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1 ially mariana SOI V 2020.2 Apg 24 – Transtornos do Sono Obj 1 – Fisiologia dos transtornos do sono O sono é definido cientificamente como um conjunto de alterações comportamentais e fisiológicas que ocorrem de forma conjunta e em associação com atividades elétricas cerebrais características. É um estado comportamental complexo no qual existe uma postura relaxada típica, a atividade motora encontra- -se reduzida ou ausente e há um elevado limiar para resposta a estímulos externos. O sono é reversível à estimulação. A vigília, em contrapartida, caracteriza- -se por elevada atividade motora, por alta responsividade e por um ambiente neuroquímico que favorece o processamento e o registro de informações e a interação com o ambiente. A alternância entre sono e vigília ocorre de forma circadiana, sendo esse ciclo variável de acordo com idade, sexo e características individuais. Sua regulação homeostática envolve diversas citocinas e fatores neuro-humorais e endócrinos O sono é ativamente gerado a partir de dois mecanismos que regulam o ciclo sono-vigília: (1) o impulso homeostático pelo sono, ou seja, substâncias que promovem o sono; (2) o ciclo circadiano, regulado pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo, que promove o despertar. O fator homeostático refere-se a aumento da sonolência após longos períodos de vigília pelo acúmulo de adenosina, já o fator circadiano refere- se a variações no estado de vigília e do sono fisiológico (tempo, duração e outras características) que mudam ciclicamente no decorrer do dia. Na parte da manhã, após o despertar, a unidade homeostática de sono é praticamente nula e o fator circadiano gera influências excitatórias que levam ao despertar. Ao longo do dia, o impulso homeostático aumenta, assim como a atividade excitatória circadiana (output do núcleo supraquiasmático), no entanto essa atividade excitatória é reduzida à noite, resultando no início do sono5 . O ciclo sono-vigília encontra-se relacionado ao fotoperiodismo decorrente da alternância dia-noite, sendo influenciado pela luz ambiente durante o dia e pela produção de melatonina durante a noite – atua no início e na manutenção do sono9 . A regulação do ciclo sono-vigília pode ser prejudicada por alterações em qualquer um desses mecanismos5 . A luz é o fator mais importante na sincronização do relógio circadiano com o ambiente externo. A informação de luminosidade é trazida ao núcleo supraquiasmático pelo trato retino- hipotalâmico, e nesse local é feita a regulação do ciclo circadiano endógeno por meio do controle na secreção de melatonina. Os níveis plasmáticos de melatonina começam a aumentar entre 1 e 3 horas antes do horário normal de sono e tem seu pico próximo ao nadir (ponto mais baixo) da temperatura central corporal NEUROANATOMIA DO SONO Vários estudos em animais mostraram que diferentes regiões do SNC regulam os diferentes estágios do sono e a vigília. O estímulo e o controle do sono NREM estão associados à ativação de neurônios GABAérgicos localizados no núcleo pré- óptico ventrolateral do hipotálamo anterior. Esses neurônios inibem os centros ativadores responsáveis pela vigília, como o sistema reticular ativador ascendente e o prosencéfalo basal. É importante lembrar que diversos neurotransmissores participam do sistema de alerta, incluindo a histamina, acetilcolina, dopamina, serotonina, noradrenalina e a hipocretina/orexina5,9. Os mecanismos da vigília estão localizados no hipotálamo posterior/lateral e no prosencéfalo basal5,9. A regulação do sono REM é feita a partir de núcleos pontinos5,9. Esse modelo de regulação do sono-vigília corrobora a ação hipnótica dos benzodiazepínicos e barbitúricos, que são substâncias ativadoras de receptores GABA, assim como a ação da cafeína, inibindo a formação de adenosina – fator homeostático ESTRUTURA INTERNA DO SONO O estagiamento neurofisiológico do sono é baseado no padrão das ondas cerebrais, na atividade muscular e no oculograma. As ondas cerebrais são avaliadas pelo eletroencefalograma (EEG) – ondas alfa, beta, teta e delta –, o nível de relaxamento muscular é visualizado pela eletromiografia (EMG) do mento e o oculograma (EOG), pelos movimentos oculares5,20. Esses parâmetros são analisados a cada período de 30 segundos, que são denominados de “épocas”. Esse estagiamento segue as normas internacionais do Manual de Estagiamento do Sono e de Eventos Associados, da Associação Americana de Medicina do Sono, de 2007. Dois grandes estágios compõem o sono do adulto: o estágio NREM (75%) e o REM (25%). O estágio NREM é subdividido em três fases: N1, N2 e N3. A fase N1 se caracteriza pela presença de ondas cerebrais de baixa frequência e amplitude (ondas teta), redução da atividade muscular em relação à vigília e movimentos oculares lentos. A fase N2 caracteriza-se pela presença de complexos K (ondas agudas com componente negativo rápido seguido de um componente positivo mais lento com duração maior que 0,5 segundo, mais evidentes nas regiões frontais) e fusos do sono (ondas de frequência de 11- 16 Hz, mais visualizadas nas regiões centrais), sem relação com o despertar5,20. Na fase N3 (sono de ondas lentas), há presença de ondas de grande amplitude e baixa frequência, em 20% ou mais de uma época (mais evidentes em regiões frontais). O estágio REM é caracterizado no EEG por uma frequência mista de baixa amplitude com ou sem ondas em serra (ondas triangulares de 2 a 6 Hz com maior amplitude nas regiões centrais), redução ou ausência do tônus muscular5,20. Nesse estágio REM, são evidenciados eventos fásicos (movimento rápido dos olhos, atividade oculomotora, abalos musculares e ereção peniana) e tônicos (dessincronização elétrica cortical, atonia muscular e ritmo teta hipocampal). Ocorrem também flutuações cardiorrespiratórias, perda do controle da temperatura e da sensibilidade ao CO2 , consolidação do aprendizado e presença de sonhos. Nesse período, as alterações que envolvem o aumento da atividade parassimpática incluem: queda da pressão arterial, queda da fre quência cardíaca, diminuição da resistência vascular periférica, diminuição da ventilação alveolar e redução do tônus da musculatura das vias aéreas superiores, levando a 2 ially mariana SOI V 2020.2 aumento da resistência das vias aéreas. Essas modificações hemodinâmicas estão associadas à maior mortalidade durante as primeiras horas da manhã, principalmente em pacientes com doenças cardiopulmonares. Além disso, o relaxamento muscular máximo durante o sono REM predispõe a períodos de apneia e dessaturação arterial de oxigênio. A sequência normal dos estágios normalmente é: vigília à N1 à N2 à N3 à REM. Em relação ao tempo total de sono, essas fases costumam apresentar proporção pouco variável: vigília, 5%- 10%; N2, 50%; N3, 12,5%-20%; REM, 20%-25%; N1, o restante. Pacientes mais idosos podem apresentar diminuição dos estágios profundos do sono, N3 e REM, com aumento dos estágios N1 e N2, enquanto em crianças é verificado o contrário20. Sono interrompido em pessoas idosas é um problema comum, por vários motivos, por exemplo, efeito adverso de drogas e comorbidades associadas ABORDAGEM CLÍNICA IN ICIAL DO PACIENTE COM TRANSTORNOS DO SONO As queixas relacionadas ao sono são muito prevalentes na prática clínica. A maioria dos pacientes procura atendimento médico por: dificuldade em iniciar o sono; dificuldade em manter o sono, com múltiplos despertares durante a noite; despertar cedo; sono não restaurativo; movimentos/comportamento anormais durante a noite; fadiga ou sonolência diurna; dificuldade de concentração; irritabilidade; ansiedade; depressão; dores musculares5 . O passo inicial na avaliação de um paciente com TS baseia-se em observação clínica, com ênfase na história e no exame físico22. No entanto, uma história detalhada é o componente central dessa avaliação e deve sempre ser complementada, quando possível, pelo depoimentode outros indivíduos (familiares, companheiros etc.). Devem ser investigados na história o início dos sintomas, fatores precipitantes (incluindo fatores psicológicos), predisponentes ou perpetuantes, duração e frequência dos sintomas e a sua gravi dade. Atenção especial também deve ser dada a sintomas noturnos associados – roncos, respiração bucal, apneias, dispneia, refluxo gastroesofágico, nictúria, disfunção erétil, sonambulismo, bruxismo, movimento de pernas, paralisia do sono – e aos sintomas diurnos – sonolência, alterações de humor, queda da produtividade, dificuldade de concentração e memória, diminuição da atenção na condução de veículos, cataplexia e alucinações hipnagógicas. O uso de medicamentos também deve ser averiguado, assim como o de cafeína e bebidas energéticas. Outras informações importantes dizem respeito ao período de latência para dormir, à duração do sono, aos motivos pelo qual o paciente acorda durante a noite e à latência para voltar a dormir. A avaliação dos horários e da higiene do sono é muito importante na investigação dos TS para se traçar uma conduta terapêutica. Uma abordagem interessante é pedir para que o paciente descreva uma noite de sono, especificando horário em que se deita, horário em que acorda, atividades que realiza no leito (leituras, assistir televisão, uso de computador etc.) e demais aspectos do sono. Caso o paciente durma com mais alguém, deve-se inquirir também sobre os seus hábitos2 Os PRINCIPAIS FATORES PREDISPONENTES incluem: traços da personalidade, hiperatividade cognitiva e preferência para dormir em horários não compatíveis com a norma social. De modo geral, fatores precipitantes são mais fáceis de se diagnosticar e frequentemente envolvem grandes modificações na vida do paciente, como morte de um familiar, problemas conjugais ou mudança no emprego. Alterações no ambiente e na rotina do paciente podem ser fatores precipitantes. O principal fator perpetuante é a associação entre o ambiente onde o paciente dorme e o medo de não conseguir dormir O exame físico deve incluir medidas de peso, altura, índice de massa corporal (IMC), circunferência do pescoço, pressão arterial sistêmica e frequência cardíaca. A avaliação de todos os sistemas não deve ser menosprezada. Os TS frequentemente se associam a comorbidades como hipertensão arterial, síndrome de apneia obstrutiva do sono (SAOS), diabetes mellitus, aumento de resistência à insulina, obesidade e dislipidemia. O exame neurológico é essencial para pacientes que apresentem outras queixas neurológicas (por exemplo, perda de memória ou fraqueza e hipoestesia em membros inferiores, sugerindo neuropatia periférica). O exame da cabeça e pescoço é fundamental, devendo ser verificada a existência de: atrofia nasal, retrognatia, palato mole baixo, arco palatal estreito e alto, hipertrofia tonsilar, má oclusão dentária, macroglossia, superfície dos dentes desgastados, desvio do septo e assimetria e colapso de narinas CLASSIFICAÇÃO E CLÍNICA DOS TRANSTORNOS DO SONO A segunda edição da Classificação Internacional de Transtornos do Sono (ICSD-2), publicada pela Academia Americana de Medicina do Sono, em 2005, lista mais de 90 tipos de TS distintos5,23 (Quadro 1). Essa classificação é baseada em oito categorias, entre elas os grupos de sintomas que iremos apresentar a seguir (insônia, SED, incapacidade de dormir no momento desejado e eventos anormais durante o sono). Quadro 1. Os transtornos do sono de acordo com a 2ª edição da Classificação Internacional de TS (ICSD-2) 3 ially mariana SOI V 2020.2 4 ially mariana SOI V 2020.2 FONTE: TRANSTORNOS DO SONO: VISÃO GERAL GISELE S. MOURA L. NEVES1, ANDRE S. GIORELLI2, PATRICIA FLORIDO3, MARLEIDE DA MOTA GOMES – REVISTA BRASILEIRA DE NEUROLOGIA Nos seres humanos, o principal período de repouso é marcado por um comportamento conhecido como sono, definido como um estado facilmente reversível de inatividade e caracterizado pela falta de interação com o meio externo. A maioria dos mamíferos e pássaros apresenta os mesmos estágios do sono humano, revelando que o sono é uma propriedade muito antiga do encéfalo dos vertebrados. Dependendo de como o sono é definido, verifica-se que mesmo os invertebrados, como as moscas, passam por períodos de repouso, que podem ser descritos como sono. Por que precisamos dormir é um dos mistérios não resolvidos na neurofisiologia, além de ser uma pergunta que pode ter mais de uma resposta. Algumas explicações propostas incluem a necessidade de conservar energia, fugir de predadores, permitir ao corpo se recompor e processar memórias. Algumas das mais recentes pesquisas indicam que o sono é importante para a limpeza de resíduos do líquido cerebrospinal, em 5 ially mariana SOI V 2020.2 particular algumas das proteínas que se acumulam em doenças neurológicas degenerativas, como a doença de Alzheimer. Há boas evidências que suportam a ligação entre sono e memória. Uma série de estudos tem demonstrado que a privação de sono prejudica o nosso desempenho em tarefas e testes, uma das razões para não passar a noite inteira estudando para uma prova. Ao mesmo tempo, 20 a 30 minutos de “sestas poderosas” também mostrou melhorar a memória, podendo ajudar a recuperar o déficit de sono. Fisiologicamente, o que distingue o estado de vigília dos vários estágios do sono? A partir de estudos, sabemos que, durante o sono, o encéfalo consome tanto oxigênio como o cérebro acordado e, por isso, o sono é um estado metabolicamente ativo. O sono é dividido em quatro estágios, cada um marcado por eventos identificáveis e previsíveis associados a alterações somáticas e padrões de EEG característicos. Nos estados de vigília, muitos neurônios estão disparando, mas não de uma forma coordenada (FIG. 9.17a). Um eletrencefalograma, ou EEG, do estado de alerta ou vigília (olhos abertos) mostra um padrão rápido e irregular, sem ondas dominantes. Em estados acordados, mas em repouso (olhos fechados), no sono ou em coma, a atividade elétrica dos neurônios sincroniza em ondas com padrões característicos. Quanto mais sincrônica a atividade dos neurônios corticais, maior a amplitude das ondas. Por conseguinte, o estado acordado, mas em repouso, é caracterizado por ondas de baixa amplitude e alta frequência. À medida que a pessoa adormece e o estado de alerta é reduzido, a frequência das ondas diminui. As duas principais fases do sono são: o sono de ondas lentas e o sono do movimento rápido dos olhos. O sono de ondas lentas (também chamado de sono profundo ou sono não REM, estágio 4) é indicado no EEG pela presença de ondas delta, de alta amplitude, ondas de baixa frequência e de longa duração que se espalham pelo córtex cerebral (Fig. 9.17a). Durante essa fase do ciclo do sono, as pessoas ajustam a posição do corpo sem comando consciente do encéfalo. Em contrapartida, o sono do movimento rápido dos olhos (REM) (estágio 1) é marcado por um padrão de ECG mais próximo ao de uma pessoa acordada, com ondas de baixa amplitude e alta frequência. Durante o sono REM, a atividade do encéfalo inibe os neurônios motores que se dirigem para os músculos esqueléticos, paralisando-os. As exceções a esse padrão são os músculos que movimentam os olhos e os que controlam a respiração. O controle das funções homeostáticas é deprimido durante o sono REM, e a temperatura do corpo diminui, aproximando-se da temperatura ambiente. O sono REM é o período durante o qual ocorre a maioria dos sonhos. Os olhos movem-se atrás das pálpebras fechadas, como se acompanhassem a ação do sonho. As pessoas são mais propensas a acordar espontaneamente nos períodos de sono REM. Um típico período de oito horas de sono consiste em ciclos repetidos, como mostra a Figura 9.17b. Na primeira hora, a pessoa sai da vigília em sono profundo (estágio 4, primeira área azul na Fig. 9.17b). Osujeito adormecido, então, cicla entre o sono profundo e o sono REM (estágio 1), com estágios 2 a 3 ocorrendo entre eles. Próximo ao período final das oito horas de sono, a pessoa permanece a maior parte tempo no estágio 2 e no sono REM, até finalmente despertar. Se o sono é um processo neurologicamente ativo, o que nos deixa com sono? A possibilidade de um fator indutor do sono foi proposta inicialmente em 1913, quando cientistas observaram que o líquido cerebrospinal de cães privados de sono poderia induzir o sono em animais normais. Desde então, diversos tipos de fatores indutores do sono têm sido identificados. De modo curioso, muitos deles também são substâncias que aumentam a resposta imune, como interleucina 1, interferon, serotonina e fator de necrose tumoral. A partir desses achados, alguns investigadores têm sugerido que uma resposta para o enigma da razão biológica do sono é que precisamos dormir para aumentar a nossa resposta imune. Independentemente de essa ser ou não a razão para dormirmos, a ligação entre o sistema imune e a indução do sono pode ajudar a explicar por que tendemos a dormir mais quando estamos doentes. Outra pista que auxilia a compreender o que nos deixa sonolentos vem de estudos sobre a cafeína e suas primas do grupo das metilxantinas, a teobromina e a teofilina (encontradas no chocolate e no chá). Essas substâncias químicas são, provavelmente, as drogas psicoativas mais consumidas, conhecidas desde os tempos antigos por seu efeito estimulante. Pesquisas moleculares têm revelado que as metilxantinas são antagonistas do receptor da adenosina, uma molécula composta pela base nitrogenada adenina mais o açúcar ribose (p. 35). A descoberta de que o efeito estimulante da cafeína vem do seu bloqueio de receptores de adenosina tem levado os cientistas a investigar o papel da adenosina nos ciclos de sono-vigília. Evidências sugerem que a adenosina se acumula no líquido extracelular durante as horas de vigília, diminuindo progressivamente a atividade dos neurônios que promovem a vigília. Transtornos do sono são relativamente comuns, o que pode ser deduzido pela variedade de agentes indutores do sono disponíveis nas farmácias. Entre os transtornos do sono mais comuns estão a insônia (dificuldade de iniciar o sono ou permanecer adormecido o suficiente para descansar), a apneia do sono e o sonambulismo. A apneia do sono é uma condição na qual o sujeito acorda quando a respiração é interrompida, quer seja por falta de estímulo do sistema nervoso central ou pela obstrução das vias aéreas. O sonambulismo é um distúrbio de comportamento do sono que, por muitos anos, pensou-se representar a ação dos sonhos. Entretanto, a maioria dos sonhos ocorre durante o sono REM (estágio 1), ao passo que o sonambulismo ocorre durante o sono profundo (estágio 4). Durante os episódios de sonambulismo, que podem durar de 30 segundos a 30 minutos, os olhos do sujeito estão abertos, registrando o ambiente. Ele tem a habilidade para desviar de objetos, pode subir escadas e, em alguns casos, há relatos de que ele executa tarefas como preparar comida ou vestir roupas. A pessoa, em geral, tem 6 ially mariana SOI V 2020.2 pouca ou nenhuma lembrança consciente do episódio de sonambulismo quando acorda. O sonambulismo é mais comum em crianças, e a frequência dos episódios diminui com a idade. Existe também um componente genético quando a tendência ao sonambulismo ocorre em famílias. Para saber mais sobre os diferentes transtornos do sono, consulte o site do NIH para o National Center for Sleep Disorder Research (Centro Nacional de Pesquisa Transtorno do Sono) (www.nhlbi.nih.gov/about/org/ncsdr). FISIOLOGIA DE SILVERTHON Obj 2 – Classes farmacológicas para o tratamento dos Transtornos do Sono Quando o paciente insone não responde às medidas não farmacológicas, várias classes de medicamentos são utilizadas no tratamento deste transtorno, incluindo os agonistas do receptor benzodiazepínico, os antidepressivos, os anti- histamínicos, os antipsicóticos e os chamados compostos naturais. Contudo, as evidências disponíveis acerca da eficácia e da tolerabilidade desses agentes variam de forma considerável e devem ser cuidadosamente revisadas antes de seu emprego. A farmacoterapia deve ser considerada em situações agudas com necessidade de redução imediata dos sintomas.2 A seleção do fármaco deve ter em consideração diferentes fatores como os sintomas, objetivos do tratamento, resposta a tratamentos prévios, preferências do paciente, custos, comorbilidades, contraindicações e efeitos secundários. Em pacientes adultos e idosos, alguns princípios básicos norteiam a farmacoterapia racional da insônia: na insônia de curta-duração, deve-se prescrever medicações por um curto período de tempo (i.e., uso regular por não mais do que três a quatro semanas); na insônia crônica, deve-se evitar o uso continuado do indutor de sono com a utilização de dosagens intermitentes (i.e., duas a quatro vezes por semana); deve-se prescrever, sempre que possível, um único fármaco (para reduzir os custos e o risco de interação medicamentosa) e na menor dose efetiva; em pacientes idosos, deve-se iniciar o tratamento com doses menores do que as utilizadas habitualmente em adultos jovens e evitar medicações com meia-vida longa; deve-se descontinuar a medicação de forma gradual (para evitar sintomas de abstinência) ou, antes da suspensão, substituir um fármaco de curta ação por um de ação intermediária ou longa; deve-se ficar alerta para a insônia de rebote que pode seguir-se à descontinuação abrupta dos fármacos; deve-se utilizar, sempre que possível, agentes com meia-vida de eliminação mais curta (para diminuir a sedação diurna); FÁRMACOS HIPNÓTICOS As benzodiazepinas (BZD) e fármacos análogos têm indicação no tratamento da insônia quando os sintomas assumem caráter patológico, pelo que não devem ser utilizadas por rotina no tratamento sintomático de insônias leves a moderadas. Não devem utilizar-se simultaneamente mais do que uma BZD hipnótica ou fármaco análogo.22 Previamente à prescrição de fármacos hipnóticos, o doente deverá ser informado sobre o risco de habituação, risco de síndrome de privação, risco de toxicidade com a ingestão concomitante de álcool e/ou sedativos, risco de interferir com as funções psicomotoras e risco de quedas (especialmente nos idosos). AGONISTAS DO RECEPTOR BENZODIAZEPÍNICO Esse grupo de medicamentos, no qual estão incluídos os benzodiazepínicos (BDZs) (e.g., clonazepam, lorazepam, flunitrazepam), como também um grupo estruturalmente distinto de agentes não-benzodiazepínicos (não-BDZs) (i.e., zolpidem, zopiclona e zaleplon), são a primeira escolha farmacológica para o tratamento no curto prazo da insônia primária. Metanálises recentes mostraram que eles são superiores ao placebo em termos de seu efeito na redução da latência para o início do sono e do número de despertares noturnos e no aumento da duração e da qualidade do sono.24,25 Além disso, http://www.nhlbi.nih.gov/about/org/ncsdr 7 ially mariana SOI V 2020.2 alguns estudos também sugeriram que os agonistas do receptor benzodiazepínico poderiam estar associados com uma gama mais ampla de benefícios, incluindo a melhora na qualidade de vida e nas atividades sociais e profissionais dos pacientes com insônia.7,9 Dados preliminares indicam não existir uma diferença significativa entre os BDZs e os novos compostos não-BDZs em termos de eficácia, ainda que os últimos pareçam provocar menos insônia de rebote, efeitos residuais mínimos (psicomotores e cognitivos) e colaterais (e.g., depressão respiratória) e menores taxas de tolerância e de abuso.24 Por esse motivo, os agentes não- BDZs (especialmente o zolpidem e o zaleplon) vêm se consolidando, em muitos países, como primeira opção no tratamento farmacológico de curto- prazo da insônia.21Entretanto, os benzodiazepínicos verdadeiros (particularmente aqueles com meia-vida curta) ainda estão indicados no manejo dos pacientes insones, especialmente quando se deseja tratar sintomas de ansiedade concomitantes. Embora estudos iniciais tenham sugerido o aparecimento de tolerância com o uso continuado dos benzodiazepínicos verdadeiros e do zolpidem, evidências preliminares apontam para uma eficácia sustentada de alguns dos agonistas dos receptores benzodiazepínicos, ao longo de várias semanas ou meses de uso (e.g., por 6 meses ou mais). Por fim, ao contrário do que muitas vezes se apregoa, o uso abusivo dessas drogas é incomum, sendo observado em apenas 0,5% a 3% dos pacientes (quase sempre naqueles com história pessoal atual ou prévia de abuso de outras substâncias, incluindo o álcool). Estes fármacos produzem um efeito hipnótico semelhante às benzodiazepinas, tendo como exemplo o zolpidem. O uso deste fármaco está recomendado no tratamento da insônia a curto prazo, especialmente na insônia inicial.23 O zolpidem diminui a latência do sono e o número de despertares noturnos e aumenta a duração e a qualidade do sono.4 O tratamento com este fármaco deve ser curto, com duração média inferior a quatro semanas.13,22 Um ensaio clínico randomizado24 mostrou eficácia do zolpidem até oito meses de tratamento, mas sem melhoria nos parâmetros subjetivos relativamente ao placebo. Os efeitos secundários mais comuns são cefaleias, tonturas e sonolência.4 Em 2013, a US Food and Drug Administration recomendou o uso de uma dose menor que os 10mg/dia, especialmente em mulheres, visto que doses mais elevadas podem estar associadas a uma diminuição da capacidade de conduzir. Estudos mostraram que concentrações sanguíneas de 50ng/ml serão capazes de diminuir a capacidade de dirigir, sendo que estas doses encontram-se em cerca de 15% das mulheres que tomaram zolpidem 10mg oito horas antes. BENZODIAZEPINAS As BZD estão recomendadas apenas na fase aguda das queixas de insônia, na menor dose possível, com duração de duas a quatro semanas. Estes fármacos diminuem a latência do sono e número de despertares noturnos, aumentando a duração e qualidade do sono. Adicionalmente, as BZD podem diminuir as queixas de ansiedade. Previamente à prescrição de BZD, dever-se-á avaliar a presença de causalidade ou comorbilidade física, abuso de álcool ou outras substâncias, miastenia gravis, insuficiência respiratória grave, apneia do sono, insuficiência hepática grave. Nos pacientes com queixas de insônia inicial dever-se-á utilizar uma BZD de curta ação e nos pacientes com queixas de dificuldade de manutenção do sono é preferível uma BZD com ação mais prolongada (Quadro 3).4 O diazepam não deve ser utilizado, pois é de longa duração de ação e pode levar à acumulação de metabolitos ativos. Os efeitos adversos mais comuns são sedação matinal, incoordenação motora, perturbações mnésicas, sonolência excessiva, atraso de tempo de reação, redução da libido e desinibição comportamental. Após duas a quatro semanas de utilização, aumenta o risco de desenvolver tolerância, dependência física e psicológica e síndrome de privação. Esta síndrome pode durar até três semanas após a suspensão de BZD de longa ação e caracteriza-se pela presença de sintomas de ansiedade, perda de apetite, tremor, sudação e alterações perceptuais.22 A maioria dos hipnóticos são depressores respiratórios, pelo que podem agravar a síndrome da apneia obstrutiva do sono ou hipoventilação ANTIDEPRESSIVOS Os antidepressivos sedativos (Quadro 4) são fármacos comumente prescritos para o tratamento da insônia, embora conclusões que comprovem a sua eficácia sejam limitadas.26 Geralmente, as doses utilizadas para indução do sono são inferiores às utilizadas no tratamento da depressão. No momento atual, não há evidência que sustente a sua eficácia na insônia sem comorbilidades médicas ou psiquiátricas, contudo, podem estar indicados como primeira linha quando a insônia está associada a sintomas depressivos ou de ansiedade ou em pacientes com abuso de substâncias. 8 ially mariana SOI V 2020.2 Embora o uso de antidepressivos para o tratamento da insônia tenha aumentado significativamente nos últimos anos, as evidências que sustentam a eficácia dessa estratégia são relativamente esparsas.23 O antidepressivo mais comumente prescrito é a trazodona (em doses de 50-150mg).22 Outros antidepressivos utilizados no manejo da insônia incluem a nefazodona (em doses de 50-200mg), alguns dos agentes tricíclicos terciários (e.g., imipramina, amitriptilina e doxepina) e a mirtazapina (em doses de 15-30mg). Por outro lado, o uso de antidepressivos mais ativadores deve ser evitado em pacientes com insônia, especialmente alguns dos inibidores da recaptação de serotonina (e.g., fluvoxamina), a bupropiona e os agentes tricíclicos seletivamente noradrenérgicos (e.g., desipramina). A insônia é um sintoma muito comum em pacientes com ansiedade generalizada. Nesses casos, a paroxetina ou a venlafaxina poderiam ser utilizadas. Em termos gerais, os antidepressivos que apresentam um efeito sedativo mais intenso, são úteis nos casos de insônia secundária à depressão maior e à ansiedade generalizada e nos pacientes que apresentam potencial significativo para adição aos agonistas do receptor benzodiazepínico (e.g., alcoolistas e/ou drogaditos). TRAZODONA Atualmente, não existe evidência sustentada da eficácia da trazodona no tratamento da insônia. Um estudo randomizado concluiu que a trazodona ao final de uma semana de utilização melhorou a latência do sono, duração total do sono e número de despertares noturnos quando comparado com o placebo, contudo, na segunda semana de utilização não se verificaram diferenças entre a trazodona e o placebo. Por outro lado, na depressão com insônia comórbida, estudos verificaram melhoria da qualidade do sono e do número de despertares noturnos. MIRTAZAPINA, AMITRIPTILINA, MIANSERINA Não há evidência sustentada para a eficácia destes antidepressivos, não existindo estudos a longo prazo. Eles têm um potencial efeito benéfico na insônia associada à depressão.13 AGOMELATINA Tem um efeito potencial na regulação do ritmo circadiano nos pacientes com depressão. Verifica-se uma melhoria da qualidade do sono, redução da latência do sono e redução dos despertares noturnos em pacientes com depressão comorbida. Aparentemente, tem menos efeitos secundários que outros antidepressivos, nomeadamente na disfunção sexual ou sintomas de descontinuação. ANTIPSICÓTICOS Não estão recomendados em pacientes sem psicose, dado que não há evidência comprovada da sua eficácia.11 Em relação à quetiapina, os benefícios no tratamento da insônia não superam os riscos potenciais da utilização do fármaco, mesmo em doentes com condições comórbidas, que possam justificar o seu uso. Os antipsicóticos são utilizados no manejo da insônia nos pacientes com sintomas psicóticos (esquizofrenia e transtorno do humor bipolar). Dentre os mais utilizados estão algumas das fenotiazinas (e.g., levomepromazina e clorpromazina) e alguns dos agentes de nova geração (e.g., olanzapina e ziprazidona).9 Embora os últimos estejam associados com menor incidência de efeitos adversos extrapiramidais (e.g., acatisia e distonia aguda) e de discinesia tardia, seu custo muitas vezes é um fator limitante. 9 ially mariana SOI V 2020.2 ANTI-HISTAMÍNICOS Não há evidência que os anti-histamínicos melhorem as queixas de insônia. Por outro lado, podem causar sedação no dia seguinte, assim como estão associados a efeitos secundários como diminuição do tempo de reação, diminuição da capacidade cognitiva, delírio, alterações visuais, retenção urinária e constipação intestinal. VALERIANA Atualmente, existe uma baixa evidência do benefício da utilização de valeriana no tratamento da insônia.13 Contudo,o uso deste fármaco, em alguns estudos, parece ter algum efeito benéfico ao melhorar subjetivamente a qualidade do sono dos pacientes. MELATONINA A melatonina apresenta efeitos modestos no tratamento da insônia sem comorbilidades, parecendo diminuir a latência do sono, aumentar o tempo total de sono e a qualidade do sono. Todavia, os efeitos observados são inferiores ao de outros tratamentos farmacológicos. A melatonina poderá ser uma escolha de tratamento na perturbação do sono relacionada com o ritmo circadiano. FONTE: TRATAMENTO DA INSÔNIA EM ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE - NELSON FERREIRA RIBEIRO – REVISTA BRASILEIRA DE MFC DIRETRIZES E ALGORITMO PARA O MANEJO DA INSÔNIA Obj 3 – Medidas de higiene do sono O tratamento mais comum para a insônia crônica é o medicamentoso,4 embora a utilização de medicamentos cause alguns prejuízos em longo prazo, entre os quais a tolerância e a dependência. Perante esta situação, diversos estudos têm sugerido a utilização de terapias não medicamentosas. As intervenções não farmacológicas, comportamentais e cognitivas, que tem como objetivo principal reduzir e/ou modificar fatores que interferem negativamente no sono, incluindo hábitos mal adaptativos, hiperestimulação cognitiva ou fisiológica e crenças disfuncionais são consideradas a primeira escolha no manejo da insônia primária não complicada. Vários estudos indicam que 70% a 80% dos indivíduos insones se beneficiam com o uso de estratégias não-farmacológicas. A magnitude da melhora é de aproximadamente 50% (especialmente no relato subjetivo da qualidade e da quantidade de sono), sendo essa melhora mantida por até 24 meses após o início do tratamento.13 As intervenções utilizadas são: higiene do sono, terapia de controle de estímulos, terapia de restrição de sono e terapia de relaxamento e de biofeedback. HIGIENE DO SONO A higiene do sono tem como objetivo evitar comportamentos e/ou aliviar condições incompatíveis com o sono reparador e a estabelecer um hábito regular de sono: o quarto de dormir deve ser silencioso, escuro e com temperatura agradável; ter um horário relativamente uniforme para deitar e levantar; não realizar exercícios extenuantes imediatamente antes de deitar; não ingerir bebidas alcoólicas imediatamente antes de deitar; não ingerir bebidas que contenham estimulantes ou cafeína (e.g., chá preto, café, colas) após o anoitecer (ou antes desse horário no caso de uma maior sensibilidade individual); evitar o uso do tabaco após o anoitecer; não ouvir música, ver programas de TV, filmes ou realizar leituras que excitantes, próximos ao horário de dormir; não falar ao telefone, assistir televisão ou fazer refeições na cama; evitar o uso crônico de medicações para a insônia; evitar longas sestas ou minimizar os cochilos diurnos. Contudo, apesar da higiene do sono ser comumente empregada na prática diária, não existem evidências suficientes para recomendá-la como monoterapia no manejo da insônia. A higiene do sono é um método que visa educar os hábitos relacionados à saúde (ex: a dieta, o exercício físico e o uso de sustâncias de abuso) e ao comportamento (ex: a luz, os barulhos, a temperatura e o colchão) que sejam benéficos ou prejudiciais ao sono.16 As recomendações da higiene do sono incluem: 1) usar o quarto e a cama somente para dormir e praticar atividade sexual; 2) evitar o barulho (com tampão de ouvido), a luz (cortinas nas janelas) e a temperatura excessiva (cobertor/ar-condicionado) durante o período do sono; 3) evitar, entre outras, a cafeína, a nicotina e as bebidas alcoólicas nas últimas 4-6 horas que antecedem o sono. FONTE: TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO PARA A INSÔNIA CRÔNICA – GISELLE SOARES PASSOS DIRETRIZES E ALGORITMO PARA O MANEJO DA INSÔNIA MARCELO T. BERLIM 10 ially mariana SOI V 2020.2 Obj 4 – Automedicação nos profissionais de saúde Os profissionais da saúde encontram-se expostos a riscos biológicos, ergonômicos e psicossociais, por isso são mais suscetíveis à manifestação ou instalação de determinadas doenças em função do labor3 , o que também contribui para a necessidade de aliviar sintomas por meio da automedicação. Entre trabalhadores da saúde têm sido relatado dores lombares, em membros inferiores, estresse, mudança de humor, transtornos do sono, varizes, entre outros.8 Os trabalhadores da saúde detêm conhecimento e acesso aos medicamentos disponíveis e passam a representar um grupo de destaque no que se refere à prática da automedicação3 , sendo este o tema de interesse da presente investigação
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