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Produção sustentável de Peixes Amazônicos I Criação sustentável de peixes redondos 2 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 9. Processamento e comercialização Apresentação Chegamos ao último módulo do nosso curso. Aqui, serão abordadas as etapas que envolvem o processamento e a comercialização dos peixes redondos com as técnicas de despesca, bem como os métodos de insensibilização e de abate empregados hoje em dia. Vamos lá! Objetivos de aprendizagem • Conhecer o planejamento do período adequado à despesca para a biomassa esperada no processo. • Entender os procedimentos de despesca visando ao bem-estar animal. • Compreender os diferentes tipos de abate e a importância do manejo pré- abate para a conservação até a comercialização. • Identificar possíveis produtos e subprodutos processados. • Apreender cálculos básicos de custo de produção e lucratividade. • Conhecer alternativas associativistas e de políticas públicas para a comercialização da produção. 3 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 9.1 Despesca e abate de peixes Você sabia que os peixes são seres sencientes? Isso significa que eles são capazes de sentir dor. Os peixes sofrem por estímulos físicos, químicos, sociais ou emocionais, principalmente na hora da despesca e do abate, quando são transferidos de seu habitat para outro meio totalmente distinto. Além disso, podem sofrer injúrias mecânicas devido ao manuseio. Os estímulos estressantes são captados por sensores (nociceptores) localizados na periferia do corpo e são transmitidos pelos neurônios da medula espinhal para o cérebro, onde são interpretados como ameaças à integridade corporal. No processo de transmissão dos impulsos que o cérebro entende como dolorosos, estão envolvidos: • os nervos periféricos sensitivos e motores; • a medula espinhal; • o tronco encefálico; • e o cérebro. Os estímulos culminam em estresse, fazendo com que o animal reaja aos agentes estressantes para se adaptar às situações desconhecidas ou aversivas. Essa reação pode ser traduzida em mudanças metabólicas, osmorregulatórias e em processos imunológicos, desencadeados, inicialmente, pelo aumento dos níveis de hormônios corticosteroides e catecolaminas. Dessa forma, é ideal que, independentemente do método adotado para realizar o abate do pescado, considere-se sempre o bem-estar animal. O uso de métodos eficazes de insensibilização, etapa precedente ao abate, é fundamental para reduzir o estresse ante-mortem. Clique no link inserido no título abaixo e assista a animação a seguir Para entender mais a respeito dos riscos que o estresse na despesca e o mau planejamento do abate podem causar, assista à animação a seguir: Riscos da despesca e do abate https://youtu.be/BUVU1VNH5jM 4 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 9.2 Despesca É importante ressaltar que, na piscicultura, o termo despesca é utilizado para definir a operação de retirada do peixe do local onde foi cultivado, quando atinge o tamanho comercial ideal. É comum que, em alguns viveiros e tanques no Brasil, esse procedimento ainda seja precário, principalmente para pequenos e médios produtores. Para que a importante etapa da despesca seja realizada de forma técnica, sem o comprometimento do bem-estar animal e da qualidade do pescado, vários aspectos devem ser considerados e adequados à realidade do piscicultor. Atenção É a despesca que marca o fim da criação e o início de uma das fases mais importantes de toda a piscicultura: a comercialização. É nessa etapa que o produtor será remunerado por todo o seu trabalho. 9.2.1 Passos da despesca Para que a despesca seja bem executada, é preciso conhecer e aplicar os quatro passos que levam ao sucesso do produto a ser comercializado. Clique no link inserido no título abaixo e assista à videoaula a seguir e aprenda como acontece o primeiro passo, o planejamento: Planejamento de despesca O segundo passo é o jejum, prática orientada pelos órgãos fiscalizadores que objetiva esvaziar o trato gastrintestinal para reduzir o risco de contaminação por fezes na ocasião do processamento. Além de diminuir a quantidade de dejetos produzidos, outros benefícios são associados ao jejum, como a diminuição do consumo de oxigênio e da excreção de amônia na água, caso o peixe seja transportado vivo até a unidade de beneficiamento de pescado, o que aumenta os índices de sobrevivência pós-transporte e a qualidade do pescado. O tempo de esvaziamento do trato gastrintestinal varia de acordo com a espécie cultivada, sendo suficiente um período de 24 a 48 horas para a maioria delas (para as nativas, ainda não há padrões estabelecidos). De forma geral, observa-se que, https://youtu.be/qho-FIzP7ZU 5 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos para peixes com intestinos longos, é necessário um tempo maior de jejum para esvaziamento completo dessa estrutura. Durante o jejum, pode ser realizada a depuração, caso haja condições de se manter o peixe nessa fase em uma estrutura com renovação constante de água. Clique no link inserido no título abaixo e ouça o podcast a seguir e entenda sobre a depuração no jejum e sua relação com o off-flavor. Depuração no jejum e sua relação com o off-flavor O off-flavor é percebido de diferentes formas pelas pessoas, uma vez que envolve o paladar, que é diferenciado em cada indivíduo. Curiosidade Ao se proceder a análise sensorial de pratos elaborados com peixes de água doce, não é incomum verificar sabores ou odores indesejáveis, denominados de off-flavors, que podem ser causados pela absorção de algumas substâncias presentes na água da criação (geosmina, ou GEO, e metil-isoborneol, ou MIB), rancidez oxidativa no alimento armazenado ou mesmo pelo uso de algum ingrediente na ração que, porventura, venha a conferir tal característica. A GEO e o MIB são substâncias formadas a partir de algas cianofíceas e bactérias (da ordem dos actinomicetos), que conferem o off-flavor à musculatura dos peixes. A GEO é responsável pelo gosto de terra ou barro e o MIB, pelo odor de mofo. O surgimento dessas substâncias tem relação com o excesso de matéria orgânica nos tanques ou viveiros. Dessa forma, o ideal é que a qualidade da água e a quantidade de matéria orgânica sejam controladas de forma sistemática para evitar o off-flavor no pescado e, consequentemente, manter a qualidade e o bom preço de venda do produto. O terceiro passo para obter sucesso é a adequada retirada dos peixes da unidade produtiva. Clique no link inserido no título abaixo e assista à videoaula a seguir e entenda as classificações e técnicas da despesca: Procedimento de despesca A despesca com a rede de arrasto é um dos procedimentos mais utilizados em pisciculturas com viveiros de formatos regulares, fundo com declive e sistema de drenagem que permite um rápido esvaziamento. https://ava.sede.embrapa.br/pluginfile.php/1444415/mod_resource/content/1/Depura%C3%A7%C3%A3o%20e%20Jejum.mp3 https://youtu.be/_55pmTOYO0g 6 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Uma característica importante para a passagem da rede de arrasto é a profundidade do viveiro, o qual deve ter de um a dois metros de profundidade. O fundo dos viveiros deve estar livre de troncos, pedregulhos, raízes ou outros materiais que dificultem a passagem da rede. Os sistemas mecanizados utilizam máquinas apropriadas ou adaptadas para a realização da despesca. Os apetrechos de pesca são acoplados a um veículo motorizado e envolvem a mínima manipulação, de modo a evitar estresse, lesões e acidentes, tanto com os peixes quanto com a mão de obra envolvida. O uso de uma rosca sem-fim acoplada a um reboque (ela pode ser ligada diretamente a uma caixa de transporte ou a uma mesa selecionadora de peixes fixada em cima de um caminhão)é um exemplo de sistema mecanizado. No caso da mesa selecionadora, o operador auxilia no direcionamento dos peixes para as caixas de transporte, já posicionadas nos caminhões estacionados em cada lado da mesa. Fo to : J ef fe rs on C hr is to fo le tti Fo to : J ef fe rs on C hr is to fo le tti Fo nt e: A do be S to ck Figura 9.1. Despesca mecanizada com o uso de equipamento de rosca sem-fim 7 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos O modelo de máquina pode ser montado em um reboque para ser facilmente movimentado em pistas ou estradas estreitas de acesso a lagoas, tanques ou viveiros, ou mantido em posição estratégica em pisciculturas em tanques-rede. Quando esse método é utilizado, há a redução no nível da água do tanque e uma rede é passada e fixada em local próximo ao ponto de despesca. Então, os peixes são direcionados para a rosca sem-fim. Esse tipo de despesca também pode ser empregado em policultivos, nos quais uma mesa selecionadora auxilia na separação das espécies para os tanques de transporte. O último e quarto passo é o transporte. Quando os peixes são transportados vivos até a indústria, preserva-se a qualidade da matéria-prima. Considerando que a vida de prateleira do pescado começa a contar a partir do momento em que é abatido, o fato de o peixe chegar vivo à indústria prolonga esse prazo. O transporte de peixes vivos para abate e processamento deve observar alguns cuidados, tais como: • suprimento de oxigênio na água de transporte; • necessidade de jejum prévio; • depuração; • adição de sal à água; • densidade de peixes na unidade de transporte; • temperatura da água; • disponibilidade de equipamentos apropriados. O suprimento de oxigênio é importante para evitar que os peixes morram por asfixia durante o translado. O monitoramento da quantidade desse gás na água deve ser feito periodicamente com um oxímetro ao longo de todo o trajeto. 1 Recomenda-se que, no momento do carregamento, haja pelo menos quatro miligramas de oxigênio por litro na água em que os peixes serão transportados. 2 A sua regulagem é feita por meio de um fluxômetro, tomando por base os dados da concentração de oxigênio medida com o oxímetro. 8 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 3 Deve-se respeitar o limite de 15 miligramas de oxigênio por litro, uma vez que o excesso também pode causar mortalidade. O consumo de oxigênio está diretamente ligado à movimentação e à taxa metabólica dos peixes. 4 Também é importante adotar medidas para reduzir a temperatura da água de transporte e manter os animais em jejum antes do carregamento e seu transporte. Para que o quarto passo seja bem-sucedido, é importante ter atenção à água em que o pescado será transportado. Clique no link inserido no título abaixo e assista à animação a seguir e aprenda por que a adição de sal e a temperatura dessa água são primordiais. A água no transporte do pescado 9.3 Insensibilização e abate de peixes O modo como acontece o abate de peixes ainda é desconhecido para muitos. Permanece a crença de que apenas a retirada do peixe da água é suficiente para sua morte; no entanto, o abate humanitário, seguindo recomendações técnicas e sanitárias, é de grande importância, pois está diretamente relacionado à preservação da qualidade e à redução do risco de contaminação do produto final, além de minimizar perdas por injúrias ou lesões. A simples retirada da água leva os peixes à morte por asfixia, prática que causa elevado estresse aos animais. https://youtu.be/6xkghKpNbaI 9 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Considerando que o estresse animal provocado pelo manejo inadequado no pré-abate e abate pode prejudicar a qualidade e reduzir o tempo de prateleira do pescado, adotar práticas que promovam o bem-estar animal pode contribuir para a obtenção de um produto de melhor aceitabilidade no mercado. O conjunto de práticas corretas que promovem o bem-estar, quando adotado desde a despesca até a indústria, é chamado de abate humanitário. Atenção Clique no link inserido no título abaixo e ouça o podcast a seguir e fique por dentro das discussões a respeito das práticas de abates humanitários e seus desdobramentos: Práticas de abates humanitários 9.4 Métodos de insensibilização e abate Com o crescimento da piscicultura, as indústrias e unidades de beneficiamento passaram a processar cada vez mais matéria-prima oriunda de criatórios. Entretanto, a forma como esse pescado é recebido e abatido ainda representa um ponto crítico Figura 9.2. Peixes abatidos por asfixia com aspecto cianótico, caracterizado pela coloração avermelhada da cabeça e corpo Fo to : F el ip e Sa nt os d a Ro sa https://ava.sede.embrapa.br/pluginfile.php/1444416/mod_resource/content/1/Pr%C3%A1ticas%20de%20abate%20humanit%C3%A1rio.mp3 10 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos a ser resolvido. Normalmente, a opção é pelo método de abate mais barato e de fácil aplicação. Como ainda não existe legislação que imponha o abate humanitário dos peixes, muitos estabelecimentos optam pela privação de oxigênio, chamada de anóxia. Os peixes são retirados de seu habitat e a morte é desnecessariamente prolongada. A realização do abate sem controle e de forma ilegal nas propriedades pode ser prejudicial à qualidade do pescado, além de potencializar problemas de segurança alimentar. O abate deve ser realizado em estabelecimentos com inspeção oficial, de acordo com os padrões de higiene e de controle sanitário estabelecidos pelos órgãos responsáveis pela política sanitária em âmbito federal, estadual ou municipal (SIF, SIE ou SIM, respectivamente). Atenção Atualmente, a ciência vem desenvolvendo estudos para promover técnicas de abate menos dolorosas aos peixes, como as relacionadas à insensibilização prévia ao abate. A insensibilização na piscicultura é tratada como o ato de tornar o animal insensível, inconsciente, ou seja, fazer com que seja anestesiado. Uma vez que a inconsciência é difícil de ser reconhecida, alguns sinais devem ser observados, como o movimento rítmico do opérculo imediatamente interrompido e a perda do reflexo vestíbulo-ocular. Sendo o abate definido como o sacrifício do animal para fins de consumo humano, as pesquisas têm buscado insensibilizar os peixes o quanto antes e reduzir o tempo de morte. Dessa forma, procuram minimizar a dor e o estresse animal durante o procedimento e, consequentemente, melhorar a qualidade do pescado para beneficiar sua comercialização. 11 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos A legislação da União Europeia, considerando o bem-estar animal, admite como princípio básico que o abate seja feito com prévia insensibilização e que o método adotado promova a perda imediata e irreversível da consciência. Curiosidade 9.5 Atordoamento elétrico (choque elétrico ou eletronarcose) O método de aplicar uma corrente elétrica para provocar a inconsciência e a insensibilização imediata do peixe é conhecido como atordoamento elétrico. O efeito do tratamento com eletricidade depende da força, da duração da corrente e da frequência da onda elétrica. De acordo com a regulagem desses indicadores, a eletronarcose pode ser aplicada exclusivamente como atordoamento (insensibilização) ou como método de atordoamento e abate. Entretanto, para que essa metodologia seja cogitada como opção no processo de insensibilização e abate de peixes nativos, é necessário o adequado estabelecimento de parâmetros elétricos e de condutividade da água, considerando a espécie. Para aumentar a condutividade elétrica na água, é recomendado salinizá-la (adicionar sal). A aplicação de correntes inadequadas pode provocar hemorragias no músculo e quebra de ossos, comprometendo a qualidade dacarne, o que reforça a necessidade de investigação científica a respeito do tema. 12 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Pesquisas recentes têm demonstrado que a eletronarcose é uma metodologia eficiente e segura, tanto para a insensibilização prévia quanto para o abate de matrinxãs e de tilápias. Ela proporciona rápida perda de consciência e morte, sem sofrimento demasiado e desnecessário ao animal, atendendo aos preceitos básicos de abate humanitário, tais como os estabelecidos para animais de açougue. Atenção O método da eletronarcose apresenta a vantagem de ser menos estressante ao peixe, já que o atordoamento pode ser feito na água, sem que haja a sua retirada do ambiente aquático. Além disso, ele permite a rápida perda de consciência e o abate individual ou em lotes. No caso de se optar por esse método apenas como insensibilização, recomenda-se que os peixes tenham os grandes vasos seccionados imediatamente após a perda da consciência, ou que sejam colocados em água e gelo para o abate por sangria ou choque térmico. Clique no link inserido no título abaixo e assista à videoaula a seguir e conheça os métodos de abate por atordoamento cerebral e por golpe: Atordoamento cerebral e por golpe 9.5.1 Choque térmico O chamado choque térmico é o método de colocar os peixes, imediatamente após a despesca, dentro de um tanque com água e gelo fundente. A proporção deve ser de 1:1 e os animais ficam nessa mistura por tempo variável, até a sua insensibilização para abate. A água com temperatura próxima a 0 ºC diminui a movimentação dos animais, uma vez que são ectotérmicos e dependem da temperatura externa para o desempenho de suas funções vitais. Quando a água esfria, o ritmo metabólico é reduzido, com exceção das espécies adaptadas ao frio. O tempo necessário para promover inicialmente a insensibilização e depois a morte pode ser longo, a depender da espécie e do tamanho do peixe. Por isso, é questionável a eficiência desse processo em termos de bem-estar animal. https://youtu.be/22h-CRRVj7E 13 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Quando o choque térmico é utilizado apenas para insensibilização, pode-se somá-lo a outra técnica de abate mais eficiente. Um exemplo é a incisão na guelra, com o auxílio de uma faca ou bisturi, e depois a colocação do peixe em outro tanque contendo água e gelo para que ocorra a sangria. Nesse caso, o choque térmico é utilizado somente para insensibilizar os peixes. Entretanto, algumas organizações internacionais, assim como a Organização Mundial da Saúde Animal (OIE), não aconselham a utilização da técnica de choque térmico. A sangria não é unanimidade entre os técnicos e estudiosos da área. É necessário haver mais estudos a respeito dela. Reflita 9.6 Conservação do pescado Podemos considerar como pescado todos os organismos aquáticos que podem ser consumidos pelo ser humano em sua alimentação. São alguns exemplos: • os peixes, como tambaqui, caranha, tilápia, surubim etc.; • os crustáceos, como o camarão; Figura 9.3. Choque térmico em tanque em aço inox com água e gelo fundente Fo nt e: R od rig ue s et a l. (2 01 3, p . 3 96 ). 14 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos • alguns moluscos, como as lulas e os polvos; • os anfíbios, como a rã. O pescado é um alimento com excelente valor nutricional e muito saudável; contudo, é altamente perecível – o peixe mal conservado estragará rapidamente e ficará impróprio para consumo. A ingestão de pescado cuja conservação é duvidosa pode provocar doenças veiculadas por bactérias que encontraram no animal um ambiente propício à sua multiplicação. O músculo do pescado vivo ou recém-abatido normalmente é estéril, porém, um grande número de bactérias está presente na superfície do corpo, guelras e intestino, as quais penetram gradualmente nos músculos e começam a se multiplicar quando o peixe é abatido. A multiplicação bacteriana faz com que a decomposição do pescado seja acelerada após o período de rigor mortis, quando as bactérias têm como substrato os produtos hidrolisados resultantes da autólise. É importante observar que a velocidade e a intensidade da ação da autólise e do desenvolvimento dos microrganismos dependem do método de conservação empregado, em especial, da temperatura de estocagem. Quando o pescado está exposto a temperaturas elevadas, sem contato com o gelo, por exemplo, a decomposição bacteriana é estimulada, o que gera a rápida perda de sua qualidade. O peixe, se for estocado sob temperaturas adequadas (próximas a 0 ºC), tem uma significativa redução das atividades enzimáticas, o que diminui o crescimento dos microrganismos, conservando um grau de frescor mais elevado por um período maior. 9.6.1 Recomendações práticas para conservar melhor o peixe Antes de qualquer manipulação no momento da despesca, é muito importante que os produtores de peixes tenham consciência dos fatores que interferem na qualidade do pescado. Com a morte do animal, todas as defesas naturais, que eram importantes para a saúde do peixe em vida, desaparecem. Caso as boas práticas não sejam adotadas, o processo de deterioração do pescado é acelerado. Veja as principais recomendações: Toda a manipulação do pescado deve ser feita o mais rápido pos- sível. Deve-se evitar deixar o peixe exposto a altas temperaturas por muito tempo. Essa exposição permite o início dos processos que estragam a sua carne. 15 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos O tempo é um grande aliado das bactérias. Elas certamente vão se desenvolver no peixe e, em questão de horas, o produto não poderá mais ser consumido. O tempo é também um importante companheiro das enzimas que destroem o pescado. As enzimas são substâncias que existem no próprio peixe. Mesmo se conservado adequadamente, caso o prazo de validade seja ultrapassado, alterações poderão ocorrer devido aos processos enzimáticos. Cuidar da temperatura é primordial. Imediatamente após a captura ou despesca, o peixe deve ser mantido em temperaturas baixas, entre 0 °C e 5 °C. Normalmente, isso é feito com o emprego de gelo fabricado com água limpa e, de preferência, em formato de escamas ou bem triturado para não furar ou amassar o pescado. A grande quantidade de água de constituição, o elevado teor de gorduras insaturadas facilmente oxidáveis, o pH próximo à neutralidade e a existência de nutrientes propícios à disseminação de microrganismos favorecem o processo de deterioração do pescado após sua captura ou despesca, transformando o peixe em um alimento altamente perecível. Dessa forma, para que o processamento industrial e a comercialização sejam bem- sucedidos, é necessário conhecer tecnologias e boas práticas para preservar a qualidade e agregar valor de mercado aos produtos. Os métodos de conservação são tecnologias que objetivam prolongar a vida de prateleira do pescado, pois buscam inibir ou destruir as atividades deteriorantes. 16 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Fatores que levam à deterioração do pescado: Demorar muito para o processamento TEMPO TEMPERATURA Deixar o peixe em temperatura ambiente HIGIENE Manter um ambiente sujo e faltar com a higiene pessoal do manipulador PEIXE DETERIORADO PEIXE FRESCO As tecnologias tradicionais de conservação do produto aplicadas ao processamento de peixes redondos são: • uso do frio industrial; • desidratação industrial e artesanal para salga e secagem; • defumação e fermentação; • elaboração de carne mecanicamente separada (CMS); e • surimi. 9.6.2 Conservação pelo uso do frio O Regulamento Industrial de Inspeção Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) determina como pescado fresco o produto disponibilizado ao consumo sem ter sofrido qualquer processode conservação, a não ser a ação do gelo. Já o pescado resfriado é o produto devidamente acondicionado em gelo e mantido em temperatura entre -0,5 e -2 ºC. O pescado congelado é o produto tratado por processos adequados de congelamento, em temperatura não superior a -25 ºC. Figura 9.4. Três importantes fatores na manipulação, desde a despesca até a comercialização e consumo Fo nt e: A da pt ad a de R od rig ue s et a l. (2 01 3, p . 40 4) . 17 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 9.7 Secagem A secagem ou desidratação é um processo que consiste na remoção da água do alimento, sendo uma das técnicas tradicionais mais antigas de conservação. Pode representar um método único de conservação do pescado ou ser utilizado em combinação com a salga ou com a defumação. 9.7.1 Métodos de secagem A salga baseia-se no princípio da desidratação ocasionada por um desequilíbrio osmótico. Quando os peixes ainda estão vivos, as membranas presentes nos tecidos celulares são semipermeáveis à passagem de substâncias como a água e alguns sais, por exemplo. Após a morte do animal, essas membranas se tornam permeáveis e permitem processos de troca de substâncias entre as células e o ambiente extracelular. Dessa forma, o sal adicionado penetra no interior dos tecidos para causar sua desidratação. A remoção da água dos tecidos e a sua parcial substituição pelo sal impedem a decomposição, seja por autólise ou pela ação de microrganismos. Clique no link inserido no título abaixo e assista a animação a seguir para conhecer mais sobre a salga e outros métodos de conservação, como o surimi, a defumação e a carne mecanicamente separadas (CMS), assista à animação a seguir: Métodos de conservação e secagem Fo to : J ef fe rs on C hr is to fo le tti Figura 9.5. Gelo em formato de escamas para o correto acondicionamento do pescado fresco https://youtu.be/ON6casTashE 18 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos 9.8 Comercialização e políticas públicas A partir daqui, vamos apresentar as formas mais comuns de organização social, as associações e cooperativas, e as vantagens de se trabalhar em grupo. Para ter o controle do quanto se gasta e do quanto se lucra com a produção do peixe, a piscicultura deve ser uma atividade sempre bem planejada. Os registros dos custos são importantes para orientar o manejo, a comercialização e o acompanhamento da piscicultura, auxiliando no planejamento. Os custos da piscicultura podem ser divididos em duas partes: Custos de implantação São os gastos com todos os investimentos necessários à infraestrutura da piscicultura, como a compra do terreno, a terraplanagem, a aquisição de equipamentos para movimentação de terra e de utensílios necessários na criação, os projetos de licenciamento etc. Custos de produção São os gastos com todos os insumos e serviços utilizados diretamente e constantemente na produção do peixe, como alevinos, ração, adubo etc., mão de obra, energia elétrica, manutenção, manejo e despesca. 9.8.1 Análise econômica dos custos de produção Para melhor compreensão, vamos analisar a rentabilidade da piscicultura pelos custos de produção, considerando que o piscicultor utiliza uma infraestrutura já existente na propriedade, como açudes e viveiros, mas com pouco investimento. Fo nt e: R od rig ue s et a l. (2 01 3, p . 1 18 ). Fo to : J ef fe rs on C hr is to fo le tti 19 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Em uma análise econômica dos custos de produção da piscicultura, deve-se conhecer os seguintes conceitos: Custos – gastos São valores relacionados aos custos de implantação e de manutenção da produção, como apresentado anteriormente. Receita – apurado Valor recebido com a venda dos peixes. Para o cálculo, deve-se multiplicar a quantidade vendida pelo preço do produto. Lucro Diferença entre a receita e os custos. A piscicultura é economicamente viável quando a diferença entre a receita total e o custo total de produção é positiva. A receita com a venda do peixe deve cobrir pelo menos os gastos que se teve com a criação para não gerar prejuízos. LUCRO = RECEITA TOTAL – CUSTO TOTAL DE PRODUÇÃO 9.8.2 Cálculo de análise econômica da piscicultura Vejamos, como exemplo, a lista dos custos de produção e a receita obtida por um piscicultor de peixes redondos em viveiros escavados. Esses itens são os indicativos dos gastos necessários a um ciclo de produção de 10 meses em uma piscicultura pequena (barragem de 215 m2). Na Tabela 9.1, estão listados os itens essenciais para o cálculo do custo de produção por quilo de peixe. 20 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Tabela 9.1 – Custo de produção para um ciclo de criação em barragem de 215 m2 Itens Quantidade Total Ração 333 kg R$ 613,00 Alevinos 360 unidades R$ 75,00 Outros insumos (adubos) – R$ 2,90 Custo total – R$ 690,90 Quantidade produzida – 243 kg de peixe Custo por kg – R$ 2,84/kg de peixe Fonte: Adaptada de Lima et al. (2015, p. 103). Nesse exemplo, o piscicultor produziu 243 kg de peixe. Considerando que o custo de produção foi de R$ 690,90, cada quilo de pescado custou R$ 2,84. Para o cálculo do desembolso por quilo, é necessário dividir as despesas totais da produção pela quantidade produzida: CUSTO POR QUILO CUSTO TOTAL DE PRODUÇÃO QUANTIDADE PRODUZIDA = Assim, para o cálculo da receita no exemplo utilizado, teremos: R$ 2,84/kg de peixe R$ 690,90 243 kg de peixe = 21 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos É importante destacar que, dos R$ 690,90 gastos na criação, o valor de R$ 613,00 foi com a compra de ração. Ou seja, no caso desse piscicultor, esse item representou 88% do custo de produção total. Isso demonstra a importância de se realizar o adequado manejo alimentar, a fim de garantir melhor aproveitamento da ração (ao melhorar a conversão alimentar) e, consequentemente, boa lucratividade. Atenção 9.8.3 Cálculo da receita A receita do piscicultor é calculada considerando a quantidade de peixe comercializada ao final do ciclo de produção e o valor cobrado pelo pescado. Para calcular a receita total, a quantidade vendida deve ser multiplicada pelo preço de venda: QUANTIDADE VENDIDA x PREÇO DE VENDA = RECEITA TOTAL Nesse exemplo, vamos imaginar que o quilo do peixe tenha sido vendido a R$ 8,00. Assim, para o cálculo da receita, teremos: 243 kg de peixe x R$ 8,00/kg = R$ 1.944,00 Tabela 9.2 – Receita gerada pela produção de peixes em viveiro Preço médio de venda por quilo R$ 8,00 Produção de peixe 243 kg Receita R$ 1.944,00 Fonte: Adaptada de Lima et al. (2015, p. 104). 22 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Com os resultados dos custos de produção e da receita total, é possível verificar se a criação é viável, ou seja, se compensa o piscicultor cultivar o animal. Para ser uma atividade compensatória, é necessário que, com a venda dos peixes, o produtor consiga recuperar o dinheiro gasto com o manejo de engorda e crescimento do peixe. 9.8.4 Cálculo do lucro Em nosso exemplo, veja qual foi o lucro médio: R$ 1.944,00 (RECEITA) – R$ 690,90 (CUSTO DE PRODUÇÃO) = R$ 1.253,10 (LUCRO) O resultado mostra que, caso o produtor consiga vender toda a sua produção, de 243 kg de peixe, ao preço médio de R$ 8,00 por quilo, o lucro será de R$ 1.253,10. É importante ressaltar que o lucro muitas vezes depende da venda de toda a produção. Caso o produtor não consiga vender todos os peixes, é desejável que, pelo menos, ele consiga cobrir seus gastos e obtenha algum rendimento. Reflita Com os dados de nosso exemplo, o piscicultor deve vender no mínimo 86 kg de peixe ao preço de R$ 8,00 para que tenha renda. Caso venda menos de 86 kg, terá prejuízos. 9.9 Planejamento dacomercialização Planejar a etapa de vendas é muito importante para o piscicultor, que deve ficar atento às técnicas de comercialização e possuir um bom relacionamento com potenciais compradores. Além disso, é preciso tomar cuidado com a fase final da produção, com a despesca e o transporte, para que não haja perda da qualidade do produto ou alteração no preço negociado. Clique no link inserido no título abaixo e ouça o podcast a seguir e aprenda como organizar um planejamento eficaz. 23 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Aspectos que influenciam a ingestão de alimentos de peixes redondos cultivados em viveiros 9.10 Associativismo e acesso a políticas públicas A piscicultura familiar ou de pequena escala pode ser viável e rentável, mas é uma atividade relativamente nova no Brasil e ainda precisa de muitos incentivos, seja tecnológico, de infraestrutura, assistência técnica ou políticas públicas. No Brasil, há dois principais perfis de piscicultores: 1. o pequeno produtor familiar, considerado pequeno devido ao tamanho de sua criação, porém com escala de produção. Emprega principalmente mão de obra familiar e tem o controle dos custos de produção. Para esse profissional, a piscicultura é a principal atividade da propriedade; 2. o piscicultor familiar, que cria peixe como complemento de renda e promoção da segurança alimentar e nutricional. Esse tipo de produtor também atua em atividades agrícolas e está acostumado ao trabalho no campo, seja na plantação de grãos e hortaliças ou na criação de animais (gado, frango, porco etc.) e produção de seus derivados (leite, ovos etc.). Assim como em outras atividades, na agricultura familiar, trabalhar sozinho para resolver problemas particulares ou da comunidade é um caminho longo e difícil se o desejo for alcançar o sucesso. Pessoas organizadas têm muito mais chances de solucionar os problemas coletivamente quando almejam o mesmo objetivo. Reflita 9.10.1 Formas de associativismo Sabemos que as pessoas se unem por diversos motivos. Em grupo, os piscicultores, ao se conhecerem melhor, sejam pertencentes a uma mesma comunidade ou não, https://ava.sede.embrapa.br/pluginfile.php/1444424/mod_resource/content/1/Planejamento.mp3 https://ava.sede.embrapa.br/pluginfile.php/1444424/mod_resource/content/1/Planejamento.mp3 24 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos podem compartilhar seus problemas e experiências. Ao contarem sua realidade, podem buscar soluções conjuntas. Quando existem questões em comum a serem resolvidas, uma equipe pode ser constituída, legalmente ou não. A constituição legal ocorre, geralmente, em associações ou cooperativas. Associação É um grupo organizado de pessoas que decidem trabalhar em conjunto para resolver seus problemas – neste caso, os problemas da piscicultura. A consolidação da associação se dá por meio do estatuto, que precisa ser elaborado, compreendido e validado por todos os associados. Nesse documento, deve ser detalhada a forma como a associação funcionará, seus objetivos, sua área de atuação, sua administração, o perfil dos associados, seus direitos e deveres etc. Cooperativa É uma forma de associação. É importante ressaltar que não se pode separar o associativismo do cooperativismo – eles se complementam –, porque, necessariamente, uma cooperativa nasce de uma associação de pessoas e sua continuidade depende dessa organização. O principal objetivo da associação é desempenhar ações que devem ser direta e indiretamente voltadas a satisfazer as necessidades do grupo. O que difere a cooperativa da associação é a gestão, que, no formato de cooperação, é direcionada ao interesse econômico direto, com divisão de sobras (lucros) em cotas aos cooperados. Veja, na Tabela 9.3 a seguir, alguns conceitos básicos que diferenciam as duas formas associativistas. Tabela 9.3 – Principais diferenças entre associação e cooperativa no Brasil Critério Associação Cooperativa Definição Sociedade de pessoas sem fins lucrativos. Sociedade de pessoas sem fins lucrativos, mas com atuação na atividade produtiva/comercial com fins econômicos. Finalidade Representar e defender os interesses dos associados. Estimular a melhoria técnica, profissional e social dos associados. Desenvolver atividades de consumo, produção, prestação de serviços, crédito e comercialização, de acordo com os interesses dos seus cooperados. 25 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Critério Associação Cooperativa Constituição Mínimo de duas pessoas. Mínimo de 20 pessoas físicas. Legislação Constituição Federal (art. 5o, incisos de XVII a XXI, e art. 174, parágrafo 2o) e Código Civil. Lei n. 5.764/1971, Constituição Federal (art. 5o, incisos de XVII a XXI, e art. 174, parágrafo 2o) e Código Civil. Patrimônio/ capital Seu patrimônio é formado por taxas pagas pelos associados, doações, fundos e reservas. Não possui capital social, o que dificulta a obtenção de financiamento junto às instituições financeiras. Possui capital social, o que facilita, portanto, a aprovação de financiamentos junto às instituições financeiras. O capital social é formado por quotas-partes e o grupo pode receber doações, empréstimos e processos de capitalização. Forma de gestão Decisão em assembleia geral (cada pessoa tem direito a um voto). As decisões devem sempre ser tomadas com a participação e o envolvimento dos associados. Decisão em assembleia geral (cada pessoa tem direito a um voto). As decisões devem sempre ser tomadas com a participação e o envolvimento dos cooperados. Operações A associação não tem como finalidade realizar atividades de comércio, mas pode desempenhá- las para a implementação de seus objetivos sociais. Pode realizar operações financeiras e bancárias usuais. Realiza plena atividade comercial. Realiza operações financeiras, bancárias e pode candidatar-se a empréstimos e aquisições do governo federal. As cooperativas de produtores rurais são beneficiárias do crédito rural de repasse. Responsabilidades Os associados não são responsáveis diretamente pelas obrigações contraídas pela associação. A sua diretoria só pode ser responsabilizada se agir sem o consentimento dos associados. Os cooperados não são responsáveis diretamente pelas obrigações contraídas pela cooperativa, a não ser no limite de suas quotas- partes e também nos casos em que decidem que a sua responsabilidade é ilimitada. A sua diretoria só pode ser responsabilizada se agir sem o consentimento dos cooperados. Remuneração Os dirigentes não têm remuneração pelo exercício de suas funções; recebem apenas o reembolso das despesas feitas para o desempenho dos seus cargos. Os dirigentes podem ser remunerados por retiradas mensais pró-labore, definidas pela assembleia, além de receberem o reembolso de suas despesas. 26 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Critério Associação Cooperativa Contabilidade Escrituração contábil simplificada. A escrituração contábil é mais complexa em função do volume de negócios e em decorrência da necessidade de ter contabilidades separadas para as operações com os sócios e com os não sócios. Resultados financeiros As possíveis sobras obtidas de operações entre os associados serão aplicadas na própria associação. Após decisão em assembleia, as sobras são divididas de acordo com o volume de negócios de cada associado. Destinam-se 10% para o fundo de reserva e 5% para o Fundo de Assistência Técnica, Educacional e Social (Fates). Fonte: Adaptada de Lima et al. (2015, p. 110). É importante que o compartilhamento de informações no âmbito das organizações coletivas aconteça periodicamente, em espaços de discussão coletiva, como reuniões, assembleias, fóruns etc. A busca por soluções pode ser planejada em conjunto como poder local ou com outras instituições que tenham relação direta e indireta com a piscicultura. As necessidades e prioridades podem ter diferentes naturezas e precisam ser trabalhadas e supridas de acordo com suas peculiaridades. A construção de viveiros ou a melhoria de estradas de acesso às cidades pode ser solicitada às prefeituras e câmaras de vereadores, por exemplo. Os problemas tecnológicos ligados à piscicultura podem ser resolvidos buscando formalmente as instituições que prestam os serviços de tecnologia, sejam públicas ou privadas. Diversos contratempos podem ser solucionados quando discutidos e analisados coletivamente. Quando falamos de piscicultura, as vantagens de se pensar em conjunto são muitas. A seguir, apresentamos as três principais. a. Aumento do poder de negociação na compra de insumos e facilidade de acesso ao mercado Ao se trabalhar em conjunto, os rendimentos da piscicultura são maiores, pois agrega- se mão de obra e há mais produção. As atividades são complementares e todos se ajudam e saem ganhando. 27 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos O trabalho com a coletividade também diminui os custos com a compra de insumos. Compras coletivas de ração e alevinos, por exemplo, se forem feitas em volume maior, normalmente têm preços mais baixos. Para se conseguir preços competitivos, a ração deve ser adquirida em grandes quantidades, com transações feitas diretamente com as empresas fornecedoras. Caso contrário, os piscicultores são obrigados a negociar diretamente com o varejo, o que onera os custos de aquisição e pode, inclusive, inviabilizar a atividade. Atenção A comercialização dos produtos da piscicultura familiar ainda são gargalos importantes para a expansão da criação de peixes no Brasil, principalmente para o pequeno produtor. Com um grupo unido e um volume de produção maior, as negociações com comerciantes tornam-se mais sólidas; o agrupamento pode ganhar cada vez mais confiança para aumentar seu poder de barganha. Ao mesmo tempo, os resultados nas vendas incentivam os investimentos em produção e tecnologia na criação de peixes, o que melhora a qualidade do pescado e abre caminho para consolidar e acessar novos mercados. Fo nt e: L im a et a l. (2 01 5, p . 1 12 ). Figura 9.6. A despesca coletiva agrega mão de obra e reduz custos 28 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos b. Valorização e divulgação da cultura local Quando os piscicultores pertencentes a uma comunidade, possuem traços culturais tradicionais marcantes e podem integrar uma associação para consolidar costumes. É possível realizar eventos ligados à piscicultura e valorizar e divulgar a cultura local – as feiras temáticas são um exemplo. Muitas delas recebem os nomes dos peixes dos quais o local ou região é um polo produtor e utilizam a associação para promover a imagem das celebrações culturais, esportivas e culinárias. Independentemente da forma associativa estabelecida pelos piscicultores, essa organização solidária de valorização e divulgação da cultura local dá acesso a uma nova realidade, porque, além da produção de pescado, também cria outras oportunidades de emprego e dá lugar a um novo cenário econômico. As dificuldades a serem enfrentadas pelos piscicultores dependem diretamente de sua proatividade e do poder de articulação para resolvê-las. As associações e cooperativas são importantes instrumentos para amparar o aumento organizado da criação de peixes, com ações coletivas que viabilizem a produção de forma sustentável, com menor custo e a promoção do bem-estar social. c. Acesso a políticas públicas Os agricultores familiares, grupo que inclui os piscicultores familiares, foram reconhecidos como sujeitos de direitos após lutas políticas com o apoio de movimentos sociais. Depois de muito empenho, conseguiram articular espaços de diálogo junto ao Estado para ampliar o exercício da cidadania e o acesso a recursos públicos, antes destinados quase exclusivamente aos grandes produtores. É importante refletir que a unificação de diversos grupos sociais em uma mesma categoria política promoveu muitos ganhos, mas também ocultou muitas diferenças produtivas e socioculturais internas à agricultura familiar. Nos últimos anos, alguns grupos começaram a discutir demandas mais específicas por reconhecimento, visibilidade pública e políticas que atendam às suas peculiaridades. Com isso, também reivindicam um olhar específico do Estado e da sociedade em relação às suas características socioculturais. Reflita 29 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Com o intuito de garantir a reprodução social da agricultura familiar e, sobretudo, consolidar seu papel de produtora de alimentos, diversas políticas públicas foram formuladas no Brasil, com destaque para: • o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), criado em 1995; • o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), de 2003; • a Lei da Agricultura Familiar, implementada em 2006; • as alterações no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no ano de 2009, e na Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), em 2010. Com o intuito de liberar crédito rural para a capitalização e o acesso daqueles agricultores que se encontravam parcialmente inseridos nos circuitos de inovação tecnológica e de mercado, foi criado o Pronaf, primeira política agrícola do país direcionada aos agricultores familiares. O objetivo era tornar consolidados esses produtores agrícolas em transição. Entretanto, constatou-se que o Pronaf privilegiou modelos produtivos convencionais, com baixa capacidade de absorção de mão de obra, alto grau de especialização e integrados aos mercados convencionais. Isso refletiu em desigualdade, uma vez que o maior volume de investimentos continuou nas regiões Sul e Sudeste do país, onde o processo de modernização da agricultura havia avançado mais rapidamente desde os anos 1960. Em um segundo momento, foi criado um conjunto de políticas socioassistenciais (Bolsa Família, Bolsa Verde, Programa Brasil Sem Miséria, Fome Zero etc.) para diminuir a pobreza rural não retratada pela iniciativa pública, provocada pelos efeitos negativos e pelas insuficiências verificadas nas políticas de crédito rural. Constatou-se que as políticas sociais têm sido fundamentais em áreas rurais empobrecidas, como no semiárido nordestino. Nessas regiões, foram observados melhores indicadores convencionais de desenvolvimento (por exemplo, redução da pobreza, diminuição de desigualdades sociais, incremento na renda, entre outros), que, provavelmente, não teriam sido alcançados apenas com políticas agrícolas. No entanto, essas políticas se mostraram menos exitosas na promoção da inclusão produtiva dos agricultores. Resultados mais positivos estão associados aos projetos voltados à construção de mercados para o fomento da segurança alimentar e ao estímulo à sustentabilidade ambiental. Nesse viés, a política mais impactante foi o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003 para articular a compra de alimentos produzidos no sistema de agricultura familiar com ações de segurança alimentar e nutricional para populações vulneráveis. 30 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Com a visibilidade do PAA e sua capilaridade, ele foi relevante para dinamizar as economias locais e fortalecer as organizações coletivas da agricultura familiar, inclusive com o debate a respeito da construção social de novos mercados agroalimentares. No ano de 2009, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, com algumas similaridades ao PAA, foi redesenhado e passou a exigir que, pelo menos, 30% dos recursos governamentais para a alimentação escolar fossem utilizados para aquisição de itens produzidos por agricultores familiarese seus empreendimentos coletivos. Curiosidade A formação de uma associação, cooperativa ou de outro grupo formalizado permite o acesso a diversas políticas voltadas à piscicultura, o que tem sido recorrente nos editais de chamadas públicas. Dificuldades como a carência de assistência técnica e a conquista do licenciamento ambiental são constantemente enfrentadas por piscicultores familiares. A ajuda especializada na área aquícola é um fator limitante ao desenvolvimento da criação de peixes, sendo em muitos países inexistente ou em número muito reduzido de técnicos habilitados para atender às demandas. No Brasil, em 2015, foram extintos o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA) e uma assistência técnica específica aos piscicultores familiares (e pescadores artesanais) conhecida como Assistência Técnica e Extensão Pesqueira e Aquícola (Atepa). Em relação às licenças ambientais, a falta de informação técnica e de diálogo entre as instituições responsáveis pela área fez com que os produtores de pescado se arriscassem na clandestinidade. 31 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Trabalhar em associações pode acelerar significativamente a resolução de muitos problemas. Além disso, a busca por parcerias contribui significativamente para potencializar as ações inerentes ao empreendimento coletivo, como é o caso do acesso às políticas públicas. Fo nt e: L im a et a l. (2 01 5, p . 1 11 ). Figura 9.7. Exemplo de fórum de uma associação de piscicultores 32 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Síntese Chegamos ao final do nono e último módulo do curso Criação Sustentável de Peixes Redondos. Aqui, você aprendeu a respeito do bem-estar animal nos procedimentos de despesca, pré-abate e abate, além de ter tido contato com noções de processamento do pescado e conservação e comercialização dos produtos. Também foi tema de estudo o planejamento da piscicultura, considerando gastos e lucros, e o trabalho coletivo na aquicultura. Foi um caminho repleto de conhecimentos para auxiliar na criação sustentável de peixes redondos. 33 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Glossário Autólise: processo pelo qual uma célula se autodestrói espontaneamente por fatores físicos ou químicos. Depuração: técnica que mantém os peixes em tanques com água em fluxo contínuo, para esvaziamento do trato intestinal antes do transporte ou para eliminar o sabor e o odor desagradáveis antes do abate. Ectotérmico: animal cuja temperatura corporal varia de acordo com a do ambiente. Hidrólise: ruptura de uma ligação química pela água. Nociceptor: é um receptor sensorial que, quando estimulado por uma ameaça em potencial ao organismo, responde emitindo o sinal responsável pela percepção da dor. Senciência: é a capacidade de os seres perceberem sensações e sentimentos de forma consciente. 34 Produção sustentável de Peixes Amazônicos I – Criação sustentável de peixes redondos Referências LIMA, A. F. et al. Manual de piscicultura familiar em viveiros escavados. Palmas: Embrapa, 2015. RODRIGUES, A. P. O. et al. Piscicultura de água doce: multiplicando conhecimentos. Brasília: Embrapa, 2013.
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