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CARDIOLOGIA, DOENÇAS MUSCULOESQUELÉTICAS, NEUROLOGIA, TOXICOLOGIA, DOENÇAS INFECCIOSAS E ZOONOSES Elaboração Renée Cristine Carvalho Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................................................................................... 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA ................................................................................................. 5 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................................................................. 7 UNIDADE I DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA ..................................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 1 DOENÇAS BACTERIANAS, PARASITÁRIAS E FÚNGICAS .................................................................................................................... 9 CAPÍTULO 2 DOENÇAS VIRAIS ................................................................................................................................................................................................ 27 CAPÍTULO 3 TOXICOLOGIA ....................................................................................................................................................................................................... 57 UNIDADE II DOENÇAS NEUROLÓGICAS, MUSCULOESQUELÉTICAS E CARDIOLÓGICAS .......................................................................................... 71 CAPÍTULO 1 DOENÇAS NEUROLÓGICAS ............................................................................................................................................................................. 71 CAPÍTULO 2 DOENÇAS MUSCULOESQUELÉTICAS ....................................................................................................................................................... 89 CAPÍTULO 3 CARDIOLOGIA E DOENÇAS DO CORAÇÃO ............................................................................................................................................ 109 REFERÊNCIAS ...................................................................................................................................................................................... 126 4 APRESENTAÇÃO Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico- tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/ conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 INTRODUÇÃO A medicina de felinos tem se difundido mundialmente, e muitos estudos têm sido realizados sobre a espécie à guisa da popularização da espécie. Ao longo dos últimos anos, com a mudança na rotina dos seres humanos, o gato tem crescido em popularidade entre os animais domésticos, ultrapassando os cães em diversos países ao redor do mundo. Já é clássica a afirmação de que “o gato não é um cão pequeno”, o que é uma verdade questionável, uma vez que a anatomia, a fisiologia e as patologias que envolvem as duas espécies diferem em diversos pontos. Por esse motivo, dentro da clínica de pequenos animais, criou-se a especialidade de felinos para melhor compreender e atender às necessidades do gato doméstico e seus peculiares tutores. Nesta disciplina, veremos os seguintes tópicos: doenças infecciosas e zoonoses, toxicologia, neurologia, doenças musculoesqueléticas e cardiologia. São muitos assuntos para pouco tempo, mas procuramos enfatizar os pontos mais importantes e que levantam mais dúvidas entre os veterinários. Esperamos, com isso, desmistificar o paciente felino que, apesar de ser bem diferente do paciente canino, não é um ser de outro mundo. Objetivos » Apresentar as principais doenças infecciosas de felinos e doenças com potencial zoonótico transmitidas pelo gato. » Identificar as principais plantas tóxicas e substâncias nocivas para o gato. » Estudar as alterações neurológicas, musculoesqueléticas e cardiológicas mais comuns que acometem os gatos domésticos. » Discutir métodos diagnósticos e os tratamentos mais atuais empregados na medicina de felinos. 9 UNIDADE I DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA CAPÍTULO 1 Doenças bacterianas, parasitárias e fúngicas Esporotricose A esporotricose se tornou endêmica no Rio de Janeiro. Por esse motivo, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que possui ampla pesquisa sobre a doença, publicou em seu site diversas informações e documentários para ajudar a população a conhecer mais sobre a doença e suas formas de transmissão, buscando reduzir, assim, o número de abandonos e consequente agravamento da disseminação. O site é aberto a todos e pode ser uma ótima forma de ajudar os donos de gatos portadores a conhecer e lidar com a situação. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/esporotricose. A esporotricose é uma doença fúngica sistêmica que pode acometer humanos e animais, causada pela família de fungos Sporothrix sp., tendo por representante mais conhecido o Sporothrix schenkii. É uma zoonoseamplamente disseminada na Região Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro, apresentando também disseminação mundial, porém, em ocorrências muito menores. O fungo é saprófito, sobrevivendo em matéria orgânica no solo, como vegetação morta, terra e plantas. A esporotricose era conhecida como “doença do jardineiro”, tendo em vista que essa profissão, por lidar com terra e plantas como roseiras que facilmente perfuram a pele com seus espinhos, era mais acometida do que qualquer outra. Os gatos, por realizarem sua eliminação na terra e utilizarem troncos de árvores para afiar as unhas, são muito suscetíveis. Além disso, a transmissão entre os animais fez com que gatos errantes se tornassem ainda mais vulneráveis. 10 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Infelizmente, o fato de muitas pessoas, ao verem o animal tomado por lesões cutâneas, abandonarem os gatos em locais longe de sua residência espalhou ainda mais a doença, causando um quadro de epidemia no estado do Rio de Janeiro e espalhando para outros estados fronteiriços. A infecção se dá após a inoculação do fungo no organismo por meio de punção, mordida ou arranhão. A característica dimórfica do micro-organismo faz com que ele sofra mutação para a fase de levedura no organismo. O fungo passa por um período de incubação de cerca de um mês para, então, se manifestar clinicamente. Há três síndromes clínicas de esporotricose conhecidas em gatos: » cutânea localizada; » linfocutânea; » multifocal disseminada. As lesões são mais comumente observadas em face, pontas de ouvidos, plano nasal e membros, podendo ser solitárias ou múltiplas. As lesões têm início como ferimentos puntiformes com secreção que podem se assemelhar a abscessos de origem bacteriana. Quando a lesão se inicia em plano nasal, pode-se confundir com criptococose, pois o nariz do animal incha, ficando com aspecto de “nariz de palhaço”. É possível, com a evolução da doença, observar proliferação tecidual na parte interna das narinas. As lesões podem, então, ulcerar e disseminar-se pelo corpo. Assim, a forma localizada pode evoluir para a forma linfocutânea, acometendo o subcutâneo e os linfonodos regionais. Quando o animal não recebe o tratamento adequado, a doença pode ser disseminada e alcançar órgãos internos, especialmente fígado e pulmões. A presença de miíase é bastante frequente, uma vez que as feridas ulceradas liberam secreções e sangue. Figura 1. Animal portador de esporotricose. Fonte: arquivo pessoal. 11 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Diagnóstico O diagnóstico da esporotricose é feito por exame citológico das lesões, embora muitas vezes a levedura não seja encontrada devido à presença de contaminação bacteriana secundária. Por isso, aconselha-se higienizar a região e escarificar a lesão para que se tenha acesso ao fungo localizado no tecido subcutâneo. O diagnóstico definitivo é dado por cultura fúngica. A histopatologia não é um exame confiável para esse tipo de infecção. Figura 2. Citologia apresentando leveduras de Sporothrix spp. Fonte: arquivo pessoal. Tratamento O tratamento de escolha para esporotricose é o antifúngico itraconazol. Muito se discute sobre dose, frequência, duração, apresentação e associações. Há inúmeros estudos publicados, porém, muitas vezes, o que acaba prevalecendo é a experiência do clínico. A literatura nacional recomenda a utilização de itraconazol na dose de 100 mg por gato. Essa dose pode ser reduzida pela metade quando o animal é muito pequeno ou está muito debilitado. Deve-se ter em mente que o itraconazol é uma molécula altamente instável, sendo recomendado administrar a droga sem abrir a cápsula, embora muitas vezes isso seja necessário. A farmacologia recomenda que, na primeira semana, a dose seja feita a cada 12 horas, pois a substância não fica circulante durante 24 horas nos primeiros dias. Entretanto, é necessário avaliar o estado geral do animal e seu escore corporal, pois o itraconazol, apesar de ser o antifúngico mais seguro para uso em gatos, requer metabolização hepática, ou seja, animais debilitados ou com baixo escore de condição corporal podem sofrer lesão hepática. 12 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Não há qualquer recomendação de associação com protetores gástricos ou corticosteroides, uma vez que interferem na absorção e metabolização do itraconazol. Alguns médicos veterinários utilizam protetores hepáticos. Entretanto, se o animal tem o fígado em ótimo funcionamento, essa associação também não é necessária e pode acabar sendo mais estressante para o animal e para o tutor. É importante lembrar que, em se tratando de gatos, menos é mais. Também não há indicação de uso de outros antifúngicos, como cetoconazol e fluconazol, devido à alta ocorrência de efeitos colaterais. Também é frequente vermos situações em que o animal não responde de imediato ao tratamento com itraconazol. Por isso, alguns clínicos orientam a associação com iodeto de potássio devido à “resistência fúngica ao itraconazol”. Vale ressaltar que resistência fúngica não é comum como ocorre com as bactérias, pois a célula fúngica é eucariota, enquanto as bactérias são procariotas e, em muitos casos, possuem flagelos que podem passar entre os micro-organismos a informação do tratamento com antibiótico, o que não ocorre com os fungos. Assim, antes de se afirmar que o fungo está resistente ao medicamento, deve-se realizar cultura com antifungigrama para confirmar a resistência. Caso isso não seja observado no exame, o que se sugere é que se busquem causas na administração e/ou armazenamento da droga e, em seguida, que se tente trocar o laboratório da droga. Figura 3. Animal com esporotricose nasal. Fonte: arquivo pessoal. Caso haja, de fato, resistência ao itraconazol, a droga de eleição para associar ao tratamento é o iodeto de potássio, que deve ser feito na dose inicial de 2,5 mg/kg, a cada 24 horas, aumentado gradualmente a cada 5-10 dias, até alcançar a dose de 20 mg/ 13 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I kg a cada 24 horas. É preciso monitorar a função hepática, pois o iodeto de potássio apresenta maior potencial hepatotóxico. De forma geral, a esporotricose apresenta resposta rápida ao tratamento, embora possa levar meses até alcançar a cura completa. Recomenda-se, ainda, que, após a completa remissão das lesões, o tratamento seja continuado por, pelo menos, 30 dias, e não seja interrompido abruptamente. Ou seja, antes de finalizar o tratamento, é recomendado realizar desmame da droga para ver se as lesões retornarão. Caso retornem, o tratamento diário deve ser retomado. Alguns estudos têm relatado o uso da anfotericina B, intralesional, especialmente em casos de esporotricose nasal. Entretanto, além de ainda não haver um estudo definitivo que garanta a eficácia do tratamento tópico, a anfotericina B é uma droga nefrotóxica que pode causar alto risco de efeitos adversos em gatos. Por isso, é preciso ter cautela ao buscar a utilização dessa droga. É importante orientar o tutor com relação aos cuidados com o animal em tratamento: » Não há qualquer indicação de dar banho no animal. » Não há indicação de utilização de medicações tópicas. » O tutor deve manipular o animal com luvas quando for medicá-lo. » O animal não deve ter acesso à rua durante o tratamento. » Não há indicação de eutanásia, a menos que a infecção seja sistêmica e o animal esteja em sofrimento. » O ambiente em que o animal vive deve ser limpo, especialmente se houver secreções. » Em caso de óbito, o animal não deve ser enterrado, pois ocorrerá contaminação do solo. » Caso o tutor seja arranhado, deve lavar o local com água, sabão e, se possível, limpar com álcool iodado. A pessoa deve observar se aparecerá algum nódulo pruriginoso ou dolorido nas próximas semanas. Caso algo suspeito apareça, deve-se procurar um médico especialista. » O álcool iodado não deve ser usadono animal. 14 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Não há um período específico para o tratamento completo. Alguns animais se recuperam completamente em poucos meses, outros podem levar até um ano. Por isso, muitas vezes a colaboração do tutor pode ser difícil, mas é preciso esclarecer que, apesar de ser de fato uma zoonose, a esporotricose tem cura, tanto em humanos quanto nos animais. Casos clínicos Felina Preta, SRD, 2 anos (aproximadamente, pois foi adotada da rua já adulta), não castrada, com lesões nasais ulceradas e com secreção, não pruriginosas, diagnóstico de esporotricose feito por outro colega, fazendo tratamento há quase um ano com: itraconazol, iodeto de potássio, cefalexina, omeprazol, polivitamínico, S-adenosilmetionina e silimarina. Clinicamente, a gata apresentava, além das lesões de esporotricose, abdômen intensamente abaulado com veias bastante proeminentes. Nenhum outro sinal clínico foi reportado pela tutora ou observado na avaliação física. A temperatura do animal estava normal, a palpação foi bastante dificultada pelo tamanho do abdômen, mas o animal não parecia apresentar sinais de dor, mucosas normocoradas, hidratação normal e ausculta também sem alteração. Devido ao tamanho do abdômen e à aparência das veias, suspeitou-se de piometra fechada, pois também não havia secreção vaginal. O animal foi encaminhado para ultrassonografia, que não mostrou qualquer alteração em nenhum órgão. Os exames laboratoriais não apresentaram alterações relevantes. De posse dos resultados dos exames laboratoriais, foi sugerido o seguinte manejo: suspensão de todas as medicações e retorno ao consultório após três semanas para coleta de material da lesão para cultura e antifungigrama. O resultado do antifungigrama não mostrou resistência fúngica. Assim, reiniciou-se o tratamento apenas com itraconazol. Nenhuma outra medicação foi utilizada. Uma semana depois, a ferida já estava completamente seca. O abdômen reduziu drasticamente de tamanho em menos de um mês sem as medicações. O animal foi acompanhado durante todo o tratamento e não apresentou alteração hepática em nenhum momento. Em menos de seis meses, a lesão nasal fechou completamente, e foi realizado o desmame do itraconazol. Não houve recidiva. Felino Sombra Macho, SRD, 1 ano, não castrado. O animal apresentava lesão única ulcerada em região de flanco direito, pruriginosa, sem secreção, não sugestiva de 15 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I esporotricose. Foi realizada uma primeira citologia que voltou com laudo de lesão inflamatória com presença de bactérias do tipo cocos. Foi realizado tratamento com cefalexina, meloxicam, limpeza da região com soro fisiológico e clorexidina spray. O tutor foi orientado a utilizar luvas e a não entrar em contato direto com a lesão. Após uma semana, o animal retornou para reavaliação após duas semanas, sem melhora clínica, e foi coletada nova amostra para exame citológico. A coleta para cultura não foi realizada devido a restrições financeiras do tutor. Novamente, o resultado mostrou lesão inflamatória com infecção por bactérias tipo cocos. O tratamento foi mantido por mais duas semanas. Após o período estipulado, o animal retornou para uma nova avaliação. A ferida permanecia com o mesmo aspecto e sem reduzir de tamanho, porém, sem aumentar e sem disseminação. Dessa vez, foi coletado material para realização de cultura e antifungigrama, que, após três semanas, mostrou crescimento de fungos do gênero Sporothrix. Foi então iniciado o tratamento com itraconazol, e os demais medicamentos foram suspensos. Após o primeiro mês de tratamento, houve redução da lesão pela metade. O tratamento completo teve duração de seis meses. Não houve recidiva. Bartonelose As bactérias do gênero Bartonella têm sido alvo de atenção crescente, tanto na medicina veterinária como na medicina humana. Isso porque elas são os agentes responsáveis pelo desenvolvimento da “doença da arranhadura do gato”. O principal representante de espécie causadora da doença é a Bartonella henselae. No Brasil, essa doença recebeu muita atenção há alguns anos, quando um jornalista fez uma publicação sensacionalista em um jornal de grande circulação, dizendo que o gato era responsável pela transmissão de uma doença fatal para humanos, no caso, a doença da arranhadura do gato. A notícia rapidamente se espalhou nas redes sociais, e, novamente, o gato foi alvo de preconceito e críticas de pessoas leigas. Justamente por não ser uma zoonose tão grave quanto foi relatada na reportagem, muitos veterinários desconhecem a doença e não possuem embasamento para explicar à população como ocorre a patologia. As Bartonella sp. são bactérias gram-negativas, de tamanho diminuto, que fazem replicação intracelular. Seus hospedeiros são os mamíferos, seu tropismo é por células endoteliais vasculares e eritrócitos, e sua disseminação no organismo ocorre pela infecção de macrófagos. Essas bactérias são carreadas entre os hospedeiros por meio de 16 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA uma série de vetores, sendo o principal deles as pulgas. Dessa forma, gatos infestados por pulgas fazem parte do grupo de risco, assim como seus tutores. Os gatos podem contrair a bactéria por meio de vetores ou por meio de mordeduras ou arranhaduras de outros animais contaminados. A bactéria é transmitida a humanos pela mordida ou pela arranhadura de um gato contaminado. As bactérias costumam ser encontradas nas fezes das pulgas, que podem estar sob as garras dos gatos ou na boca, tendo em vista o hábito de auto-higiene dos felinos. Ao penetrar o organismo do gato, as bactérias invadem eritrócitos e células endoteliais a salvo do sistema imune. Uma vez dentro dos eritrócitos, a disseminação para outros tecidos é simples, assim como para os vetores. A bacteremia em animais cronicamente infectados pode ser evidenciada em consequência de eventos estressores. Quando isso ocorre, é possível observar febre transitória. Outros sinais são incomuns na infecção natural. A presença de leucemia felina (FeLV) pode favorecer a infecção com Bartonella. Em humanos, em geral, a doença é autolimitante em indivíduos imunocompetentes, porém, em presença de baixa imunidade, os sintomas podem ser mais graves, e, raramente, o indivíduo pode ir a óbito. Alguns dos sintomas mais frequentes são linfadenomegalia, peliose bacilar e angiomatose. Diagnóstico O diagnóstico não é simples de ser feito. A sintomatologia é inespecífica e não auxilia na investigação. Também não é comum encontrar o micro-organismo em esfregaço sanguíneo, não sendo considerado um diagnóstico viável. A sorologia também não é fidedigna, pois o teste detecta a presença de anticorpos, e esses podem permanecer no organismo por muito tempo após a eliminação da infecção, além de não comprovar a eliminação do micro-organismo. O diagnóstico definitivo deve ser feito por cultura e/ou PCR de amostras sanguíneas, porém, um único exame não é suficiente. É necessário realizar diversos testes, pois a bacteremia é intermitente. A PCR é mais rápida que a cultura, no entanto, não é mais sensível e não comprova a viabilidade da bactéria. Assim, o ideal é realizar mais de um tipo de exame e mais de um exame de cada tipo. 17 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Tratamento O tratamento é quase tão difícil quanto o diagnóstico, uma vez que a bacteremia é transitória e pode ocorrer resistência bacteriana quando o tratamento é feito na ausência de sintomatologia clínica. Não há um esquema ideal de tratamento. O que é recomendado atualmente é fazer uso de doxiciclina ou amoxicilina com ácido clavulânico. Em caso de não haver resposta após sete dias de tratamento, sugere-se substituir a base para azitromicina ou fluoroquinolonas, por pelo menos um mês. Profilaxia A melhor forma de evitar a infecção é adotar medidas profiláticas nos animais e no ambiente. Os animais devemestar livres de pulgas e não devem ter contato com outros animais desconhecidos que possam estar contaminados. Ao ter contato com fezes de pulga, deve-se lavar bem as mãos. Caso o tutor seja arranhado ou mordido pelo gato, a região deve ser imediatamente lavada com água e sabão. Recomenda-se o uso de álcool 70° na lesão. Diversos produtos pulgicidas estão disponíveis no mercado. Assim, a prevenção não é difícil. Em 2006, a American Association of Feline Practioners publicou um guia sobre Bartonella spp. e zoonoses associadas. Vale a leitura! Disponível em: https://catvets.com/guidelines/practice-guidelines/bartonella- fuidelines. Toxoplasmose A toxoplasmose é uma doença amplamente divulgada, porém, muito pouco conhecida por pessoas leigas. Ainda nos dias de hoje, o gato aparece como vilão, no entanto, é uma doença que dificilmente é transmitida ao homem pelo gato. O Toxoplasma gondii, um protozoário coccídio que parasita o meio intracelular pode acometer a maioria das espécies de sangue quente. A participação do gato se dá pelo fato de essa espécie ser o único hospedeiro definitivo, ou seja, é nos felídeos que o parasita realiza a fase sexual do seu ciclo. Entretanto, inúmeros vertebrados podem ser hospedeiros intermediários e fonte de infecção para humanos. 18 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Existem três estágios efetivamente infectantes no ciclo de vida do parasita: » taquizoítos, formas de rápida multiplicação; » bradizoítos, formas de multiplicação lenta; » esporozoítos, presentes nos oocistos. Os esporozoítos são as únicas formas presentes exclusivamente nas fezes dos gatos. Para que o gato se infecte, é necessário que ele ingira uma das três formas infectantes, o que pode ocorrer quando ele ingere uma presa infectada ou quando há contaminação de outros tipos de alimento ou vegetais. Uma vez no organismo, os bradizoítos se tornam taquizoítos, ocorrendo disseminação, dessa forma, do parasita pelo intestino, tecido linfoide, sistema linfático, sistema vascular e macrófagos contaminados, alcançando outros órgãos. Os taquizoítos são destruídos pelo sistema imune, porém, os bradizoítos que não se tornaram taquizoítos se confinam em cistos de parede elástica no citoplasma das células dos hospedeiros e não são atacados pelas células do sistema imune, permanecendo viáveis no organismo durante anos, em estado latente. Além desse ciclo, comum entre as diversas espécies, o gato apresenta, ainda, o ciclo sexuado nos intestinos, chamado enteroepitelial. Ao ingerir a presa infectada, os sucos gástricos dissolvem a parede elástica que envolve os bradizoítos. Esses, então, invadem as células epiteliais do intestino delgado, dando origem às gerações sexuadas, com gametas femininos e masculinos. Com a fecundação, formam-se os oocistos. Esses oocistos são eliminados nas fezes e não são infectantes durante cerca de três dias, quando, então, começam a esporular. São os esporos que, caso sejam ingeridos, podem causar a doença em outras espécies. Formas e tipos de infecção Há três formas principais de infecção, transplacentária, ingestão de alimentos ou água contaminados com oocistos esporulados e ingestão de carne crua infectada com cistos teciduais. Dessa forma, entende-se que o papel do gato na transmissão da toxoplasmose está relacionado à eliminação de oocistos nas fezes, mantendo o protozoário no ambiente. Para que o oocisto seja infectante, no entanto, é necessário que esporule, o que ocorre cerca de três dias após a eliminação. Os oocistos podem se manter viáveis no ambiente por até dois anos. Após sete a 14 dias, no entanto, o animal deixa de eliminar oocistos 19 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I nas fezes e não volta a eliminá-los, pois desenvolve imunidade que pode durar até seis anos no organismo. Animais com hábito de caça costumam manter a imunidade ativa. O gato pode voltar a eliminar oocistos, caso apresente quadro de imunossupressão. No entanto, a carga eliminada é muito menor do que na primeira infecção. A infecção humana por contato direto com o gato é, portanto, praticamente inviável, mesmo que a pessoa tenha contato direto com as fezes frescas do animal. Por ter hábitos de higiene meticulosos, a contaminação do pelo com fezes é incomum, especialmente durante diversos dias. Assim, o contato mais próximo com o animal continua sendo bastante seguro no que diz respeito à infecção por toxoplasma. A infecção em humanos, em geral, ocorre por ingestão de alimentos mal cozidos, principalmente carnes, além de vegetais mal lavados ou água contaminada. Outras fontes importantes de infecção são os vetores mecânicos, como baratas e moscas, que podem contaminar os alimentos diretamente e preservar a contaminação de ratos, gatos e cães, que os caçam. As consequências da infecção pelo toxoplasma em humanos são diversas e dependem da espécie do hospedeiro, além da fonte de infecção. Em geral, a infecção passa despercebida ou é autolimitante em indivíduos imunocompetentes. Em indivíduos imunossuprimidos, no entanto, a doença pode ser bastante grave ou até fatal. Nesses, é possível observar febre, linadenopatia transitória, dores musculares e de cabeça. Também se encontra alteração ocular, eventualmente culminando em diminuição ou perda da visão. Mulheres grávidas infectadas pela primeira vez podem sofrer abortos, natimortos, sequelas neurológicas no bebê e alterações oculares. A mãe cronicamente infectada antes da gestação não transmite doença para o feto. A mulher grávida não precisa se desfazer de seu gato doméstico, pois, como foi dito anteriormente, a possibilidade de se adquirir toxoplasmose pelo gato é muito remota. Entretanto, recomenda-se maior cuidado ao realizar a limpeza da caixa de areia. O uso de pás é sempre recomendado para não haver contato direto com urina e fezes, além de lavar bem as mãos após o procedimento. A caixa de areia deve ser limpa diariamente para evitar acúmulo de fezes. Quando o indivíduo está gestante ou imunossuprimido, recomenda-se não realizar a higienização da caixa (solicitar que outra pessoa o faça) ou, ainda, utilizar luvas para realizar a limpeza da caixa de areia do gato. O título sorológico positivo, seja na mulher, seja no gato, não confirma a presença da doença, mas pode indicar que o indivíduo está imune, pois adquiriu anticorpos contra o toxoplasma. Em geral, a presença de anticorpos no soro do felino indica que ele já 20 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA eliminou oocistos. Assim, gatos saudáveis soropositivos são mais seguros, uma vez que dificilmente voltarão a eliminar oocistos. No caso da mulher, o ideal é realizar testes sorológicos anterior e durante a gravidez. Um aumento no título de anticorpos pode indicar infecção ativa. A titulação sorológica negativa, tanto em humanos como em gatos, indica que não houve exposição ao parasita. Algumas recomendações são feitas para evitar a infecção de humanos e gatos: » cozinhar os produtos cárneos em temperatura adequada; » beber água de fontes limpas, filtradas ou fervidas; » higienizar a caixa de areia diariamente; » descartar as fezes de gatos em lixo que não passe por terrenos onde pode haver contaminação do solo e do lençol freático; » não fazer compostagem com fezes de gatos; » lavar bem as mãos após limpar a caixa de areia; » manter os gatos domiciliados; » alimentar os gatos com rações comerciais ou carnes bem cozidas; » realizar o teste sorológico na mulher antes da gravidez. Infelizmente, ainda não há vacina contra toxoplasmose. Tratamento O tratamento envolve suporte e antibioticoterapia, mas somente deve ser instaurado na presença de sinais clínicos. O antibiótico de escolha é a clindamicina, na dose de 10-12,5 mg/kg, por via oral ou intravenosa, a cada 12 horas. A dose é mais alta do que a de uso geral. Também se sugere o uso de azitromicina na dose de 10 mg/kg, por via oral, a cada 24 horas, por pelo menosquatro semanas. 21 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I O tratamento de suporte inclui fluidoterapia intravenosa, com suplementação de potássio, oxigenioterapia, estimulantes do apetite, suplementação nutricional, alimentação forçada (ou colocação de sonda, caso o animal rejeite a alimentação forçada) e monitoramento. Em 2013, foram publicadas as diretrizes de prevenção e manejo da toxoplasmose em gatos pela American Association of Feline Practioners e pela International Society of Feline Medicine. A publicação está disponível em: https://pdfs.semanticscholar. org/954a/73d59d97e96d2e0079fd688aed66e6248e9e.pdf. Recomenda-se, ainda, a leitura do painel desenvolvido pela European Advisory Board on Cat Diseases, disponível em: http://www.abcdcatsvets.org/wp-content/ uploads/2017/02/Toxoplasmosis.pdf. Criptococose O Cryptococcus é um fungo sistêmico que acomete gatos de todas as idades. Ele apresenta formato arredondado, é circundado por uma cápsula heteropolissacarídica que oferece resistência ao ressecamento e confere virulência. O fungo se multiplica por brotamento, e seu esporo, o basidiosporo, dispersa-se no ar, aderindo ao epitélio respiratório, causando infecção. Duas são as principais espécies de criptococos que causam doença em humanos e animais, Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gatti. O micro-organismo pode ser isolado de diversas substâncias, dependendo da região geográfica do organismo e da espécie. O C. neoformans, por exemplo, é encontrado em fezes de pombos, no solo contendo fezes secas de aves e, em menor escala, em leite, sucos de frutas fermentados, ar, ninhos de vespas ou marimbondos, poeira, grama e insetos. O C. gatti, por sua vez, é mais comumente encontrado na parte oca de troncos de árvores. Assim, um dos fatores de risco são habitações próximas a madeireiras ou outras regiões em que ocorra exploração do solo ou em que o animal tenha acesso a árvores, como jardins botânicos, hortos e áreas de preservação. O micro-organismo permanece viável em fezes por até dois anos em ambientes úmidos. Ambientes secos e/ou com luz ultravioleta diminuem sua sobrevida. O mecanismo exato da transmissão não é totalmente elucidado, porém, sugere-se que ocorra, na maioria das vezes, por inalação da levedura ou dos basidiosporos. Uma vez captado pelas vias aéreas, o fungo se adere à mucosa, causando rinite micótica. Não é frequente observar infecção de vias respiratórias inferiores devido ao tamanho do micro- organismo, porém, há relatos de alguns casos, especialmente em humanos. Pode ocorrer infecção localizada em outras regiões secundárias a ferimento penetrante na pele. 22 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Sinais clínicos Os sinais podem variar com a localização da infecção, porém, na maior parte das vezes, envolvem a cavidade nasal, pele, subcutâneo, SNC e linfonodos regionais. A rinite micótica da cavidade nasal é o achado mais frequente, com a apresentação clínica mais conhecida como “nariz de palhaço”. Eventualmente, pode ocorrer ulceração da lesão. Acompanhando o inchaço da cavidade nasal, ocorrem coriza, sibilação e corrimento nasal uni ou bilateral. Os sinais são muito semelhantes aos observados na esporotricose com acometimento de cavidade nasal. Caso haja acometimento de nasofaringe, pode ocorrer meningite, devido à disseminação para a lâmina cribriforme. Outros sinais respiratórios são dispneia, estertor espessamento e inflamação da mucosa nasal ou granulomas nasais, que podem causar obstrução. Pneumonia micótica e linfadenomegalia não são frequentes. Foram relatadas lesões em cavidade oral, com ulceração em língua, gengiva e palato. Com a evolução do quadro, pode ocorrer disseminação da doença pela lâmina cribriforme, causando acometimento do SNC, o que pode causar, além da meningite já mencionada, cegueira, alterações pupilares, ataxia, prostração e alterações de comportamento. Não há predisposição etária. A média de idade dos gatos acometidos pela criptococose é de 6 anos. Estudos sugerem uma predisposição sexual, apontando machos como mais suscetíveis que fêmeas à infecção. Algumas raças parecem ser mais acometidas, como abissínios, siameses, ragdolls e birmaneses. O acesso à rua e a presença de retroviroses não são considerados fatores de risco. Diagnóstico O diagnóstico conclusivo depende de cultura de material infectado, porém, o resultado desse exame pode demorar até seis semanas para ser concluído, pois o fungo costuma demorar para crescer em meios de cultivo. Para auxiliar no diagnóstico, pode ser realizada citologia de swab ou lavado nasal e de líquido vítreo ou sub-retiniano. Sugere- se utilizar corantes Wright Giemsa ou azul de metileno para observação do micro- organismo na lâmina. Também é possível diagnosticar a doença por histopatologia ou, ainda, por sorologia. Tratamento e prognóstico O tratamento preconizado é com itraconazol, que pode ser administrado na dose de 10 mg/kg, por via oral, a cada 24 horas. O tratamento pode ser longo e durar até cerca 23 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I de um ano. Após a resolução do quadro clínico, o tratamento deve ser continuado por, pelo menos, mais um mês, a fim de garantir que não haja recidiva. É importante que o tutor tenha ciência da necessidade de um tratamento assíduo. Há relatos de utilização de anfotericina B com sucesso, porém, conforme foi dito na sessão de esporotricose, é necessário ter cuidado com lesões renais. A criptococose não é transmitida para humanos pelo gato. O prognóstico, em geral, é bom quando não há acometimento do SNC, e o tutor é fiel ao tratamento. Caso clínico Felino Trovão, macho, SRD, 5 anos. Animal foi levado para atendimento clínico com lesão ulcerada em região de plano nasal e pontas de orelha e dificuldade respiratória. Havia sido atendido por outro colega que, apenas com a avaliação física, diagnosticou esporotricose e prescreveu itraconazol, na dose de 80 mg. O tratamento foi feito durante dois meses, sem resposta. A tutora o levou novamente para atendimento, dessa vez com outro colega, que suspendeu a medicação e solicitou exames de citologia e cultura e antifungigrama após três semanas sem a medicação. Coletou-se, ainda, material para hemograma e bioquímica sérica, cujos resultados não mostraram qualquer alteração. O resultado dos exames de citologia e cultura mostraram infecção por Criptococcus neoformans, e o tratamento foi reinstituído com itraconazol 100 mg e nebulização com soro fisiológico a cada 24 horas. Após a primeira semana de tratamento, a melhora já foi observada. O tratamento foi mantido e, após um mês, foram realizados exames de acompanhamento que mostraram que o animal não apresentava alterações hepáticas, além de ter sido constatado que o animal havia ganhado 700 g de peso. Após mais 15 dias, a tutora relatou que não estava mais observando melhora. Poucos dias depois, novas feridas começaram a abrir. Ao ser questionada, a tutora disse que estava diluindo o conteúdo das cápsulas de itraconazol no líquido do alimento úmido do gato, pois estava tendo dificuldades de administrar a cápsula. Assim, a médica veterinária responsável solicitou que a droga fosse, então, manipulada em farmácia veterinária em apresentação líquida, pois, mesmo não sendo a melhor opção terapêutica, a droga manipulada consegue permanecer mais estável, desde que armazenada corretamente, do que diluir o conteúdo da cápsula. Uma semana após o início do novo medicamento, o animal voltou a apresentar melhora clínica. Ele ainda está em tratamento. 24 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Figura 4. Felino Trovão, com criptococose, no dia do primeiro atendimento e um mês após o início do tratamento, respectivamente. Fonte: arquivo pessoal. Dermatofitose Geralmente causada pelo fungo Microsporum canis, a dermatofitose é uma zoonose, e o gato pode se infectar por meio de outro animal doente ou por contaminação ambiental.A dermatofitose é observada em felinos de qualquer idade, mas aqueles indivíduos imunocomprometidos muito jovens e muito velhos são mais suscetíveis. Sinais clínicos Os sinais clínicos variam muito. Por isso, a dermatofitose deve ser considerada um diagnóstico diferencial para todas as doenças dermatológicas do gato. Em geral, observa-se prurido, alopecia com crostas e inchaço circular ou de formato irregular, lesões focais, multifocais ou difusas, eritema variável, pelame opaco e quebradiço, granuloma fúngico. Figura 5. Animal portador de dermatofitose. Fonte: arquivo pessoal. 25 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Diagnóstico Histórico e avaliação dermatológica podem levantar suspeita do diagnóstico de dermatofitose, especialmente se outros animais do ambiente estiverem infectados ou se os tutores apresentarem lesões. A lâmpada de Wood pode mostrar fluorescências na pele do animal que confirmam a suspeita, porém, a ausência de fluorescência não descarta a doença, pois apenas 50% dos isolados de M. canis fluorescem. O tricograma pode mostrar esporos nos fios, embora possam ser difíceis de identificar quando não se tem experiência. O resultado pode ser confirmado por meio de cultura fúngica de pelos e crostas. Tratamento Em animais saudáveis, a dermatofitose é autolimitante e desaparecerá espontaneamente em alguns meses, mas, por ser uma zoonose, os animais devem ser tratados. Em caso de ambientes multigatos, os animais devem ser separados, e os que não apresentarem sinais clínicos devem permanecer em quarentena. Todos os animais devem ter amostras de pelos retiradas para realização de cultura fúngica. Os positivos devem ser tratados mesmo que não apresentem sinais clínicos. O tratamento sistêmico é feito com itraconazol na dose de 5 mg/kg, por via oral, a cada 24 horas, durante 7 dias. Em seguida, suspende-se a medicação por 7 dias. Os ciclos devem se repetir por, pelo menos, 3 vezes. Pode ser necessário fazer mais ciclos. Devido ao potencial hepatotóxico, os animais devem ser monitorados, e exames de bioquímica hepática devem ser realizados periodicamente. Caso o animal se torne anoréxico ou perca peso, o tratamento deve ser descontinuado. Sugere-se tratamento tópico com xampu à base de clorexidina 2% e miconazol 2%, duas vezes na semana. O tratamento tópico pode não ser recomendável para todos os pacientes devido ao estresse que causa na maioria dos gatos. Eliminar o micro-organismo do ambiente é um desafio. O principal ponto é retirar todo o pelo do ambiente com aspirador de pó. As superfícies devem ser desinfetadas com produto alvejante, e os panos destruídos. O acompanhamento com cultura deve ser realizado a cada 4 semanas com amostras de pelo ou crostas. Caso não haja mais lesões visíveis, pode-se usar a técnica da escova- de-dente de Mackenzie, que consiste na utilização de uma escova-de-dentes nova ou esterilizada para escovação da pelagem por 30 a 60 segundos e coleta de pelos e 26 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA escamas para cultura. Deve-se dar especial atenção às regiões com lesões, ainda que pequenas. O tratamento deve ser mantido por, pelo menos, duas semanas após o resultado negativo da cultura. Em 2019, foi publicado o Zoonoses Guidelines American Association of Feline Practioners e pela International Society of Feline Medicine. A publicação está disponível para download em: https://journals.sagepub.com/doi/ pdf/10.1177/1098612X19880436. 27 CAPÍTULO 2 Doenças virais Peritonite Infecciosa Felina (PIF) Felino, fêmea, SRD, 2 anos, castrada. Iniciou quadro de espirros com secreção. Foi levada ao veterinário, que realizou exames laboratoriais que evidenciaram linfopenia e discreta anemia. Após iniciar o tratamento com antibioticoterapia, imunomodulador e polivitamínico, o animal não apresentou qualquer melhora. Foi realizado novo exame de sangue, com perfil bioquímico apresentando alteração apenas em relação albumina-globulina. O antibiótico foi trocado, novamente sem resposta. Após cerca de duas semanas, o animal começou a desenvolver quadro neurológico de andar em círculos e ataxia. O que você pensaria? O que você faria? A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma síndrome que resulta de uma infiltração disseminada dos órgãos internos com tecido inflamatório chamado piogranuloma. O surgimento da PIF no organismo é discutido, embora a teoria mais aceita na atualidade envolva o coronavirus felino (FCoV) e uma resposta humoral imprópria ao vírus, levando-o a sofrer mutação. Acredita-se que cerca de 10% dos gatos portadores de coronavírus desenvolvam o vírus da PIF e que tanto fatores genéticos como virais desempenhem um papel. O FCoV faz parte da família Coronaviridae, que possui outros vírus que acometem diversas outras espécies mamíferas. O coronavírus felino possui um envelope com algumas proteínas embutidas sob a forma de peplômeros, que contribuem com a ligação do vírus à célula do hospedeiro e sua estabilidade no ambiente. O FCoV pode sobreviver no ambiente por até 7 semanas, porém, é facilmente eliminado com o uso de desinfetantes e detergentes comuns. O genoma do FCoV é composto de RNA monofilamentar, com elevada taxa de mutação, e dois sorotipos antigenicamente distintos de FCoV. A virulência da cepa, que caracteriza os biotipos virais, pode variar, sendo um fator importante para o desenvolvimento da doença. Em gatos, o biotipo mais comumente encontrado é o coronavírus entérico felino (FCEV), que causa doença branda ou nenhuma doença. Já o biotipo associado ao desenvolvimento da PIF (PIFV) ocorre em uma pequena parcela da população de gatos. Uma alteração fenotípica no vírus associada ao desenvolvimento da PIF parece ser a grande capacidade de replicação em monócitos e macrófagos. Apesar de o FCoV possuir 28 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA tropismo por enterócitos e baixa capacidade de replicação em monócitos e macrófagos, o vírus da PIF se espalha pelo organismo por meio dessas células, supostamente, graças à presença de uma proteína espiculada no envelope viral. O coronavírus felino se dissemina pelo contato feco-oral, pois o vírus é eliminado principalmente pelas fezes, embora possa ser encontrado em muito menor escala em saliva e outras secreções corporais. Em ambientes multigatos, filhotes com menos de seis semanas são mais vulneráveis, sendo a idade um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da PIF. Além da idade, consideram-se fatores de risco, ainda, o título individual de coronavírus, a genética do animal, desmame precoce, superpopulação, estresse, caixa de areia compartilhada. Vale ressaltar que o coronavírus é altamente infeccioso, embora muito pouco patogênico, ao passo que o vírus da PIF, muito patogênico, possui pouca ou quase nenhuma capacidade de disseminação horizontal. Nos gatos que desenvolvem PIF, observa-se intensa resposta humoral, com produção de anticorpos ineficaz, o que contribui para a doença imunomediada. Observa-se, ainda, uma diminuição de linfócitos, favorecendo a replicação do vírus no organismo. Há duas formas de apresentação clínica da PIF: efusiva (ou úmida) e não efusiva (ou seca). Ambas são muito agressivas e fatais, diferenciando-se pela presença ou não de efusão – que pode ser abdominal ou torácica. O animal que desenvolve PIF pode apresentar apenas um dos tipos, pode iniciar a doença com um dos tipos e evoluir para o outro ou pode ter uma associação. A PIF é uma doença de caráter imunomediado, com lesões que se distribuem ao longo da vasculatura, causando vasculite nas duas formas de apresentação da doença. Respostas inflamatórias podem ocorrer por todo o organismo devido à migração dos macrófagos e monócitos infectados, causando, na forma efusiva, aumento da permeabilidade vascular e lesões piogranulomatosas extensas, ou lesões focais, na forma não efusiva. Figura 6. Necrose vascular e extensas lesões piogranulomatosas em gato com PIF.Fonte: arquivo pessoal. 29 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Sinais clínicos O período de incubação é desconhecido, mas acredita-se que pode variar de semanas a meses, podendo chegar, em alguns casos, a anos. O animal doente costuma apresentar sintomas inespecíficos, como perda de peso, perda de apetite e febre. A febre, no entanto, costuma ser arresponsiva a antibióticos. Em grande parte dos animais doentes, observa-se a presença de icterícia, tanto na forma úmida como na seca. A palpação abdominal pode evidenciar espessamento de alças intestinais, aumento de linfonodos mesentéricos e, eventualmente, renomegalia. Gatos com a forma efusiva da doença podem apresentar ascite, dispneia, respiração com a boca aberta, ausculta pulmonar e/ou cardíaca abafadas, e o saco pericárdico pode ser acometido, o que pode fazer com que alguns animais apresentem cianose. Outras alterações clínicas relacionadas à PIF são pneumonia, tosse produtiva com eliminação de muco, diarreia e vômito, eventualmente contendo sangue e muco, alterações em olhos em decorrência das lesões granulomatosas, como irite, pupila irregular e uveíte com hifema, hipópio, cogestão aquosa, miose e precipitados ceráticos. As lesões ainda podem acometer o sistema nervoso central e causar convulsões, ataxia, nistagmo, alterações de comportamento, marcha em círculos e oscilação de cabeça, entre outros. Figura 7. Animal com uveíte, portador de PIF seca. O animal em questão, originalmente, tinha olhos azuis Fonte: arquivo pessoal. Diagnóstico Diagnosticar PIF não é uma tarefa simples. Não há um teste definitivo ou um sinal clínico patognomônico. A forma efusiva é mais fácil de diagnosticar, mas apenas 50% dos gatos com efusão apresentam PIF, de forma que é preciso ter muita cautela ao dizer que um animal está com PIF. Os únicos exames que fecham o diagnóstico são histopatologia e imuno-histoquímica, porém, a forma ideal para se coletar uma amostra tecidual é por laparotomia exploratória, o que muitas vezes não é recomendado, 30 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA devido ao estado geral do animal doente. É possível realizar coleta por punção por agulha fina, guiada por ultrassonografia, no entanto, há o risco de não se coletar uma amostra representativa. Assim, o diagnóstico de PIF deve sempre começar com uma boa anamnese e coleta de histórico completo. A maioria dos casos ocorre em animais jovens, que vivem em casas multigatos e que passaram por algum evento estressante nas últimas semanas. Note-se que, para gatos, um evento estressante pode ser bastante sutil, e o tutor pode não se dar conta do ocorrido. Animais portadores de coronavírus e positivos para leucemia felina possuem seis vezes mais chances de desenvolver PIF. O hemograma pode não apresentar nenhuma alteração ou pode mostrar anemia, linfopenia, neutrofilia com desvio (em casos de infecções secundárias). A bioquímica sérica pode ou não apresentar alterações nas enzimas transaminases, hiperbilirrubinemia, azotemia, no entanto, uma das alterações mais comumente observadas e que pode colaborar com o diagnóstico quando já há uma forte suspeita é hiperproteinemia, acompanhada de hiperglobulinemia e hipoalbuminemia, resultando em uma baixa relação albumina-globulina (RAG). Atualmente, sugere-se que uma RAG sérica abaixo de 0,4g/dl seja sugestiva de PIF. A avaliação do líquido cavitário também pode ser bastante esclarecedora. A efusão encontrada geralmente é um exsudato asséptico, cor palha a amarelo-dourada, turva, espumosa quando agitada, pode conter flocos de fibrina, densidade alta (1,017 a 1,047), celularidade moderada e relação albumina-globulina menor que 0,81g/dl. Um teste que pode ser realizado para confirmar ou descartar o diagnóstico é o teste de Rivalta. Colocam-se 8 ml de água destilada em um tubo estéril, em seguida acrescenta-se uma gota de ácido acético a 98% e uma gota da efusão. Caso a gota se dissipe, o teste é negativo, caso ela se mantenha, é positivo, e o animal provavelmente apresenta PIF. É um teste bastante confiável, com valor preditivo positivo entre 56-86% e negativo entre 94-97%. Os testes sorológicos não são confiáveis para fechar o diagnóstico de PIF, uma vez que eles são testes para detecção de anticorpo específico anticoronavírus ou para detecção do próprio coronavírus. Nenhum deles possui a capacidade de detectar a mutação ou o biotipo do vírus. O que se sugere é que altas titulações sejam mais consistentes com a PIF. No entanto, é possível encontrar gatos com altas titulações que não possuem PIF, animais com baixas titulações que possuem e animais sem titulação alguma, porém portadores do coronavírus. Essa última situação pode ocorrer quando altos índices 31 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I virais se conjugam a anticorpos, tornando-se indetectáveis no exame. Portanto, não é aconselhável fazer diagnóstico de PIF com base apenas em exames sorológicos. E vale ainda ressaltar que, infelizmente, muitos laboratórios comerciais utilizam a denominação incorreta de “teste para PIF”, o que pode induzir o clínico ao erro. Felino, fêmea, SRD, 4 anos, castrada. Animal foi levado ao veterinário para realização de check-up anual. O veterinário solicitou hemograma, painel bioquímico, sorologia para retroviroses e sorologia para coronavírus. Nos resultados, apenas a sorologia de corona mostrou alteração que foi sugestiva de PIF. O veterinário sugeriu eutanásia do animal, pois não há cura para PIF. Inconformada com a orientação do profissional, a tutora optou por buscar uma segunda opinião. De posse dos exames e com encaminhamento do médico veterinário, procurou outro colega, que, ao avaliar o animal, viu que esse não apresentava qualquer alteração clínica. Os exames laboratoriais também não mostravam alteração, além da já citada. O que você acha? O animal estava com PIF? O que você faria? A histopatologia e a imuno-hitoquímica são os testes-ouro para diagnóstico de PIF, pois detectam o antígeno viral (imuno-histoquímica) e o ácido nucleico (hibridização in situ) em células infectadas, o que é confirmatório. Além disso, esses testes detectam, ainda, as lesões piogranulomatosas vasculares e perivasculares, composição celular de macrófagos e monócitos e raros linfócitos T. Alguns autores sugerem, ainda, que a sorologia para coronavírus realizada com líquido cefalorraquidiano, pode também ser usada como método diagnóstico, uma vez que as partículas virais do FCoV só apareceriam na medula em caso de PIF. Como é, em geral, uma doença que leva o animal a óbito, a necropsia também pode fechar o diagnóstico, uma vez que é possível observar as alterações vasculares, necrose tecidual e lesões piogranulomatosas, especialmente nas alças intestinais. Figura 8. Lesões piogranulomatosas em baço e intestinos de animal com PIF. Fonte: arquivo pessoal. 32 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Tratamento Recentemente, estudos têm sido desenvolvidos para encontrar uma cura para a PIF. Algumas drogas que agem sobre a replicação viral, usadas em geral para tratar doenças humanas, como HIV, hepatite C e ebola, têm se mostrado promissoras no tratamento da PIF. Existem duas abordagens sugeridas: a modificação da resposta imune do animal ao FCoV e a inibição direta da replicação viral. O uso de citocinas tem sido sugerido para modificar a resposta imune com sucesso limitado. O interferon, tanto felino quanto recombinante humano, não mostrou efeito positivo em gatos com PIF. O uso do imunoestimulante poliprenil para aumentar a resposta de linfócitos T apresentou sucesso variável. O mecanismo de ação dessas drogas ainda é incerto. Por outro lado, o tratamento voltado para a replicação viral do FCoV tem se mostrado bastante promissor. O uso de drogas antivirais tem por objetivo alcançar o patógeno sem afetar células não infectadas. Dessa forma, proteases virais responsáveis pelo processamento de proteínasque são necessárias na maturação da estrutura viral são ótimas candidatas para impactar a replicação viral. Alguns compostos análogos de nucleosídeos têm sido utilizados experimentalmente e apresentado boas respostas, até cura em alguns casos. O GC376 inibe o desenvolvimento da doença e já curou alguns animais. Boas respostas também foram observadas com o GS5734 e GS441524. Todas as substâncias, no entanto, ainda estão em fase de experimentação e não estão disponíveis comercialmente. É possível encontrar ilegalmente no mercado negro, porém, como o tratamento ainda está em estudo, não há garantias de que funcione com todos os animais e em todas as fases da doença. Por ser uma doença imunomediada, recomenda-se o uso de imunossupressores, como corticoides, ciclosporina e ciclofosfamida para diminuir a evolução da doença. O corticoide deve ser feito em dose imunossupressora e não anti-inflamatória (prednisolona 3-4mg/kg). O uso de antibióticos não se justifica, a menos que haja infecção secundária ou netropenia pelo uso de fármacos citotóxicos (como a ciclofosfamida). Sugere-se o uso de medicação para melhorar a circulação em tecidos lesionados pelos piogranulomas, como a pentoxifilina. Pode-se usar furosemida para ajudar na eliminação do líquido cavitário, mas quando o volume é elevado, a recomendação é realizar a drenagem manual, usando o diurético apenas para manutenção. Deve-se ter cuidado com desidratação. O suporte nutricional é muito importante. Eventualmente, 33 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I pode ser necessário administrar estimulantes do apetite, além de nutracêuticos para repor as perdas do animal. A prevenção da PIF, assim como seu diagnóstico, é um desafio, pois é muito difícil evitar a contaminação do animal com coronavírus. O que se orienta é evitar superpopulação, evitar introduzir filhotes com menos de seis semanas no ambiente com outros gatos, higienizar as caixas de areia regularmente e lavá-las com desinfetante pelo menos uma vez por semana. Caso um animal vá a óbito por PIF, provavelmente os demais gatos do grupo são portadores de coronavírus. Quando um animal, único residente da casa, vai a óbito por PIF, recomenda-se deixar o ambiente sem outro animal por três meses. Outros meios de controle envolvem a detecção do vírus por PCR. Para isso, uma vez que os animais podem eliminar o vírus de forma intermitente, é preciso testar pelo menos duas amostras fecais (de preferência mais de duas), coletadas com intervalo de semanas a meses. Sugere-se coletar três amostras diariamente, seguidas por mais três amostras diárias um mês depois. A sorologia preventiva pode ser útil, porém, é necessário realizar mais de um teste, pois o animal pode ser falso negativo, conforme explicado anteriormente. Há disponível no mercado uma vacina intranasal contra o coronavírus felino. Ela possui um vírus mutante sensível à temperatura no trato respiratório, porém, não sistemicamente. Assim, o vírus mutante não sobrevive à temperatura corporal, impedindo uma infecção. A vacina é administrada em duas doses, com intervalo de três semanas, e deve ser aplicada no animal com mais de 16 semanas de idade, o que exclui o principal grupo de risco, que são os filhotes de até seis semanas de idade. A eficácia da vacina, no entanto é questionada por vários estudos, de forma que muitos clínicos não a utilizam, e ela não faz parte das vacinas recomendadas. Essa vacina não está disponível no Brasil. Panleucopenia felina Apesar de alguns clínicos afirmarem que não existe mais panleucopenia felina, essa doença ainda é uma preocupação, especialmente porque o vírus pode ser adquirido pelo cão. 34 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA A panleucopenia felina é causada pelo parvovírus felino (FPV), porém variantes do parvovírus canino (CPV), especialmente CPV-2a, CPV-2b e CPV-2c, possuem a capacidade de infectar gatos. Estudiosos acreditam que ambos os vírus compartilhem um ancestral comum, o que justificaria essa capacidade. As variantes do CPV foram identificadas na Ásia, na Europa, na América do Sul e nos EUA. Por isso, devemos ter em mente que, quando falamos em panleucopenia felina, o agente infectante pode ter origem felina ou canina. Os parvovírus são vírus pequenos, com envoltório e genoma DNA monofilamentar. Apesar de possuir envoltório, ele é muito resistente no ambiente, podendo sobreviver durante meses no ambiente e até anos em matéria orgânica. Apesar de seu genoma ser DNA, eles apresentam alta taxa de mutação, similar aos vírus RNA. Acredita-se, no entanto, que o FPV esteja em estase evolutiva. A doença causada pelas variantes do CPV é semelhante àquela das cepas iniciais, com vômitos, diarreia sanguinolenta e leucopenia, com alta taxa de mortalidade. A infecção se dá principalmente por meio de contato feco-oral, pois, apesar de o FPV ser eliminado em todas as secreções corporais durante a fase ativa da doença, sua maior concentração está nas fezes. Gatos que se recuperam da doença podem eliminar o vírus na urina e nas fezes por até seis semanas. A primeira replicação do vírus se dá no tecido linfoide palatino, disseminando-se, em seguida, pelas circulações linfática e sanguínea. A replicação viral leva à lise celular nas células em replicação ativa, como as células das criptas intestinais e da medula óssea. Essa destruição causa os sinais comumente observados na clínica animal, como leucopenia grave, anemia. Sinais clínicos Além dos sinais já citados, observam-se anorexia, apatia, febre. Eventualmente, também estão presentes vômito e diarreia, o que pode levar rapidamente à desidratação e à hipotermia, evoluindo rapidamente para óbito. A infecção de fetos no terço final da gestação e neonatos pode causar destruição do miocárdio e do cerebelo. Quando o cerebelo é afetado, o filhote desenvolve uma síndrome caracterizada por ataxia permanente e tremores. 35 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Existem inúmeros vídeos de gatos com hipoplasia cerebelar na internet. Alguns com teor cômico, outros para alertar os tutores sobre a gravidade do problema e para ajudar veterinários a identificarem o problema. Um dos vídeos que pode ser útil para reconhecer o quadro está disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=SeyeunG44ws. Diagnóstico O diagnóstico tem como base a apresentação clínica, a presença de leucopenia grave no exame laboratorial e na detecção do vírus por meio de teste ELISA, que pode ser realizado no próprio consultório com o kit de teste fecal de parvovírus canino. Outras opções são a microscopia eletrônica para visualizar o vírus em amostras fecais e a PCR. A primeira opção é dificilmente encontrada na rotina, sendo mais comum em laboratórios de pesquisa acadêmica, enquanto a última necessita de informações com relação ao histórico vacinal, uma vez que é bastante sensível e pode detectar vírus vacinais. Há, ainda, a possibilidade de realizar isolamento viral, histopatologia e imuno-histoquímica post-mortem. Tratamento e profilaxia O tratamento é, principalmente, de suporte: hidratação, reposição eletrolítica e reposição de complexo B por via parenteral, devido à reduzida ingestão alimentar e perdas pela urina. A alimentação forçada deve ser evitada inicialmente, até que os quadros de vômito sejam controlados. Pode ser necessário o uso de medicações antieméticas. A leucopenia intensa pode levar ao surgimento de infecções bacterianas. Assim, sugere-se o uso de antibióticos injetáveis. Tão logo o vômito seja controlado, deve-se restituir a alimentação enteral. Para controle viral, foi proposto o uso da droga antiviral oseltamivir em cães. Sua eficácia e sua segurança em gatos, no entanto, não foram avaliadas, de forma que seu uso não é recomendado nessa espécie. A higienização do ambiente deve ser muito meticulosa, uma vez que o vírus é bastante resistente. Recomenda-se a utilização de produtos com atividade oxidante, comohipoclorito de sódio a 6% e peroximonossulfato de potássio. O vírus é resistente a álcool 70° e compostos de amônia quaternária. Tendo em vista a dificuldade em se alcançar a cura de animais panleucopênicos e de eliminar o vírus do ambiente, a principal forma de evitar a doença é por meio de prevenção. Essa se dá por meio de vacinação. 36 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Com relação à vacinação, as diretrizes atuais orientam iniciar a vacinação de filhotes de gatos com 8-9 semanas, aplicar o primeiro reforço após três semanas e novamente após mais três semanas. Após, deve-se realizar o primeiro reforço anual e, depois, apenas a cada três anos. Em casos de surtos, pode-se vacinar os filhotes a partir de 4 semanas de idade. Todas as vacinas felinas previnem contra o FPV. A vacina é elaborada com vírus vivo modificado, o que garante resposta mais rápida. Não se aconselha vacinar fêmeas prenhes ou filhotes com menos de 4 semanas com vacina de vírus vivo modificado, sob o risco de causar infecção e produzir lesões nos fetos ou neonatos. A imunidade após recuperação é vitalícia. Raiva A raiva é uma doença que foi quase considerada erradicada, porém que tem voltado a aparecer no Brasil nos últimos anos. Ela é causada por um vírus da família Rhabdoviridae, do gênero Lyssavirus. É um vírus RNA monofilamentar e apresenta envoltório, portanto, sensível no ambiente, sendo inativado por desinfetantes comuns e por exposição a calor e luz ultravioleta. Todos os animais de sangue quente são suscetíveis, porém, os mamíferos são os únicos vetores e reservatórios conhecidos. Em geral, animais mais jovens são mais vulneráveis. Em muitos países, inclusive europeus, os programas de vacinação colaboraram com a erradicação da doença. No Brasil, anualmente ocorrem campanhas de vacinação, pois a raiva ainda é uma preocupação. Recentemente, foram relatados casos de óbito de animais e humanos por contaminação com o vírus da raiva. Em 2017, uma mulher foi a óbito após levar uma mordida no peito de um gato infectado, no estado de São Paulo. A raiva em pequenos animais e animais de produção apresenta, atualmente, baixa incidência, porém, os donos desses animais não devem se descuidar. A vacina antirrábica é obrigatória e deve ser aplicada anualmente, independentemente da região onde o animal vive. Em todo o mundo, a maior parte dos casos de raiva humana é causada em decorrência de mordidas de cães contaminados. Embora existam diversos tipos distintos de vírus da raiva em espécies distintas, a transmissão interespecífica é comum. Assim, o vírus encontrado em morcegos frugívoros pode ser transmitido para cães e gatos, por exemplo. A transmissão ocorre quando os vírus presentes na saliva do animal infectado entram em contato com a pele ou mucosa do outro indivíduo. A alta concentração viral em glândulas salivares justifica a infecção por meio de mordeduras, lambeduras 37 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I ou arranhaduras contaminadas. Entretanto, a transmissão indireta – via fômites, por exemplo – é rara, e os animais infectados não transmitem o vírus por via sanguínea. O vírus da raiva apresenta tropismo pelo SNC, seguindo rapidamente para o tecido nervoso após a infecção. A eliminação do vírus na saliva tem início antes do surgimento dos sintomas, o que pode ser um grande risco para contactantes. Após a exposição, pode haver um período de incubação que varia de semanas a meses, mas, a partir do momento em que os sintomas têm início, a morte se dá em poucos dias. Em gatos, o período de incubação costuma variar de duas a 24 semanas. Ao invadir o SNC, o vírus se espalha para os nervos periféricos, sensoriais e motores, chegando às glândulas salivares via nervos cranianos. É possível ocorrer acometimento de outros tecidos, mas não é frequente. Um Guidelines sobre a raiva em felinos foi publicado em 2009. Em 2018, houve uma atualização, e novas informações podem ser encontradas no site http://www. abcdcatsvets.org/rabies/. Há, inclusive, um vídeo do médico veterinário Tadeusz Frymus, professor da Warsaw University of Life Sciences, na Polônia, e pesquisador de doenças infecciosas de pequenos e grandes animais. Sinais clínicos e tratamento Comumente, classifica-se a raiva em duas formas: furiosa e paralítica. Entretanto, sinais atípicos são frequentes. Em geral, a evolução se dá da seguinte forma: o período prodrômico dura cerca de dois dias e é caracterizado por alterações comportamentais, picos febris e hábitos errantes. Aqueles animais que desenvolvem a forma furiosa, apresentam também agressividade, inquietação, tremores musculares e ataxia. A forma paralítica que se segue ocorre devido à lesão aos neurônios motores inferiores. A paralisia progressiva e ascendente leva à morte em cerca de três a quatro dias. Não há tratamento. O animal com doença confirmada deve ser submetido à eutanásia. Animais clinicamente saudáveis, porém, com suspeita de contato com o vírus, devem ser colocados em quarentena, conforme orientação da autoridade local. Acompanhe o caso clínico de um gato diagnosticado com o vírus da raiva aos oito meses de idade. O vídeo está disponível em: https://www.youtube.com/ watch?v=H8fbAFOMTp4. 38 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA Orientações no Brasil para animais não vacinados Observação durante 180 dias, acompanhada pelo veterinário da prefeitura. Tal acompanhamento pode ser feito no próprio Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) ou na residência do animal, mediante termo de responsabilidade assinado pelo tutor. Aplicar três doses da vacina antirrábica nos dias 0 (zero), 7 (sete) e 30 (trinta). Caso o animal silvestre suspeito de ser a fonte do vírus seja negativo, após o período de quarentena, o animal pode ser liberado. Caso o animal silvestre suspeito de ser a fonte do vírus seja positivo ou não seja encontrado, o animal em quarentena deve ser eutanasiado. Orientações no Brasil para animais vacinados » Observação durante 180 dias, acompanhada pelo veterinário da prefeitura. Tal acompanhamento pode ser feito no próprio Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) ou na residência do animal, mediante termo de responsabilidade assinado pelo tutor. » Aplicar duas doses da vacina antirrábica nos dias 0 (zero) e 30 (trinta). » Caso o animal silvestre suspeito de ser a fonte do vírus seja negativo, após o período de quarentena, o animal pode ser liberado. » Caso o animal silvestre suspeito de ser a fonte do vírus seja positivo ou não seja encontrado, o animal em quarentena deve ser eutanasiado. Considerações finais Muitas outras doenças causam alterações neurológicas. Assim, a raiva deve ser sempre considerada um dos diagnósticos diferenciais para animais que sejam levados ao consultório com alterações neurológicas, especialmente se o animal for semidomiciliado ou tiver histórico de contato com animais silvestres, como morcegos e gambás. O diagnóstico é feito pela detecção de antígeno no teste de anticorpo fluorescente em tecido cerebral. Por isso, quando o animal for a óbito com suspeita de raiva, deve-se refrigerar o cérebro do animal. O transporte deve ser feito segundo especificações do laboratório. 39 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I A prevenção é bastante eficaz por meio de vacinação. Atualmente, recomenda-se a aplicação da vacina antirrábica em animais a partir de 12 semanas de idade. A vacina está disponível em Centros de Controle de Zoonoses e, uma vez ao ano, ocorrem campanhas por todo território nacional. A American Association of Feline Practioners desenvolveu, em 2003, um Guidelines sobre zoonoses. Apesar de já ter muitos anos, vale a pena a leitura para conhecimento das principais zoonoses e sua forma de manejo. Após a leitura do manual, sugere-se complementar o estudo com a leitura de artigos mais recentes. O Guidelines está disponível para download em: https://catvets.com/guidelines/practice-guidelines/zoonoses-guidelines. Leucemia viral felina (FeLV) O vírus da leucemia felina (FeLV), responsável pela leucemia viral felina, faz parte da família dos retrovírus, do gênero Gammaretrovirus, que pode ser dos subtipos A, B, C ou T. Ele é um vírus oncogênico, envelopado, com genoma RNA fita simples, que codifica alguns grupos principais de proteínas, como a gag (codifica antígenos grupos-específicos), a pol (enzima transcriptase reversa) e a env (envelope). A enzima transcriptase reversa transcreve o RNA viral em um DNA pró-viral que se liga ao DNA do hospedeiro. A partir dessa ligação, o vírus se perpetua no organismo. Subgrupos do FeLV » A: única forma transmissível horizontalmente. Pouco patogênico. Pode causar neoplasia hematopoiética. Acompanha os demais subtipos, pois é o único que penetra nas células. » B: surge por mutação do subtipo A ou por ligação desse ao retrovírus endógeno. Responsável pelo desenvolvimento de linfomas, doenças mieloproliferativas ou mielossupressoras. » C: surge por mutação do subtipo A. Causa anemia arregenerativa, mielose eritrêmica. » T: variante do subtipo A. Surge por alterações nos aminoácidos e nas proteínas do envelope, que o tornam mais patogênico. Altamente citopático, possui tropismo por células T, causando depleção linfoide e imunodeficiência. 40 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA O FeLV pode infectar gatos domésticos e selvagens, apresenta distribuição mundial, acomete animais de qualquer gênero e idade. Parece haver relação entre a idade da infecção e o desenvolvimento de doença. Animais que se infectam na idade adulta, muitas vezes conseguem manter a imunidade controlada e não desenvolver viremia durante anos. Já animais que contraem o vírus durante a infância ou nascem infectados costumam desenvolver doença e ir a óbito ainda jovens. Tipos de infecção » Infecção progressiva: caracterizada por alta carga viral, por incapacidade do organismo em desenvolver resposta imune eficaz. Ocorre disseminação viral por tecidos linfoides e medula óssea. Há presença do vírus em tecidos glandulares e mucosa, causando eliminação viral por saliva (cerca de um milhão de partículas virais por 1mL de saliva) e outras secreções corporais, sendo fonte de infecção para outros gatos. O acometimento da medula óssea leva à viremia secundária, em que leucócitos e plaquetas possuem alta carga viral. Animais com esse tipo de infecção testam sempre positivo devido à presença da proteína gag p27 circulante e estão sob o risco de desenvolver doença associada ao FeLV. » Infecção regressiva: caracterizada por uma resposta imune forte que inibe a carga pró-viral, resultando em antigenemia ausente ou transitória. O risco de desenvolvimento de doenças associadas ao FeLV é muito pequeno. Gatos com infecção regressiva não eliminam vírus, não sendo fonte de infecção para outros gatos, exceto em casos de doação de sangue, pois o DNA pró- viral, apesar de mínimo, ainda está presente na circulação. É possível que a infecção regressiva se torne progressiva em algum momento. » Infecção abortiva: caracterizada por resposta imune precoce e eficaz que impede a replicação viral e elimina as células infectadas. » Infecção focal (atípica): esse tipo de infecção foi observado em cerca de 10% dos animais avaliados experimentalmente, porém, é considerada rara em situações naturais. Nesses animais, o vírus da FeLV fica sequestrado em alguns tecidos, como as glândulas mamárias, bexiga, olhos, baço, linfonodos ou intestino delgado, nos quais uma replicação local atípica ocorre. A produção e liberação de antígeno p27 na circulação pode ser intermitente ou em baixa escala, ocorrendo resultados discordantes nos testes diagnósticos. Dessa forma, é possível encontrar resultados positivos ou negativos nos testes rápidos, mas resultado negativo na PCR. 41 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I Sinais clínicos Os sinais clínicos do FeLV são inúmeros, e a maior parte inespecífica. No primeiro pico virêmico, os gatos podem apresentar febre, apatia, anorexia ou não ter qualquer alteração clínica. Nos casos de gatos com infecção persistente, essa fase é seguida por um período de infecção assintomática, que pode durar meses ou anos até que ocorre um novo pico virêmico, e o animal desenvolve doença clínica. Entre as alterações mais frequentes estão: anorexia, perda de peso, vômitos, diarreia, dispneia, febre, apatia. As doenças relacionadas aos retrovírus são: » Doenças hematológicas: anemia (em geral, arregenerativa), neutropenia, linfopenia, trombocitopenia. » Linfoma: alimentar (mais comum no Brasil), mediastinal, multicêntrico, extranodal. » Mielopatia: distúrbios neurológicos (anisocoria, ataxia, tetraparesia, mudanças de comportamento), vocalização, hiperestesia. Algumas infecções secundárias são frequentes em gatos portadores de retrovírus: » Infecções sistêmicas: toxoplasmose, criptococose, micoplasmose, PIF. » Gastrointestinais: complexo gengivite-estomatite (mais comum em gatos FIV, porém também pode acometer gatos FeLV), parasitismos (giardíase, coccidiose, criptosporidiose), infecções bacterianas (salmonelose, campilobacteriose), diarreia crônica. » Dermatológicas: demodicose. » Respiratórias/oculares: ceratite herpética, uveítes, infecções respiratórias, coriorretinite, síndrome da pupila espástica (mais comum em gatos FeLV). » Trato urinário: pielonefrite, cistite bacteriana. Diagnóstico O diagnóstico pode ser feito de maneira rápida, no consultório, por meio de testes de ELISA ou imunocromatográfico, que detectam a presença da proteína de envelope gag p27. Esse teste, no entanto, pode dar um resultado negativo nos casos de infecções regressiva, latente ou abortiva. Para a infecção progressiva, no entanto, esses testes 42 UNIDADE I | DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA são bastante sensíveis e específicos. No caso de exposições muito recentes ao vírus, o teste pode não detectar a proteína, pois essa pode não estar circulante. Por esse motivo, geralmente recomenda-se realizar o primeiro teste e, após 90 dias, realizar um novo teste. Uma vez que esses testes detectam a presença de proteína de envelope do antígeno, não há interferência da vacina nos resultados. Figura 9. Teste rápido imunocromatográfico positivo para FeLV e negativo para FIV Fonte: arquivo pessoal. A PCR (Polimerase Chain Reaction) é um teste bastante sensível, mas também muito suscetível a erros técnicos, como contaminação durante a colheita e manipulação das amostras. A PCR pode ser realizada em amostras de sangue, aspirado de medula óssea e tecidos. Devido à sua alta sensibilidade, recomenda-se realizar teste de PCR em todos os gatos doadores de sangue e tecidos. A PCR também não sofre interferência da vacina contra FeLV. Outro teste utilizado para detecção do vírus é a imunofluorescência indireta (IFI), que também detecta a presença da proteína p27 associada à célula (neutrófilos e plaquetas). Esse teste costuma ser utilizado para confirmar o resultado do teste inicial. Resultado positivo no IFI indica que o animal apresenta viremia persistente originada na medula. A discordância entre os resultados pode ser devido a estágio da infecção, variabilidade da resposta do hospedeiro ou problemas técnicos com o próprio teste. Gatos com resultados discordantes devem ser considerados fontes de infecção para outros. Existem, ainda, outros testes, usados com menos frequência, como isolamento viral e testes de anticorpos neutralizantes. Tratamento O manejo do gato positivo para FeLV vai variar com seu estado clínico. Para gatos assintomáticos, sem alterações em exames laboratoriais, recomenda-se avaliação semestral, com exames laboratoriais completos (hemograma, bioquímica e urinálise), para detecção precoce de qualquer alteração. 43 DOENÇAS INFECCIOSAS, ZOONOSES E TOXICOLOGIA | UNIDADE I O tutor deve ser orientado com relação ao manejo alimentar e ambiental, que
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