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símbolos e modelos. l Possui um discurso lacunar. l Explica a realidade a partir da visão de mundo da classe dominante. l Afasta o produtor do produto, para que ele não veja significado em seu trabalho – alienação. l Naturaliza os problemas sociais, criando valores de conduta. UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 168 3 ALIENAÇÃO Embora muitos autores compreendam a alienação enquanto um dos processos subjacentes à ideologia, ou uma das estratégias da ideologia no seu sentido negativo, o frequente uso desse termo e a importância desse conceito nos leva a analisarmos esse fenômeno em separado. Dada a complexidade e infinidade de significados que o termo acaba carregando, buscaremos discuti-lo. O vocábulo “alienação” talvez seja tão usado como o vocábulo “democracia” e com a mesma falta de rigor. O senso comum o utiliza constantemente como ofensa. Se você assiste a muita televisão é um alienado, se não assiste também. Se alguém se veste de forma diferente é alienado, se veste terno e gravata da mesma forma o é. Essa confusão de sentido e generalização bastante ampla do termo mostra o quanto que há falta de compreensão do assunto. Segundo Aranha e Martins (1993), etimologicamente, a palavra alienação vem do latim alienare e significa “que pertence a um outro” e é utilizada em vários sentidos. Em todos os sentidos utilizados, o homem alienado perde a compreensão do mundo em que vive e torna alheio à sua consciência um segmento importante da realidade em que se acha inserido. Embora possamos interpretar esse significado de inúmeras formas, Marx (1983) foi um dos teóricos que mais explorou o tema e excluído do senso comum, é esse o referencial teórico mais utilizado ao se referir à alienação. Nesta perspectiva Codo (1995) explora o termo de forma bastante minuciosa. Segundo ele, falarmos em alienação é falarmos do mistério de ser e não ser ao mesmo tempo. Como exemplo, temos o termo usado no comércio. Ao comprar um carro e não ter todo o dinheiro necessário você poderá pegar um empréstimo e seu carro passará a estar alienado. Nesse caso, o carro é e não é seu, já que você pagou e não pagou por ele. A própria Psicologia fez uso do termo “alienação mental”, passando a designar um estado patológico do indivíduo que se tornou alheio a si mesmo. Nesse estado, a pessoa acaba não podendo responder plenamente por seus atos. Aqui também a palavra alienação parece uma síntese da magia de ser e não ser. É, sobretudo, com Marx (1983) que o termo ganha destaque ao propor em sua leitura crítica que, no trabalho organizado pela sociedade capitalista ocorre uma ruptura, uma cisão entre o produto e o produtor, a partir do momento que o trabalhador produz o que não consome e consome o que não produz. Pior do que isso, muitas vezes produz e não consegue comprar o produto que produziu. Segundo Marx (1983), o trabalhador foi roubado. O conceito que explica esse processo é o conceito de mais-valia, termo utilizado por Marx como alicerce para o modo de produção capitalista. É importante destacar que em Marx o que quer que sejamos, somos pelo nosso trabalho. É o trabalho humano que marca a nossa existência e nos diferencia dos outros animais, por transformarmos o meio ambiente que nos rodeia nesse processo. TÓPICO 4 | IDEOLOGIA E ALIENAÇÃO 169 Mais-valia foi o termo utilizado por Marx (1983) para falar a respeito do lucro que sobra ao proprietário dos meios de produção (terras, empresas etc.), depois de descontadas todas as despesas. Por exemplo: um sofá é vendido pelo dono da fábrica por R$ 500,00. Um operário gasta 10 horas para fazer esse sofá. Recebe pelas 10 horas R$ 100,00. O material para o sofá custa mais R$ 150,00. Temos R$ 250,00. Os impostos (quando são pagos) mais R$ 50,00. São R$ 300,00. Mais uns R$ 50,00 para despesas com luz, reposição das máquinas quando estragadas etc., R$ 350,00. O dono da fábrica, ao vender o sofá por R$ 500,00, tem um lucro de R$150,00 que é a mais-valia, o lucro líquido que o capitalista tem, descontada toda a despesa. Para se obter a mais-valia, de acordo com Marx (1983), seria preciso que o possuidor do dinheiro descobrisse no mercado uma mercadoria que fosse fonte de valor, criação de mais-valia, ou então, que o dono da fábrica pudesse comprar por preço menor do que vale. E essa mercadoria existe: é a força de trabalho humano. No entanto, a força de trabalho dos homens não foi sempre mercadoria. Imaginando um artesão, um produtor independente que vendia o seu produto, ao não vender a sua força de trabalho, essa passa a não ser mercadoria. Isso se torna possível, porque o artesão é dono tanto de seu trabalho como de seus meios de produção, quer dizer, é dono de seus instrumentos e da matéria-prima que utiliza; em consequência, é dono também do produto que o seu trabalho produziu. A expansão capitalista, entretanto, liquidou a maior parte dos artesãos, que não puderam concorrer com as fábricas sempre crescentes. Endividavam-se e perdiam os seus meios de produção, até que nada lhes restasse para vender, a não ser a sua força de trabalho. Assim, o trabalhador foi forçado a procurar o capitalista para vender-lhe a sua força de trabalho, em troca de um salário e é isso que ocorre até hoje (CATANI, 1980). É nesses termos que o conceito de alienação pode ser entendido a partir de uma leitura marxista. Para Codo (1995, p. 31), “essa dupla relação – mercadoria e lucro – promove a ruptura entre o homem e o seu próprio gesto, entre a ação e o dono dela, entre o trabalho e o seu produtor; eis como a alienação é gerada na nossa sociedade”. Quando o nosso produto se apresenta como estranho a nós mesmos, alienamo-nos da nossa própria humanidade. O homem alienado passa a ser um estranho perante si mesmo e perante sua historicidade. Depositamos no trabalho (produto da ação humana sobre a natureza) nossa alma, e esse se transforma em uma mera mercadoria. Reflexão interessante é trazida por Codo (1995), ao afirmar que embora o processo de alienação sempre implique em uma alteração de consciência, isso não significa dizer que ela é apenas um produto da consciência humana. Vamos entender isso. O autor traz um exemplo a esse respeito e sugere imaginarmos dois trabalhadores. O primeiro não sabe que está alienado, acha natural que não participe dos lucros e/ou da mordomia do patrão. O segundo é um militante sindical, luta para eliminar a “exploração do homem pelo próprio homem”. E a pergunta que não quer calar: qual dos dois é alienado? Você respondeu, UNIDADE 3 | CATEGORIAS FUNDAMENTAIS EM PSICOLOGIA SOCIAL 170 o primeiro? Na verdade os dois são igualmente alienados, a diferença é que o segundo luta contra a alienação, sabe a causa dos seus males e tem uma proposta de como superá-los. Os dois sofrem do mesmo mal, estão alheios do produto do seu trabalho, sua força de trabalho é vendida ao dono da fábrica como uma mercadoria qualquer. Vale ressaltar que, nos dias de hoje, o termo alienação acaba também sendo entendido como a falta de capacidade do indivíduo de pensar e agir por si próprio, o que acaba tendo uma certa sintonia com a alienação proposta por Marx (1983), embora, nesse caso, o termo tenha uma conotação mais abrangente. Nessa ótica, Tomelin e Tomelin (2004) afirmam que pode ser considerado alienado aquele que faz a vontade alheia sem perceber as incoerências a que é submetido. Nesse sentido, a alienação passa a ter uma relação bastante próxima com a ideologia no seu sentido negativo. UNI A seguinte figura, embora busque enfatizar o conceito de mais-valia utilizado por Marx e enquanto base para a sobrevivência do modo de produção capitalista (exploração do homem pelo próprio homem), deixa claro o quanto somos alienados e o quanto que tomados pela ideologia dominante não nos damos conta de muitos processos a que somos