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Bourdieu, Luhmann e Habermas no Direito

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1- Em que consistem os métodos construtivista-estruturalista, de Pierre Bourdieu, sistêmico-funcional, de Niklas Luhmann e da teoria crítica, de Habermas? 
O método construtivista-estruturalista de Bourdieu consiste em entender que na sociedade existem estruturas que digerem e conduzem a ação e as escolhas dos indivíduos. Essas estruturas são chamadas de “habitus” e podem ser compreendidas de duas formas: a primeira vem da teoria durkheimniana, que considera o habitus como maneiras de agir, pensar, existir, criar etc., a segunda, já desenvolvida por Bourdieu, aborda o habitus como uma dimensão condicionante que limita o arbítrio dos indivíduos (agentes) em seus campos (microcosmos sociais que possibilitam campos de possibilidade e que possuem capitais [simbólico, cultural, econômico, religioso, jurídico]) e no qual se dá o processo de aprendizado e internalização das regras de uma sociedade/coletividade. Também vale ressaltar duas coisas: a primeira é que a teoria é considerada construtivista porque simboliza uma “gênese social dos esquemas de percepção” e a segunda é que para o sociólogo, o habitus não é algo que só “existe” nos campos. Ele é diariamente escolhido pelos indivíduos, que em seu papel de agentes, absorvem a estrutura social e a reproduzem, legitimam, validam etc. 
O método sistêmico-funcional de Luhmann consiste em dividir a sociedade, assim como Bourdieu dividiu, porém desta vez em sistemas sociais. Os sistemas sociais são aqueles que reproduzem determinadas ideias para um determinado público de indivíduos. Essas ideias são chamadas de códigos específicos e juntamente à autonomia de alguns dos sistemas, fazem com que esses sejam extremamente fortes (como o do Direito). Para entender a teoria de Luhmann é preciso compreender algumas coisas: 1. A comunicação é a chave para o sistema social (assim como a ação é para o físico e a percepção individual é para o psíquico). É a comunicação que interliga os indivíduos formando a sociedade e tirando-os da zona “neutra” que Luhmann chama de “ambiente”. 2. Os sistemas sociais são operacionalmente fechados, porém cognitivamente abertos. O que isso significa? Significa que as pessoas podem ser essenciais à comunicação, à ideia cognitiva de sistema, porém o mesmo funciona sozinho operacionalmente. Ele opera à sua maneira e isso ultrapassa a ação dos participantes. 3. Os sistemas reproduzem a si próprios, pois geram uma estrutura composta por indivíduos que reproduzem constantemente seu código de comunicação, seus códigos específicos e seus valores. 4. Os sistemas sociais são autopoiéticos. Isso significa que ele mesmo produz e reproduz tudo aquilo que o constitui (se não há comunicação, não há reprodução). Ambiente: está diretamente ligado ao SS. Um não existe sem o outro. Também pode ser chamado de diferencial ou pensado como uma “periferia”
Sistema social
A teoria crítica de Habermas consiste em um projeto de emancipação social em que os indivíduos transitem progressivamente da ação estratégica para a ação comunicativa. A ação estratégica é aquela que visa o sucesso pessoal visando alguns interesses, entendendo que para alcançar alguns objetivos talvez seja necessário o uso de armas, bens, ameaças, etc. Já a ação comunicativa é aquela que visa o entendimento e o sucesso mútuo e não somente individual. Nesse tipo de ação os indivíduos devem buscar pontos em comum e agir através do consenso / razão comunicativa (o pensar orientado pela razoabilidade e pela racionalidade. É guiado por um horizonte ético-moral). A teoria crítica também pode ser chamada de teoria moral e ética da ação prática. 
2- Como Bourdieu, Luhmann e Habermas abordam a questão do consenso, dissenso e conflito nas sociedades complexas / modernas? 
Vemos a ideia de conflito amplamente abordada nos trabalhos de Luhmann e Bourdieu sobre o direito e sobre o campo jurídico, respectivamente. 
Para Luhmann o direito tem como função generalizar e estabilizar expectativas de conduta e regular conflitos para gerar ordem, sendo fundamental para a estabilidade da organização interna, já para Bourdieu, o conflito entre agentes do campo jurídico é fundamental para gerar um objetivo e a autonomia do campo. 
Habermas, por outro lado, defende a ideia do consenso, porque acredita que é através do consenso procedimental e da discussão do dissenso conteudístico que a construção da esfera pública é feita. 
3- Quais as diferenças e similitudes entre Bourdieu, Luhmann e Habermas acerca da autonomia do direito? 
Para Bourdieu, o campo jurídico em si não possui neutralidade, mas sim autonomia. Essa autonomia, como já dito anteriormente, é alcançada através do conflito entre agentes. 
Para Luhmann, o campo do direito também é autorreferido (ou seja, autônomo), porque ele produz suas normas, códigos e práticas, bem como regras de validação, podendo também determinar que a autonomia é gerada do conflito, que tem como propósito estabelecer a ordem. 
Para Habermas, a democracia procedimental e o consenso (que visa a construção da esfera pública) é o que geram a autonomia do direito. 
Ou seja, podemos concluir que para todos os autores, o Direito é autônomo (seja como campo jurídico, sistema jurídico, estado de direito, etc.), contudo o método pelo qual essa autonomia é atingida difere. Para Bourdieu e Luhmann a autonomia é atingida através do conflito de ideias e objetivos, já para Habermas ela é atingida através do consenso e da discussão do dissenso conteudístico (que é um debate de ideias, mas não chega a ser tão enfático como o conflito proposto pelos dois primeiros autores). 
4- Explique os conceitos de Campo, Capitais e Habitus, considerando suas propriedades universais e as específicas do campo jurídico.
Campo: São microcosmos sociais, estruturas estruturantes que possibilitam campos de possibilidades. Pode ser científico, jurídico, econômico, etc. Regulado por relações de hierarquia (sempre há o dominado e o dominante). Isso acontece porque há uma constante disputa de capitais no campo.
Capitais: É algo que se acumula por meio de operações de inversão/conversão e que se transmite por meio de herança. Existe o capital econômico, simbólico, social, político, jurídico, etc. 
Habitus: Processo de socialização é o processo de formação de habitus, durante o qual se dá o aprendizado e a internalização das regras de uma sociedade / coletividade. Existe o habitus científico, cultural, social, jurídico, etc. 
No campo jurídico, o capital são as leis, normas e doutrinas, que condicionam o campo e são passadas de geração em geração e o capital simbólico, que possui forte influência no direito. Já o habitus no direito consiste na reprodução dos comportamentos dominantes e na reafirmação do status quo, logo qualquer padrão dominante que for percebido no campo jurídico pode ser considerado o “habitus”. 
5- Como se organiza o universo social para Bourdieu? 
Para Bourdieu, a sociedade é dividida em diversos campos, que pode ser entendido como espaços simbólicos, no qual a luta dos agentes determina, valida e legitima representações. É nos campos que se estabelece o habitus e o capital, ou seja, o que é adequado e o que pertence ou não a esse campo. É importante ressaltar que Bourdieu organiza o universo social através da abordagem estrutural-construtivista, desenvolvida através da gênese social dos esquemas de percepção. 
6- Explique de que forma a teoria do habitus permite explicar a ocupação dos cargos jurídicos, as características e aspirações dos operadores do direito e as implicações para a reprodução social que ocorre a partir do campo jurídico.
Como já afirmado antes, o habitus permite o aprendizado e a internalização das regras de uma sociedade / coletividade, logo ele seleciona as pessoas que estarão ou não dentro do campo jurídico. Porém, além do habitus “determinar” quem fica ou não dentro do campo, os agentes também escolher cumprir as regras determinadas nessa escolha e é nessa escolha que reside a reprodução do status quo e dos padrões dominantes. 
Portanto, as pessoas que ocupam cargos jurídicos,além de serem fortemente influenciadas pelo habitus do campo, produzem padrões próprios que serão passados como capitais do campo e irão influenciar pessoas hierarquicamente abaixo delas. 
7- Explique por que o campo jurídico é autorreferido, para Bourdieu, e as implicações para a reprodução social que ocorre a partir do campo jurídico
O campo jurídico é autorreferido porque produz suas normas, códigos e práticas, bem como regras de validação. Sua implicação para o corpo social é que essas coisas produzidas pelo campo jurídico permeiam para os outros campos, influenciando-os e fazendo com que eles até reproduzam certos padrões. 
8- Explique por que para Bourdieu o direito é uma forma de violência simbólica
A violência simbólica é a violência que não causa danos físicos, mas pode gerar danos morais e psicológicos, porque induzem o indivíduo a se posicionar conforme o discurso dominante. Querendo ou não, o direito cria e impõe regras, fazendo com que os indivíduos sigam um padrão - podendo até sofrer sanções caso ajam diferentemente. 
Também podemos considerar o direito como uma forma de violência simbólica porque por vezes ele é recluso em seu mundo enquanto formula normas, mas aberto à toda sociedade enquanto as impõe. Diversas leis, por exemplo, já poderiam ter sido modificadas caso se ouvisse mais a população, porém os legisladores escolhem não o fazer, gerando uma violência que pode ser considerada simbólica. 
9- Como se organiza o universo social para Luhmann? 
Luhmann organiza a sociedade em sistemas e ambiente. Trabalhemos com um exemplo: o sistema científico possui um código de comunicação específico. As pessoas que compreendem, produzem e reproduzem esse código de comunicação estão dentro do sistema científico. As pessoas que não tem nenhuma das condutas anteriores, estão no ambiente deste sistema, do lado de fora da redoma, vendo o que se passa do lado de dentro. Os diversos sistemas comentados por Luhmann (social, psíquico, físico, jurídico, etc.) coexistem no que ele chama de meio social, entrando em contato em alguns de seus ambientes. Contudo, a face interna de um sistema x não entra em contato nem com o próprio ambiente x nem com a face interna de outro sistema y. 
10- O que é e como funciona os sistemas autopoiéticos de Luhmann?
Para Luhmann, o sistema social é autorreferido porque reproduz a si mesmo constantemente, ou seja, produz normas, práticas, etc., e autopoiético devido ao princípio de fechamento operativo que existe dentro dos sistemas, as “regras de validação” já estão estabelecidas através da organização interna. 
11- Qual a relação entre modernidades, complexidade e diferenciação funcional para Luhmann?
Para Luhmann, a sociedade na qual sua teoria se embasa é extremamente moderna e complexa. De acordo com a teoria dos sistemas, a sociedade moderna seria o resultado da hipercomplexificação social vinculada à diferenciação funcional das esferas do agir e do vivenciar. Implicaria, portanto, o desaparecimento de uma moral de conteúdo hierárquico, válida para todas as conexões de comunicação e o surgimento de sistemas sociais operacionalmente autônomos, reproduzidos com base nos próprios códigos e critérios, embora condicionados pelos seus ambientes. 
12-  Explique o problema da ordem para Luhmann e qual a função do Direito, como sistema que integra a sociedade complexa
A função do direito é generalizar e estabilizar expectativas de conduta e regular conflitos, ou seja, gerar ordem em meio ao “caos” social. Luhmann entende que é no âmbito do Estado democrático de Direito que se constrói a possibilidade de mudar o conteúdo daquilo que compõe a ordem - contudo, afirma que as regras do jogo, ou seja, as regras reais, nunca poderão ser mudadas. Os procedimentos eleitoral, legislativo e judicial do Estado de direito servem como mecanismos funcionais de seleção, filtragem e imunização das influências contraditórias do ambiente (ou seja, da esfera pública) sobre os sistemas político e jurídico. 
13- Qual a relação entre o sistema do Direito e o interesse público para Luhmann?
Para Luhmann, o sistema do Direito está aberto a ouvir os argumentos e até mesmo as opiniões minoritárias do público, desde que isso não interfira diretamente em seu funcionamento, visto que os sistemas são operacionalmente fechados e cognitivamente abertos. O estado democrático de direito permite aos “meros mortais” sonhar com a possibilidade de mudança da ordem jurídico-política fazendo com que seus interesses sejam ouvidos e compreendidos. 
14- Qual a concepção de autonomia do direito para Habermas? 
Para Habermas, a autonomia do direito, inerente ao Estado de direito, pode ser vista também como uma autonomia em relação aos meios poder e dinheiro e resulta da presença de procedimentos políticos com fundamentação ético-discursiva (democracia procedimental). Isso implica autonomia privada em conexão com autonomia pública, ou seja, “direitos humanos” e soberania do povo pressupondo-se reciprocamente. 
Direitos humanos 
Estado de Direito 
Pensar orientado pela razoabilidade/racionalidade (horizonte ético / moral) 
Soberania dos povos 
Autonomia privada em conexão com autonomia pública 
15- Explique a concepção ético-procedimental do Direito proposta por Habermas 
Para o autor, a sociedade moderna resulta da evolução da consciência moral, visando o sentido de superação das estruturas pré-convencionais e convencionais e o advento de uma moral pós-convencional. Através desta evolução da consciência, da superação das estruturas e do estabelecimento de uma razão comunicativa, surge um horizonte estabelecido pelo pensamento ético-procedimental. 
16- Qual a relação entre Direito e interesse público e como se realiza na esfera pública? 
Para o autor, é necessário que haja um consenso procedimental entre os indivíduos das esfera pública e os “reguladores” do direito através da discussão do dissenso conteudístico, fazendo com que no fim haja uma abertura do direito para a esfera pública. Para Habermas, o interesse público tem grande papel na construção do Estado democrático de Direito porque permite algumas mudanças importantes para o funcionamento deste. 
17-  Explique a relação entre autonomia privada (direitos humanos), autonomia pública (soberania dos povos) e Estado de Direito
Como já comentado na questão 14, a relação entre autonomia pública e autonomia privada é o que gera o funcionamento do estado de direito (com sua autonomia) e a formação de um pensar orientado pela razoabilidade. Logo, repetiremos a “equação”: 
Autonomia privada + autonomia pública = autonomia do Estado de Direito 
18- Como Habermas interpreta a Modernidade e quais os desafios colocados para o Direito e o Estado de Direito?
Habermas concebe a modernidade como uma ferramenta de transformação e evolução que produz superação da moral pré-convencional e convencional; Ele coloca como desafio a construção de uma moral pós-convencional - desafio que pode ser entendido como uma similaridade com a teoria weberiana de ação orientada por valores. 
Podemos então fazer a seguinte interpretação: Moral pré-convencional ou convencional 
 Ação weberiana orientada por fins 
Moral pós-convencional 
			Ação weberiana orientada por valores

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