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069/1990 c) Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva Programa Nacional de Educação Inclusiva Direito à Diversidade Com um discurso politicamente correto e difícil de pôr em discussão, a di- versidade atualmente envolve a descrição daquilo que somos, como sinônimo de heterogeneidade, como reconhecimento da importância de ser distintos e de feste- jar essa diferença (ANGELINO M.; ALMEIDA, 2010, p. 212-213). Segundo as autoras, a diversidade está associada com a necessidade de reconhecer que grupos de pessoas diferentes estão relegados em seu direito de ser e em seu direito de par- ticipação social e cidadã. A inclusão social e educacional, dessa forma, se constitui como imperativo das atuais políticas públicas, buscando garantir o direito de ser, de estar, de aprender e de conviver, pilares da educação para este novo milênio. No cenário educacional, ao longo das últimas décadas e tomando como re- corte o período sucessivo à LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996), percebe-se o aumento do debate em relação à determinação da inclusão de pessoas com necessidades educacionais especiais nos sistemas re- gulares de ensino. Em seu art. 58, a educação especial deve ser oferecida prefe- rencialmente na rede regular de ensino. Essa determinação legal implicou no (re) conhecimento da presença do diferente, do diverso, do deficiente, do heterogê- neo, no espaço da sala de aula da escola comum. O direito inalienável à educação assume definitivamente seu espaço e seu papel de direito subjetivo, como consta na Constituição brasileira. A partir desse período, as escolas têm vivido tempos de desafios e de lutas, e já se constatam sinais de modificação desse cenário com o crescimento do número de matrículas de alunos com necessidades especiais na Educação Básica, de acordo com o Censo Escolar MEC/INEP (2013). Embora seja um crescimento promissor, o diagnóstico qualitativo deixa a de- sejar. Ainda há um número
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