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Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 1 Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade Literatura Infantil e Juvenil - Aula 1 “[...] o que importa ao âmbito deste trabalho é notar que também aqui é feita uma distinção entre discurso utilitário e engajamento, sendo o primeiro rechaçado como categoria não estética, ao contrário do segundo. Como em outros casos, não se trata de instrumentalidade reduzindo a literatura, mas da literatura reduzida à instrumentalidade, vale dizer, ao utilitarismo.” (PERROTI, 1986, p.37) O texto utilitário se trata de uma categoria não estética, ou seja, se trata de um tipo texto orientado apenas para transmitir valores. Enquanto que o segundo, embora parta de um ponto de vista, causa a ser defendida, não abre mão de sua construção estética. UTILITARISMO Quando a literatura é reduzida ao caráter de instrumento, ou seja, a um papel pragmático - que é ensinar algo -, essa leitura é utilitária; essa leitura irá ser rechaçada; Utilitarismo → não estético, portanto, é diferente de engajamento; Literatura REDUZIDA à instrumentalidade, ao pragmatismo - não significa dizer que ele é instrumental, mas sim utilitário, porque o discurso instrumental é Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 2 imbuído de um valor estético que vai instrumentalizar a construção de uma visão de mundo; Os valores que são transmitidos prontos, em formas de uma verdade única, no texto utilitário, são construídos e percebidos no interior de uma pluralidade no texto instrumental, ou seja, o texto instrumentaliza essa construção; UM DETERMINADO PONTO DE VISTA - A QUESTÃO DO PODER O discurso utilitário só coloca um ponto de vista → PODER → quem entrega um texto a uma criança tem um poder sobre ela, ou seja, o adulto, instituições regidas por princípios éticos e por valores ligados aos seus mantenedores: escola, governo, religião; “[...] o problema que nos fica é o de que a literatura para crianças e jovens não se satisfez com a tradição da arte concebida enquanto instrumento apenas em um de seus níveis, mas, exagerando a tradição, reduziu-se a isso, fazendo do contingencial, estrutural e da literatura, propaganda, ao buscar apenas o exortativo, o edificante, o didático, ao realizar obras que, no dizer de Elliot, antes de mais nada tentam ‘convencer o leitor de determinado ponto de vista do autor’. ” (PERROTI, 1986, p.38) Um problema na literatura para crianças e jovens é que em larga medida, essa produção reduziu-se ao pragmatismo, ou seja, em se transformar numa propaganda de valores; trata-se de convencer o leitor de um determinado ponto de vista → autor, Estado, mercado; A questão do poder está ligada diretamente à questão estética, pois quando o utilitário, regido unicamente pelo princípio da transmissão de valores, o texto se esvazia de seu valor estético e torna-se impositivo; Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 3 “[...] a obliteração da forma tem consequências maiores sobre o discurso. Na medida em que o discurso utilitário implica inferiorização do destinatário face a um emissor detentor da ‘verdade’, temos aí caracterizado um discurso de e pelo Poder(es)” (PERROTI, 1986, p.39 – grifos do autor) *obliteração - esquecimento Emissor → destinatário → essa relação se for assimétrica, é utilitária, pois o emissor se trata de um adulto com o intuito de ensinar valores à criança; 💡 Se nós temos a possibilidade do discurso instrumental, ou seja, aquele que articula ética e estética, como essa relação se constrói? 💡 De que modo a literatura infantil permite que se use a expressão "ética do imaginário"? O discurso instrumental, ao mesmo tempo que coloca a criança diante de um objeto estético, diante de uma estética articulada, atua na formação das relações de identidade e alteridade, e atua na formação de um repertório cultural que está diretamente relacionado ao contexto que a criança se insere; Toda obra de ficção parte de um princípio: um princípio de que a ficção não é o real. A relação verdade/mentira não cabe em um texto ficcional, porque o ficcional não é verdade ou mentira, é realidade ou fingimento; Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 4 Pacto ficcional - o leitor aceita que isso não é verdade, que isso é um fingimento construído a partir do real; Para que o literário construa essa relação, em que eu não espero fatos reais, a literatura se constrói a partir de fingimento; é o fingimento que rege a ficção; Se diante de um texto literário eu tenho o princípio do fingimento regendo as relações que estabelecem esse mundo ficcional, então, um dos primeiros contatos da criança com a ficção é por meio da brincadeira; por meio da brincadeira, a criança finge ser o que ela não, finge estar numa realidade que não é a dela; No domínio da ficção, qualquer um pode ser o que quiser. A literatura infantil está para o leitor/informação diretamente relacionada ao princípio da brincadeira. Isso, porque o que rege a brincadeira é o mesmo estatuto de ficcionalidade (regras que regem essa relação, regras que não podem ser descumpridas); O que rege o estatuto da ficção, rege, também, a brincadeira; ABORDAGEM DE WOLFGANG A RESPEITO DO ESTATUTO DA FICCIONALIDADE → "Atos de fingir" - a literatura constrói uma duplicação do mundo real, ou seja, os signifcados oscilam entre o real e o fingimento, entre o real e o ficcional; ficção é um espelhamento do mundo real com outras regras de funcionamento, outras possibilidades de organização; 3 ATOS a) ato de seleção: ao escrever, o escritor faz uso de referências extratextuais - mundo real empírico - ou uso de referência intertextuais - se apropria de outros textos. A partir dessa seleção, ele deforma as sequências da realidade, ou seja, ele recorta uma realidade específica e constrói uma sequência dessa realidade escrita a partir do segundo ato; b) ato de combinação: formação de campos semânticos a partir de uma estrutura narrativa que combina elementos da realidade; Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 5 c) ato de autodesnudamento: como se - momento em que o texto se revela como ficção e o mundo real vira uma metáfora. "O mundo do texto não é o mundo, mas deve ser considerado como tal." → Como se a ficção fosse realidade; “A seleção estabelece um espaço de jogo entre os campos de referência e suas distorções no texto. A combinação cria outro espaço entre os segmentos textuais interagentes. E o como se (autodesnudamento) cria mais um espaço entre o mundo empírico e a sua transformação em metáfora para o que permanece não dito. A estrutura duplicadora desses atos de fingir propicia um espaço de jogo, por manter-se ligada ao que foi ultrapassado, fazendo então com que isso que se ultrapassou participe num jogo de lances que se opõem.” (ISER, 1999, p. 70) “Na verdade, os mundos ficcionais são parasitas do mundo real, porém são com efeito “pequenos mundos” que delimitam a maior parte de nossa competência do mundo real e permitem que nos concentremos num mundo finito, fechado, muito semelhante ao nosso, embora ontologicamente mais pobre.” (ECO, 1994, p.91) → O mundo real é ontologicamente mais rico porque ele é infinito, enquanto que o mundo ficcional é finito ao fechar o livro; → Por meio da ficção, nós temos uma experiência com o mundo real potenciliazada, porque a ficção é um mundo finito, o texto é fechado, o texto constrói a realidade a partir da seleção e nossa experiência dentro desse mundo Texto utilitário, texto instrumental e pacto da ficcionalidade 6 está restrita, de modo que nós ficamos protegidos lá dentro, e quando saímos do livro, saímos diferentes; → O como se coloca a criança numa outra realidade possível, que ela vai tentar identificar com a realidade dela, pois o mundo ficcional é uma projeção do mundo real. Assim, o estatuto da ficção paracrianças, deve estar ligado à construção de um conjunto de formação da autoridade e de um repertório cultural, que é a "ética do imaginário". → O princípio ético do texto literário para crianças e jovens se coloca em uma relação direta com uma experiência estática a partir da qual a criança poderá se enfrentar, se colocar diante do outro e também construir um repertório cultural em que ela se reconheça - FUNÇÃO INSTRUMENTAL → Discurso instrumental: garante que por meio da experiência estética a criança forme-se no nível da alteridade e forme um repertório cultural; O texto utilitário traz uma MORAL EXPLÍCITA, ou seja, valores que devem ser seguidos, comportamentos que devem ser imitados. Sendo assim, elimina-se a relação entre ética e estética. A construção instrumental, em que a experiência estética conduz a uma construção de sentido para a criança, que diz respeito a relação dela consigo e com o mundo, não existe; O Perigo de uma História Única - Chimammanda A criança, não se reconhecendo, constrói um imaginário a qual ela não pertence; O problema do texto utilitário é que ele transmite valores prontos e esses valores são autoritários, porque partem de uma hierarquia; A criança precisa identificar os seus medos e ela vivencia isso num interior de uma experiência estética que também a coloca em outras realidades, mas também na realidade dela, no contexto histórico-cultural dela;
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