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SOCIEDADE E CONTEMPORANEIDADE Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº .610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal. Conselho Editorial EAD André Cezar (Coordenador) Dóris Cristina Gedrat Thomas Heimman Mara Salazar Machado Andréa de Azevedo Eick Astomiro Romais Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) S678 Sociedade e contemporaneidade / Ana Regina Falkembach Simão... [et al.]. - Canoas: Ed. ULBRA, 2013. 146p. 1. Sociedade. 2. Contemporaneidade. 3. Era digital. I. Simão, Ana Regina Falkembach. II. Arruda, Arlete Aparecida de. III. Santos, Everton Rodrigo. IV. Almeida Neto, Honor de. V. Desaulniers, Julieta Beatriz Ramos. VI. Moura, Paulo Gabriel Martins de. VII. Nery, Maria Clara Ramos. CDU: 304 Editoração: Roseli Menzen Supervisão de Impressão Gráfi ca: Edison Wolf Gráfi ca da ULBRA Dados técnicos do livro Fontes: Palatino Linotype, Franklin Gothic Demi Cond Papel: off set 75g (miolo) e supremo 240g (capa) Medidas: 15x22cm ISBN 978-85-7528-483-4 APRESENTAÇÃO No Brasil, quem decide ser um profissional ou empreendedor com formação em nível superior revela diversas expectativas. Quer que seu currículo seja considerado diferenciado em meio a inúmeros outros currículos profissionais. Quer ter maior satisfação em seu trabalho ou empreendimento. Quer ganhar mais, seja como assalariado, seja como empresário. Quer pautar seu exercício profissional por maior qualificação em termos de conhecimento e prática, tornando-se com isso um agente de transformação social, política, econômica e cultural. Quer tornar-se um formador de opinião. Sem dúvida alguma, é muito provável que estas e outras expectativas sejam alcançadas. De modo sistemático, estudos e análises revelam que profissionais com formação em nível superior têm grandes vantagens e destaque na sociedade, no ambiente empreendedor e no mercado de trabalho no Brasil. Os cursos de graduação da ULBRA são projetados tendo por referência tais expectativas e querem acompanhar os estudantes que neles ingressam para que elas sejam alcançadas. São quatro as diretrizes fundamentais propostas pelos cursos: 1) Intermediar conhecimento atualizado, pertinente à área profi ssional e pautado permanentemente por inovação; 2) Mover os estudantes a cultivarem de modo intensivo sua formação pessoal (valores, princípios, caráter, hábitos e referências éticas); 3) Avaliar incessantemente seus conteúdos, práticas e formas sob o critério da empregabilidade de seus egressos; 4) Valorizar o empreendedorismo, ou seja, estabelecer em todos os âmbitos do curso e da universidade as condições para que os acadêmicos estejam imersos em uma cultura empreendedora e desenvolvam ou aperfeiçoem sua consciência empreendedora. A disciplina Sociedade e Contemporaneidade está entre as que de forma mais direta interpelam estudantes e professores em relação a essas diretrizes fundamentais. Independente do curso de graduação em questão, é essencial que todos os envolvidos – estudantes, docentes e equipes administrativas de suporte ao ensino – estejam referenciados em dois trilhos que correm paralelamente de modo indissociado, orientando o processo de formação como um todo: o projeto pedagógico do curso, com sua matriz curricular e todos os demais elementos que o compõem e a carreira profissional a ser construída. Nesta disciplina, abre-se concretamente a possibilidade de compreender, no contexto social, seja no mais próximo ou naquele mais amplo, levando em conta suas múltiplas facetas, as consequências e possibilidades para quem decidiu fazer um curso superior e construir uma carreira profissional diferenciada no mercado de trabalho e no ambiente empresarial. Os conteúdos a seguir, cuidadosamente redigidos e sistematizados por professores de alta qualificação e experiência, serão, por vezes, considerados desafiadores e complexos quanto à sua compreensão. O foco permanente na carreira que se está desenvolvendo, justamente por isso, será um grande auxílio a iluminar os passos de cada estudante em seu progresso e descobertas. Prof. Dr. Ricardo Willy Rieth Pró-reitor de Graduação Universidade Luterana do Brasil SOBRE OS AUTORES Ana Regina Falkembach Simão É graduada em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (1986), mestrado em História pela PUCRS (1993), com ênfase em Brasil, e doutorado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2005), com pesquisa na área de Integração Regional (MERCOSUL). É professora adjunta do curso de Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-SUL) e na Universidade Luterana do Brasil. É pesquisadora do Observatório Internacional de Cidades da Periferia (ULBRA) e do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Relações Internacionais da ESPM-SUL (NEPRI). Desenvolve pesquisa na área de Política Externa Brasileira e Teoria das Relações Internacionais. É editora da Século XXI, Revista de Relações Internacionais – ESPM/SUL. Arlete Aparecida de Arruda É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Planalto Catarinense (Uniplac) (1975), mestrado em Antropologia, Política e Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (1983) e doutorado em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (2010). Atualmente, é professora/pesquisadora da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas), atuando principalmente nos seguintes temas: prevenção coletiva, riscos socioambientais, riscos urbanos, gestão pública urbana, pensamento político brasileiro, política latino-americana, desastres naturais, planejamento urbano, participação política e projetos em políticas públicas. Everton Rodrigo Santos É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) (1992), mestre (1996) doutor (2005) e pós-doutor (2012- 2013) em Ciência Política pela UFRGS. É consultor e avaliador da Capes, professor e pesquisador da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e da Universidade 6 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a Feevale, atuando na graduação e pós-graduação stricto sensu. Como pesquisador é vinculado ao Grupo de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento Sustentável na América Latina da UFRGS, ao Grupo Metropolização e Desenvolvimento Regional da Feevale e ao Grupo Sociedade Informacional, Individualidades, Políticas Sociais da ULBRA. Também integra a Associação Latino-Americana de Ciência Política (Alacip) e a International Political Science Association (IPSA). Trabalha na área das Ciências Sociais e interdisciplinar, tendo publicado inúmeros artigos, capítulos de livros e livros. Tem como suas principais preocupações a temática da democracia, da cultura política, do capital social e das políticas públicas. Honor de Almeida Neto É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais e bacharelado pela PUCRS (1995), tem mestrado (1999) e doutorado em Serviço Social pela PUCRS (2004). Atualmente, é coordenador do curso de Ciência Política presencial e do CST em Gestão Pública na modalidade EAD da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA/Canoas). É professor titular no curso de graduação em Ciência Política e Gestão Pública EAD, e em cursos de especialização na modalidade presencial e em EAD. Orientamonografias de graduação e pós-graduação. Pesquisador com experiência na área das Ciências Humanas com ênfase na análise de processos de formação da Criança e do Adolescente e do impacto das NTIC na qualidade das relações humanas e sociais. Integra o Grupo de Pesquisa Sociedade Informacional, Individualidades, Políticas Sociais da ULBRA e o Grupo de Pesquisa Educação Social e Transversalidade. Participa do Fórum Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil (RS) e atua na defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes. Julieta Beatriz Ramos Desaulniers É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Unisinos (1973). Mestre em Sociologia pela UFRGS (1984) e doutora em Ciências Humanas – Educação, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Sorbonne/Paris (bolsa-sanduíche de um (01) ano). Publicou dezenas de artigos em periódicos especializados e trabalhos científicos em Anais, assim como livros e inúmeros capítulos em coletâneas. Quanto à sua produção técnica, constam mais de 150 itens. Procura realizar estágios de curta duração associados à participação em eventos na sua área de trabalho e, assim, reforçar intercâmbios já existentes com pesquisadores de/em vários países (Canadá, França, Espanha, Costa Rica, Portugal, Holanda, Alemanha, Bélgica, Venezuela, Colômbia, Chile, Itália). Suas pesquisas concentram-se em Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, que se constroem especialmente através de orientações de projetos de iniciação científica, trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses. Nos últimos anos, coordenou inúmeros Projetos de 7 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci aPesquisa, interagindo com múltiplos pesquisadores, com uma produção científica importante em coautoria. Desde 2006, integra o Banco de Avaliadores – de cursos, de IES e de EAD –, vinculado ao Instituto Nacional de Ensino Superior (Inep). No âmbito de assessoria e consultoria, atua em organizações sociais, privilegiando a perspectiva transdisciplinar, independentemente de processo (diagnóstico, monitoramento e avaliação), temática e\ou área do conhecimento (gestão estratégica de competências, formação de individualidades, tecnologias relacionais (TRs), inteligência coletiva, responsabilidade social, sustentabilidade, etc.), a serem desenvolvidos e/ou implantados. Paulo Gabriel Martins de Moura É graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais (1992), mestre em Ciência Política pela UFRGS (1998); doutor em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) (2004) e especialista em Educação à Distância pelo Senac/RS (2009). Atualmente, é diretor-presidente da PGM Editora e Consultoria em Comunicação e Análise Política e professor Adjunto com Doutorado da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Na ULBRA ministra as disciplinas de Ciência Política; Marketing Político e Pesquisa de Opinião. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político. Possui vários livros publicados, além de artigos acadêmicos e na imprensa. Edita o blog ProfessorPaulomoura.blogspot.com.br. Em seu currículo lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico- cultural são: Análise Política, Comportamento Político, Eleições, Marketing Político, Corrupção, Comunicação Política e Política Econômica. Em maio de 2009, assumiu a coordenação do curso de Ciências Sociais EAD da Ulbra. Maria Clara Ramos Nery É graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) (1987), bacharelado em Ciências Sociais pela Unisinos (1987); especialização em Educação Popular, pela Unisinos; mestrado em Sociologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) (2002) e doutorado em Ciências Sociais pela Unisinos (2011). Atualmente, é professora da ULBRA. Tem experiência na área de Sociologia, envolvendo também Sociologia da Religião; é membro do grupo de pesquisa de Ciências da Religião, cadastrado no CNPQ, da ULBRA; foi membro do grupo de pesquisa Religião e Sociedade da Unisinos; foi membro do NER (Núcleo de Estudos da Religião), do Programa de Pós-Graduação de Antropologia Social da UFRGS; foi professora substituta na área de Sociologia da Universidade Federal das Ciências da Saúde e tem experiência docente na área de Sociologia, atuando atualmente nos cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, da ULBRA. SUMÁRIO 1 PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ..............................................................11 1.1 Sociedade pós-industrial ...................................................................................12 1.2 A questão do consumo .......................................................................................13 1.3 A informação e a comunicação ...........................................................................14 1.4 A globalização ...................................................................................................14 1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneo ...................................................15 1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimento .......................................16 1.7 O Estado na contemporaneidade .......................................................................20 2 REDES SOCIAIS NA ERA DIGITAL...............................................................................23 2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todos ............................................24 2.2 Trabalho e consumo na sociedade-rede ...............................................................26 2.3 Comportamento social na sociedade-rede ..........................................................26 2.4 O poder do conhecimento na sociedade-rede ......................................................27 2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-rede .......................................29 2.6 Mudança política na sociedade-rede ..................................................................30 2.7 Poder simbólico na sociedade-rede ....................................................................30 3 NOVAS IDENTIDADES EM UMA SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO ..............................37 3.1 Indivíduo, individualidades, individualização .......................................................38 3.2 Identidades: uma categoria, várias abordagens ..................................................41 4 JOGO DE ESPELHOS: A CRISE DAS IDENTIDADES SOCIAIS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ...................................................................................................45 4.1 De que cultura estamos falando? .......................................................................45 4.2 O que se entende por “crise das identidades sociais contemporâneas ..................47 4.3 Sujeitos sociais modernos e contemporâneos .....................................................47 4.4 A crise das identidades nacionais .......................................................................50 4.5 Avanços ou retrocessos? ....................................................................................51 4.6 As três tendências .............................................................................................52 5 EDUCAÇÃO NA ERA DIGITAL .....................................................................................55 5.1 Era digital: pressupostos e possibilidades ..........................................................56 5.2 Sistema educativo e novas mediações ................................................................58 5.3 Impacto das novas mediações ao campo educativo .............................................60 6FRONTEIRAS DA TOLERÂNCIA: ETNICIDADE, GÊNERO E RELIGIÃO ..............................65 6.1 Fronteiras da tolerância étnica ...........................................................................66 6.2 Fronteiras da tolerância de gênero ....................................................................70 6.3 Fronteiras da tolerância religiosa .......................................................................75 7 TRABALHO E EMPREGO NO MUNDO DAS NOVAS TECNOLOGIAS ..................................81 7.1 A economia do conhecimento .............................................................................82 7.2 Empregabilidade na era da economia do conhecimento .......................................87 7.3 Planejamento e gestão de carreira – o profi ssional do século XXI ..........................92 8 OS NOVOS POLOS DE PODER E A ORDEM MUNDIAL CONTEMPORÂNEA .....................101 8.1 O que mudou? Sobre blocos e agrupamentos.....................................................102 9 ORGANIZAÇÕES E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA E SOCIAL NO MUNDO CONTEMPORÂNEO................................................................................................. 117 9.1 O poder nas sociedades antigas .......................................................................118 9.2 O poder na sociedade moderna ........................................................................118 9.3 A lógica do sistema ..........................................................................................120 9.4 A crise das instituições da era moderna ............................................................123 9.5 A emergência de um novo sistema ....................................................................124 10 MEIO AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE...................................................................129 10.1 Justiça socioambiental X O precifi car a natureza ............................................131 10.2 Os principais impactos trazidos pela sustentabilidade .....................................133 10.3 Economia verde: mais inclusão social, menos impacto ambiental .....................134 10.4 O preço da preservação..................................................................................136 10.5 Rousseau e o futuro que queremos .................................................................137 10.6 Que ações serão desenvolvidas como prioritárias, após a Rio+20? ...................138 10.7 As políticas e as leis ambientais .....................................................................142 1 PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Maria Clara Ramos Nery Introdução O presente capítulo abordará os pilares da sociedade contemporânea, envolvendo os aspectos que são característicos das transformações ocorridas em nossa realidade histórica, na medida em que estas transformações instauraram novas estruturas e influenciaram drasticamente a vida do homem no mundo. Não podemos pensar a vida contemporânea alijada dos pilares que constituíram, demarcaram e reconfiguram a realidade social, econômica, política e cultural do homem contemporâneo. Para tanto, nosso primeiro enfoque recai sobre a sociedade pós- industrial, em uma visão retrospectiva, para que possamos compreender a própria dimensão do conceito “pós-industrial”. O segundo enfoque recai sobre a questão do consumo, na medida em que este se configura como consequência da sociedade pós-industrial, não somente o consumo em si mesmo, mas o elevado consumo a dirigir a vida de indivíduos e grupos. O terceiro enfoque recai sobre a informação e a comunicação, porque, partindo destas, podemos compreender o que se denomina de “espírito de época”, pois cada contexto histórico constitui formas específicas de manejo da informação e da comunicação. O quarto enfoque recai sobre a globalização, na medida em que na contemporaneidade estamos convivendo com as consequências mesmas do processo de globalização ocorrido a partir do século passado (século XX). No quinto enfoque trabalhamos com o ambiente cultural no sentido de demonstrarmos as novas sociabilidades que surgem a partir dos contextos social, histórico, econômico e cultural. No sexto enfoque trabalhamos a sociedade de consumo, através da indústria do entretenimento e da influência da publicidade na busca de manutenção de elevando consumo por parte de indivíduos e grupos na atualidade e, por fim, 12 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a trabalhamos a questão do Estado na contemporaneidade, na medida em que não podemos mais compreender esta instituição centralizadora das relações de poder presentes nas sociedades da mesma forma que a compreendíamos no século passado. Buscamos sinalizar algumas de suas mudanças básicas. 1.1 Sociedade pós-industrial Refletirmos acerca dos pilares da sociedade contemporânea envolve fazermos uma breve retrospectiva sobre o conceito de sociedade pós-industrial. Este conceito surgirá na década de 60 e no início dos anos 70, quando vários sociólogos buscaram refletir sobre a sociedade pós-industrial e formularam uma interpretação acerca deste período. A partir das constatações dos sociólogos dos períodos citados houve a busca de desenvolver uma teoria da sociedade pós-industrial. Por que podemos dizer pós-industrial? Devemos considerar que o período do industrialismo estava pleno de dificuldades e apresentando inúmeras contradições que originaram novas concepções do que se pode compreender por sociedade industrial. O industrialismo, pelo que estava a apresentar, não poderia mais responder aos determinantes da sociedade capitalista em seu desenvolvimento no processo das relações de produção. Estavam a ocorrer inúmeras mudanças no que se compreendia anteriormente por fase industrial. Estas mudanças são atinentes à concentração de massas, ao predomínio dos trabalhadores na indústria, às descobertas de caráter científico em favor do processo produtivo, à intensa divisão social do trabalho, que estava a requerer cada vez mais trabalhadores especializados, também a própria separação entre o lugar em que se vive e o lugar de trabalho, onde cada vez mais foram sendo criadas as chamadas “cidades-dormitório”. Com o aumento significativo da produção em massa e consequente exacerbação do consumo, a mulher cada vez mais se destacando no mercado de trabalho e, por consequência, no contexto social, a intensificação da tecnologia como forma de dirimir a fadiga física do trabalhador e um processo que se pode denominar de “deteriorização intelectual”. A lógica da produção mecanizada e intensificada pela tecnologia favorece também a busca da informação fácil e imediata que começa a se delinear pela intensificação da mídia, enquanto forma de estabelecer as demonstrações dos produtos e favorecer o consumo imediato de bens de consumo materiais e simbólicos. A sociedade industrial, que sucedeu a sociedade rural, é agora, num processo de transformação histórica, superada pela sociedade pós-industrial. Devemos considerar que as transformações ocorridas no sistema informacional que envolveu novas tecnologias, notadamente no campo da comunicação, colocaram o industrialismo em pleno declínio, surgindo então a sociedade pós-industrial. Esta se caracteriza por ser a sociedade da informação, para a qual o conhecimento significa a grande riqueza a ser conquistada, na medida em que se constitui agora 13 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci aenquanto valor, valor de uso e valor de troca. Esta é uma transformação marcante no contexto da sociedade da informação, no contexto mesmo do que podemos conceber enquanto o império da informação e, repetimos, do conhecimento enquanto valor. Como sinal dos novos tempos, Bauman (2001), em sua obra Modernidade líquida, afirma que o capital é um viajante leveque possui apenas uma bagagem de mão, que envolve uma pasta, um telefone celular e um computador portátil. Dessa forma, podemos compreender a dimensão da sociedade da informação, ou seja, seu campo de abrangência. Devemos considerar o fato de que no âmbito da sociedade capitalista, que tem na oferta e na procura o seu pilar, no âmbito da sociedade da informação que se instaura. Há a intensificação deste binômio, no sentido de seu predomínio, para a fluidez das relações de produção da sociedade capitalista, agora alicerçado na informação de caráter midiático e tecnológico, considerando-se o surgimento da internet, marcando-se também o surgimento do mundo virtual. Uma característica marcante da sociedade pós-industrial se encontra no fato da descentralização, da pulverização de centros, estabelecendo-se novas formas de sociabilidade, na medida mesma em que não há mais a prevalência de um sujeito antagônico privilegiado. Porque não possuímos mais os indivíduos nos lugares por eles ocupados no contexto das relações de produção, mas em termos das relações de gênero, da concepção de natureza, da concepção acerca do mundo e do homem, por exemplo. Novas sociabilidades estas que se instauraram a partir do predomínio da internet, do avanço exacerbado dos dispositivos de comunicação móvel, que reconfigurou até mesmo nossa concepção anterior de privacidade. 1.2 A questão do consumo Devemos também considerar, no âmbito da sociedade pós-industrial, a questão do consumo, melhor dizendo, da intensificação do consumo, pois a mercadoria torna-se agora o essencial centro das práticas cotidianas. Invade o cotidiano através das estratégias de mídia levando à intensificação do consumo de bens materiais e simbólicos como elemento constituinte da vida do homem contemporâneo, tornando indivíduos e grupos aderentes às regras do consumo. Neste sentido, há também a intensificação da lógica atinente ao capitalismo de que todo o produto é vendável e visa ser efetivamente consumido. Ora, esta lógica atinente ao modo capitalista de produção, no contexto da contemporaneidade, envolve a satisfação de desejos que devem ser devidamente satisfeitos. Neste sentido, o que podemos dizer é que o valor a ser pago depende diretamente da confiabilidade da promessa de satisfação e intensidade dos desejos. Quando há o desejo, há consequentemente o objeto de desejo, como traço estrutural marcante da relação entre consumidores e objetos de consumo. Este fato altera drasticamente 14 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a o mundo produtivo. Essa alteração do mundo produtivo transforma a sociedade contemporânea na sociedade da informação, que por sua vez caracteriza a sociedade atual como a sociedade da comunicação e também do que na atualidade se denomina de mundo virtual. 1.3 A informação e a comunicação A informação e a comunicação consistem, em nossa compreensão, nos fundamentais pilares da sociedade contemporânea, na medida em que estabelecem alterações profundas no que concerne às sociabilidades em seus diversos campos e matizes. Há novas formas de sociabilidades que se instauram a partir do predomínio da informação e da comunicação. Mas convém destacar que esta nova forma de ser coletiva surge a partir de profundas alterações nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, pois as estruturas transformadas transformam realidades individuais e coletivas e estabelecem específicos repertórios de ações individuais e coletivas, que marcam e demarcam o que podemos denominar de “espírito de época”, no qual se encontram novos paradigmas sociais. 1.4 A globalização Torna-se também significativo, dentro dos limites do presente capítulo, compreender a influência da globalização nesta nova configuração social e produtiva que experienciamos na contemporaneidade. A globalização envolveu a constituição desta sociedade da informação, da comunicação, na medida em que a partir dela encontraram-se eliminados os centros, as fronteiras entre países e reconfigurada a concepção de identidade nacional, na medida em que esta se torna desintegrada enquanto resultado do processo de homogeneização cultural do “pós-moderno” global (HALL, 1998). Deve-se também destacar que estamos vivenciando a resistência à globalização pelo reforço de identidades locais, bem como o surgimento de novas identidades híbridas, que estão paulatinamente tomando o lugar das anteriores identidades nacionais. Segundo Canclini (2001), as identidades estruturam-se pela lógica dos mercados, estruturam-se pela produção industrial da cultura, pela sua comunicação tecnológica e pelo consumo diferido e segmentação de bens, pois devemos compreender que o que temos na contemporaneidade são expressões transterritoriais e multilinguísticas que são perpassadas pelo aspecto comunicacional. Neste sentido, segundo Esperândio (2007), a globalização na contemporaneidade envolve a ideia de abertura, mesmo que assimétrica de territórios/espaços, bem como tem a ver com a não separação de mundos, com o processo de expansão da produção e circulação do conhecimento, o processo de abertura de territórios 15 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci anacionais e subjetivos. Envolve ainda o que a autora denomina de não separação dos tempos: de trabalho e de não trabalho, no sentido de vida retribuída e vida não retribuída. A globalização envolve o aberto enquanto modo de vida, pois tudo se encontra publicado na rede, onde encontramos um ambiente não definido. Segundo Bauman (2001), o que passa a ocorrer é uma redefinição da esfera pública, enquanto palco de um grande teatro em que dramas privados se encontram encenados, publicamente expostos e também publicamente assistidos. Para Bauman (2001), há uma ressignificação da definição de “interesse público”, que é promovida pela mídia e amplamente aceita pela sociedade em todos os seus setores, sendo o dever de encenar tais dramas particulares em público e o direito do público de efetivamente assistir à encenação. Ora, sendo assim, o que percebemos como questões públicas, são ressignificadas na atualidade enquanto problemas privados de figuras públicas. 1.5 O ambiente cultural – o sujeito contemporâneo Não há no contexto das sociedades contemporâneas, por parte de indivíduos e grupos, a crença nas metanarrativas, essencialmente no contexto do ambiente cultural, com a formação de leis de caráter universal, mas sim há agora a presença da articulação de propostas que conjuntamente passam a constituir um modelo de trabalho adequado a uma situação empiricamente verificável (GADEA, 2007). Podemos perguntar: há um certo retorno a uma concepção mais pragmática do mundo, alicerçada nas necessidades mais urgentes de indivíduos e grupos? Devemos compreender que na contemporaneidade o processo de constituição das subjetividades estabelece uma redefinição crítica do que foi a sociedade do século passado, século XX, e nunca um retorno nostálgico (GADEA, 2007), mas, se consideramos os próprios determinantes de um consumo imediato, pode se constituir enquanto uma concepção mais pragmática do mundo e do homem, pois se origina uma nova forma de construção das identidades, destinada ao atendimento de impasses de caráter pessoal e não social, coletivo. As referências de que dispunham os sujeitos no contexto das sociedades modernas, através da racionalidade que acompanhava a modernidade, caíram por terra, e agora o sujeito da sociedade contemporânea encontra-se entregue a si mesmo. Sem os aportes necessários ao desenvolvimento de uma concepção de homem e de mundo que se paute pelo coletivo, mas por uma busca individualista pela resolução de problemas urgentes da vida pessoal. Daí também o processo de privatização das instituições, das crenças e dos valores que marcam nossa sociedade. Pois a realidadecotidiana atravessa o processo de individualização, ainda mais quando estamos falando, e devemos falar, de uma sociedade que se pauta pelo elevado consumo e 16 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a pela fugacidade da informação, originando uma “subjetividade flexível”, da qual nos falará Esperândio (2007). Há uma nova forma de encarar o afetivo, o emocional, que gera por parte de indivíduos e grupos nova forma de concepção do contexto social vivenciado, com suas instituições, normas, regras e relações de poder, estabelecendo-se, como não poderia deixar de ser, um espaço de tensão entre os determinantes sociais institucionais e o império das vontades. A busca pelo sentido de existência no âmbito das sociedades contemporâneas, calcado na individualização, na privatização do público, envolve outro aspecto que consideramos significativo abordar, enquanto traço estrutural marcante destas sociedades, que é a deserção social. Este processo marca a desmobilização e também a despolitização de indivíduos e grupos, na medida em que este pode ser considerado como um traço característico típico do neoindividualismo que estamos a experienciar em nossa contemporaneidade. Evidentemente, este processo se instaura pela ausência de uma ideologia clara a “ditar” os caminhos para indivíduos e grupos, mas ideologias claras não pertencem à estrutura das sociedades contemporâneas. Há e não há fronteiras em termos políticos, em termos de uma geopolítica, na medida em que se constitui a autoconsciência na ausência dos limites dos contornos culturais e sociais, uma vez que todo o processo envolve a vida nas sociedades atuais no contexto da impermanência das coisas (VATTIMO, 2007). Este mesmo processo de impermanência que se encontra presente nos leva para longe do controle e do autodomínio, porque nos encontramos submersos num campo de ação que desenvolve subjetividades de massas, as quais, por sua vez, possuem como alicerce a fragmentação do eu (MAFESSOLI, 2004). Fronteiras e não fronteiras se misturam diante do processo de fragmentação do eu, e todo esse processo origina- se enquanto característica típica do sujeito contemporâneo. 1.6 A sociedade de consumo – indústria do entretenimento Neste momento, consideramos necessário trabalharmos alguns elementos da sociedade de consumo. Na contemporaneidade, podemos dizer, sociedade de elevado consumo. A sociedade de consumo é um traço estrutural marcante do que se usou denominar de Indústria do Entretenimento, que efetivamente é explorada pelos meios de comunicação. Estes meios têm na divulgação indiscriminada sua principal característica, onde as mensagens são essencialmente diretas, fazendo com que a divulgação seja para todos, sem discriminações. Cabe destacar um aspecto histórico. A sociedade de consumo surge com a Revolução Industrial do século XIX e encontra-se diretamente relacionada com a efetiva consolidação do modo capitalista de produção e o processo de mercantilização do 17 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci atrabalho e maximização do lucro, instituindo a lógica do consumo e a supremacia deste acima de todas as coisas. No contexto da sociedade de consumo há a centralização da obtenção de determinados produtos por indivíduos e grupos, sendo que estes produtos a serem adquiridos não são somente mercadorias, mas mercadorias, práticas discursivas, estilos de vida, identidades grupais, ideias, signos e símbolos e assim por diante, que recebem conotação de caráter subjetivo. Para que possamos compreender este caráter subjetivo, devemos refletir acerca do valor simbólico que dado produto recebe pela mídia, como sinal essencialmente de status social. Ora, este valor subjetivo na maior parte das vezes transcende aos valores de limite de seu uso, ou seja, valor de seu uso funcional. O que vale em essência é o valor simbólico do objeto, seja sua marca, seja a sua conotação de status social. Os indivíduos e grupos no contexto da sociedade de consumo, adquirindo dado produto, parece que se situam na sociedade, pois nesta sociedade o homem passa a também se personificar através da aquisição de objetos e signos, e neste sentido o indivíduo consome para se situar e se sentir pertencendo à coletividade, ao mundo e ao sistema cultural, buscando obter assim na dimensão dos signos e significação do objeto adquirido um lugar na sociedade. Considerando este aspecto atinente à sociedade de consumo, devemos perceber que há no âmbito dos meios de comunicação, notadamente nos meios de comunicação de massa e também nas redes sociais digitais, um processo no qual se estabelecem padrões, se dirigem condutas e comportamentos que contribuem inclusive para o gerar ações de consumo sem crítica e reflexão, favorecendo desta forma o desenvolvimento do lucro, atinente a uma economia de mercado. Há um ponto a ser considerado aqui. Se pensarmos o indivíduo consumindo sem crítica e reflexão para sentir-se pertencendo à sociedade, estamos de certa forma refletindo no indivíduo enquanto ainda cidadão. Na sociedade contemporânea, podemos perceber que esta relação de um mínimo de cidadania através do consumo se encontra inexistente, pois na contemporaneidade a categoria de cidadão encontra-se completamente obstaculizada pela categoria de consumidor. O consumismo presente não atende mais as especificidades das necessidades, mas essencialmente atende ao desejo, que é volátil e efêmero e não referencial, na medida em que tem a si mesmo como objeto constante. Cabe destacar que os consumidores guiados pelo desejo devem ser constantemente produzidos (BAUMAN, 2001). Agora, o que podemos constatar é o fato de o indivíduo ser exatamente relacionado com o seu ter. O ser cede lugar ao ter. “Eu tenho, logo, sou.” O século XXI é marcado pelo elevado consumo, em que o homem é essencialmente o que pode comprar. Configura-se assim um novo processo potencializado pelas redes sociais digitais. Não é demais destacar que se constroem novas formas de sociabilidade que se marcam e se pautam por dissoluções e descontinuidades. Segundo Gadea (2007), na contemporaneidade constitui-se uma sociabilidade emergente que se pauta pela negação da produtividade e do utilitarismo. Este 18 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a aspecto acarreta um mundo social que apresenta incapacidades diversas na esfera da convivência, ausência de afetividade e perda de atitudes mínimas de solidariedade, que tende a se marcar pela intolerância e pela violência. As tecnologias da informação e da comunicação eletrônica permitem a compressão (ou supressão) da relação tempo-espaço e a ruptura com a concepção moderna de relação linear com o tempo. Sendo assim, a contemporaneidade pauta-se pela contingência, pela eventualidade, pela imediaticidade do aqui e do agora, que parece ser sem passado e sem futuro, pois a orientação temporal das condutas de indivíduos e grupos dirige-se ao presente determinado pela realidade cotidiana, que parece ter no elevado consumo de bens materiais e simbólicos seu próprio sentido. Deve-se destacar o fato de ser a sociedade contemporânea alicerçada na competição de mercados e, como dissemos anteriormente, no processo de aumento do consumo por parte de indivíduos e grupos. Para tanto se faz necessário algumas considerações acerca da significação da mídia na sociedade contemporânea, pois a mídia necessita “informar” e “dirigir” aos consumidores os produtos que devem ocupar lugares em seus desejos e em suas mentes, enquanto estratégia de comunicação, que objetiva o efetivo consumo de produtos que estão no mercado para serem adquiridos, dentro mesmo da lógica mercadológica da sociedade contemporânea. Mas que mídia? A mídia do rádio, do jornal, da televisão, da revista? Na sociedade contemporânea, vamos para além dasmídias conhecidas, pois estamos no campo da multimídia, como forma mais eficiente de publicidade dos produtos a serem consumidos. Os recursos multimídia proporcionam maior visibilidade dos produtos, na medida em que este recurso de comunicação é mais abrangente em termos do consumidor- alvo. Coloca-o em relação direta com a imagem do produto, fazendo com que a visibilidade deste seja mais rápida e eficiente em sua técnica, ou que recursos técnicos possibilitem ao consumidor maior atratividade do produto. Os recursos multimídia permitem uma maior eficiência da publicidade em suas estratégias comunicacionais, que, podemos dizer, influem diretamente no próprio desejo do consumidor, gerando maiores possibilidades de consumo na medida em que atingem a um grupo maior de indivíduos aptos a consumir os produtos anunciados. O uso em simultaneidade de vários meios de divulgação gera com relação ao consumidor maior índice de afinidade ou não com o produto a ser consumido. Este fato, por sua abrangência, envolve também a não seleção mais refletida por parte do consumidor, influindo no desejo e na mente dos indivíduos, pois há procedimentos mais imediatistas com relação à aquisição do produto anunciado. Devemos considerar que os recursos multimídia da publicidade na sociedade contemporânea efetivamente criam a moda, ou seja, o que se pode denominar o produto do momento. Criando a moda, criam efetivamente ações de consumo que 19 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci adirigem o comportamento do consumidor em potencial. A moda origina efetivas práticas de consumo que se encontram diretamente relacionadas com a busca da sensação de pertencimento ao social, ao espaço social, pois iguala indivíduos e grupos a partir do produto consumido. Envolve a ausência de consequências. A moda estabelece padrões de comportamento a partir do status gerado pelo produto consumido. Isso se expressa enquanto significativo no contexto da sociedade contemporânea, uma vez que, sendo a sociedade de consumidores, a ênfase dos recursos multimídia utilizado pela publicidade abrange significativos segmentos sociais que tudo irão fazer para encontrar-se inseridos nas próprias relações de mercado que se estabelecem, uma vez que há a ligação do consumo a uma forma de autoexpressão, pois o indivíduo passa a expressar a si mesmo através de suas posses (BAUMAN, 2001). A influência da moda, criada pelos recursos multimídia aplicados pelas estratégias da publicidade, transformam as identidades em voláteis e instáveis, pois se determinam pela capacidade de “ir às compras”, no que Bauman (2001) denomina de supermercado das identidades. Os recursos multimídia adotados pela publicidade na contemporaneidade envolvem pensarmos acerca do fato de que na sociedade de consumidores há a presença do traço característico típico de ser esta a sociedade de não produtores. Segundo Bauman (2001), a vida que se organiza a partir do consumo se constitui enquanto uma vida sem normas, pois se orienta pela sedução, criada pela moda das ações publicitárias multimídia, fomentando desejos, gerindo-se não mais por uma regulação normativa. A publicidade alicerçada nos recursos multimídia envolve a vida contemporânea e do sujeito contemporâneo, na mediação das imagens eletrônicas. A não regulação de todas as imagens do mundo, ou jogos de linguagem, a partir das pessoas “multifuncionais” e das palavras “polissêmicas”, alicerçadas na legitimação das imagens do mundo, leva ao surgimento do que podemos denominar de fim das metanarrativas. A polissemia das palavras, o pluralismo e a fragmentação são então configurados, como forma de uma realidade fragmentada, em que a universalidade, enquanto forma de consenso, não mais existe. Podemos então perceber que este processo no campo comunicacional instaura uma nova forma de ser diante da realidade, pela diversificação dos contextos sociais e históricos, determinados pelo consumo, pela sociedade da informação, pelo advento da mídia de massa em sua dimensão multimídia, que são determinantes de padrões comportamentais de consumo no contexto do cotidiano do homem contemporâneo. Devemos compreender que a vida no século XXI é mediada por imagens eletrônicas que não nos permitem o não responder aos outros, como “se suas ações e as nossas, estivessem sendo gravadas e transmitidas simultaneamente para uma audiência escondida, ou guardadas para serem assistidas mais tarde” (BAUMAN, 2001, p.99). Este aspecto envolve diretamente as relações multimídia, presentes em nossa 20 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a realidade, bem como envolve a vida na telinha, pois as imagens eletrônicas acabam por permitir um certo grau de “liberdade”, para não vivermos a vida vivida, na medida em que esta parece aproximar-se do irreal, como um videotape, que se constitui no apagável, sempre pronta para a substituição das velhas gravações pelas novas (BAUMAN, 2001). Este processo de “apagamento do real” é fomentado e potencializado pelas relações multimídia no campo efetivo da publicidade e consequentes relações de mercado. Consideramos significativas as palavras de Jeremy Seabrook, citado por Bauman, quando aponta que: O capitalismo não entregou os bens às pessoas; as pessoas foram crescentemente entregues aos bens; o que quer dizer que o próprio caráter e sensibilidade das pessoas foi reelaborado, reformulado, de tal forma que elas se agrupam aproximadamente... com as mercadorias, experiências e sensações... cuja venda é o que dá forma e significado às suas vidas. (SEABROOK, apud BAUMAN, 2001, p.100) Podemos então perceber a influência da publicidade multimídia presente em nossa realidade. Esta influência envolve diretamente as identidades individuais e coletivas. Há maior mobilidade e flexibilidade da identificação que caracterizam a vida determinada pelo “ir às compras” (BAUMAN, 2001) no atendimento aos desejos criados pela instauração da moda através dos meios de comunicação em suas múltiplas dimensões, essencialmente em sua dimensão multimídia. Mas enquanto consequência deste processo, o que se constata é que as tarefas que deveriam ser compartilhadas por todos, agora no contexto mesmo da sociedade de elevado consumo, devem ser realizadas por cada um, e este aspecto acaba por dividir as situações humanas e induz a uma competição mais voraz, não unificando a condição humana, antes inclinada a gerar cooperação e solidariedade (BAUMAN, 2001). Neste sentido, a vida humana no mundo contemporâneo reveste- se de competitividade, em que cada um é responsável por si mesmo, no universo fragmentado das relações multimídia como forma determinante das identidades individuais e coletivas. 1.7 O Estado na contemporaneidade Algumas breves palavras sobre a questão do Estado, no contexto da contemporaneidade. Há a predominância do enfoque em termos dos direitos coletivos, que conhecemos enquanto os direitos sociais, que são classificados como direitos difusos ou também direitos de terceira geração. A instituição do Estado é, no contexto atual, um ente de direitos e deveres, direitos e deveres esses que muitas vezes pode também se confrontar com os interesses dos segmentos subalternos da população e também dos segmentos dominantes. 21 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci aO Estado assistencialista entrou em conflito com os próprios determinantes do capitalismo, na medida em que, para que este mesmo capitalismo flua, se tornou necessária a acentuação da demanda de produtos. Neste mesmo sentido, o Estado contemporâneo, no âmbito de suas políticas, se rege pela proteção da “regra” capitalista da oferta e da procura, que se constitui enquanto os fundamentais pilares do capitalismo. Este aspecto permite que possamos perceber que a nação, que anteriormente era a “outraface” do Estado e o principal instrumento de luta pela soberania considerando-se o território e sua população, encontra-se na contemporaneidade divorciada deste mesmo Estado, pois há um processo de distanciamento entre nação e Estado. Segundo Bauman (2001), o Estado não é mais a ponte segura a recorrer. A liberdade da política, das relações de poder do Estado, encontra-se de certa forma implodida por novos poderes de caráter global, pois se torna cada vez mais difícil resgatar os serviços de certeza, segurança e garantias proporcionados pela instituição do Estado (BAUMAN, 2001). A instituição do Estado, na contemporaneidade, não encontra mais o potencial mobilizador da nação, na medida em que dele necessita cada vez menos, pois o que se apresenta em nossa realidade atual é a substituição pelas “unidades high-tech elitistas, secas e profissionais, enquanto a riqueza do país é medida, não tanto pela qualidade, quantidade e moral de sua força de trabalho, quanto pela atração que o país exerce sobre as forças friamente mercenárias do capital global” (BAUMAN, 2001, p.212). Esta afirmação de Bauman nos permite compreender a reconfiguração da instituição do Estado no contexto mesmo de uma sociedade globalizada, ou seja, não mais o Estado provedor dos benefícios sociais, mas alicerçado nos ditames do capital financeiro internacional, em termos de novos poderes globais. Pode-se perceber que no âmbito das sociedades contemporâneas houve profundas alterações em seus modos de existência como efeito mesmo da nova configuração do modo capitalista de produção, do capitalismo planetário, do avanço tecnológico e da necessidade de expansão dos mercados. Neste contexto, originam-se novas subjetividades para dar conta das próprias exigências que foram impostas pela rearticulação do modo capitalista de produção, pois a vida passa a ser comercializada a partir deste novo modelo do capitalismo (ESPERÂNDIO, 2007). Aludimos, no presente capítulo, aos pilares da sociedade contemporânea. Buscamos deixar claras as transformações históricas ocorridas, que delinearam a configuração das sociedades hoje, bem como delinearam o homem de hoje na constituição principalmente de novas sociabilidades. Tomamos este caminho para também deixar claro o fato de que o homem não se encontra alheio às transformações estruturais de seu mundo, pois há uma relação intrínseca entre indivíduo e contexto, indivíduo e estrutura, pois não compreendermos a influência das estruturas na própria constituição dos sujeitos é não compreendermos nossa realidade individual e coletiva. É não compreendermos o fato de que “as estruturas são estruturantes” de toda a conduta humana no mundo. 22 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a PILARES DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA 1) MUDANÇAS DRÁSTICAS DA FASE INDUSTRIAL 2) GLOBALIZAÇÃO 3) SOCIEDADE DE CONSUMO 4) A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO – CONHECIMENTO = VALOR 5) CONSUMISMO – enquanto diversidade de produtos, de ofertas 6) INTENSIFICAÇÃO DOS RECURSOS MULTIMÍDIA + PUBLICIDADE 7) RECONFIGURAÇÃO DO PÚBLICO E DO PRIVADO 8) NOVAS FORMAS DE SOCIABILIDADE 9) INTENSIFICAÇÃO DE MODISMOS PARA MAIOR CONSUMO 10) RECONFIGURAÇÃO DO ESTADO-NAÇÃO Referências BAUMAN, Zigmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. CANCLINI, Nestor G. Consumidores e cidadãos: confl itos multiculturais da globalização. 5. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2001. ESPERÂNDIO, Mary R. G. Para entender pós-modernidade. São Leopoldo: Sinodal, 2007. GADEA, Carlos A. Paisagens da pós-modernidade. Cultura, política e sociabilidade na América Latina. Itajaí: Univali Editora, 2007. HALL, Stuart. Identidades e pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. VATTIMO, G. O fi m da modernidade. Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2007. 2 REDES SOCIAIS NA ERA DIGITAL Paulo G. M. de Moura Introdução O período atual da história é dos mais complexos já experimentados pela sociedade humana. Vivemos um tempo nervoso; tenso. Somos cotidianamente pressionados para sermos mais produtivos no trabalho, para contribuirmos com a redução de custos das nossas empresas e para trabalharmos cada vez mais e mais rapidamente. Recebemos cargas de informação multimídia o tempo todo e por diversos veículos e canais simultâneos. Nossa vida está cercada de aparatos tecnológicos que requerem conhecimento para serem operados. Através deles interagimos com pessoas de quaisquer lugares do mundo. Cada vez precisamos estudar mais, nos atualizarmos e, mesmo assim, percebemos que o que aprendemos se torna obsoleto muito rapidamente, exigindo- nos mais e mais esforços se quisermos preservar ou galgar posições no mercado global e competitivo dos dias atuais. Crises de todo tipo povoam os noticiários, deixando-nos com a impressão de que o fim do mundo é iminente. Pessoas enlouquecem; ficam estressadas, buscam na religião e no misticismo o amparo de que precisam para se equilibrar nesse mundo de constantes, rápidas e complexas transformações. Cada um escolhe seus caminhos. A construção do futuro está em nossas mãos, seja como indivíduos, seja como sociedade. Precisamos compreender a sociedade em transformação, de modo que possamos melhor nos situar dentro dela, e escolher caminhos de forma mais consistente, amparada em informações confiáveis e não apenas no senso comum, no 24 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a conhecimento difuso, não sistematizado e cheio de preconceitos e desinformação, que nos chega aos ouvidos na rua ou nos meios de comunicação a todo o momento, por vezes nos induzindo ao erro; a nos movermos por instinto e não pela razão. Nunca antes foi tão importante compreender o ambiente em que estamos para nele sobrevivermos, projetarmos o futuro e construirmos o caminho que queremos trilhar, em direção às metas que nos são impostas ou que escolhemos perseguir. Muitas vezes, aqueles de nós que escolhemos profissões técnicas desdenhamos a importância das Ciências Sociais. Achamos que não é necessário entender o social para sobrevivermos num mercado de trabalho que nos demanda, cada vez mais, a hiperespecialização técnica. Tal como maus motoristas numa estrada escura; esquecemos de ligar o farol alto, e dirigimos olhando apenas para o espaço imediatamente à frente, iluminado pela luz abrangente, mas de curto alcance, que nos proporciona o farol baixo. O farol baixo é o conhecimento técnico, aplicado e muito útil para a sobrevivência no dia a dia. O farol alto é a cultura geral e o conhecimento teórico, que nos são imprescindíveis para enxergarmos mais longe; para escolhermos caminhos. Os dois tipos de conhecimentos são úteis e necessários. Mas, hoje em dia, quanto mais técnica e especializada a atividade que exercemos, maior o risco que corremos de que novas descobertas científicas e tecnológicas tornem obsoleto o conhecimento que temos, levando consigo nossos postos de trabalho, nossa profissão até. Por isso, agora como nunca, é preciso buscar a cultura geral e o conhecimento teórico sobre a realidade complexa que nos cerca, para que possamos transformar o período de intensas e rápidas mudanças pelo qual estamos passando, em oportunidades para nosso crescimento, e não em ameaças à nossa sobrevivência, em função da nossa incompreensão sobre o que se passa à nossa volta, e de nossa incapacidade, daí decorrente, para perceber as oportunidades e tomar as decisões certas. 2.1 A tecnologia mudando a vida de cada um e de todos As mudanças tecnológicas, ao longo da história, antecederam grandes mudanças econômicas, sociais, políticas e culturais. As tecnologias interferem diretamente na forma com nós produzimos aquilo de que necessitamos para viver em sociedade. Sempre que desenvolvemos novas tecnologias para tornar mais eficientea forma de produzir bens e realizar serviços ou melhorar nossas vidas, somos levados a reorganizar nossa maneira de trabalhar, e, com isso, terminamos mudando, também, nosso modo de vida. O desenvolvimento da tecnologia digital e a fusão da informática com as telecomunicações, associadas às tecnologias de automação que vêm sendo 25 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci aimplantadas no mundo do trabalho e na vida cotidiana dos cidadãos contemporâneos está proporcionando o surgimento de uma realidade nova, infinitamente mais complexa do que a vigente na sociedade até então. O uso em escala comercial e em âmbito mundial de sistemas de transporte de grandes quantidades de mercadorias e passageiros, permitindo deslocamentos rápidos de um lado para outro do planeta, agrega-se a esse processo de transformação, introduzindo mais complexidade às mudanças que estão ocorrendo nas relações sociais a partir do impacto dessa nova realidade sobre a vida individual e coletiva na sociedade contemporânea. O paradigma estruturador desse novo sistema é o das relações-rede. Desde que nos entendemos como sociedade desenvolvemos redes de relacionamento social. Temos redes de contatos profissionais, redes de amigos, redes de consumidores de certos produtos e serviços. Essas redes de relacionamento, portanto, já existiam antes do surgimento da base tecnológica da sociedade atual. Mas esse fenômeno foi ampliado em sua abrangência a partir do uso em escala das redes digitais de comunicação. Por relações-rede entendem-se relações sociais entre indivíduos e/ou grupos e organizações, estabelecidas tal como acontece nas redes de computadores e na internet. A ampliação da abrangência e do impacto das relações-rede pelo uso das redes de comunicação baseadas em tecnologia digital ocorre devido às características intrínsecas a essa tecnologia. O meio digital possibilita a ampliação em larga escala da quantidade de canais disponibilizados a usuários de perfis diversos. Permite, também, o uso do mesmo suporte para veiculação de informações em linguagem multimídia, isto é, através de arranjos múltiplos, combinando mensagens com dados, imagens, som e texto. Torna-se possível ainda, com a tecnologia digital, a interatividade e a multidirecionalidade da comunicação entre emissores e receptores; a intervenção do receptor sobre a mensagem recebida e sua reelaboração conforme a livre interpretação do receptor, que, assim, se converte em emissor. A rede digital cria, então, uma dimensão virtual de relacionamentos sociais e comunicacionais de novo tipo, pois, em função dessas características da tecnologia digital, estabelecem-se relações multidimensionais entre emissores-receptores e receptores-emissores no espaço intangível que vem sendo chamado de realidade virtual, ou de nuvem, como se define esse espaço virtual no qual se armazenam ou por onde transitam as informações que jogamos para dentro das redes de computadores. Essa combinação de fatores, por sua vez, levou à multiplicação, em escala exponencial, das relações interativas entre indivíduos direta ou indiretamente conectados por esse sistema, influenciando, inclusive, o surgimento de novas relações-rede entre indivíduos. 26 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a O conceito de relação-rede pressupõe que essas relações sociais de novo tipo, isto é, estabelecidas sob o impacto direto e indireto da tecnologia digital, vão, gradativamente, se sobrepondo ao paradigma das relações analógicas, sincrônicas, lineares, unidirecionais, unidimensionais e verticais, típicas da matriz sistêmica da sociedade urbana e industrial. 2.2 Trabalho e consumo na sociedade-rede Todas as sociedades desenvolvem matrizes organizacionais que as caracterizam. As estruturas sociais, de produção ou de poder, possuem relação com a matriz tecnológica de cada sociedade. Dessa forma, quando a humanidade produzia de forma artesanal e predominava a agricultura, nossos valores culturais e formas de organização eram diferentes daqueles que estabelecemos como sociedade após o surgimento das fábricas, dos equipamentos mecânicos e das cidades. A matriz sistêmica da sociedade contemporânea é tecnológica e fortemente marcada pela presença das redes digitais. Numa sociedade cuja matriz sistêmica é baseada nas relações-rede, articuladas em escala mundial, a riqueza também circula nessa teia, na velocidade do pensamento. As relações-rede revolucionaram os sistemas de comunicação e, simultaneamente, os métodos de gestão da produção. A sincronização e a massificação das mercadorias padronizadas pelo método da especialização do trabalho na linha de montagem, típicas da produção industrial, foram convertidas em assincronia, aleatoriedade e segmentação da produção e do consumo da produção automatizada e seus métodos revolucionários de gestão. Do mundo do trabalho e do consumo, essas relações influenciaram as relações sociais propriamente ditas, alterando comportamentos, atitudes, a visão de mundo, os valores e as formas de convívio entre pessoas e grupos sociais, em escala local e global, especialmente a partir da conexão digital entre usuários domésticos através da televisão e da internet. Em seguida, a mobilidade da telefonia celular e dos computadores portáteis possibilitou a conexão 24 horas que registra taxas de crescimento impressionantes no mundo todo. 2.3 Comportamento social na sociedade-rede O impacto da comunicação estabelecida através desses meios, em escala global, muda o comportamento social dos milhões de usuários dessas tecnologias; influenciando as relações sociais, políticas, econômicas e culturais individuais e coletivas; substituindo em velocidade e abrangência impressionantes a comunicação e o comportamento de massas, típico da matriz industrial, que se baseava na oferta de enormes quantidades de produtos iguais para consumo de massas. No mundo das comunicações, a lógica era a da emissão de uma só mensagem-mercadoria de 27 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci acada vez, para milhões de pessoas, através de canais padronizados e unidirecionais de comunicação e distribuição. Os canais de televisão aberta transmitindo a mesma programação, ao mesmo tempo, para milhões de pessoas em todo o País, são o exemplo típico dessa lógica. Inicialmente, os analistas que estudavam a globalização das comunicações em redes imaginavam que disso resultaria a homogeneização da cultura mundial e o desaparecimento das diferenças pela padronização do consumo de produtos das marcas globais. O erro dessas análises estava na aplicação da ótica da massificação industrial do passado à análise de uma sociedade e de uma economia que não é mais industrial, mas, sim, pós-industrial. Esses estudiosos ignoravam o efeito da compressão – ou supressão – da relação tempo-espaço sobre os processos sociais; da interatividade, da multidirecionalidade e da multidimensionalidade das relações que se estabelecem entre os indivíduos conectados em rede. Essas tecnologias induziram à desmassificação da produção, à segmentação do consumo e do comportamento dos consumidores e do tecido social, e o surgimento da economia simbólica provocada pela desmaterialização da riqueza. A desmaterialização decorre da produção e/ou agregação de valor aos produtos pela imagem que dele fazem os consumidores em função do valor simbólico das marcas midiatizadas. Os produtos e as mensagens, hoje, são segmentados, quase personalizados. A produção se dirige para grupos de consumidores e receptores de mensagens cada vez mais diversos e específicos. Dessa forma, a ampliação em escala das relações-rede para além do comportamento de consumo transborda para as novas formas de conexão entre indivíduos, grupos, organizações, empresas, setores ou regiões do mundo, convertendo-seem nova matriz social sistêmica. 2.4 O poder do conhecimento na sociedade-rede A lógica desse novo sistema social, por sua vez, requer novas teorias e sistemas conceituais que os expliquem, pois não é possível compreender a natureza e o sentido dessas mudanças a partir das teorias do passado. O uso dessas tecnologias requer usuários dotados de conhecimento, capacidade criativa e inteligência, características que, em tese, estão disponíveis a quaisquer indivíduos. Através da educação e da pesquisa científica, torna-se possível a qualquer indivíduo, empresa ou nação a obtenção dos mesmos conhecimentos que seus competidores têm numa economia aberta e numa sociedade livre. A riqueza e o poder, nessa sociedade, “procurarão” àqueles que souberem enxergar as oportunidades e se anteciparem aos seus concorrentes na disputa pela ponta da produção de novos conhecimentos. O conhecimento é a fonte-chave da riqueza e do poder nessa nova sociedade, portanto. Em função disso, as tecnologias de 28 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a produção, o acesso às redes de comunicação digital e de transporte intermodal, a disponibilidade de fontes renováveis de energia e o posicionamento geográfico em relação aos mercados de consumo do planeta tornaram-se estratégicos para que produtos e serviços cheguem mais rápido aos compradores e fornecedores. Nesse novo mercado da competição global aberta, um grupo limitado de corporações transnacionais concentra a liderança dos mercados de computação, de telecomunicações, de biotecnologia e da química fina, e outras do gênero, todas elas áreas que requerem altos investimentos em pesquisa e produção de conhecimentos novos, mas geram valor agregado e muita riqueza. A velocidade das empresas da ponta mais avançada desse sistema impõe seu ritmo aos seus fornecedores, e, como consequência, à economia mundial como um todo. Agilidade, flexibilidade, inteligência, criatividade, credibilidade, iniciativa e autonomia são imprescindíveis num sistema com essas características (TOFFLER, 1990, p.421). Na competição econômica, a riqueza se desloca rapidamente para os bolsos dos fornecedores que conseguem atender seus clientes no momento e da forma demandadas. A capacidade de pesquisar, selecionar, classificar, analisar e interpretar informações e convertê-las em conhecimento tornou-se um produto-serviço de alto valor agregado nesse sistema. O sistema, por sua vez, é alimentado e realimentado por usuários que injetam na rede o capital simbólico; intangível, resultante de suas inteligências e capacidades criativas interagentes, num processo que cresce em velocidade e volume exponenciais, movimentando uma gigantesca rede de relações sociais, políticas, econômicas e culturais. Volumes incomensuráveis de mensagens-mercadorias, em formatos multimídia, trafegam pelo planeta na velocidade do pensamento e são absorvidas, em geral de forma não percebida, por bilhões de pessoas. Muitas dessas pessoas se convertem em reprodutores ou mesmo criadores de mais riqueza através da transformação dessas mercadorias-mensagens em novas fontes de riqueza intangível. Nesse processo, influenciam-se a percepção do mundo e os sentidos absorvem, processam e decodificam esses estímulos, convertendo-os em atitudes, comportamentos e novas relações-rede que realimentam o processo numa espiral sem fim. Indivíduos, empresas, regiões e nações, mais ou menos integrados ao novo sistema, veem-se imersos numa cadeia de transformações microeconômicas e micropolíticas; macroeconômicas e macropolíticas, deslocando das suas posições de poder político e econômico, aqueles que compuseram a elite remanescente do sistema social anterior. A revolução nos métodos de gestão das empresas; o desmoronamento do império soviético; o abalo nas estruturas do Estado-nação moderno; as crises 29 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci afinanceiras globais e as transformações nas estruturas familiares, dentre outras mudanças dessa magnitude, são parte inseparável desse mesmo processo. As novas pesquisas sociais sobre o impacto desses fenômenos revelam que o bombardeio das mensagens desse complexo sistema de comunicações transforma o psiquismo de indivíduos e comunidades; na medida em que são interligadas como polos situados em pontos distantes uns dos outros. Sem a conexão em rede em escala global, esses indivíduos sequer tomariam conhecimento da existência desse “outro”. Mudanças profundas nas identidades sociais e individuais dos receptores das mensagens multimídia em circulação no sistema estão sendo constatadas em todos os cantos do planeta, para muito além das primeiras leituras desse processo, que viam apenas massificação e padronização global das identidades culturais e individuais. 2.5 Mudança cultural e mudança social da sociedade-rede A comunicação on-line em tempo real comprime o tempo-espaço, alterando a percepção que as pessoas têm da realidade. Sociedades situadas em extremos distantes do mundo, com histórias e culturas distintas; tempos, estágios e ritmos diferentes de desenvolvimento sofrem o impacto das informações que circulam em alta velocidade pelos canais que transportam, de um lado para outro do planeta, o novo capital simbólico. Mudam modos de vida, percepções e expectativas que os indivíduos e comunidades alimentam sobre o futuro. O tecido cultural e social tradicional é permanentemente trespassado por essas informações, fazendo com que o local não tenha mais identidade “objetiva” fora de sua relação com o global. Sob essas circunstâncias, desestabilizam-se as estruturas e a lógica de funcionamento do sistema social, gerando crises e conflitos sociais, políticos e econômicos nunca antes observados com a forma e a escala com que se apresentam. Assumimos a condição de civilização humana a partir do momento em que abandonamos o uso da violência bruta para resolver conflitos e criamos organizações e regras de convivência não violenta. O espaço das funções de mediação social – antes exclusivamente exercidas por instituições, organizações e leis – está sendo invadido pelas novas relações de mediação simbólica, geradas a partir do sistema de comunicações em redes digitais, que influenciam o comportamento, a percepção do mundo e as relações sociais de novo tipo que emergem e se impõem na mesma proporção em que cresce o acesso da população mundial aos novos meios de comunicação-relação rede. As mensagens lançadas às redes de comunicação influenciam comportamento, reproduzem valores; moldam nossos modos de vida. 30 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a 2.6 Mudança política na sociedade-rede Nesse contexto de crise do sistema de regras e instituições em descompasso com a dinâmica das mudanças, a disputa pelo poder e pela influência sobre consumidores e cidadãos-eleitores também é invadida pelas relações-rede, desestruturando partidos políticos e organizações sociais e políticas tradicionais. A relação entre líderes e liderados, governantes e governados, vendedores e consumidores, não é mais apenas direta, mas, sim, cada vez mais mediada pelos sistemas de comunicação digital em rede. A ferramenta estratégica desse novo mercado é a produção e a veiculação de mensagens em todos os meios, seja na mídia de massas (TV, rádio, imprensa), remanescente, mas que incorpora a interatividade digital, seja na mídia segmentada dos novos canais-rede (internet, computação e telefonia móveis). Essa nova realidade, que acontece em escala mundial e conecta todas as regiões e indivíduos do planeta através de redes digitais, abala as estruturas do poder e suas instituições, exigindo um novo tipo de Estado, que incorpore a lógica das redes: o “Estado-rede”, em experimentação e crise na Europa unificada de hoje. As relações-rede, como jádito, são aleatórias, assincrônicas, multidirecionais, interativas, não lineares, fragmentadas e sugerem níveis de complexidades que sequer se podem imaginar hoje quando essa realidade ainda é muito recente. 2.7 Poder simbólico na sociedade-rede Nesse novo sistema social, a produção e a veiculação de mensagens envolvem relações de poder. O uso estratégico das redes de comunicação por agentes sociais, econômicos e políticos, visando influenciar condutas e atitudes políticas, sociais e/ou de consumo, tornou-se parte do novo jogo do poder econômico e político no mudo. Antes se falava em sindicatos poderosos, partidos poderosos, empresas poderosas. Hoje se fala em polos de poder distribuídos pelo tecido social, envolvendo ONGs, movimentos sociais, religiões, mídia, dentre outras forças em operação na cena do poder nacional e internacional. Entender como funcionam esses polos de poder e como se estabelecem as relações de poder numa sociedade que se articula em redes é condição para enxergar e aproveitar oportunidades e escapar da condição de vítima ingênua do jogo de interesses alheios. Autores que estudam essa problemáticaa desenvolveram um modelo sistêmico para explicar de forma esquemática e sintética o que chamam de circuitos culturais, que a Richard Johnson, Paul du Gay e Stewart Hall. 31 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci adescreve a forma como circulam as trocas simbólicas no ambiente das relações- rede. O diagrama abaixo contém cinco pontos que representam momentos do processo circulação dos símbolos no circuito. São eles: a produção (ou reprodução); o consumo; a regulação; a representação e a identidade. A produção decorre de ações de conversão de algo, material ou não, num produto simbólico distinto daquilo do que lhe deu origem. Isto é capital simbólico, ou, produção de riqueza de novo tipo. O consumo desse “produto” acontece quando ele é gasto ou usado; isto é, quando o produto simbólico influencia atitudes e ou expectativas e vontades dos receptores como reação ao estímulo induzido pelo impacto do bem simbólico sobre seus sentidos. Esse bem simbólico, ao ser veiculado e absorvido pelos receptores, converte-se em regulador das relações sociais, ao estimular comportamentos e a criação de valores materiais e simbólicos. O momento da representação nesse processo de circulação é resultado da associação dos sentidos e da percepção do receptor ao bem simbólico. Os artefatos simbólicos resultam de imagens ou representações projetadas pelos seus produtores-emissores do bem-mensagem, com o objetivo de captar a identificação dos receptores, e, com isso, estimular o consumo, o apoio político, ou a formação de comunidades reais ou virtuais, quando ocorrem por geração espontânea de usuários movidos por relações não pragmáticas, como as produzidas por agentes políticos ou de mercado. Os receptores, ao seu tempo, identificam-se ou não com a representação contida na mensagem, interpretam os códigos simbólicos que recebem e os leem de formas aleatórias e imprevisíveis, recriando-as e repondo-as em circulação; conferindo- lhes novas “embalagens”. A identificação – ou identidade – corresponde à forma como os sujeitos se posicionam em relação às representações em circulação no mercado de bens simbólicos. Assim, os produtores-emissores tentam captar a identificação dos receptores com suas mensagens, conforme sua capacidade de seduzir o público com suas mensagens. Os pontos-momento do processo se relacionam em quaisquer sentidos e direções, sem obediência a qualquer lógica ou rotina, estabelecendo relações de interdependência e influência recíprocas. Cada ponto, no entanto, difere dos demais pela forma como se liga aos outros. Qualquer lugar pode servir de entrada e saída do circuito. 32 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci a Representação tridimensional do circuito da cultura.b A malha desse circuito envolve os indivíduos numa tempestade de signos permanente e intensa. O sujeito social contemporâneo assimila os significados produzidos pelas representações lançadas na rede e atribui sentidos às suas percepções e experiências. O indivíduo se localiza no espaço-tempo através das referências que o cercam e sente-se psicologicamente seguro ao construir um conjunto de referências simbólicas que lhe garantem estabilidade emocional, na medida em que se identifica com as representações correspondentes às suas expectativas e desejos. Suas expectativas e desejos, no entanto, também nascem sob influência dos estímulos recebidos pelo bombardeio de símbolos a que esse indivíduo é submetido por estar exposto ao ambiente social simbólico que o diagrama representa graficamente. Para que esse processo seja eficaz, é necessário que os bens simbólicos em circulação encaixem-se no universo representado assumindo as características de um ambiente que simula, como se fosse real, algo que está no imaginário do destinatário da comunicação. A eficácia dos bens simbólicos como mensagens indutoras de comportamentos pode ser medida por sua capacidade de influenciar indivíduos pela identificação com os significados e as representações construídos. Vejamos um exemplo desse mecanismo operando na área do marketing viral. No ano de 2012, a Coca-Cola lançou uma campanha publicitária a partir das redes sociais. O nome da campanha era “Descubra sua Coca-Cola”. A campanha consistia de disponibilizar aos usuários do Facebook, por exemplo, a possibilidade b A representação gráfica do circuito da cultura, tal como exposta na Figura 1, é criação do designer gráfico Manoel Petry e foi originalmente publicada no livro O gauchismo no marketing de Olívio Dutra, a partir de briefing deste autor. 33 UL BR A – E du ca çã o a D ist ân ci ade substituir a marca Coca-Cola Zero na latinha de refrigerante pelo seu nome ou pelo nome de outra pessoa. Entrando na página da campanha no Facebook, o usuário clicava num aplicativo que substituía a marca por seu nome. Após executar essa operação, o aplicativo publicava na rede social um banner da latinha com seu nome impresso no lugar da marca. O slogan da campanha era “Quanto mais Coca Cola, melhor”. Esse slogan, portanto, passava a conter nome impresso na lata em substituição. Em consequência, se o nome do usuário fosse João, o slogan se convertia em “Quanto mais João melhor”. Demais elementos gráficos e visuais da latinha e do anúncio permaneciam idênticos no banner, de modo a conectar a mensagem pessoal do usuário com a identidade visual da Coca Cola. Amigos do usuário que se identificou com a brincadeira passavam a curtir e compartilhar a latinha-banner e, em seguida, faziam a sua, criando uma teia viral de difusão gratuita da marca Coca-Cola no Facebook. Não tardaram a surgir iniciativas paralelas de usuários da internet, satirizando a campanha e publicando banners análogos com mensagens tais como: “Quanto mais água, melhor”, impresso numa latinha sem rótulo sob, fundo branco. Ou, “Quanto mais Skol, melhor”, impresso sobre a latinha de cerveja. Outra mensagem que circulou na rede ironizava a campanha com um banner contendo um “X” sobre a latinha e contendo o slogan “Quanto menos marketing viral no Facebook, melhor”. Inúmeras outras iniciativas similares se reproduziram pela rede e, não obstante o recado crítico, todas induziam o usuário que visse esses banners em suas páginas, a se lembrar da campanha da Coca-Cola. A etapa seguinte da campanha consistiu em lançar às prateleiras dos supermercados os produtos Coca Cola com nomes de pessoas impressos no lugar da marca no rótulo da embalagem do refrigerante. Ao deparar-se com a gôndola de refrigerantes no supermercado, os consumidores passavam a procurar embalagens com o seu nome, alavancando as vendas. Das redes sociais a campanha
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