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PARTICIPAÇÃO POLÍTICA NA ERA DIGITAL: MOVIMENTOS SOCIAIS EM REDE E CRISE DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA Prof. Honor de Almeida Neto Nesta unidade temática, você vai aprender ■ compreender a relação entre o exercício do poder e a forma de produção e de disseminação das informações; ■ perceber as formas de reprodução social e exercício do poder e da dominação através da violência física e simbólica; ■ materializar o conceito de rede dinâmica como um “óculos” para entender os movimentos sociais na sociedade informacional/líquido-moderna; ■ perceber elementos associados à crise da democracia representativa liberal e à ruptura entre governantes e governados e seus desdobramentos. ■ entender o porquê do retorno ao autoritarismo e ao fundamentalismo que se observa em nível local e global (glocal); ■ compreender as formas de reprodução social e de transformação social na sociedade em rede. Introdução A partir da compreensão dos códigos que distinguem a sociedade contemporânea em Rede Dinâmica, fluída, líquida e complexa, traremos alguns exemplos que materializam esses conceitos e que nos ajudam a entender a dinâmica do nosso tempo. A partir do pressuposto de que as relações humanas e sociais são relações de poder e de dominação, as relações de poder na sociedade da informação são colocadas em xeque frente ao potencial - 2 - democrático e revolucionário da sociedade em rede, e desse novo ecossistema informacional, digital. Ou seja, através do controle da informação é possível senão criar um fato, criar versões diferentes sobre fatos, daí que não existem sociedades democráticas sem que haja liberdade de imprensa. Prova disso é que governos autoritários e antidemocráticos governam limitando os espaços de divulgação de informações, e a censura aos meios de comunicação historicamente sempre foi uma estratégia eficaz voltada a esse fim. Ocorre que na Sociedade em Rede e neste novo ecossistema cognitivo em que vivemos a informação circula sem a mesma possibilidade de controle, de censura. Afinal, todos nós somos uma mídia, filmando, gravando e postando informações na rede para serem consumidas e compartilhadas em enorme velocidade e em grande escala. As relações de poder na sociedade do conhecimento são construídas de forma mais horizontalizada e menos verticalizada (hierárquica). A informação é hoje mais socializada e reconstruída a todo instante, sem um controle central (piramidal). A forma de mobilização das pessoas via redes sociais e suas características nos permitem entender que a cultura associada às novas tecnologias é a cultura da autonomia, muito presente na relação dos jovens (geração internet) em relação às instituições e aos poderes instituídos da sociedade. Nas palavras de Castells (2012) a nova cultura da autonomia empodera os jovens e traz a eles felicidade. Traz felicidade, pois a Internet aumenta duas áreas fundamentais para isso: a sociabilidade e o empoderamento. Amplia-se o espectro de socialização, as redes de relações que agora se dão em uma espaço global, bem como o empoderamento dos sujeitos a partir das novas possibilidades de acesso e disseminação de informações. - 3 - As práticas nas redes sociais materializam essa cultura da autonomia que se choca com a cultura de inúmeras organizações tipicamente modernas (verticais, tradicionais, rígidas, hierarquizadas, burocráticas, controladoras). Pense em escolas, repartições públicas, partidos políticos, igrejas, forças armadas, famílias, empresas, dentre outras. Como forma de materializar essa abstração que é o conceito de Rede Dinâmica, e efetivamente utilizá-lo como “óculos”, como filtro na aproximação com a realidade contemporânea, iremos nos reportar a dois fatos relativamente recentes. Não por acaso esses dois exemplos se dão em nível global e podem ser observados em inúmeros países do mundo quase que ao mesmo tempo. Refiro-me em primeiro lugar aos movimentos sociais ocorridos entre 2012 e 2013 e a crise da democracia representativa, ou seja essa crise de confiança que se observa hoje entre governantes e governados e coloca em risco o modelo de democracia liberal que temos, sem que haja outro modelo mais eficaz para substituí-lo. Crise de confiança que, aliás, está na gênese dos movimentos sociais e que os próprios movimentos ajudaram a radicalizar. Ou seja, como efeito colateral da crise da democracia observa-se no mundo todo um retrocesso quanto às conquistas, valores e princípios associados à democracia representativa liberal, o que abre espaço para o retorno de autoritarismos e fundamentalismos de todos os tipos. Movimentos sociais em rede dinâmica Em primeiro lugar, se é que você, aluno, ainda lembra (pois a velocidade do tempo se acentuou), no ano de 2013 eclodiram manifestações populares nas ruas em grandes proporções no Brasil, na esteira de outros movimentos sociais - 4 - concomitantes que foram observados em inúmeros países. Foram movimentos construídos em rede, sem a liderança tradicional de partidos ou sindicatos, pois a estrutura de uma rede é distinta, por exemplo, de uma pirâmide. Rede não tem centro, começo, nem fim, tem várias entradas e várias saídas (ver dimensões desse conceito no INFOGRÁFICO). Sendo assim, os movimentos sociais que emergiram em 2013 começaram na Internet, que é um “espaço de autonomia, muito além do controle de governos e empresas que monopolizavam os canais de comunicação como alicerces de seu poder” (CASTELLS, 2012). Assim, “indivíduos formaram redes [...] uniram-se e sua união os ajudou a superar o medo, essa emoção paralisante em que poderes constituídos se sustentam”. Bem de acordo com a velocidade que distingue nosso tempo, “os movimentos espalharam-se por contágio em um mundo ligado pela Internet caracterizado pela difusão rápida, viral, de imagens e ideias” (CASTELLS, 2012). Movimentos sociais lotam a Avenida Paulista. Fonte: Wikimedia - 5 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/72/ABr200613_MCA2268.jpg Como vivemos em uma aldeia global e em rede, poderíamos perguntar: onde começaram os movimentos? Desenvolveram-se em rede: no mundo árabe, Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Grã-Bretanha, além de Israel e Estados Unidos, Ásia e Brasil, Tunísia e Islândia. Mas o que há de comum entre todos eles? Observa-se que em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma liderança e rejeitaram toda a organização formal, sustentando-se na Internet e em assembleias locais”. (CASTELLS, 2012, p. 16) Dessa forma, aqueles movimentos transformaram o medo em indignação e a indignação em esperança. Isso porque as relações de poder são constitutivas da sociedade, pois aqueles que têm o poder constroem as instituições conforme seus valores e interesses. E quais as formas de exercer o poder? Pela coerção (violência exercida pelo Estado) e/ou pela construção de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica, até porque “torturar corpos é menos eficaz que moldar mentalidades” (CASTELLS, 2012). Dominação pela violência física. Fonte: Wikimedia - 6 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/19/Webysther_20130618234820_-_Tropa_de_choque_criando_um_bloqueio_na_Augusta.jpg Pense, por exemplo, que todos os regimes cerceadores da liberdade e baseados na força, na repressão e no autoritarismo foram sempre acompanhados de uma forte propaganda ideológica, como forma de legitimar a violência física, justificá-la. Se nos reportarmos à história recente brasileira o próprio golpe militar é denominado de “revolução” pelos militares e simpatizantes do regime militar, sendo inclusive comemorado como tal. Essas disputas simbólicas fazem parte do universo da política e da construção social de significados, presentes em todas as instâncias sociais, pois como já referimos, as relações humanas e sociais são relações de poder e de dominação. Como exemplo, podemos nos reportar à questão agrária e os embatesentre os integrantes do MST (Movimento dos Sem Terra) e os proprietários de terra na luta histórica pela reforma agrária no Brasil. O termo “ocupação”, utilizado pelos integrantes do MST e pelos simpatizantes, remete à ideia de ocupar algo que pertence legitimamente ao movimento, aos pequenos agricultores em uma discussão que envolve, por exemplo, o fim social da terra. Em contraste a essa visão de ocupar algo que legitimamente lhe pertence, o termo “invasão” de terra, de forma contrária, remete à lei que, em uma democracia liberal, garante a propriedade privada e deslegitima, portanto, o movimento, criminalizando-o. Nessa perspectiva, o “invasor” invade algo que não lhe pertence e, portanto é um criminoso, alguém a ser contido pela força policial, pela lei. Veja que meu intuito aqui não é posicionar-me nessa disputa, nem tampouco induzir você, aluno, a tomar partido, até porque não é esse o meu papel, mas chamar atenção para o fato de que, em se tratando de sociedades, tudo é construído, nada é natural, tudo é produto de disputas em torno de interesses, por vezes antagônicos e por vezes convergentes, mas sempre por disputas. Essa é uma característica que distingue nossa sociedade e nossa espécie. A espécie - 7 - humana é a única espécie que não nasce pronta, que precisa ser formada e que, sobretudo tem liberdade para escolher como quer viver em grupo. Lembre-se que o homem constrói a cultura que o constrói, e nessa construção o papel da informação e do controle da informação é central. Por isso, não há regime democrático sem liberdade de imprensa e de expressão, embora também os regimes democráticos lancem mão de propagandas ideológicas para legitimar seu poder junto às sociedades e à estrutura (as posições) de poder presente nas sociedades, mas onde há poder há também contrapoder, pois, “esse processamento mental é condicionado pelo ambiente da comunicação, e a mudança do ambiente afeta diretamente as normas de construção de significado e, portanto, as relações de poder” (2012). Como vimos, a comunicação que temos hoje é de “todos com todos”, uma comunicação em massa, baseada em redes horizontais de comunicação interativa que, geralmente, são difíceis de controlar por parte de governos ou empresas, “por isso empresas e governos temem a internet” (idem, 2012). Aqui ilustro o potencial democrático da Sociedade em Rede nessa relação entre informação e poder. Porém, se na comparação com ambientes comunicacionais do passado o atual ecossistema cognitivo em que vivemos chamado ciberespaço, é potencialmente mais democrático em função da maior dificuldade da censura, é também um espaço monitorado. A maior liberdade que temos em função desse novo ambiente cobra o preço da ausência de privacidade. O caso emblemático da divulgação de dados de espionagem do governo americano sobre governos, empresas e populações no mundo todo, inclusive nos Estados Unidos e sobre a própria população americana, é prova disso. - 8 - Se informação é fonte de poder imagine o poder que tem uma empresa e/ou um governo que tem informações privadas de todas as pessoas e instituições do planeta. Assista a entrevista abaixo de Eduard Snowden e Glenn Greenwald revelando os bastidores desse fato emblemático e que reforçou mais do que nunca a noção de que vivemos em aldeia global, sem limites de espaço e de tempo e com cada vez menos privacidade. Retomando a discussão em torno das manifestações de 2013, cabe indagar a origem dos movimentos sociais? Afinal, de onde vêm os movimentos sociais? Nas palavras de Castells (2012), “são a resposta às injustiças de todas as sociedades: exploração econômica; pobreza desesperançada” (idem). São ainda frutos da “desigualdade injusta; comunidade política antidemocrática; Estados repressivos; Judiciário injusto; racismo; xenofobia; negação cultural; censura; brutalidade policial; incitação à guerra; fanatismo religioso; descuido com o nosso planeta azul; desrespeito à liberdade pessoal; violação da privacidade; gerontocracia; intolerância; sexismo; homofobia e outras atrocidades que retratam os monstros que somos nós”. Se é verdade que o ciberespaço é também um espaço, um lugar, é preciso que um movimento que ocorre nesse novo lugar agora imaterial materialize-se nos espaços públicos locais, urbanos, pois “ao assumir e ocupar o espaço urbano, os cidadãos reivindicam sua própria cidade, uma cidade da qual foram expulsos pela especulação imobiliária e pela burocracia municipal”. Não é por acaso que observamos de forma crescente a substituição de espaços públicos voltados ao interesse público (nem do Estado nem do mercado) por espaços de consumo. Shoppings centers, por exemplo, não são espaços públicos, são espaços privados e voltados ao consumo e não à convivência social, embora haja convivência social também nesses espaços, é claro. - 9 - Interessante observar o poder de viralização de postagens e mobilizações nas redes sociais em torno de determinadas causas, determinadas “bandeiras”, a uma velocidade impensada e atingindo um número expressivo de pessoas. Essa é uma possibilidade associada a características das novas tecnologias e do grau de comunicação e interação que engendram. Ou seja, após postada uma mensagem na rede, ela assume “vida própria”, não tem mais dono, é por natureza imprevisível uma mensagem auto-eco-organizativa. Lembro de um caso emblemático que ocorreu justamente nesse período das manifestações no Brasil, em sala de aula, quando uma aluna expressou sua surpresa e preocupação com o fato de que, na esteira das mobilizações dos jovens que ocorreram concomitantemente em diversas cidades do Brasil e do Rio Grande do Sul, ela havia proposto uma mobilização com o objetivo de qualificar e garantir o transporte de sua cidade do interior gaúcho até a universidade e de forma gratuita. A aluna relatou que em poucos minutos havia mais de 100 curtidas, comentários e compartilhamentos e que, ao longo do dia, na medida em que aumentavam as curtidas e interações a partir de sua provocação, ela havia arrastado, quase que involuntariamente, uma multidão de jovens até a frente da prefeitura da cidade para protestar e pressionar. Trata-se de um caso sintomático, pois “no Brasil, sem que ninguém esperasse [...] sem líderes e sem partidos nem sindicatos [...] um grito de indignação contra o aumento do preço dos transportes reuniu multidões em mais de 350 cidades” (CASTELLS, 2012). Um dos motivos das manifestações, mas não o único, foi a questão do preço do transporte público, o Passe Livre, pois “ a mobilidade é um direito universal e a imobilidade estrutural das metrópoles brasileiras é resultado de um modelo caótico [...] produzido pela especulação imobiliária e pela corrupção municipal” - 10 - (idem, anterior), e ainda na esteira desse processo ”um transporte a serviço da indústria do automóvel, cujas vendas o governo subsidia” (idem, anterior). O movimento colocou em cheque o neopatrimonialismo do Estado brasileiro tanto da classe política como das instituições políticas, modernas, burocráticas, morosas e que usam a democracia a serviço dos profissionais da política. Exigiu também mais democracia não mais reduzida a “um mercado de votos em eleições realizadas de tempos em tempos, mercado dominado pelo dinheiro e pelo clientelismo e pela manipulação midiática” (CASTELLS, 2012). Por tudo isso, colocou em xeque a classe política pela própria natureza e estrutura do movimento, em rede dinâmica. Afinal: em uma manifestação sem líderes, ou com inúmeros líderes, com quem negociar? Quem cooptar? Como comprar o líder? As lideranças, assim como o próprio movimento, são efêmeras, fluidas. Por essa razão, essas manifestações pegaram a todos desprevenidos: políticos, mídia, intelectuais (sobretudo os modernos) e sociedade como um todo: “milhares de pessoas eram ao mesmo tempo indivíduos e coletivos, sempre conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a tuítes, post a post, imagema imagem” (CASTELLS, 2012). Tratou-se de um movimento dos jovens, da cultura da Internet “[...] que a gerontocracia dominante não entende e suspeita, quando seus próprios filhos e netos se comunicam pela Internet e ela sente que está perdendo o controle” (CASTELLS, 2012). Não há mesmo como ter controle, dado que imprevisibilidade é uma das dimensões da rede dinâmica, “pois a autocomunicação de massas é a plataforma tecnológica da cultura da autonomia” (idem, p. 180). Assista aqui a entrevista com o cientista político brasileiro Sérgio Abranches, que aborda as novas formas de manifestação democrática nesse novo ambiente comunicacional (ciberespaço). - 11 - https://www.youtube.com/watch?v=_5Fy4FaxE7s https://www.youtube.com/watch?v=_5Fy4FaxE7s Inúmeras foram as bandeiras desse movimento em rede, bem de acordo com a diversidade e complexidade que caracterizam nosso tempo: transporte público gratuito; a corrupção entre o Estado e a especulação imobiliária; o meio-ambiente e a diversidade (inclusive o direito dos homossexuais); o dinheiro gasto na copa do mundo de futebol; a PEC 37 (proposta de emenda constitucional); a saúde e a segurança pública; o baixo salário dos professores, dentre outras. O movimento contemplava inúmeras bandeiras, inclusive antidemocráticas. Mas havia algo ainda mais em comum: a restrição aos políticos e aos partidos, essas estruturas políticas tipicamente modernas (hierarquizadas, com ‘caciques’, chefes). Todos disseram “chega” à política tradicional feita pelos e para os políticos, para a elite econômica aliada ao Estado em todas as suas formas. Hoje a capacidade de mobilização das pessoas é espontânea, não depende da permissão de um partido de massa ou de uma central sindical, como ocorria nas antigas manifestações. Outro aspecto central à essa análise está ligado à nova visibilidade típica da sociedade contemporânea. O movimento não foi em nada pautado pela mídia tradicional, aliás, de pouca importância na vida cada vez mais individualista, customizada e autônoma dos jovens. Assim, rompe-se o monopólio da opinião e da informação que circula, pois cada elemento da rede é a mídia, com seu celular ligado e registrando em tempo real os fatos, retroagindo sobre outros fatos e outras postagens (informações). Se uma das características principais da rede dinâmica e do nosso tempo é a velocidade, cabe ressaltar o quão efêmero foram esses movimentos. Construídos em rede e dentro da lógica da sociedade em rede, caracterizaram-se por serem glocais, em grande escala, fluídos, flexíveis e - 12 - velozes, daí que atingiram o país e a imagem das instituições democráticas como um “tsunami” e desapareceram, e aqui temos um paradoxo. O movimento que clamava por mais democracia não teve canais democráticos estabelecidos e capazes de canalizar os inúmeros desejos e as diferentes bandeiras, demandas (em rede) que se apresentaram. Ocorre que temos instituições “democráticas” piramidais para atender demandas em rede (horizontais), daí um aspecto associado à crise do atual modelo político, e que esteve na gênese do próprio movimento. O paradoxo é que esse mesmo movimento, que em síntese clamava por mais democracia, participação e transparência por parte da classe política acabou resultando, não de forma intencional, mas pela natureza caótica da realidade contemporânea, em uma arma contra a democracia e seus princípios. No Brasil e no mundo observam-se revezes quanto aos postulados democráticos como liberdade, tolerância, respeito às diferenças, aumento da participação da sociedade na distribuição do poder do estado, direitos humanos, enfim, o respeito às regras do jogo democrático. Observa-se uma crise no modelo de democracia representativa liberal, uma ruptura na relação entre governantes e governados, fruto de uma falta de confiança na representatividade da classe política. Entre os cidadãos que menos apoiam a democracia como sistema de governo estão os brasileiros (43%) e os mexicanos (38%) (Latinobarômetro, 2017). Inúmeros são os aspectos que desencadeiam essa ruptura como, por exemplo, o fato de que dois terços (⅔) da população do planeta acha que os políticos não os representam; que os governos são corruptos, injustos, burocráticos e opressivos; que os partidos defendem a si próprios, formando uma casta - 13 - política. Vejam os dados (gráficos) que demonstram e ratificam a tese da crise da democracia em: www.zahar.com.br/livro/ruptura. Castells aponta que há uma ruptura entre governos e governados, isso porque a democracia por ser representativa só pode existir se as pessoas acreditarem que estão sendo representadas. Inúmeros aspectos conspiram contra a confiança na classe política por parte da sociedade. A crise dos partidos políticos, cujo papel é central em uma democracia representativa, é uma delas, pois os partidos que se profissionalizaram tornaram-se oligarquias independentemente das ideologias e se afastaram de suas bases, fazendo com o que sistema (político) passasse a funcionar de forma autônoma e independente dos cidadãos (CASTELLS, 2018). Também conspiram contra o modelo as limitações do poder do Estado Nacional para resolver problemas que são globais, como a própria globalização da economia e suas crises, que desestruturaram as economias nacionais e locais, ou, ainda, o fato de que os estados foram transformados em Estado-rede, em nós de uma rede global cujas decisões estão afastadas da comunidade que elege seus representantes, fato que mina a confiança nos eleitos, deslegitimando-os (CASTELLS, 2018). Outro aspecto importante nesse contexto de visibilidade e fim das distâncias é a política de escândalos da mídia, o que reforça e perpetua a imagem da corrupção da classe política. Soma-se a isso a crise do emprego que afeta sobretudo os jovens; a ideologia do consumo, ligada à uma satisfação imediata e tendo o dinheiro como medida do sucesso. Também as redes sociais e as fake news, que na disputa política personalizam a política através de ataques pessoais aos candidatos, desconstruindo políticos e a própria política como uma estratégia eficaz de resolução de conflitos. E, por fim, a crise de identidade, - 14 - http://www.zahar.com.br/livro/ruptura ligada ao fato de que as pessoas não se veem mais sintonizadas com esse mundo, e quanto menos controle têm sobre seu estado e o mercado mais se voltam às suas comunidades de origem, reforçando a xenofobia e a intolerância ao multiculturalismo e a própria diferença como um todo. Tanto a crise da democracia como a crise de identidade serão aprofundados nos demais temas desta disciplina, pois se constituem aspectos importantes associados à dinâmica da sociedade contemporânea. Finalizando este capítulo, aponto para a absoluta imprevisibilidade que distingue nosso tempo e que desafia os intelectuais, e a mudança radical que as novas mediações trouxeram e vêm instaurando na vida das pessoas e das sociedades, pois “o que é irreversível no Brasil e no mundo é o empoderamento dos cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos jovens de que tudo que sabemos do futuro é que eles o farão” (CASTELLS, 2012). Porém, tudo está por se definir, pois o ciberespaço é também uma arena de lutas, de disputas entre forças progressistas e forças conservadoras, cuja capacidade de reorganização e reestruturação é imensa. Assim, ao instrumentalizar os alunos e os jovens, sobretudo, a respeito dos códigos que distinguem nosso tempo nesse diálogo necessário com a ciência, pensamos poder contribuir para esse fazer e esse novo devir. Infográfico Info G000003GS001T002 - 15 - https://drive.google.com/open?id=1Gphv-NaLJqkruRw9vkD2c9mOoGyCsRNa1qqfe3b0z0g&authuser=0 Referências ABRANCHES, Sérgio. A Era do imprevisto, a grande transição do século XXI. São Paulo, Companhia das Letras, 2018. BONNEWITZ, Patrice. Primeiras Lições sobre a Sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre ateoria da ação. São Paulo: Papirus, 1997. CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia representativa liberal. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. ______. Redes de Indignação e Esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. Créditos Coordenação e Revisão Pedagógica: Claudiane Ramos Furtado Design Instrucional: Luiz Specht Diagramação: Marcelo Ferreira Ilustrações: Marcelo Germano / Rogério Lopes Revisão ortográfica: Ane Arduin - 16 -
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