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Bactérias Grampositivas e Gram-negativas Essa unidade tem como Objetivos de Aprendizagem: Conceitual: Compreender os diferentes grupos bacterianos envolvidos na saúde humana. Procedimental: Utilizar, em variados contextos, o conhecimento adquirido para levantar hipótese diagnóstica. Atitudinal: Ser consciente do uso de medidas profiláticas na prevenção de doenças infecciosas bacterianas. PARA SUA REFLEXÃO Após avaliação de um paciente com queixa de corrimento, dor ao urinar ou dor durante a relação sexual, o médico confirmou infecção bacteriana e iniciou a terapia antimicrobiana. Para esse paciente foi recomendado a suspensão de relações sexuais durante o tratamento e o uso de camisinha em relações sexuais futuras. Por que esse paciente precisa usar camisinha mesmo depois do tratamento? TERMOS-CHAVE: Gram-positivo. Gram-negativo. Bacilos. Cocos. 2 | Agentes Infecciosos Cocos Gram-positivos Resgatando os conceitos da aula 1, os cocos Gram-positivos (CGP) são um grupo heterogêneo de bactérias cocóides com uma espessa parede celular rica em peptideoglicano. Existem várias espécies de CGP de importância para a saúde humana, pertencente a dois gêneros principais Staphylococcus e Streptococcus. Estes dois gêneros compreendem os microrganismos mais frequentemente isolados em amostras biológicas humanas e podem ser facilmente diferenciados pela detecção da enzima catalase, presente nos Staphylococcus e ausente nas espécies de Streptococcus. Staphylococcus spp O gênero Staphlococcus é composto de 37 espécies, 17 delas podem ser isoladas de amostras biológicas humanas. São caracterizados pelo formato esférico, com cerca de 0,5 a 1,5 µm de diâmetro, corando- se positivamente na coloração de Gram. Apresentam atividade de catalase, são imóveis, não formadores de esporos e geralmente não- encapsulados. A melhor temperatura para crescimento se dá em torno de 18 °C a 50 °C. Quanto à habilidade de utilizar o oxigênio, os estafilococos são classificados como facultativos, podendo viver em meios aeróbios e anaeróbios. Também são capazes de crescer em meios contendo alta concentração de sal e, portanto, são importantes contaminantes de alimentos salgados, como o charque. Ao microscópio óptico, estas bactérias podem ser visualizadas em células isoladas, aos pares, em cadeias curtas, ou agrupadas irregularmente (com aspecto semelhante a um cacho de uvas), devido a divisão celular que ocorrem em três planos perpendiculares, dando Agentes Infecciosos | 3 origem ao nome do gênero derivado do grego: staphylé, que significa “cacho de uva”. As espécies desse gênero são largamente disseminadas no ambiente sendo o homem e outros animais o seu principal reservatório. Muitas espécies são isoladas de partes específicas do corpo humano ou de certos animais, sendo considerado um microrganismo de importância clínica. Figura 1. Arranjo em “cacho de uva” de Staphylococcus sp. SAIBA MAIS! TEXTO: 4 | Agentes Infecciosos http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-20611998000200011 https://www.youtube.com/watch?v=u5Qr1meqNAQ Para quase todos os propósitos clínicos, essas bactérias podem ser divididas naquelas que produzem coagulase (positiva ou negativa), uma enzima que coagula a fibrina no sangue, e naquelas que não o fazem. Cepas coagulase negativas são membros da microbiota normal humana, como a espécie Staphylococcus epidermidis, e muito comuns na pele, onde representam cerca de 90% da microbiota normal, sendo consideradas patogênicas apenas quando a barreira da pele é rompida ou invadida por procedimentos médicos, como a inserção de cateteres venosos e válvulas cardíacas. Tipicamente, formam biofilmes na superfície do catéteres dificultando sua remoção. Em um hospital terciário de Fortaleza-Ceará, 57,8% das infecções de corrente sanguínea (bacteremia) causadas por CGP são S. epidermidis. Agentes Infecciosos | 5 Este resultado indica a importância da educação continuada, padronização das técnicas de coleta de sangue para o diagnóstico de infecções da corrente sanguínea e engajamento da equipe médica para a redução de infecções relacionadas à assistência à saúde (IRAS). Outra espécie de Staphylococcus coagulase negativa que possui relevância clínica é S. saprophyticus, presente na microbiota normal da pele, região periuretral e mucosas das vias urinárias. É frequentemente isolado de infecções do trato urinário e merece atenção especial por ser um patógeno bem documentado e a segunda causa mais frequente de cistites em mulheres jovens e homens a partir dos 50 anos. Quadro1– Espécies de Staphylococcus encontrados no homem. A espécie mais patogênica do grupo é Staphylococcus aureus, que produz a enzima coagulase, o que a distingue das demais espécies de importância médica. Quase todos os indivíduos sofreram ou sofrerão algum tipo de infecção causada por essa espécie ao longo da vida. 6 | Agentes Infecciosos Por estar associado às passagens nasais, esse microrganismo pode ser facilmente transportado para a pele. Uma vez na pele, ele pode entrar no corpo através das aberturas naturais da barreira cutânea, como os folículos pilosos. Essas infecções caracterizam as foliculites, comumente identificadas como pelos encravados ou terçol, quando ocorrem na base da pálpebra. Uma extensão da foliculite é denominada furúnculo, caracterizado por nódulos dolorosos e achatados. Quando os furúnculos coalescem, formam o carbúnculo, adentrando o tecido subcutâneo. Por este motivo, os pacientes experimentam sinais sistêmicos como calafrios e febre. Outra lesão cutânea típica de S. aureus é o impetigo. Trata-se de uma infecção superficial que afeta principalmente crianças, iniciando pela face e membros. A lesão inicial é uma mácula (macha) pequena que evolui para pústula (vesíula com pus) e culminando na formação de crostas. É comum observar vesículas em diferentes estágios devido a contaminação secundária. No ambiente hospitalar, são importantes causas de bacteremia, osteomielite e pneumonia associada à ventilação mecânica. Para além das infecções, esta bactéria também produz diferentes tipos de toxinas envolvidas em intoxicações alimentares, do estrato granulomatoso da pele e sistêmica. Nas intoxicações alimentares, o indivíduo é contaminado pela ingestão de toxinas termoestáveis produzidas pela bactéria e presentes no alimento, cuja fonte provável da contaminação primária é o manipulador. As carcaterísticas organolépticas dos alimentos comumente não são alteradas. Após ingestão da toxina, a doença tem início abrupto e rápido, com vômitos, diarreia, dores abdominais e náuseas durando cerca de 24 horas. Nestes casos, não é recomendado o uso de antimicrobianos, uma vez que a doença é provocada pela toxina e não pelo crescimento do microrganismo. Agentes Infecciosos | 7 A síndrome da pele escaldada é mais comum em crianças e jovens e é caracterizada pelo surgimento de um eritema perioral que se dissemina em dois dias. Em seguida, podem ser observadas bolhas e descamação da pele. O impetigo bolhoso é uma forma localizada da síndrome da pele escaldada. A síndrome do choque tóxico estafilocócico (SCT) é uma condição grave, iniciada pelo crescimento local do microrganismo produtor de toxina com subsequente liberação para a corrente sanguínea. Nessa condição potencialmente fatal, febre, vômitos e erupções semelhantes a queimaduras solares são seguidas de choque e eventualmente a falência dos orgãos, em especial os rins. A SCT se tornou conhecida como resultado da associação entre o crescimento estafilocócico e o uso de um novo tipo de tampão vaginal altamente absorvente. Essa correlação é especialmente alta se o tampão permanece no lugar por um longo período de tempo. Os Staphylococcus spp. podem causar doenças em virtude de sua capacidade de multiplicação e ampla disseminação nos tecidos,bem 8 | Agentes Infecciosos como pela produção de muitas substâncias extracelulares, algumas dessas enzimas e outras consideradas toxinas, embora possam atuar como enzimas. Muitas das toxinas estão sob controle tanto cromossômico quanto extracromossômico. Em outros casos, o mecanismo de controle genético não está bem definido. Quadro 2 – Fatores de virulência de Staphylococcus aureus. ENZIMAS TOXINAS Coagulase Citotoxinas Catalase Esfoliatinas (A, B) Hialuronidase Toxina-1 da síndrome do choque tóxico Fibrinolisina Enterotoxinas (A-E, G-I) Lipase Nuclease Penicilinase A colonização por S. aureus pode ser transitória ou persistente O agente com maior poder patogênico é S. aureus, reconhecido como um grande problema mundial, responsável por infecções relacionadas à assistência à saúde e comunitárias e resistentes à maioria dos antimicrobianos utilizados. Agentes Infecciosos | 9 e pode se prolongar por longos períodos. Em algumas populações específicas, como usuários de drogas endovenosas, pacientes portadores de diabetes mellitus, pacientes em uso de cateteres venosos de longa permanência e trabalhadores da área da saúde, este microrganismo é mais frequentemente encontrado como colonizante. Estes patógenos apresentam grande facilidade em se disseminar nos ambientes intra e inter-hospitalares pela facilidade de sobreviver no meio ambiente. SAIBA MAIS! TEXTO 1: TEXTO 2 http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 21002017000600651&lang=pt http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103- 21002017000600651&lang=pt 10 | Agentes Infecciosos Tratamento A maioria dos indivíduos abriga Staphyococcus spp. na pele, no nariz ou na garganta. Mesmo que se fosse possível remover os Staphylococcus spp. da pele, ocorreria uma reinfecção quase imediatamente por perdigotos. Como os microrganismos patogênicos se disseminam geralmente a partir de uma lesão local para as outras áreas da pele por meio dos dedos ou das roupas, é importante realizar uma rigorosa assepsia local para controlar a furunculose reciditivamente. Abcessos e outras lesões supurativas fechadas são tratados por drenagem e terapia antimicrobiana. A bacteremia, endocardite, pneumonia e outras infecções causadas por S. aureus exigem tratamento intravenoso prolongado com penicilina resistente a β-lactamase. Mais de 90% das espécies de Staphylococcus são resistentes a penicilina pela produção de uma enzima (β-lactamase) capaz de degradar o anel beta-lactâmico da droga, inativando-a. Na década de 60, foi identificada pela primeira vez cepas de S. aureus resistentes a meticilina (MRSA), uma penicilina semi-sintética resistente à ação das β-lactamases. Para estes casos, é recomendado o uso de vancomicina, um glicopeptídeo. Porém, nos últimos anos o aumento da Concentração Inibitória Mínima (CIM) à Vancomicina, entre diversas cepas de MRSA isoladas de pacientes hospitalizados, levaram os clínicos a procurar outras terapias. Devido à alta frequência de cepas resistentes, é conveniente realizar o antibiograma (teste realizado em laboratório para a detecção Agentes Infecciosos | 11 do perfil de sensibilidade ou resistência à fármacos) para direcionar a terapia antimicrobiana.] Streptococcus spp. Os Streptococcus spp. são bactérias Gram-positivas e esféricas (0,5 a 1,25 µm de diâmetro) que de maneira típica formam pares ou cadeias durante o seu crescimento, e estão distribuídos em ampla escala pela natureza. São imóveis (sem flagelos), não formam esporos. Podem possuir cápsula, que constitui um dos mais importantes fatores de virulência, protegendo-os da fagocitose e do reconhecimento do sistema imunológico, assim permitindo a sobrevivência, multiplicação e disseminação para vários orgãos. Diferente dos Staphylococcos, estes não possuem a enzima catalase. Figura 2. Arranjo em “colar” de Streptococcus sp. 12 | Agentes Infecciosos PARA SUA REFLEXÃO Os estreptococos estão entre os agentes mais frequentemente relacio- nados a enfermidades humanas. Quais os processos infecciosos mais comumente encontrados em seres humanos? Algumas espécies são membros da microbiota normal dos seres humanos, enquanto outros estão associados a patologias importantes, atribuíveis diretamente à infecção pelo Streptococcus spp. ou indiretamente pela própria resposta imunológica contra esses agentes. Os Streptococcus spp. formam um grupo heterogêneo de bactérias, de modo que nenhum sistema é suficientemente adequado para classificá- los. No entanto, entender sua taxonomia é a chave para se entender sua importância clínica. Os diferentes tipos de reações provocadas em meio de cultura sólido contendo 5% de sangue de carneiro (ágar sangue) têm sido utilizados na classificação de estreptococos (padrão de hemólise). A identificação de antígenos de Lancefield (substância da parede celular específica do grupo) e a observação de diferentes reações bioquímicas também são utilizadas para classificação. SUGESTÕES Agentes Infecciosos | 13 SAIBA MAIS! TEXTO: vídeo: http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v33n12/v33n12a04.pdf http://www.scielo.br/pdf/rbgo/v33n12/v33n12a04.pdf 14 | Agentes Infecciosos Classificação de Streptococcus spp A. Hemólise Muitos Streptococcus spp. são capazes de hemolisar hemácias in vitro em vários níveis, sendo identificado três padrões: Alfa-hemólise (α): É caracterizada por uma lise parcial dos eritrócitos com redução da hemoglobina e formação de um pigmento esverdeado no meio de cultura ao redor da colônia. Beta-hemólise (β): É caracterizada pela lise completa dos eritrócitos, pela ação da estreptolisina S, com clareamento em torno da região da colônia. Gama-hemólise (y): É caracterizada pela ausência de hemólise. Cepas desses microrganismos não hemolíticos, ou d-hemolíticos, não causam modificação no meio de ágar sangue de carneiro. Figura 3 – Padrão de hemólise. B.Substância específica do grupo (classificação de Lancefield) Este carboidrato encontra-se presente na parede celular de muitos Streptococcus spp. e forma as bases do grupamento sorológico nos grupos de Lancefield. A especificidade sorológica do grupo é Agentes Infecciosos | 15 determinada por aminoaçúcar, como mostrado a tabela a seguir: Grupo de Lancifield Antígeno A Ramnose-N-acetil glicosilamina B Ramnose-glicosamina C Ramnose-N-acetil galactosamina D Glicerol—ácido teicóico F Glicopiranosil-N-acetil galactosamina C. Polissacarídeos capsulares A especificidade antigênica dos polissacarídeos capsulares é utilizada para classificar espécies de S. pneumoniae em 90 tipos e tipar os estreptococos do grupo B. Os antígenos capsulares constituem a base da vacina contra o pneumococo denominada vacina pneumocócica (10-valente, 13-valente, 23-valente) disponível no rede pública. Importância Clínica Ao menos quatro espécies são importantes para saúde humana: Streptococcus pyogenes Esta espécie pertence ao grupo A de Lancifield e produz colônias β-hemolíticas em ágar sangue. Dentre os vários fatores que virulência que possui, a proteína M é uma das mais importantes. Esta proteína se projeta na superfície celular e é dividida em duas classes. Dentre as principais afecções relacionadas a S. pyogenes, destacamas a faringite (principal agente etiológico bacteriano), infecções respiratórias, otite impetigo, erisipela, endocardites, menigites e artrites. Infecções por cepas produtoras de toxinas podem causar a febre 16 | Agentes Infecciosos da escarlatina (língua de morango) e choque tóxico estreptocócico. A faringite por S. pyogenes é a infecção mais comum e pode evoluir com sequelas não supurativas (imunomediada) como a febre reumática, enquanto as piodermites podem evoluir para a glomerulonefrite aguda. Streptococcus agalactie Pertencem ao grupo B de Lancifield e tipicamente são β-hemolíticos, com zonas de hemólise ligeiramentemaiores do que as próprias colônias (1 a 2 mm de diâmetro). Os estreptococos do grupo B hidrolisam o hipurato de sódio e produzem uma resposta positiva no denominado teste de CAMP(Christie, Atkins, Munch- Peterson). Estes microrganismos fazem parte da mcirobiota vaginal normal e do trato gastrintestinal baixo em 5 a 25% das mulheres. Infecções durante o primeiro mês de vida podem causar sespe fulminante, meningite ou síndrome da angústia respiratória. Algumas condições(neoplasias, imunodeficiência e diabetes mellitus) podem predispor adultos a infecções por este patógeno, causando bacteremia, endocardite, infecções de pele e tecidos mole, pneumonia e osteomielites. Streptococcus do grupo viridans Este grupo de bactérias faz parte da microbiota normal da cavidade oral, trato gastrintestinal e trato genital, e frequentemente são considerados contaminantes quando isolados de hemoculturas (cultura do sangue). Entretanto, sua presença pode estar associada a endocardite subaguda, especialmente em portadores de próteses valvares, sendo S. Agentes Infecciosos | 17 sanguis, S. mitis, S. oralis e S. gordonii os agentes mais encontrados. A rápida destruição das valvas leva frequentemente a falência cardíaca fatal em dias ou meses, a menos que possa ser inserido uma protése durante a antibioticoterapia microbiana. Com frequência, os estreptococos viridans estão associados a sintomas subagudos. As espécies S. mutans e S. sobrinus são isoladas de placas dentárias e cáries, sendo importante na odontologia. Streptococcus pneumoniae Os pneumococos (S. pneumoniae) são diplococos Gram-positivos que frequentemente exibem forma de lanceta e dipõem-se em pares ou cadeias. Não estão incluídos na classificação de Lancifield e exibem um padrão de hemólise do tipo alfa. São organismos capsulados que podem ser tipados utilizando antissoros específicos. Sua patogênicidade é responsável por cerca de 75% dos casos de pneumonias em adultos e por mais de 50% dos casos fatais na bacteremia pneumocócica. Os pneumococos provocam doenças em virtude de sua capacidade de multiplicação nos tecidos facilitada pela presença da cápsula que impede ou retarda a ingestão de fagócitos. Figura 4 – Streptococcus pneumoniae capsulado em amostra de escarro. 18 | Agentes Infecciosos Derrame pleural é a complicação mais comum, e empiema é a de maior gravidade. O S. pneumoniae é o principal agente das pneumonias bacterianas em idosos e crianças até cinco anos, sendo estimadas 40.000 mortes anuais em todo o mundo. TRATAMENTO Como os pneumococos são sucetíveis a muitos antimicrobianos, o tratamento precoce, em geral, resulta em uma rápida recuperação. A penicilina G é o fármaco de escolha, embora a resistente a esta droga já tenha sido descrita. A penicilina G em altas doses, com CIM para penicilina abaixo de 8 μg/ml (ponto de interrupção da resistência) parece eficaz no tratamento da pneumonia causada por pneumococos, mas pode não ser no tratamento de menigites causadas pela mesma cepa. Bacilos Gram-positivos Dois importantes gêneros de bacilos Gram-positivos são importantes para a saúde humana: Clostridium e Bacillus. A principal característica Agentes Infecciosos | 19 destes gêneros é a produção de esporo, uma estrutura altamente resistente ao calor, dessecação e agentes químicos de desinfecção (consultar unidades 1 e 3). Clostridium spp Os clostrídeos são bacilos Gram-positivos grandes, anaeróbios e móveis. Muitos decompõem proteínas ou formam toxinas, e alguns fazem ambos os processos. Seu habitat natural é o solo ou o trato intestinal de animais e seres humanos, onde vivem como saprófitas. Figura 5 - Clostridium visto pela microscopia eletrônica de varredura. O gênero Clostridium é extremamente heterogêneo e mais de 190 espécies foram descritas. A lista de microrganismos patogênicos, bem como de novas espécies isoladas de fezes humanas, cujo potencial patogênico permanece indeterminado, continua a crescer. Os clostrídeos provocam diversas doenças importantes mediadas por toxinas, incluindo tétano (Clostridium tetani); botulismo (Clostridium botulinum); gangrena gasosa (Clostridium perfringens) e colite pseudomembranosa (Clostridium SUGESTÕES 20 | Agentes Infecciosos difficile). Em geral, os esporos dos clostrídeos são maiores do que o diâmetro dos bacilos nos quais se formam. Nas várias espécies, o esporo é de localização central, subterminal ou terminal, o que pode auxiliar na identificação. Figura 6 – Esporos de clostrídeo. Esporos centrais Esporos Terminais Esporos Subterminais Os clostrídeos crescem em condições anaeróbias e, em geral, se multiplicam satisfatoriamente em meios enriquecidos com sangue e outros meios de cultura empregados para o cultivo de anaeróbios. Muitos clostrídeos produzem uma zona de β-hemólise em ágar sangue. Clostridium botulinum O C. botulinum, responsável pelo botulismo, tem distribuição mundial, sendo encontrado no solo e, às vezes, em fezes de animais. Os tipos de C. botulinum distinguem-se pelo tipo de antigênico de toxina que produzem. Os esporos dos microrganismos são altamente resistentes ao calor, suportando temperaturas de 100ºC por várias horas. A resistência ao calor diminui em pH ácido ou em altas concentrações de sal. Agentes Infecciosos | 21 Toxinas São conhecidas sete variedades antigênicas de toxina botulínica (A a G). Os tipos A, B, E e F constituem as principais causas de doença humana. As cepas que produzem toxinas E e F estão associadas ao botulismo infantil. Mecanismo de ação Após a ingestão da toxina esta se liga a receptores de membranas pré-sinápticas de neurônios motores do sistema nervoso periférico e de nervos cranianos. A proteólise – pela cadeia leve da toxina do botulismo – de proteínas-alvo SNARE nos neurônios inibe a liberação da acetilcolina na sinapse, resultando em ausência de contração muscular e paralisia. As proteínas SNARE são a sinaptobrevina, a SNAP 25 e a sintaxina. Figura 7 - Ação da toxina do botulismo. 22 | Agentes Infecciosos Saiba mais http://www.revistarevinter.com.br/autores/index.php/toxicologia/ article/view/352/564 vídeo https://www.youtube.com/watch?v=LwWmCEV6lN4 SUGESTÕES Agentes Infecciosos | 23 Patogênese A maioria dos casos de botulismo é representado por intoxicação em decorrência da ingestão de alimentos nos quais o C. botulinum cresceu e produziu toxina. Os alimentos mais comumente envolvidos são os condimentados, defumados, embalados a vácuo ou alcalinos enlatados, ingeridos sem cozimento e nos quais os esporos do C. botulinum germinam. Em condições anaeróbias, as formas vegetativas crescem e produzem toxina. No botulismo infantil, o mel é o veículo mais frequente de infecção e a patogênese difere da via pela qual o adulto adquire a infecção. A criança ingere esporos de C. botulinum e os esporos germinam dentro do trato intestinal. As células vegetativas produzem toxina quando se multiplicam e a neurotoxina é então absorvida pela corrente sanguínea. Manifestações clínicas Os sintomas aparecem cerca de 18 a 24 horas após a ingestão do alimento contaminado com a toxina e consistem em distúrbios visuais incapacidade de deglutir e dificuldade na fala. Os sinais de paralisia bulbar são progressivos e comumente a morte ocorre por paralisia respiratória ou parada cardíaca. Os sintomas gastrintestinais não são regularmente proeminentes e a febre não é relatada. A taxa de mortalidade é elevada. Diagnóstico e Tratamento O processo de diagnóstico do botulismo geralmente começa com um exame físico feito pelo próprio médico no consultório. Nesta consulta, o profissional poderá pedir outros exames neurológicos, de imagem e 24 | Agentes Infecciosos laboratoriais para completar a investigação e confirmar o diagnóstico. Podem ser realizados, também,exames de sangue para identificar a toxina no organismo e exame de fezes, além de exames laboratoriais no alimento suspeito de conter a bactéria transmissora do botulismo. O êxito do tratamento do botulismo está diretamente relacionado à precocidade com que é iniciada e às condições do local onde será realizada. O tratamento deve ser realizado em unidade hospitalar que disponha de terapia intensiva (UTI), tendo em vista que diminuem as chances de óbito nesse tipo de unidade. Basicamente, o tratamento da doença apoia-se em dois conjuntos de ações: tratamentos de suporte e tratamento específico. a) Tratamento de suporte: as medidas gerais de suporte e monitorização cardiorrespiratória são as condutas mais importantes no tratamento do botulismo. b) Tratamento específico: visa eliminar a toxina circulante e a sua fonte de produção, o C. botulinum, pelo uso do soro antibotulínico (SAB) e de antibióticos. http://www.scielo.br/pdf/rsbmt/v44n3/v44n3a30.pdf SUGESTÕES Agentes Infecciosos | 25 Bacillus spp Dentre as espécies de Bacillus, as mais estudadas são B. anthracis e B. cereus. O antraz já foi utilizado como arma biológica, em 2001, contra a casa branca nos Estados Unidos. E com as mudanças climáticas graduais, o degelo nas regiões mais frias do globo tem exposto esporos de B. antrachis. A espécie B. cereus é oportunista e pouco virulenta. Está relacionada a doenças gastroenterites, infecções oculares e sepse relacionada ao uso de catéter. É conhecida como doença do arroz, e sua investigação em uma série de alimentos é prevista pela RDC nº 12 da ANVISA. Cocos Gram-Negativos São relativamente poucas as espécies de cocos Gram-negativos de importância médica, no entanto, as poucas espécies são altamente impactantes na saúde humana. Chlamydia spp As clamídias que infectam os seres humanos são divididas em três espécies principais: Chlamydia trachomatis, Chlamydia pneumoniae e Chlamydia psittaci. Todas as clamídias exibem características morfológicas semelhantes. São consideradas Gram-negativas e carecem de mecanismos para a produção de energia metabólica e, portanto, se multiplicam no citoplasma da célula do hospedeiro por um ciclo de desenvolvimento distinto. 26 | Agentes Infecciosos Figura 7 – Alteração celular por Chlamydia sp em células esfoliativas. Chlamydia trachomatis A C. trachomatis é uma bactéria Gram-negativa, esférica ou ovalada e, diferente de outras bactérias, tem ciclo de vida intracelular obrigatório, não sendo cultivado em meios sintéticos. Estão entre as menores bactérias relatadas (0,2 - 1,3 mícrons). Apresenta tropismo pelos epitélios presentes na cérvix uterina, uretra, reto, pulmões e olhos. Dentro da célula hospedeira, formam inclusões citoplasmáticas. Já foram descritos 19 sorotipos diferentes dessa bactéria. SUGESTÕES Agentes Infecciosos | 27 Síndromes humanas por Chlamydia trachomatis Sorotipos Sexo Síndrome A, B, Ba, C Ambos Tracoma, conjuntivite, queratite Mulher Uretrite não gonocócica, cervicite, endometrite, salpingite, peri-hepatite D, E, F, G, H, I, J, K Homem Uretrite não gonocócica, prostatite, epididimite Ambos Conjuntivite, proctite, síndrome de Reiter Recém-nascidos Oftalmia neonatorum, pneumonia L1, L2, L3 Ambos Linfogranuloma venéreo Um em cada 4 homens com clamídia não apresenta sintomas, e somente cerca de 30% das mulheres infectadas manifestam os sinais comuns da doença. 28 | Agentes Infecciosos Manifestações clínicas A infecção por clamídia é uma importante IST (infecção sexualmente transmissível) que pode levar a infertilidade. Nas mulheres, pode haver dor ao urinar ou no baixo ventre (pé da barriga), aumento de corrimento, sangramento fora da época da menstruação, dor ou sangramento durante a relação sexual. Entretanto, é muito comum estar doente e não ter sintoma algum. Por isso, é recomendável procurar um serviço de saúde periodicamente, em especial se houve sexo sem camisinha. Nos homens normalmente há uma sensação de ardor e esquentamento ao urinar, podendo haver corrimento ou pus, além de dor nos testículos. É possível que não haja sintomas e o homem transmita a doença sem saber. Para evitar, é necessário o uso da camisinha em todas as relações sexuais. Tratamento O tratamento pode ser feito com azitromicina ou doxiciclina, podendo ainda variar dependendo da epidemiologia local. Agentes Infecciosos | 29 Saiba mais http://www.rpmgf.pt/ojs/index.php/rpmgf/article/view/12249 Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=TrugND1rHkw 30 | Agentes Infecciosos Neisseria spp Hás duas espécies de Neisseria de relevância para a medicina humana: N. meningitides (meningococo) e N. gonorrhoeae (gonococo). Este gênero compreende diplococos (aos pares) Gram-negativos imóveis e muitas vezes capsulados. Seu formato lembra um grão de feijão ou os rins, e por isso é chamado de reniforme. São bactérias exigentes nutricionalmente. E são positivas para o teste de oxidase. Em pacientes infectados, os diplococos são encontradas no interior de células polimorfonucleares. Figura 8 – N. gonorrhoeae no interior de leucócitos (diplococos) e fora da célula. N. gonorrhoeae A N. gonorrhoeae é o agente etiológico da gonorréria, doença transmitida por contato sexual ou perinatal. A bactéria possui vários fatores de virulência que inclui ação anti-fagocítica e adesão por meio dos pilis, além de exibir uma grande variedade antigênica. Agentes Infecciosos | 31 Manifestações clínicas Os fatores comportamentais estão entre os mais envolvidos no aumento do risco para contratir a doença, sendo mais comum entre os jovens sexualmente ativos. Nos homens, pode haver secreção uretral acompanhada de sensibilidade no epidídimo, no entanto, muitas vezes a infecção é assintomática. Nas mulheres, a primoinfecção é observada na cérvice e estende-se a uretra e vagina, com a presença de secreção mucopurulenta. A paciente ainda pode relatar disúria, sangramentos anormal e dispareunia. Em quadros mais graves, pode haver salpingite. Assim como a infecção por clamídea, se não tratada, pode levar a infertilidade (20% casos). No neonato, a oftalmia é contraída durante a passagem pela vagina durante o parto normal. Se não tratada precocemente pode levar a cegueira, sendo recomendado o uso do nitrato de prata no saco conjuntival. Diagnóstico Para o diagnóstico, é realizada colheita da amostra biológica e realizada a coloração de Gram, que possui alta especificidade e sensibilidade para diagnóstico da gonorréia. Em indivíduos assintomáticos, a carga microbiana baixa pode não evidenciar a presença do microrganismo sendo necessário realizar cultura. Tratamento O tratamento usual é a penicilina, mas devido a pressão seletiva pelo uso abusivo do medicamento, atualmente é recomendado a 32 | Agentes Infecciosos azitromicina ou uma cefalosporina (ceftriaxona), podendo ser de uso combinado. Faz parte do tratamento a abstinência sexual e o tratamento do parceiro. N. meningitidis Este microrganismo pode causar meningite ou meningococcemia (sepse). Meningites são processos agudos que ocasionam reação inflamatória nas meninges, sendo detectada no líquido céfalo-raquidiano (LCR). É caracterizada por dor de cabeça, febre e sinais meníngeos, tais como rigidez na nuca e sinais de Kernig e/ou Brudsinsky. A sepse meningocócia é uma doença grave e potencialmente fatal. Com quadros de trombose em múltiplos vasos sanguíneos, podendo ocorrer coagulação intravascular disseminada. O início da terapia antimicrobiana é recomendada antes mesmo do resultado da análise do líquor (que deve ser coletado antes da terapia). O paciente deve ser isolado, pois a transmissão se dá por gotículas respiratórias. A doença provocada por N. meningitides pode ser previnida pela vacina meningocócia prevista no calendário vacinal e disponível na rede pública.Agentes Infecciosos | 33 Saiba mais https://www.youtube.com/watch?v=Zwmmqeg1HCI Bacilos Gram-Negativos Muitos bacilos Gram-negativos (BGN) fazem parte da microbiota normal e são altamente disseminados no ambiente. O grupo maior e mais heterogêneo de BGN é a família Enterobacteriaceae. Os membros desta família são os mais relacionados a infecções nosocomiais, incluindo septicemia, infecção do trato urinário, respiratório, gastrointestinais e meningites. Para além destes, são incluídos no grupo dos BGN as bactérias não fermentadoras, representadas por Pseudomonas e Acinetobacter, dois importantes contaminantes do ambiente hospitalar; E Vibrio spp, cuja espécie mais conhecida, V. cholerae, provocou grandes surtos de coléra no Brasil na década de 90. 34 | Agentes Infecciosos Saiba mais Enterobacteriaceae A família é composta de bacilos Gram-negativos facultativos, com cerca de 0,3 a 6 µm de diâmetro, podem ser móveis ou imóveis e não formam esporos. Uma característica do grupo é a redução de nitrato a nitrito e a não produção da enzima oxidase. Estes testes são norteadores para a identificação do grupo. Vários gêneros desta família são importantes patógenos oportunistas para o homem, pois muitas espécies compõem a microbiota normal. Estão implicados na transmissão de doenças por alimentos (DTA) e são responsáveis por diversos casos de gastroenterites bacterianas, caracterizada por vômito, náusea e dor abdominal. A desidratação grave pela intensa perda de líquidos pode ser fatal. O grupo dos coliformes compreende os seguintes gêneros bacterianos: Enterobacter, Citrobacter, Klebsiella e Escherichia. A quantidade destes microrganismos deve ser investigada em diversos Agentes Infecciosos | 35 produtos alimentícios para o registro do produto, assegurando a segurança alimentar, de acordo com a legislação vigente (RDC nº 12). Saiba mais https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5142414/ Figura 9 – Sítios comuns de infecção por enterobactérias. 36 | Agentes Infecciosos Na clínica, os gêneros Klebsiella, Enterobacter e Escherichia são os mais isolados em infecções de corrente sanguínea e urinária. Os meios mais utilizados para o cultivo incluem a o ágar sangue e o ágar MacConkey. O tratamento é muito variável e está intimamente ligado a epidemiologia local. Atualmente, cepas resistentes circulam em diversos hospitais brasileiros, inclusive em Fortaleza-Ceará. A KPC (Klebsiella pneumoniae carbapenemase) é uma enzima detectada em várias enterobactérias que confere resistência aos carbapenêmicos, tais como: meropenem, ertapenem e meropenem, dificultando o tratamento. Esta resistência foi inicialmente detectada na espécia K. pneumoniae (dando origem ao nome), hoje, é compartilhada por diversos outros gêneros bacterianos. Agentes Infecciosos | 37 Bactérias Espiraladas e Micobactérias Objetivos de Aprendizagem: Conceitual: Compreender o espectro de doenças provocdas por micobactérias e bactérias espiraladas. Procedimental: Utilizar o conhecimento adquirido para a solicitação de exames diagnósticos adequados. Atitudinal: Ser consciente do uso de medidas profiláticas na prevenção de doenças infecciosas bacterianas. PARA SUA REFLEXÃO Um homem jovem e sexualmente ativo observou o surgimento de uma úlcera na glande, mas assim como surgiu, desapareceu. Como não foram observados outros sintomas, o jovem não buscou ajuda médica. Se você pudesse orientá-lo, quais seria a recomendação? TERMOS-CHAVE: Espiroquetas. Sífilis. Micobactérias. Tuberculose. Hanseníase. 38 | Agentes Infecciosos Espiroquetas As espiroquetas são bacilos Gram-negativos longos e delgados, com formato helicoidal, espiralado ou em saca-rolha, com cerca de 0,1 a 0,5 por 5 a 20 µm de diâmetro. Apesar de Gram-negativas, a coloração de Gram não é recomendado devido a espessura do microrganismo, dificultando a visualização por microscopia óptica convencional. Para estes casos, é recomendada a microscopia de campo escuro que contrasta com a fina bactéria. Figura 1. Espiroqueta em microscopia eletrônica. Estes microrganismos possuem uma bainha externa, formada de glicosaminoglicano. Abaixo da bainha externa encontra-se a membrana externa e o peptideoglicano que mantem a estrutura bacteriana. No espaço periplasmático (ver Aula 1) são encontrados os filamentos axiais (ou endoflagelos), cujo papel é similar ao flagelo e estão envolvidos na motilidade bacteriana. Mais internamente, encontra-se a membrana interna que confere estabilidade osmótica. As espiroquetas são bactérias móveis, que compreendem três gênero de importância médica: Treponema, Borrelia e Leptospira. Agentes Infecciosos | 39 Treponema A espécie Treponema pallidum subespécie pallidum é o agente etiológico da sífilis, uma infecção sexualmente transmissível (IST). Morfologicamente, estas espiroquetas possuem espirais regularmente espaçados, com aproximadamente 1 µm de distância entre cada uma delas. São ativamente móveis por meio de giros em torno do eixo. Este microrganismos não é cultivado em meios sintéticos e em cultura de células não sobrevivem por muitas gerações. O estudo metabólico das treponemas é melhor exemplificado por uma espécie saprófita (cepa de Reiter) que é microaerófila. A espécie patogênica T. pallidum é sensível a quantidades mínimas de penicilina, mas com ação lenta devido a inatividade metabólica e lentidão no tempo de geração, que é estimado em 30 horas. A utilização eficiente de penicilina (na maioria dos casos) se deve ao genoma altamente conservado da bactéria. A caracterização antigência de T. pallidum é limitada pelo fato de não ser cultiva in vitro. Apesar disso, foi identificado que proteínas de superfície estão associadas a adesão bacteriana. Cepas virulentas produzem hialuronidases que favorecem a dispersão perivascular, bem comosão revestidas de fibronectina do hospedeiro, evadindo a fagocitose. Mais de um milhão de ISTs são adquiridas todo dia, sendo estimado 18 milhões de casos de sífilis. 40 | Agentes Infecciosos Sífiis A infecção por T. pallidum é restrita ao homem. As lesões características na pele e nas mucosas são consequência da resposta imunológica. A transmissão é por via sexual e em cerca de até 20% dos casos a lesão primária se dá na região intrarretal, perianal ou oral. O curso clínico da doença é dividida em três fases: primária, seundária e tardia. A sífilis primária é carcaterizada pelo surgimento de lesões (cancro) na pele e mucosa que correspondem ao sítio de entrada do patógeno, onde houve a multiplicação inicial da bactéria. Em seguida, o treponema se dissemina para os linfonodos drenantes, desenvolvendo lifadenopatia regional, e alcança a corrente sanguínea. O cancro duro surge após 2 até 10 semanas após a entrada no microrganismos e apresenta-se, inicialmente, como um pápula com posterior ruptura central (úlcera). No exame histopatológico são visualizados infiltrados de linfócitos, plasmócitos, polimorfonucleares e macrófagos. A lesão sifílica primária cicatriza espontaneamente, dando a falsa impressão de cura. Figura 2 – Sífilis primária Quando não tratado, o paciente evolui para o estágio secundário, quando sinais de doença disseminada podem ser observados. Agentes Infecciosos | 41 Tipicamente, surgem exantemas maculopapulares no corpo todo, incluindo as palmas das mãos e as solas dos pés. Na região anogenital, axila e boca podem surgir pápulas pálidas. Além destes sinais, podem surgir febre, dor de garganta, cefaleia, anorexia e linfadenopatia. Todos estes sinais e sintomas também desaparecem espontaneamente e o paciente entra em latência. Nas lesões da sífilis primária e secundária há grandes quantidades de espiroquetas e, portanto, são altamente contagiosas. A sífilis pode evoluir para o terceiro estágio, sífilis terciária, onde qualquer tecido pode estar acometido peladoença. Na pele, fígado e ossos desenvolvem-se lesões granulomatosas. No cérebro e coração há alterações degenerativas. Nesta fase, as espiroquetas são escarsas, mas podem ser encontradas nos olhos ou sistema nervoso central. Outra apresentação clínica da síflis é a congênita, adquirida a partir da 10ª semana gestacional. Alguns bebês sofrem aborto, outros morrem ao nascer, e aqueles que sobrevivem apresentam má formação, com ceratite, cegueira, nariz em sela, periostite e anomalias no sistema nervoso central. Quando a gestante é tratada adequadamente o bebê pode ser poupado. A detecção do anticorpo IgM anti-treponêmico na criança indica que ela foi infectada. Figura 3 – Sífilis secundária 42 | Agentes Infecciosos Saiba mais Diagnóstico Diversas amostras podem ser obtidas para o diagnóstico da sífilis, incluindo sangue, líquor e líquido obtido das lesões. A microscopia em campo escuro pode trazer resultados rápidos, mas exigem que microbiologistas experientes analisem a amostra para oservação das espiroquetas móveis, o que exige que a coleta seja próxima do local de análise. Outra possibilidade é utilizar a imunofluorescência que fiz os treponemas em uma lâmina de vidro e os recobre com anticorpos anti- treponema fluorescentes, não sendo necessário a viabilidade bacteriana para sua observação. Agentes Infecciosos | 43 Figura 4 - Imunofluorescência para diagnóstico de treponema. Como mencionado anteriormente, o T. pallidum não é cultivável, sendo assim, o método mais utilizado para diagnóstico da sífilis é o sorológico. Os testes sorológicos podem ser dividido em treponêmicos e não-treponêmicos. Os ensaios não-treponêmicos são amplamente utilizados para o rastreio e monitoramento da sífilis por serem mais baratos, de fácil execução e apresentarem bons resultados. Dentre os métodos propostos, o VDRL (Veneral Disease Research Laboratory) e RPR (Reagina Plasmática Rápida) são os mais usuais. Nestes ensaios, a cardiolipina é utilizada como antígeno. Nos estágios iniciais da doença os testes não- treponêmicos têm baixa sensibilidade. Por outro lado, para a detecção de neurosífilis é recomendado o uso de VDRL. Os testes treponêmicos são confirmatórios e mais precisos. Atualmente vários imunoensaios estão disponíveis. Um dos métodos mais conhecidos é o FTA-ABS (Fluorescent Treponemal Antibody-Absoption), que utiliza um método de imunofluorescência indireta para detectar anticorpos anti-treponema na amostra do paciente. Neste ensaio, a bactéria é imobilizada e utilizada como antígeno. A interpretação dos resultados negativos deve ser cuidadosa em pacientes com AIDS (Acquired Immunodeficiency Syndrome). 44 | Agentes Infecciosos Em testes não-treponêmicos a titulação diminui com o tratamento da doença e servem para monitorar a eficácia da terapia. Em crianças, títulos elevados podem representar imunização passiva (transferência da mãe para o bêbe). Assim, em crianças que não foram infectadas, a titulação diminui a níveis não detectáveis em três meses, enquanto naquelas infectadas os títulos permanecem elevados. Tratamento A penicilina é o tratamento de escolha para a sífilis. Na sífilis primária é recomendada a utilização de penicilina benzantina e para a síflis secundária e terciária, a penicilina G. Em pacientes alérgicos, a penicilina pode ser substituída por tetraciclina ou doxiciclina. Não há vacina para a sífilis. A prevenção se dá por meio da prática de sexo seguro e tratamento do parceiro de um indivíduo infectado. Saiba mais CURSO ONLINE GRATUITO: https://www.telelab.aids.gov.br/index.php/component/k2/item/95- diagnostico-de-sifilis Agentes Infecciosos | 45 Micobactérias As micobactérias pertencem ao gênero Mycobacterium que consiste em bacilos aeróbios, imóveis e acidorresistentes (BAAR), que significa a capacidade de reter a fucsina mesmo após tratamento com uma mistura de álcool e ácido clorídrico, sendo utilizado no diagnóstico a coloração de Ziehl-Neelsen (ver Aula 1). Embora, tipicamente, apresentem formas ramificadas longas de 0,2-10 µm de diâmetro, estes bacilos podem ser visualizados em formas bacilares retas, encurvados ou cocobacilares. Figura 5 – Mycobacterium tuberculosis corado com Ziehl-Neelsen. Devido a complexidade da parede celular rica em lipídeos, com ácidos micólicos, as micobactérias são nutricionalmente exigentes e por este motivo apresentam um crescimento lento quando cultivados em laboratório. A natureza hidrofóbica da parede também contribui para aumentar a resistência a desinfetantes comuns e a alguns corantes. Os principais patógenos são Mycobacterium tuberculosis e M. leprae, além destas, micobactérias atípicas (complexo M. avium e M. kansasii) podem provocar doença similar a tuberculose (tuberculose- like), porém são menos frequentes. 46 | Agentes Infecciosos Mycobacterium tuberculosis Mycobacterium tuberculosis (MTB), ou bacilo de Koch, é uma espécie de bactéria patogênica do gênero Mycobacterium e o agente causador da maioria dos casos de tuberculose (TB). Descoberta pela primeira vez em 1882 por Robert Koch, M. tuberculosis tem uma camada incomum de cera em sua superfície celular (principalmente ácido micólico), o que torna as células impermeáveis à coloração de Gram. Nos tecidos, o bacilo da tuberculose consiste em bastonetes retos e finos, aeróbicos obrigatórios, medindo cerca de 0,4 x 3 µm de diâmetro, apresentando crescimento lento (20 horas ou mais de tempo de geração). Algumas vezes formam filamentos e tendem a crescer em cachos. Na superfície de um meio líquido seu crescimento parece ter forma de bolor, o que sugeriu o nome do gênero Mycobacterium. A doença afeta todas as idades e ambos sexos. As micobactérias tendem a ser mais resistentes a agentes químicos do que as outras bactérias e os bacilos da tuberculose são resistentes ao ressecamento e sobrevivem por longos períodos em escarro a seco. Agentes Infecciosos | 47 Saiba mais VÍDEO: https://www.youtube.com/watch?v=IkMs1V4BnDA CURSO ONLINE GRATUITO: https://telelab.aids.gov.br/index.php/component/k2/item/105-baixar1- tuberculose-diagnostico-laboratorial-baciloscopia SUGESTÕES 48 | Agentes Infecciosos Patogênese da tuberculose As micobactérias são emitidas em gotículas menores que 25 µm de diâmetro quando pessoas infectadas tossem, espirram ou falam. Quando inalados, são depositados nos alvéolos. Uma vez no interior do alvéolo, o sistema imunológico do hospedeiro responde com a liberação de citocinas e linfocinas que estimulam monócitos e macrófagos. As micobactérias iniciam sua multiplicação no interior dos macrófagos, alguns desenvolvem maior habilidade de matar o microrganismo, enquanto outros podem ser mortos pelo bacilo. Após 1 a 2 meses da exposição, as lesões patogênicas associadas a infecção surge nos pulmões. A resistência e a hipersensibilidade do hospedeiro influenciam fortemente no desenvolvimento da doença e no tipo de lesão observada. O desenvolvimento de lesões, assim como sua cicatrização ou progressão, são determinadas principalmente (1) pelo inóculo e multiplicação subsequente, e (2) pelo tipo de hospedeiro. Há dois tipos de lesões principais: 1. Tipo exsudativa - Consiste em uma lesão inflamatória aguda com edema, leucócitos polimorfonucleares e, posteriormente, monócitos ao redor dos bacilos da tuberculose. Esse tipo de lesão é observado particularmente no tecido pulmonar, assemelhando-se à pneumonia. 2. Tipo produtiva – consiste de um granuloma crônico, com três zonas: uma área central de células gigantes multinucleares contendo bacilos da tuberculose, uma zona de células pálidas com frequência dispostas de modo radial, e uma zona periférica de fibroblastos, linfócitos e monócitos. Posteriormente, verifica- Agentes Infecciosos | 49 se a formação de tecido fibroso periférico e a área central sofre necrose caseosa. Tal lesãoé denominada tubérculo. Os bacilos da tuberculose propagam-se no hospedeiro por extensão direta via canais linfáticos, corrente sanguínea, brônquios e trato gastrintestinal. Manifestações Clínicas Como o bacilo da tuberculose pode afetar qualquer órgão, suas manifestações clínicas são inúmeras: • Fadiga • Fraqueza • Perda de peso • Febre • Tremores noturnos • Dor no peito • Tosse com sangue Todas as pessoas que se infectam pelo M. tuberculosis adoecem? Não. Estima-se que 10% das pessoas que se infectam com o bacilo da tuberculose desenvolvam a doença (5% nos primeiros dois anos após a infecção e 5% tardiamente). 50 | Agentes Infecciosos Diagnóstico As pessoas infectadas apresentando tuberculose respondem com imunidade mediada por células contra a bactéria. Essa forma de resposta imunológica se desenvolve em lugar da imunidade humoral porque o patógeno está localizado principalmente dentro dos macrófagos. Essa imunidade, envolvendo células T sensibilizadas é a base para o teste de turbeculina (PPD), um teste de triagem para a infecção. Figura 6 - Teste de PPD O passo inicial para o diagnóstico laboratorial de casos ativos é um exame microscópico de esfregaço como o escarro, exsudatos ou outros materiais. A coloração de lavado gástrico e de urina não é recomendada, uma vez que bactérias saprofíticas podem estar presentes e fornecer uma cor positiva. As amostras processadas de locais não estéreis e as centrifugadas Agentes Infecciosos | 51 de locais estéreis podem ser cultivadas diretamente em meios seletivos e não seletivos. A cultura seletiva em caldo é com frequência o método mais sensível e fornece resultados mais rapidamente. Em um meio de ágar seletivo (ex. Lowestein-Jensen ou Middlebrook) a incubação deve ser efetuada a 35-37 °C em 5 a 10% de CO2 durante um período de até 8 semanas. O exame radiográfico também pode ser útil para o diagnóstico de tuberculose. Figura 7 – Cultivo de M. tuberculosis em meio Lowestein-Jensen. Tratamento O tratamento primário da infecção micobacteriana é a quimioterapia específica. Nos primeiros meses são utilizados no tratamento da tuberculose izoniazida, rifampicina, pirazinamida e etambutol. Nos quatro últimos meses, são mantidos apenas a izoniazida e a rifampicina. 52 | Agentes Infecciosos Mycobacterium leprae Também conhecido por bacilo de Hansen, em homenagem ao seu decobridor em 1873, a bactéria Mycobacterium leprae é o agente etiológico da hanseníase. Esta é uma das doenças mais antigas que se tem conhecimento, com casos registrados há mais de 4.000 anos em países asiáticos. No mundo, foram registrados 214.783 casos novos de hanseníase em 2016, destes, mais de 25 mil casos foram registrados somente no Brasil, que atualmente ocupa a segunda posição dentre os países mais afetados pela doença. Até 1976 era recomendado o isolamento compulsório de pacientes hansênicos no Brasil. A bactéria é transmitida de pessoa-a-pessoa e está relacionada a longos períodos de exposição íntima com doentes na forma transmissora. As secreções nasais são, provavelmente, as fontes mais infecciosas. Em diversos países endêmicos, foi identificado que o tatu apresenta a forma A baciloscopia de controle é importante porque permite avaliar o sucesso ou a falência do tratamento. Para isso, é indispensável que esse controle seja realizado, pelo menos, ao final do 2º, 4º e 6º mês de tratamento. O ideal é fazer a baciloscopia ao final de cada mês. Com os resultados mensais, o médico pode construir uma Curva Baciloscópica. Agentes Infecciosos | 53 lepromatosa da doença e representa uma fonte provável de infecção. A doença acomete indivíduos de qualquer faixa etária ou sexo e apresenta um período de incubação que pode variar de 2 a 10 anos. É uma doença ligada ao fator sócio-econômico. Hanseníase A hanseníase é uma doença curável mas que pode deixar sequelas. Devido sua magnitudade e potencial incapacitante constitui um importante problema de saúde pública. Caracteriza-se por ser uma doença crônica que afeta a pele e os nervos periféricos. A apresentação clínica da doença está intimamente ligada ao estado imunológico do paciente. Tem início insidioso e afeta os tecidos mais frios do corpo, tais como a pele, os nervos superficiais, o nariz, a laringe, os olhos e os testículos. Os pacientes hansênicos podem apresentar lesões cutâneas maculares, nodulares ou infiltrações. Os distúrbios neurológicos ocorrem pela infiltração nos nervos levando a quadros anestésicos com neurite, parestesia, reabsorção óssea e até encurtamento de falanges. Quando não tratados, a desfiguração pode ser intensa. Há duas formas polares de hanseníase: lepromatosa e tuberculoide. A forma lepromatosa é também chamada de virchowiana. Esta é a forma mais grave da doença, com evolução progressiva de lesões nodulares e acometimento simétrico dos nervos periféricos. As lesões mais comuns incluem manchas esbranquiçadas ou avermelhadas, pápulas, infiltrações, tubérculos e nódulos. Outros sintomas que precisam ser valorizados envolvem edema nas mãos e nos pés, febre, artralgia, entupimento e ressecamento nasal e mal-estar geral. Esta forma constitui uma doença sistêmica com manifestações mucosas e viscerais importantes, especialmente nos episódios reacionais. Nestes pacientes, 54 | Agentes Infecciosos a imunidade celular está deficiente o que favorece a proliferação bacteriana (multibacilar) no interior de macrófagos e nas células de Schwann nos nervos periféricos. Na forma multibacilar, o padrão Th2 que promove a liberação de interleucinas (IL) IL-4, IL-10 e IL-13, responsáveis pela desativação dos macrófagos, aumenta a proliferação bacilar. Pacientes com esta forma de hanseníase são negativos para o teste cutâneo. Por outro lado, em pacientes paucibacilares, há poucos bacilos e forte resposta imune celular, caracterizando a forma tuberculoide. A doença tem início súbito, com acometimento assimétrico dos nervos periféricos, mas que apresenta um curso benigno e não progressivo devido a vigorosa resposta imune. No exame histopatológico, há intenso infiltrado de linfócito T auxiliares (Th). A resposta imune parece ser regulada pela subpopulação celular com padrão Th1 que libera as citocinas IL-2, IL-12, IL-18 e IFN-α, que promovem ativação dos macrófagos, resultando em uma resposta efetiva contra os bacilos. As alterações nos nervos periféricos envolvem sensações térmicas, dolorosas e/ou tátil. Entre as formas polares, há uma variedade de formas boderline, que combina manifestações da forma tuberculoide e virchowiana. Figura 8 – Hanseníase tuberculoide (esquerda) e virchowiana (direita). Agentes Infecciosos | 55 Diagnóstico Um diagnóstico preciso reúne dados histopatológicos obtidos através da biópsia, associado ao quadro clínico, ao teste cutâneo da lepromina (ou Mitsuda) e aos achados na coloração de Ziehl-Neelsen. As amostras utilizadas são raspados de pele ou mucosas. Comumente é coletado amostras do lobo da orelha. Figura 9 – Coleta de amostra no lobo da orelha para diagnóstico da hanseníase. Tratamento O tratamento de primeira linha é feito com dapsona e rifampicina por até nove meses em pacientes paucibacilares e para os multibacilares é adicionado a clofazimina com duração de até dezoito meses. A prevenção pode ser feita com a administração da vacina BCG, a mesma utilizada para prevenção da tuberculose. A vacina reduz os casos em até 80%, especialmente nas formas multibacilares. 56 | Agentes Infecciosos Saiba mais VÍDEO http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/janeiro/31/2018- 004-Hanseniase-publicacao.pdf Agentes Infecciosos | 57 Objetivos de Aprendizagem: Conceitual: Compreender a diversidade da estrutura fúngica e as micoses mais comuns aos homens. Procedimental: Utilizar,em diversos contextos, o conhecimento sobre o comportamento fúngico. Atitudinal: Ser consciente do papel de promotor da saúde, trazendo esclarecimento sobre as micoses superficiais e cutâneas tão comuns em nosso meio. PARA SUA REFLEXÃO Pessoas que apresentam manchas esféricas avermelhadas na pele podem aumentar a chance de desenvolver lesão nas unhas? TERMOS-CHAVE: Fungos, Micoses superficiais, Dermatófitos. Biologia dos Fungos, Micoses Superficiais e Cutâneas. 58 | Agentes Infecciosos Biologia dos Fungos Ao longo dos últimos dez anos, a incidência de infecções importantes causadas por fungos tem aumentado, principalmente em ambientes hospitalares e em indivíduos imunodeprimidos. Além disso, milhares de doenças causadas por fungos afetam plantas economicamente importantes, custando mais de um bilhão de dólares por ano. Os fungos são seres eucarióticos, isto é, apresentam uma membrana nuclear que envolve os cromossomos e o nucléolo. Por não possuírem pigmentos fotossintéticos, capazes de absorver energia luminosa e utilizá-la para síntese de compostos orgânicos, classificam- se como seres heterotróficos, pois aproveitam a energia contida nas ligações químicas de vários nutrientes. Quase todas as plantas dependem de simbiose com fungos, conhecidas como micorrizas, que auxiliam as raízes das plantas a absorverem minerais e água do solo. Os fungos realizam respiração celular ou fermentação para obtenção de energia, e sua reserva energética é sob a forma de glicogênio. São organismos ubíquos, pois estão presentes em qualquer parte do planeta. Figura 1 - Estrutura da célula fúngica Agentes Infecciosos | 59 Características dos fungos As colônias dos fungos são descritas como estruturas vegetativas porque são compostas de células envolvidas no catabolismo e no crescimento. Há dois tipos de fungos: leveduras e bolores. O crescimento em forma de bolor (fungos filamentosos) ocorre pela produção de colônias filamentosas multicelulares que consistem em túbulos cilíndricos ramificados, denominados hifas. A massa de hifas emaranhadas que se acumula durante o crescimento ativo é conhecida como micélio. Algumas hifas são divididas por paredes transversais ou septos, que tipicamente aparecem a intervalos regulares durante o crescimento das hifas. Essas hifas são chamadas de hifas septadas. Em algumas poucas classes de fungos, as hifas não contêm septos e se apresentam como células longas e contínuas com muitos núcleos. Elas são chamadas de hifas cenocíticas. Figura 2 – Hifas fúngicas. A porção de uma hifa que obtém nutriente é chamada de hifa vegetativa e aquela envolvida com a reprodução é a hifa reprodutiva ou aérea, assim chamada porque se projeta acima da superfície sobre a qual o fungo está crescendo. As hifas aéreas frequentemente sustentam os esporos reprodutivos. 60 | Agentes Infecciosos Figura 3 - Hifas aéreas e vegetativas. As leveduras são fungos unicelulares, não filamentosos, tipicamente esféricos ou ovais. Da mesma forma que os fungos filamentosos, as leveduras são amplamente distribuídas na natureza: com frequência são encontradas como um pó branco cobrindo frutas e folhas. As leveduras de brotamento, como Saccharomyces, dividem-se formando células desiguais. No brotamento, a célula parental forma uma protuberância (broto) na sua superfície externa. À medida que o broto se alonga, o núcleo da célula parental se divide, e um dos núcleos migra para o broto. O material da parede celular é então sintetizado entre o broto e a célula parental, e o broto acaba se separando. Algumas leveduras produzem brotos que não se separam uns dos outros; esse brotos formam uma pequena cadeia de células denominadas pseudo-hifa. Agentes Infecciosos | 61 Figura 4 - Estrutura das leveduras. Saiba mais TEXTO http://revista.uninga.br/index.php/uningareviews/article/vi ew/1613/1224 62 | Agentes Infecciosos VÍDEO https://www.youtube.com/watch?v=qjg6nbS7CFg&list=PL- 7DL7BmpqH-toqx3tArlgSWjXxXR5zWI A espécie Candida albicans, um fingo oportunista para o homem, se fixa nas células epiteliais humanas na forma leveduriforme, mas normalmente necessita estar na forma de pseudo-hifas para invadir os tecidos mais profundos. As leveduras de fissão, como Schizosaccharomyces, dividem-se produzindo duas novas células iguais. Durante a fissão binária, as células parentais se alongam, seus núcleos se dividem, e duas células filhas são produzidas. Alguns fungos, mais notadamente as espécies patogênicas, exibem dimorfismo, ou seja, há duas formas de crescimento. Tais fungos podem crescer tanto na forma de fungos filamentosos quanto na forma de levedura. O dimorfismo nos fungos patogênicos é dependente, principalmente, de temperatura: 37ºC o fungo apresenta forma de levedura e a 25ºC exibe forma filamentosa. Agentes Infecciosos | 63 Figura 5 – Pseudo-hifas de C. albicans. Ciclo de vida Fungos filamentosos podem reproduzir-se assexuadamente pela fragmentação de suas hifas. Além disso, tanto a reprodução sexuada quanto a assexuada em fungos ocorrem pela formação de esporos. Os esporos são formados a partir das hifas aéreas de diferentes maneiras, dependendo da espécie. Os esporos dos fungos podem ser assexuais ou sexuais. Os esporos assexuais são formados pelas hifas de um organismo. Quando esses esporos germinam, tornam-se organismos geneticamente idênticos ao parental. Os esporos sexuais resultam da fusão de núcleos de duas linhagens opostas de cruzamento de uma mesma espécie do fungo. 64 | Agentes Infecciosos Figura 6 – Dimorfismo de Mucos indicus dependente da concentração de CO2. Na superfície do meio: leveduras, no centro da colôna: filamentoso. O tipo de reprodução sexuada divide os fungos em filos. Há três filos fúngicos de importância médica: Zigomiceto, Ascomiceto e Basidiomiceto. Saiba mais TEXTO http://www.ufjf.br/microbiologia/files/2013/10/3. Reprodu%C3%A7%C3%A3o-e-Taxonomia-dos-Fungos.pdf Agentes Infecciosos | 65 Figura 7 - Classificação dos fungos. As estruturas de reprodução fúngicas são úteis para o diagnóstico e podem ser complementados pela análise de estruturas de ornamentação (quando estão presentes) cuja função ainda é desconhecida mas auxiliam no diagnóstico. A primeira e a mais famosa de todas as substâncias medicamentosas extraída dos fungos foi a penicilina, antibiótico natural derivado de um fungo, o bolor do pão Penicillium chrysogenum (ou P. notatum), descoberto em 15 de setembro de 1929 por Alexander Fleming, e está disponível como fármaco desde 1941, sendo o primeiro antibiótico a ser utilizado com sucesso e a ser produzido industrialmente. 66 | Agentes Infecciosos Os fungos podem ser cultivados em laboratório usando meios de cultura sintéticos, tais como o ágar batata, Mycosel e Sabouraud. A análise fúngica se dá pela observação de macrocolônia e pela microscopia através da observação das estruturas de reprodução. Figura 8 – À esquerda, colônica fúngica, e à direita, microscopia óptica. Micoses superficiais As micoses superficiais são infecções causadas por fungos que invadem as camadas mais superficiais da pele ou a haste livre dos pêlos. As lesões se manifestam como manchas hiper ou hipopigmentadas. Pitiríase versicolor A pitiríase versicolor, conhecido por pano branco, é uma infecção superficial leve e crônica do extrato córneo, que apresenta lesões em placas hipo ou hiperpigmentadas, escamosas e de bordas delimitadas, que podem confluir cobrindo extensas áreas do corpo. A região cervical, ombros, tórax anterior e posterior são as áreas mais frequentemente afetadas. O agente etiológico dessa micose é a Malassezia sp., uma levedura Agentes Infecciosos | 67 lipodependente e polimórfica que, em parasitismo, se apresenta como células leveduriformes globosas ou ovais agrupadas e filamentos curtos, septados e irregulares. A leveduraé considerada como parte da microbiota cutânea humana, colonizando o hospedeiro já nas primeiras semanas de vida, com prevalência elevada na população adulta. O fungo tem sido associado a outras entidades clínicas como doenças com componente seborréico, fundamentalmente a dermatite seborréica, onicomicose e infecções sistêmicas. A pitiríase versicolor apresenta distribuição mundial, sendo mais frequente em regiões de clima tropical ou subtropical. A doença acomete indivíduos de todas as raças e de ambos os sexos. Os adultos entre 20 e 40 anos são os mais comumente afetados. Patogenia O polimorfismo de Malassezia spp. observado na pitiríase versicolor depende de vários fatores, que até hoje não foram bem esclarecidos. É possível que a hipocromia nas lesões seja causada pela presença de ácido azelaico, que tem atividade antirosinase, interferindo, assim, na melanogênese. Na epiderme e derme, apresentam-se hiperqueratose e leve acantose, além de infiltrado perivascular. Um dos primeiros eventos na patogênese da dermatite seborréica é a migração de células inflamatórias, que ocorre após o aumento do número de leveduras dentro da epiderme e sobre esta. Manifestações clínicas A pitiríase versicolor é geralmente assintomática, mas as lesões são facilmente identificadas pelo clínico. Com frequência as lesões 68 | Agentes Infecciosos apresentam-se como máculas finamente descamativas, de bordas bem definidas, mas de tamanho, forma e cor variáveis. Figura 9 – Ptiríase versicolor (pano branco). Diagnóstico A partir das lesões de pitiríase versicolor, deve-se obter material clínico composto por escamas, as quais são coletadas com auxílio de bisturi estéril ou raspando a lesão com lâmina de vidro. Também se A denominação versicolor é devida a essa variabilidade na coloraçõa das lesões, que podem ser brancas ou hipopigmentadas a vermelhas ou marrons, denominadas hiperpigmentadas. Agentes Infecciosos | 69 descreve a coleta com fita adesiva transparente, mas somente pode ser utilizada para fazer o exame microscópico direto. Figura 10 – Diagnóstico laboratorial usando KOH 20% (acima) ou azul de metileno (abaixo). Figura 11 – Diagnóstico laboratorial com isolamento em meio de cultura. Tratamento São utilizados no tratamento de ptríase versicolor agente ceratolíticos e antifúngicos azólicos. vestuário. 70 | Agentes Infecciosos Saiba mais TEXTO Micoses cutâneas Dermatofitoses As dermatofitoses compreendem uma variedade de manifestações clínicas causadas por um grupo de fungos, denominados dermatófitos, que produzem lesões na pele, pêlos ou unhas. Os fungos dermatófitos degradam queratina e pertencem aos gêneros Epidermophyton, Microsporum e Trichophyton. Há, reconhecidamente, 27 espécies patogênicas para o homem, dentre as quais 15 ocorrem no Brasil. Destas, as principais são: Trichophyton rubrum, Epidermophyton floccosum, T. mentagrophytes, Microsporum canis, M. gypseum e T. tonsurans. Os fungos dermatófitos apresentam em comum: estruturas filamentosas, hialinas, septadas, algumas vezes com artroconídios (um tipo de estrutura reprodutora), são queratinofílicos, passíveis de colonizar e causar lesões clínicas em pêlos e/ou extrato córneo de homens e Agentes Infecciosos | 71 animais. As dermatofitoses estão entre as infecções mais prevalentes no mundo. Figura 12 – Dermatófitos. Trichophyton Microsporum Epidermophyton Os dermatófitos são classificados como geofílicos, zoofílicos ou antrofílicos, de acordo com o seu habitat normal: solo, animais ou seres humanos, respectivamente. Figura 13 - Algumas características clínicas das dermatofitoses. 72 | Agentes Infecciosos Patogenia A instalação de um processo patogênico por dermatófitos em pele glabra (teoricamente livre de pêlos) inicia-se sempre pela inoculação de um artroconídio ou fragmento de hifa depositado sobre a pele, favorecido por uma lesão cutânea ou escoriação preexistente, mesmo que esta seja mínima. Manifestações clínicas Os aspectos clínicos das lesões dermatofíticas são bastante variados e resultam da combinação da destruição da queratina associada a uma resposta inflamatória, mais ou menos intensa, na dependência da relação parasita/hospedeiro. A variação clínica da lesão, portanto, está intimamente correlacionada a três fatores: espécie de dermatófito envolvida no processo infeccioso, sítio anatômico e resposta imunológico do hospedeiro. Existem duas formas de classificação clínica das dermatofitoses: uma que segue a corrente inglesa e que denomina todas as infecções de tinea (em latim), associada a uma outra palavra (também em latim), que aponta o sítio anatômico da lesão, por exemplo: tinea corporis (localização no corpo), tinea capitis (couro cabeludo), etc. Já a outra classificação clínica segue a corrente francesa e classifica as dermatofitoses em tinhas ou tinea (qualquer lesão dermatofítica que acometa o couro cabeludo e/ou região de barba e bigode), epidermofitíases (lesões dermatofíticas encontradas em região de pele glabra) e onicomicoses dermatofíticas (lesões em unhas). Agentes Infecciosos | 73 Saiba mais TEXTO http://crescendoemcultura.blogspot.com/2013/11/dermatofitoses.html TEXTO https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3217571/mod_resource/ content/1/2.%20Dermatofitoses.pdf 74 | Agentes Infecciosos Figura 13 – Dermatofitoses. Tineas do corpo. De cima para baixo, da esquerda para a direita: infecções fúngicas de a) cabelo (tinea capitis); b) face; c) braço (tinea corporis); d) close-up de micose; e) torso com anéis concêntricos (tinea imbricata / tinea corporis); f) virilha (tinea cruris); g) teia do dedo do pé (tinea pedis); h) pé (tinea pedis); e i) unhas (onicomicoses). Diagnóstico O diagnóstico clínico das dermatofitoses, como de outras infecções fúngicas, passa por três fases distintas: a pré-analítica, quando é feita a indicação e a colheita do material clínico (raspagem); A analítica, na qual o exame é propriamente realizado no laboratório (cultura e microscopia) e emitido o resultado final; E, por último, a pós-analítica, quando se pode estocar o patógeno para estudos futuros. Agentes Infecciosos | 75 Tratamento Existem duas modalidades de tratamento: tópico e com medicações sistêmicas por via oral ou antifúngicos sistêmicos. Em quadros cutâneos localizados, o tratamento de escolha são os antifúngicos em creme, pomada, spray ou loção, que podem ser aplicados uma a duas vezes ao dia por 15 a 30 dias, dependendo do quadro clínico e da extensão da dermatofitose. Existem no mercado vários antifúngicos tópicos. Dentre estes, o mais específico para os fungos dermatófitos é o cloridrato de terbinafina. Existem outros antifúngicos eficazes que podem ser utilizados. Os azólicos (itraconazol, fluconazol) são os mais usados no nosso meio porque têm um amplo espectro de ação (atuam sobre vários microrganismos). Em quadros mais extensos de dermatofitose do corpo, onicomicose e também em dermatofitose do couro cabeludo, o tratamento de escolha são antifúngicos sistêmicos. Esta modalidade não dispensa o tratamento tópico. O tratamento tem duração média de 15 a 30 dias para dermatofitose do corpo, dos pés e da virilha, 90 dias para dermatofitose do couro cabeludo, 6 meses para onicomicose das mãos e 1 ano para onicomicose dos pés. 76 | Agentes Infecciosos Básica MURRAY, P. R.; ROSENTHAL, K. S.; PFALLER, M. A.; Microbiologia médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. NEVES, D. P. et al. Parasitologia humana. 12. ed. São Paulo: Atheneu, 2012. TRABULSI, L. R.; ALTERTHUM, F. Microbiologia. 5. ed. São Paulo: Atheneu, 2008. Complementar KONEMAN, E.W.; Diagnóstico microbiológico: texto e atlas colorido. 5. ed. Rio de Janeiro: MEDSI, 2001. REY, L. Bases da parasitologia médica. 3. ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 2010. SANTOS, N. S. O.; ROMANOS, M. T. V.; WIGG, M. D.; Introdução à virologia humana. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. SIDRIM, J. J. C.; ROCHA, M. F. G.; Micologia médica à luz de autores contemporâneos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. VERMELHO, A. B.; Práticas de microbiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. REFERÊNCIAS Agentes Infecciosos | 77 ANOTAÇÕES
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