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“Inflammation is a process, not a state.” (Adams, 1926) Introdução Uma das grandes preocupações dos setores envolvidos com a saúde no mundo hoje é com o aumento da expectativa de vida dos indivíduos (WHO, 2015). A expressão “expectativa de vida” representa uma conjuntura de fatores que vêm sendo amplamente discutidos e que é, em última análise, um reflexo do desenvolvimento sociocultural e tecnológico presenciado em todo o mundo nas últimas décadas. De acordo com a Organização Mundial da Saúde a expectativa de vida ao nascimento no Brasil em 2013 era de 75 anos, sendo que no Japão, país com grande longevidade, esse número sobe para 84 anos (WHO, 2015). Discutir aterogênese e estabelecer um vínculo com a população idosa pode parecer um contrassenso, entretanto, as estatísticas mostram que a aterosclerose e suas complicações trombóticas representam a maior causa de morte direta e indireta no mundo e nessa faixa etária (Rich, 2014). O conhecimento dos fatores de riscos principais, bem como novos insights sobre a fisiopatogenia da aterosclerose, nos trouxeram uma visão global de onde devemos intervir e quais devem ser nossas metas principais para a prevenção. Nos idosos, a idade avançada é por si só um fator de risco importante e, quando agregada aos outros fatores, temos um aumento substancial do risco de eventos (Félix-Redondo et al., 2013). Existem inúmeras questões que ainda precisam ser respondidas e uma delas é o papel que a influência genética e ambiental tem naqueles que sobrevivem aos eventos ateroscleróticos precoces. De acordo com o que conhecemos da história natural da aterosclerose, as placas atingem a maturidade por volta da 3a/4a década de vida (Figura 40.1) e, após essa fase, podemos ter a evolução para agudização e/ou estabilização das mesmas, com as consequências clínicas conhecidas de todos nós (Wick e Grundtman, 2012). O entendimento fisiopatológico do que acontece de diferente na evolução dessa doença nesses indivíduos, o que influencia a cronicidade e o perfil da aterosclerose obstrutiva nos idosos além da busca de novos marcadores de risco têm sido o grande paradigma atual. Figura 40.1 Evolução no tempo da aterosclerose. Modelos causais da doença aterosclerótica | Considerações De acordo com uma revisão, existem três modelos básicos que podem explicar o surgimento, bem como a prevalência, da doença aterosclerótica no mundo (Lotufo, 1996). O modelo anglo-saxão ou clássico é aquele representado pelo surgimento da doença após o advento dos fatores de risco considerados, até hoje, clássicos para a doença aterosclerótica (DA): hipercolesterolemia, tabagismo e hipertensão arterial (Tegos et al., 2001). Já o modelo eslavo, descrito no Leste Europeu, é representado pelo que chamamos de estresse oxidativo; ocasionado por uma dieta sem elementos antioxidantes, tabagismo e estresse (Madamanchi et al., 2005). O terceiro modelo seria o latino, que é representado por países mediterrâneos, com uma variante luso- brasileira: modelo que mais se aproxima da resistência à insulina – obesidade, hipertensão arterial e diabetes. Nesse caso, é importante destacarmos o papel que o aumento da obesidade/diabetes pode representar no aumento da aterogênese. Atualmente existe uma proposta de modelo em que se misturam o estresse oxidativo e as alterações metabólicas advindas do diabetes (hiperglicemia, resistência à insulina etc.) (Georgiopoulos et al., 2015). Os fatores propostos pelos pesquisadores para o desenvolvimento da aterosclerose seriam LDL- colesterol elevado e modificado, radicais livres liberados como consequência do ato de fumar, hipertensão, diabetes melito, alterações genéticas, microrganismos infecciosos e combinações destes ou de outros fatores. Os estudos epidemiológicos tradicionais identificaram hipercolesterolemia, tabagismo, sexo masculino, hipertensão, obesidade, diabetes e idade como fatores de risco. Além disso, o papel do sistema imune modulando a aterogênese está sendo definido (Tegos et al., 2001). Sabemos que os fatores de risco tradicionais como o diabetes e a hipertensão estimulam uma resposta imune pró-inflamatória, que contribui de maneira significativa para uma progressão da DA. Por exemplo, os produtos finais da glicação associados ao diabetes aumentam a produção de citocinas pela célula endotelial vascular. Com os efeitos do angiotensina II, a hipertensão também pode gerar uma resposta pró-inflamatória vascular (Ahmed, 2005). Há mais de 100 anos, Osler sugeriu uma ligação entre o desenvolvimento da aterosclerose e a infecção, que funcionaria como um estimulador óbvio da resposta imune (Osler, 1892). Atualmente temos vários agentes postulados como possíveis fatores causais. Essa associação tem sido estudada em detalhes para ajudar no desenvolvimento de vacinas contra a doença vascular aterosclerótica (Dyer et al., 2006; Puijvelde et al., 2008). A simples análise desses modelos e com todas as publicações atuais sobre diferenças entre as diversas etnias nos trazem à tona um dado importante: cada região deve conhecer muito bem seus problemas e ter seus registros de saúde investigados, para que a abordagem preventiva e terapêutica seja eficaz. O conhecimento científico deve ser utilizado com base nas evidências, mas de forma individualizada. Contexto histórico A despeito de considerarmos a doença aterosclerótica como uma doença do mundo moderno, ela já havia sido descoberta nas artérias das múmias egípcias há mais de 3.500 anos (Ruffter, 1911). Teve sua descrição inicial feita, provavelmente, por Leonardo da Vinci. Em uma ilustração de lesões arteriais na necropsia de um homem idoso, demonstrou a aparência macroscópica das artérias ateroscleróticas e ainda sugeriu que o espessamento da parede do vaso poderia ser devido à alimentação excessiva do sangue. O termo arteriosclerose foi introduzido pelo cirurgião francês, nascido alemão, e patologista Johann Lobstein muitos anos mais tarde, em 1833. Lobstein considerava a arteriosclerose como um endurecimento da parede arterial causado pela remodelação do tecido em resposta ao envelhecimento, disfunções metabólicas e estresse hemodinâmico (Lorkowski e Cullen, 2007). O médico alemão Felix J. Marchand utilizou pela primeira vez, em 1904, o termo aterosclerose (palavra de origem grega athero = gruel = pasta e skleros = endurecimento) para enfatizar as características macroscópicas da doença (Introcaso, 2001). Uma das primeiras teorias sobre a aterosclerose foi postulada por Rudolf Virchow, patologista alemão e estadista, em 1853. Por meio do exame de lesões ao microscópio, propôs que essa doença deveria ser resultado de um processo inflamatório crônico da íntima do vaso (Lorkowski e Cullen, 2007). Em 1973, o patologista norte-americano Russell Ross publicou uma revisão sobre a aterosclerose e ■ ■ ■ propôs a teoria da lesão endotelial e consequente inflamação no desenvolvimento da aterosclerose. Ross tem inúmeras publicações sobre o tema, e sua teoria persiste até os dias de hoje, com acréscimos de conhecimento trazidos pela biologia molecular e pelos inúmeros métodos de imagem acoplados no estudo das características das placas in vivo (Ross e Glomset, 1973; Ross, 1993; 1999). No Quadro 40.1 apresentamos as primeiras teorias sobre aterosclerose. Quadro 40.1 Aterogênese – teorias. Teoria da “incrustação” (camadas) Proposta por Rokitansky, em 1851, sugere que a aterosclerose começa na íntima com o depósito do trombo com subsequente organização pela infiltração de fibroblastos e secundária deposição lipídica Teoria lipídica/proliferativa Em 1856, Virchow propôs que a aterosclerose iniciava-se com a infiltração lipídica na parede arterial e sua interação com elementos celulares e extracelulares, causando “proliferação intimal” Teoriada resposta à lesão endotelial Ross propôs uma teoria unificadora – a aterosclerose iniciaria com o dano endotelial, o que faria o endotélio ficar suscetível ao acúmulo lipídico e depósito do trombo Aterosclerose e resposta à lesão Mais de uma década depois, Fuster et al. (2005) propuseram que a lesão vascular iniciaria o processo aterosclerótico. O dano endotelial (que pode ser causado por uma série de fatores de risco e/ou alterações hemodinâmicas) foi classificado da seguinte forma (Fuster et al., 2005): Tipo I: lesão vascular envolvendo mudanças funcionais no endotélio com mínimas mudanças estruturais (i. e., aumento da permeabilidade às lipoproteínas e células brancas/adesão) (Figura 40.2) Tipo II: lesão vascular envolvendo rompimento endotelial com mínima trombose Tipo III: lesão vascular envolvendo dano à camada média, que estimula importante trombose, resultando em síndromes coronarianas instáveis ou outro evento aterosclerótico (dependendo da localização) (Figura 40.3). A despeito das diferentes causas de lesão ao endotélio, o que acontece a seguir é o aumento de expressão das moléculas de adesão, da permeabilidade endotelial e da transmigração do LDL-colesterol para dentro da íntima, bem como a diminuição do óxido nítrico. Histologicamente, isso pode ser visto como um espessamento intimal (Stary et al., 1994; Virmani et al., 2005). A segunda etapa é a migração de partículas de LDL-colesterol através da camada endotelial para a íntima, onde estarão sujeitas a alterações na sua estrutura por variados fatores, um deles a oxidação por produtos derivados do estresse oxidativo. É então fagocitado por macrófagos, através da via do receptor scavenger (lixeiro). Esse processo segue e resulta na formação das células espumosas. O acúmulo desse tipo de células na íntima resulta na formação das estrias gordurosas (fatty streak) (Stary et al., 1994; Virmani et al., 2005). Figura 40.2 Lesão endotelial mínima contínua. Figura 40.3 Aterogênese. A terceira etapa é a resposta inflamatória contínua. A absorção das LDL modificadas pelos macrófagos é um potente estimulador para a produção e liberação de várias citocinas, bem como de substâncias citotóxicas (Stary et al., 1994; Virmani et al., 2005). Por sua vez, essa ação local das citocinas recruta mais macrófagos, células T, células musculares lisas e, em adição, um aumento ainda mais importante das moléculas de adesão endotelial e aumento na permeabilidade endotelial. As substâncias citotóxicas, relacionadas inicialmente à ação dos macrófagos, agem prendendo ainda mais as partículas de LDL oxidadas e, com isso, promovendo um ciclo vicioso no qual mais macrófagos são atraídos. Com a continuação desse processo, as células espumosas se agregam em verdadeiros lagos lipídicos que irão formar os núcleos lipídicos da placa aterosclerótica (Figura 40.4). A quarta etapa é a formação da capa fibrosa. Aqui temos a migração das células musculares lisas da camada média do vaso para a íntima, onde se depositam e secretam colágeno. Essas células são as responsáveis pela formação de uma parede/capa que irá separar o conteúdo lipídico do sangue circulante. As características dessa capa serão um dos fatores responsáveis na definição de estabilidade ou instabilidade da placa (Figuras 40.5 e 40.6). A aterosclerose é um processo que se autoperpetua. A permeabilidade endotelial às LDL é influenciada pela inflamação local e sistêmica. O grau dessa inflamação também é um fator impactante na modificação das LDL que, de acordo com sua quantidade e associado a substâncias reguladoras da atividade local (interleucinas [IL]-1 e IL-6, dentre outras), trombina, leucotrienos, prostaglandinas, fibrina e fibrinogênio, promove não somente o crescimento da placa, mas também sua instabilidade e ruptura (Libby, 1995). Figura 40.4 Formação da placa – esquema. FT: fator tissular; LDL: lipoproteínas de baixa densidade; Ox-LDL: LDL oxidadas; NO: óxido nítrico. Figura 40.5 Características da placa aterosclerótica. Figura 40.6 Anatomia da placa aterosclerótica. Como o maior regulador da homeostase vascular, o endotélio íntegro mantém o balanço entre vasodilatação e vasoconstrição, inibição e estimulação da proliferação e migração das células musculares lisas, entre trombogênese e fibrinólise. Quando esse balanço é interrompido, a disfunção endotelial se instala, causando dano à parede arterial e iniciando ou perpetuando todo o processo aqui descrito. Citocinas anti-inflamatórias como IL-4, IL-10 e fator transformador do crescimento beta (TGF- β), assim como alguns subtipos de macrófagos e de células musculares lisas, agem diminuindo o grau da inflamação presente nas placas (Libby, 1995; 2001). A maioria dos efeitos relacionados com a homeostase vascular são mediados pelo óxido nítrico, o mais potente vasodilatador endógeno; ainda tem papel descrito na inibição da oxidação do LDL- colesterol. Um defeito na sua produção ou atividade pode, por si só, levar à disfunção endotelial. Caso o equilíbrio entre as duas forças antagônicas – pró e anti-inflamatórias – seja rompido, ou tenhamos o agente agressor (colesterol primariamente, por exemplo) mantido, o processo continua e a placa pode se tornar vulnerável a erosão ou ruptura. ■ ■ ■ ■ ■ Macrófagos ativados produzem metaloproteinases que degradam o colágeno. Assim, a capa fibrosa pode diminuir, ficando mais instável e sujeita a ruptura ou erosão. Quando uma dessas situações acontece, o conteúdo trombogênico entra em contato com o sangue, resultando na formação do coágulo; dependendo do grau de obstrução e do tempo de permanência do trombo, bem como da artéria acometida, temos a instalação de um evento aterosclerótico agudo. Discutiremos essa etapa com mais detalhes a seguir. Heterogeneidade da aterosclerose Apesar da natureza sistêmica da aterosclerose, sua distribuição é multifocal e heterogênea, com múltiplas lesões em diferentes estágios de progressão coexistindo em um mesmo indivíduo e, certamente, em uma mesma artéria em um único ponto ao mesmo tempo. Stary et al. (1994) propuseram uma classificação histopatológica das lesões ateroscleróticas (Stary et al., 1994) (Quadro 40.2): Lesão tipo I: endotélio expressa moléculas de adesão E-selectina e P-selectina, atraindo mais células polimorfonucleares e monócitos para o espaço subendotelial Quadro 40.2 Classificação das placas ateroscleróticas. Estrias gordurosas (inicial) Lesão tipo I (inicial) Lesão tipo II (estria gordurosa) Placas fibrosas (intermediária) Lesão tipo III (pré-ateroma) Lesão tipo IV (ateroma) Placas complexas (avançada) Lesão tipo V (fibroateroma) Lesão tipo VI (complicada) Lesão tipo VII (calcificada) Lesão tipo VIII (fibrosada) Lesão tipo II: macrófagos iniciam intenso processo de fagocitose das LDL (estria gordurosa) Lesão tipo III: continuação do processo descrito antes – formação de células espumosas Lesão tipo IV: exsudato lipídico para o espaço extracelular e início do aglomerado lipídico para a formação do core Lesão tipo V: células musculares lisas e fibroblastos se movimentam, formando fibroateromas com ■ ■ core lipídico (soft) e capa fibrosa Lesão tipo VI: ruptura da capa fibrosa, resultando em trombose e evento Lesão tipos VII e VIII: as lesões estabilizam-se, transformando-se em fibrocalcificadas (tipo VII) e, em última instância, lesão fibrótica com conteúdo extenso de colágeno (tipo VIII). Até a formação do ateroma, consideramos a aterosclerose no estágio inicial, com possibilidades de reversão de curso evolutivo lento. Após a instalação do ateroma em si, o processo morfológico passa a ser irreversível e podemos ter dois tipos de evolução: uma progressãodita intermediária, em que se segue a história natural (sem predefinição de tempo) e outra, dita rápida, em que podemos ter uma instabilidade e ruptura dessa placa a qualquer momento. A principal alteração no interior da íntima arterial durante o desenvolvimento da placa fibrótica é a proliferação das células musculares lisas. Já a lesão complexa é uma placa fibrosa que exibe extensa degeneração, com necrose, fissuras, quebras e defeitos que produzem irregularidades em sua superfície luminal, servindo de locais para aderência de plaquetas, agregação plaquetária e formação de trombos sobre a placa. Frequentemente, os trombos se mostram organizados; isso pode estar relacionado com uma oclusão súbita da artéria afetada. Portanto, a partir da lesão tipo IV ou V, a possibilidade de um evento trombótico já pode ser considerada. Por outro lado, os componentes ateroscleróticos da placa podem ser divididos em quatro: tecido fibroso, necrose (núcleo ateromatoso rico em lipídios), inflamação e calcificação. A contribuição relativa destes componentes para totalizar a área da placa varia entre diferentes tipos de placas (Stary et al., 1994). Estudos mostraram que as principais artérias coronárias responsáveis pelo infarto agudo do miocárdio ou morte súbita apresentavam em média: tecido fibroso, 68%; necrose, 16%; inflamação, 8%; e calcificação, 8% (Cheruvu PK et al., 2007). A análise desses componentes citados, bem como suas proporções e localizações intraplaca, gerou uma diferente classificação das lesões ateroscleróticas (Quadro 40.3). Lesões do mesmo tipo compartilham as mesmas características-chave; por exemplo, todas as placas ateromatosas têm um núcleo necrótico. Entretanto, como já dissemos anteriormente, ainda podemos ter um olhar muito diferente se analisarmos o grau de distribuição e localização de cada um dos componentes, bem como sua participação na totalização da área da placa. Quadro 40.3 Classificação modificada da American Heart Association com base na descrição morfológica. Tipo de lesão intimal Descrição Íntima normal/espessamento adaptativo intimal Tecido conjuntivo normal contendo células musculares lisas Sem acúmulo lipídico ou macrófagos Xantoma intimal/estria gordurosa Íntima normal exceto pelo acúmulo de células espumosas próximo ao lúmen do vaso Placa não ateromatosa Acúmulo extracelular de lipídios e tecido conjuntivo com fibrose com ou sem calcificação Sem núcleo (core) ateromatoso rico em lipídios (necrótico) Placa ateromatosa Com núcleo (core) ateromatoso rico em lipídios (necrótico) Adicionalmente, cada um dos componentes da placa ainda é definido pela sua heterogeneidade. Uma característica extensamente usada para definir o núcleo ateromatoso rico em lipídios (necrótico) é a ausência de suporte de colágeno. O core contém restos celulares e lipídicos, incluindo cristais de colesterol, e estes componentes podem estar próximos ao núcleo necrótico, mas não estão necessariamente presentes em toda sua área. Do mesmo modo, a necrose pode ou não ser associada à calcificação que pode estar presente também fora do núcleo necrótico. Do mesmo modo, o tecido fibroso das lesões ateroscleróticas varia na densidade do colágeno e de lipídios, e as calcificações podem ser grandes e densas ou estarem presentes no formato de microcalcificações. As Figuras 40.7 a 40.13 mostram a progressão da placa aterosclerótica em etapas. Figura 40.7 Representação esquemática da progressão da placa aterosclerótica do estágio inicial de disfunção endotelial até os estágios avançados com presença de placas complicadas. M-CSF: fator estimulador de colônias de macrófagos; MCP-1: proteína 1 quimiotática dos monócitos; MMP: metaloproteinases da matriz; PAI-1: inibidor do ativador do plasminogênio 1; PDGF: fator de crescimento derivado das plaquetas; UPA: ativador de plasminogênio tipo uroquinase; TF: fator tissular. (Badimón et al., 2009). Figura 40.8 Recrutamento dos monócitos pelas moléculas de adesão das células endoteliais. ICAM-1: molécula 1 de adesão intercelular; VCAM-1: molécula 1 de adesão celular vascular. Figura 40.9 Lipoproteínas de baixa densidade (LDL) modificadas estimulam a expressão da proteína 1 quimiotática dos monócitos (MCP-1) na célula endotelial. MCP-1 perpetua o processo, atraindo cada vez mais monócitos para o espaço subendotelial. Figura 40.10 Diferenciação dos monócitos em macrófagos. Figura 40.11 LDL modificadas induzem macrófagos a liberar citocinas que estimulam a expressão de moléculas de adesão nas células endoteliais. Figura 40.12 Macrófagos expressam receptores que atraem as LDL modificadas. Figura 40.13 Macrófagos e células espumosas expressam fatores de crescimento e proteinases. ■ ■ ■ ■ ■ Papel do endotélio O endotélio é a camada interna do vaso; estima-se cobrir cerca de 700 m2 e pesar 1,5 kg. Tem como funções: Propiciar uma superfície não trombogênica: produz derivados da prostaglandina (tais como a prostaciclina e o inibidor da agregação plaquetária) e por sua cobertura com o sulfato de heparina Secretar o mais potente vasodilatador: fator relaxante derivado do endotélio (EDRF) – uma forma do óxido nítrico; mantém o balanço entre vasoconstrição e vasodilatação, ajudando a manter a homeostase arterial Secretar agentes efetivos na lise dos trombos de fibrina: plasminogênio e materiais procoagulantes como o fator de von Willebrand e PAI-1 (inibidor da ativação do plasminogênio tipo 1) Secretar várias citocinas e moléculas de adesão: VCAM-1 (adesão celular vascular) e ICAM-1 (adesão intercelular) Secretar vários agentes vasoativos: endotelina, angiotensina II (A-II), serotonina e o fator de crescimento derivado da plaqueta. Com esses mecanismos citados anteriormente, o endotélio regula o tônus vascular, a ativação plaquetária, a adesão dos monócitos e inflamação, a formação do trombo, o metabolismo lipídico, o crescimento celular e a remodelação vascular (Figura 40.14) (Drexler, 1998; Davignon e Ganz, 2004; Deanfield et al., 2007). Em resposta a vários estímulos agressivos, a célula endotelial modula as suas propriedades no sentido de restaurar a homeostase vascular. Na generalidade das situações, estas alterações no fenótipo da célula endotelial são temporárias e não comprometem a posterior restauração da função endotelial. Contudo, em certas condições patológicas, tais como na aterosclerose, a função da célula endotelial está perturbada de forma crônica, sendo esta alteração um passo fundamental para a progressão da patologia. Como já ressaltamos, a disfunção endotelial é o passo inicial que permite a difusão dos lipídios e células inflamatórias (monócitos, linfócitos T) para o espaço subendotelial. A secreção das citocinas e fatores de crescimento diversos promove migração intimal, proliferação das células musculares lisas (CML) e acúmulo de colágeno, monócitos e outras células, formando o ateroma (Drexler, 1998; Davignon e Ganz, 2004; Deanfield et al., 2007). ■ ■ ■ ■ ■ Figura 40.14 Endotélio “ativado”. IL: interleucina; TNF-α: fator de necrose tumoral alfa; MCP-1: proteína 1 quimiotática de monócitos; PDGF: fator de crescimento derivado das plaquetas; FGF: fator de crescimento de fibroblastos. Papel do LDL | Estresse oxidativo (LDL-ox); crescimento da placa e remodelamento vascular O LDL-colesterol parece ser modificado por um processo de oxidação dito de baixo grau, captado pelo receptor de LDL, internalizado e transportado por meio do endotélio. Já no espaço subendotelial, estimula células vasculares na produção de citocinas e recrutamento de monócitos, o que causa uma oxidação adicional (Steinberg e Lewis, 1997; Siqueira et al., 2006). As LDL extensivamente oxidadas – LDL-ox(extremamente aterogênicas) – são fagocitadas pelos macrófagos, sendo as responsáveis por: Promover o acúmulo do colesterol nos macrófagos, que se transformam então nas chamadas células espumosas Aumentar a produção endotelial de moléculas de adesão leucocitária, citocinas e fatores de crescimento, que regulam a proliferação das CML, degradação do colágeno e trombose Inibir a atividade do óxido nítrico e aumentar a geração de espécies reativas de oxigênio, alterando a vasodilatação endotélio-dependente Alterar a resposta das CML à estimulação pela A-II (aumentando também sua concentração); as CML que proliferam na íntima para dar forma aos ateromas avançados são derivadas originalmente da camada média. Atualmente, a teoria de que o acúmulo de CML na íntima representa condição sine qua non das lesões avançadas é aceita integralmente, bem como o papel das LDL-ox como precursoras da formação da placa. Crescimento da placa e remodelamento vascular Com o progresso da lesão endotelial e da inflamação, fibroateromas crescem e dão forma à placa. Ao mesmo tempo que acontece o crescimento da placa, ocorre o remodelamento vascular, que pode ser positivo ou negativo. O fato é que o grau de estenose irá depender do tipo e da evolução desse remodelamento (Figura 40.15). O conceito de remodelamento arterial fisiológico foi introduzido em 1893, quando notou-se que os vasos sanguíneos se ampliavam para acomodar o fluxo aumentado a um órgão a jusante. Quase 100 anos depois, em 1987, Glagov apresentou o conceito do remodelamento arterial no processo patológico de aterosclerose nas artérias coronárias (Figura 40.16). O fenômeno Glagov descreve como o lúmen arterial de seção transversal é preservado do avanço da aterosclerose na parede arterial. Postulou-se que isso ocorre por expansão preferencial de segmentos da parede arterial ainda não envolvidos na formação da placa aterosclerótica (Glagov et al., 1987). No entanto, quando a placa aterosclerótica envolve mais de 40% da área da lâmina elástica interna (seção transversal), progressiva invasão luminal ocorre e podemos ter uma significativa estenose (Pant et al., 2014). Remodelamento positivo É o remodelamento compensatório externo, em que a parede arterial projeta-se para fora e o lúmen arterial se mantém sem alterações (Figura 40.17). As placas causadoras desse fenômeno geralmente crescem muito, sem fazer com que aconteçam expressões clínicas (angina, por exemplo) porque não se tornam hemodinamicamente significativas por muito tempo. São as placas ditas vulneráveis, na sua maioria, com grandes núcleos lipídicos e geralmente responsáveis pelos eventos agudos, pois têm mais tendência a se romper (Rioufol et al., 2002). Remodelamento negativo Algumas lesões exibem quase nenhuma dilatação vascular compensatória, e o ateroma cresce firmemente interno, causando estreitamento gradual do vaso, com diminuição do lúmen. São as placas estáveis que geralmente produzem sintomas clínicos (angina estável, por exemplo) (Figura 40.18). Importante salientar, mais uma vez, que uma lesão pode se transformar em outra; o processo é dinâmico e inúmeras variáveis podem afetá-lo. Figura 40.15 Remodelamento vs. evolução, placa vs. ruptura. DAC: doença aterosclerótica coronariana. Figura 40.16 Remodelamento vascular. Figura 40.17 Remodelamento positivo – placa instável. Figura 40.18 Remodelamento negativo – placa estável. Algumas questões atuais | Papel das células progenitoras endoteliais, neovascularização da placa e efeito hemodinâmico do shear stress Alguns mecanismos protetores e restauradores da saúde vascular têm sido estudados exaustivamente (Quadro 40.4). Os mais importantes e conhecidos até agora, capazes de manter a homeostase cardiovascular, são os mecanismos de defesa relacionados com as células progenitoras endoteliais e o transporte reverso do colesterol (Schmidt-Lucke et al., 2005; Werner et al., 2005). No que diz respeito à neovascularização da placa, podemos ter efeitos protetores (estágio inicial) e ■ deflagrador de instabilidade das placas nos estágios em que o ateroma já é importante (Figura 40.19) (Chatzizisis et al., 2007; Malek et al., 1999). Células progenitoras endoteliais As células endoteliais em circulação foram descritas pela primeira vez nos anos 1970, porém, só décadas mais tarde foram elaboradas técnicas que permitiram o seu isolamento e sua quantificação de forma eficaz. Em situações de lesão do endotélio, essas se desprendem da superfície endotelial e entram na circulação sanguínea por vários mecanismos que promovem a sua separação, incluindo lesão mecânica, adesão defeituosa e separação induzida por citocinas ou proteases (Schmidt-Lucke et al., 2005; Werner et al., 2005). As células endoteliais progenitoras (CEP), descritas por Asahara et al. em 1997, são células derivadas da medula óssea com potencial para se diferenciar em células endoteliais maduras que, quando mobilizadas, são libertadas na circulação periférica (Asahara et al., 1997). As CEP têm capacidade para reparar o endotélio uma vez que, na corrente sanguínea, podem se ligar ao endotélio lesado em um processo mediado pela expressão de moléculas de adesão (família das integrinas) e citocinas. Essas células representam um importante mecanismo endógeno de manutenção da integridade vascular, desempenhando um importante papel na neovascularização e na manutenção da homeostasia vascular. Em humanos, baixa concentração de CEP em circulação associa-se a vários fatores de risco tradicionais, a fatores de risco emergentes e à gravidade da patologia aterosclerótica, predizendo também de forma independente o risco de futuro evento cardiovascular. Hill et al. (2003) demonstraram em sujeitos aparentemente saudáveis que o número de CEP em circulação é melhor preditor da dilatação fluxo-dependente do que o Escore de Risco de Framingham. Em pacientes com DAC, o número e a capacidade regenerativa e proliferativa das CEP em circulação encontram-se diminuídos, provavelmente como resultado da exaustão das CEP competentes, pelo contínuo processo de lesão vascular ou pela sua deficiente mobilização a partir da medula óssea (Hill et al., 2003). Quadro 40.4 Mecanismos que interferem na saúde vascular. Células progenitoras endoteliais Capacidade de produzir regeneração endotelial Transporte reverso do colesterol Principal mecanismo de regressão da placa Neovascularização/angiogênese Reverter a hipoxia na parede do vaso – regressão da placa Propiciar crescimento, hemorragias intraplaca e instabilidade ■ Figura 40.19 Mecanismos protetores e restauradores da “saúde” vascular. MMP: metaloproteinases da matriz; TF: fator tissular. Neovascularização Na aterosclerose, a formação de novos vasos em torno da parede arterial pode ser vista mesmo antes do desenvolvimento de disfunção endotelial e formação da placa. Além disso, a neovascularização dos vasa vasorum desenvolve-se principalmente na área de espessamento intimal, indicando o cross-talk entre a íntima e a adventícia. A angiogênese nos vasa vasorum e a infiltração na camada média fornecem nutrientes para o desenvolvimento e expansão da íntima, podendo prevenir morte celular e contribuir para o crescimento e estabilização da placa em lesões iniciais. Porém, em placas mais avançadas, a infiltração de células inflamatórias e a produção concomitante de citocinas pró-angiogênicas podem ser responsáveis pela indução descontrolada de proliferação de microvasos na neoíntima, tendo por resultado a produção de novos vasos imaturos e frágeis, que podem contribuir para hemorragia intraplaca e instabilidade da mesma (Kwon et al., 1998; Herrmann et al., 2001). Além disso, este processode neovascularização cria uma porta de entrada de fatores inflamatórios e proliferativos, hemácias para a adventícia. A camada média e o espaço subendotelial ficam imprensados entre 2 camadas altamente vascularizadas e expostos diretamente a uma área de superfície endotelial extensiva em um ou outro lado. Enquanto a placa se desenvolve, os novos vasos explodem dos vasa vasorum através da camada média em direção à lesão intimal (Fleiner et al., 2004). Apenas uma pequena parte dos novos vasos segue até a íntima; as áreas onde se concentram são na base da placa, e a região é chamada de ombro, nas laterais. Eventualmente, a neovascularização caracteriza não somente a placa vulnerável, mas também o ■ paciente vulnerável (Figura 40.20). A angiogênese é uma associada das diversas fases/estágios da aterosclerose. Há evidências crescentes de que a neovascularização está relacionada diretamente ao estágio do desenvolvimento da placa, ao risco de ruptura e, subsequentemente, à presença da doença sintomática, ao sincronismo de eventos neurológicos isquêmicos e aos infartos do miocárdio e cerebral. Fatores que podem ser considerados como estímulo para a angiogênese são hipoxia, estresse oxidativo na parede arterial e inflamação (Doyle e Caplice, 2007; Moreno et al., 2006). Evidentemente que, quando a lesão aumenta no tamanho, a hipoxia pode transformar-se no estímulo mais proeminente para a formação do novo vaso. Nesse ponto, um crescimento adicional das placas ateroscleróticas pode realmente depender da angiogênese, lembrando o que acontece em uma lesão cancerosa. Apesar da identificação de um número de mecanismos que podem contribuir para esse processo, nossa compreensão da angiogênese ainda está, no mínimo, incompleta. Shear stress O shear stress (SS) ou força de cisalhamento induzido pelo fluxo sanguíneo aparece como uma característica essencial para a aterogênese. Essa força de arrasto fluida, a qual age na parede do vaso, sofre o que chamamos de mecanotransdução para um sinal bioquímico, que resulta em mudanças no comportamento (Figura 40.21) (Resnick et al., 2003). A manutenção de um SS fisiológico, laminar, é crucial para o funcionamento vascular normal – controle do calibre vascular, inibição da proliferação, da trombose e da inflamação. Assim, ele funciona como protetor (Traub e Berk, 1998). Reconhece-se também que, quando alterado ou próximo de bifurcações, óstios e curvaturas arteriais – fluxos oscilatórios – estão associados à formação do ateroma (Chatzizisis et al., 2007; Malek et al., 1999). Figura 40.20 Contribuição da neovascularização para o crescimento da placa. Possível papel dos microvasos na progressão da doença inclui o suprimento celular e de componentes solúveis à placa, transporte de substratos metabólicos ao core lipídicos, entre outros. ICAM: molécula de adesão intercelular; VCAM: molécula de adesão celular vascular. Figura 40.21 Shear stress – força de tração induzida no endotélio gerada pelo fluxo sanguíneo. Adicionalmente, o endotélio vascular tem respostas comportamentais diferentes aos padrões alterados de fluxo, tanto no nível molecular quanto celular, e estas reações atuam em sinergia com os outros fatores de risco sistêmicos já definidos. O fluxo não laminar promove mudanças na expressão genética endotelial, no arranjo citoesquelético, na resposta ao dano, na adesão dos leucócitos, bem como nos estados vasorreativos, oxidativos e inflamatórios da parede da artéria (Figura 40.22 e Quadro 40.5). O shear stress alterado influencia também a seletividade (escolha) do local da formação da placa aterosclerótica (Figura 40.23) e o processo de remodelação da parede arterial – o que, já sabemos, pode afetar a vulnerabilidade da placa, a reestenose de um stent e a hiperplasia (Chatzizisis et al., 2007; Malek et al., 1999). Figura 40.22 Características dos tipos de fluxos. A progressão da placa ocorre, primariamente, em subsegmentos arteriais com baixo SS e se associa à citada remodelação vascular, que pode ser expansiva ou constritiva. Os gatilhos implicados nessa alteração não são conhecidos. Nessas áreas, a progressão da placa com remodelação expansiva geralmente leva às síndromes coronarianas agudas, e a presença da remodelação constritiva com ou sem progressão da placa nos leva às síndromes clínicas estáveis com graves estenoses (Figura 40.24). Quadro 40.5 Shear stress e seus efeitos. Shear stress – características Efeitos Baixo e fluxo alterado Aterogênico: pró-inflamatório, pró-migração e pró-trombótico Fisiológico, com fluxo laminar Vasculoprotetor Alto e fluxo turbulento Promove ativação plaquetária, formação de trombo e possível ruptura da placa intimal da CML em enxertos venosos CML: célula muscular lisa. Figura 40.23 Shear stress na aterogênese. Figura 40.24 Remodelamentos expansivo e constritivo. Uma palavra sobre o efeito fisiopatológico/molecular da idade sobre a doença aterosclerótica Já temos consideráveis evidências sobre o papel funcional da atividade metabólica, deterioração da mitocôndria, danos causados pelos radicais livres ou outros eletrólitos, alterações/lesões no DNA, falências na homeostase da sinalização celular e da inflamação. Determinar a correta relação entre esses fenômenos, longevidade e a deteriorização causada pela idade nos músculos cardíacos e esquelético, ossos, neurônios e outros tecidos constitui o mais intimidante desafio para nossa compreensão do processo do envelhecimento no nível biológico. Desde sua formulação original em 1956 por Harman, a teoria do radical livre do envelhecimento foi moldada geralmente nos termos dos efeitos tóxicos dos oxidantes, espécie especialmente reativa do oxigênio (ROS) que, quando acumulados, conduziriam à perda da função celular, resultando na alteração da homeostase e, eventualmente, na morte do organismo comprometido (Harman, 1956). Evidências científicas apontam a mitocôndria como principal alvo da cadeia ROS. No nível molecular, o repertório de reagentes é expandido e inclui, dentre outros, o óxido nítrico (Hinerfeld et al., 2004). Entretanto, a despeito de inúmeros refinamentos e descobertas de reações enzimáticas, a natureza estocástica da acumulação de danos continua a ser aceita como sustentação conceitual da teoria do envelhecimento. O balanço entre as taxas de reações metabólicas (influxo) e defesas antioxidantes e/ou vias de retirada ■ ■ ■ de toxinas (efluxo) determinam a carga residual de bioprodutos que, inversamente, afetam a expectativa de vida: A: pequeno e lento influxo e efluxo B: rápido influxo e efluxo Expectativa de vida mantida e semelhante entre os dois exemplos, porque o balanço foi mantido; evidentemente, quanto menor for o influxo e/ou maior o efluxo, maior será a expectativa de vida (Figura 40.25). As condições pró-oxidantes podem alterar dramaticamente as funções celulares em níveis múltiplos, e muitos ou mesmo todos estes níveis podem afetar a longevidade. Os danos aleatórios às macromoléculas intracelulares danificam a homeostase celular, assim como a manutenção e funções diferenciadas; fora das células, podem gerar respostas inflamatórias que, por sua vez, podem ser tóxicas às células próximas. Os oxidantes podem causar a disfunção celular e do tecido, interferindo com a sinalização normal para os diversos processos metabólicos. Devido à amplificação de efeitos inerentes à sinalização celular, pequenos desvios no estado redox inicial podem ter graves consequências (Fratelli et al., 2002). Finalmente, as modificações oxidativas das proteínas sinalizadoras sensoriais podem produzir apropriadas respostas fisiológicas, incluindo aumento do estresse,correlacionado com o envelhecimento normal. O entrelaçamento indissolúvel das alterações metabólicas/moleculares no geral associadas às causadas pela idade em particular produz o estresse e afeta o fenômeno da senescência – palavra que tem sua origem no latim e significa idade antiga, extensão de vida; processo “esperado” de deterioração após um período de desenvolvimento. O processo inflamatório envolve a produção aguda de espécies reativas do oxigênio pelas células especializadas que respondem a infecção, exposição às toxinas ou aos alergênios, danos celulares, hipoxia, isquemia/reperfusão e outros fatores, iniciando a sinalização por meio de diversas vias enzimáticas. A cadeia de reações que liberam radicais livres aumenta a oxidação do LDL-colesterol que, como já sabemos, é um potente iniciador e potencializador da aterosclerose. Demonstra-se, assim, um elo forte para a sobreposição de efeitos: idade, fatores de risco e a própria inflamação desencadeada, mantida e reforçada por essa inter-relação. Papel do dano oxidativo, da sinalização “redox” e da resposta inflamatória na atrofia idade-dependente → estresse oxidativo, inflamação e aterosclerose. Figura 40.25 Modelo proposto para expectativa de vida – determinada pelo balanço entre as taxas de acúmulo e renovação de metabólitos danosos. Ruptura da placa | Evento principal responsável pelas apresentações clínicas agudas Aterosclerose coronariana é um achado extremamente comum nas necropsias, mesmo naqueles pacientes que não sofreram infarto. Mesmo a doença isquêmica coronariana sendo a causa principal de morte nos países industrializados, mais pessoas vivem com a doença do que morrem (Burke et al., 2001; Cheruvu et al., 2007). A coexistência no mesmo indivíduo de placas estenóticas (constritivas) e não estenóticas (expansivas) sugere que a evolução da placa é bem mais complexa do que a simples acumulação de lipídios com consequente diminuição do lúmen vascular. Já sabemos também que a magnitude da reação inflamatória na parede vascular em resposta à acumulação dos lipídios, condicionada por fatores locais (shear stress), sistêmicos (fatores de risco diversos) e genéticos, parece determinar a evolução da placa. A perpetuação da resposta inflamatória com a contínua remodelação vascular tende a fragilizar a parede vascular, originando, desta forma, placas expansivas sem diminuição do lúmen vascular. Sendo mais suscetíveis à ruptura, estas placas vulneráveis são a principal causa de eventos ateroscleróticos agudos. Por isso, a questão-chave não é por que a aterosclerose se desenvolve e sim por que, após anos de crescimento lento, uma placa estável se rompe subitamente e se torna trombogênica, podendo ser responsável por um evento agudo (Fishbein, 2010). O risco da ruptura da placa está intimamente relacionado com as suas propriedades intrínsecas (vulnerabilidade), que a predispõem à ruptura, e com forças extrínsecas (gatilhos) (Figura 40.26) (Barger e Beeuwkes, 1990; Muller et al., 1994). A modificação na classificação das placas pela American Heart Association em recente documento as dividiu em 3 categorias: placas estáveis, placas culpadas (que se caracterizam pela presença de um trombo agudo associado a ruptura da placa ou erosão) e placas vulneráveis, incluindo: ateroma revestido por fina capa fibrosa – fibroateroma (thin-cap fibroatheroma [TCFA]) caracterizado por uma lesão composta por um core lipídico rico coberto por uma fina capa fibrosa (espessura < 65 mm) contendo células espumosas; placas com estenose > 90%; e nódulos calcificados superficiais (Figura 40.27) (Fishbein, 2010; Thim et al., 2008). A desendotelização física ou funcional (ruptura, fissura ou erosão da placa) ocasiona a perda dos fatores de proteção e dispara uma sequência de eventos que se inicia com a deposição das plaquetas, prosseguindo com sua ativação e reação trombogênica com um grande aumento local de fibrinogênio (Virmani et al., 2005). A ruptura da placa ocorre frequentemente no seu ponto mais fraco, em geral onde a capa fibrosa é mais fina e fortemente infiltrada pelas células espumosas. Os macrófagos ativados abundantes no ateroma podem produzir enzimas proteolíticas potentes e capazes de degradar o colágeno e, assim, desestabilizar a placa (Van der Wal et al., 1994). Após a ruptura ou erosão, o conteúdo altamente trombogênico do core lipídico entra em contato com o sangue circulante. O fator tissular, expressado pelas células endoteliais, CML e monócitos, maior regulador da coagulação, hemostasia e trombose está presente nesse conteúdo e tem um papel preponderante ativando a cascata da coagulação, que resulta em geração da trombina, ativação plaquetária e depósito de fibrina. A disfunção endotelial já alterou o fenótipo anticoagulante para um estado pró-coagulante ao mesmo tempo que as plaquetas expõem os cofatores de superfície que podem catalisar a formação da trombina. Temos adesão plaquetária, seguida então da ativação das plaquetas e subsequente formação do trombo. Podemos fazer uma distinção inicial em duas formas de trombos: (1) superficial, que é superposto a uma placa intacta; e (2) profundo, que é causado por uma fissura na placa rompida. Figura 40.26 Recrutamento e ativação de macrófagos e linfócitos T em lesões ateroscleróticas após ativação endotelial (esquerda). Ao longo do tempo, os macrófagos se transformam em células espumosas e a apoptose conduz à formação do core necrótico (contendo cristais de colesterol e restos celulares) [direita]. Macrófagos, células T e mastócitos na capa fibrosa produzem proteases que podem romper a capa fibrosa. Reproduzida do Annual Review of Pathology: Mechanisms of Disease, Volume 1, 2006. • • • • Figura 40.27 Definição histológica aceita hoje para TCFA (thin-cap fibroatheroma) ou placa vulnerável. CML: células musculares lisas; NC: necrotic core. Fibroateroma com cápsula fina Existência de core necrótico grande Cápsula fibrosa delgada (< 65 µm) Cápsula infiltrada por macrófagos e linfócitos Composição da cápsula – colágeno do tipo I com poucas CML ou nenhuma Figura 40.28 Síndromes agudas: desenvolvendo o entendimento fisiopatológico. CD40L: ligante do cluster de diferenciação 40. Tipos de trombos Na década de 1980, começamos a conhecer o papel do trombo nas síndromes coronarianas agudas (SCA) (Figura 40.28). Esse conhecimento se aprimorou nos anos 1990, com o entendimento do papel das plaquetas na trombose arterial (Falk, 1983). Agora, tem ficado cada vez mais claro que a inflamação arterial é o maior player no início da ruptura da placa e também precipita eventos isquêmicos recorrentes tanto a curto quanto a médio prazo. Também é o link entre a disfunção endotelial e a progressão da placa (Davies, 1995). E, realmente, a plaqueta por si só emerge como uma célula inflamatória. Quando ativada ela libera numerosos mediadores inflamatórios, com ênfase no CD40, que é um potente mediador da interação de diversas células, incluindo células endoteliais, musculares lisas, macrófagos, células T e as próprias plaquetas (Heeschen et al., 2003). Importante ressaltar ainda que os mecanismos responsáveis pela adesividade e agregação plaquetária são diferentes. A adesão plaquetária é mediada por fibronectina, colágeno, fator de von Willebrand e três glicoproteínas específicas da superfície das plaquetas: GPIb, GPIc/IIa e GPIa/IIa. Em contraste, a agregação plaquetária é mediada pela fibronectina, pelo fator de von Willebrand e pela GPIIb/IIIa. O receptor para a glicoproteína GPIIb/IIIa está presente em alta densidade na superfície das plaquetas, em uma concentração que chega a 50.000 sítios de ligação/célula (Bhatt e Topol, 2000). A agregaçãoplaquetária induzida por epinefrina, tromboxano A2, trombina e colágeno é mediada pela interação do fibrinogênio com a GPIIb/IIIa. A liberação de difosfato de adenosina (ADP) a partir das células do interior da placa é um estímulo para a agregação plaquetária (Bhatt e Topol, 2000). O resultado dessa sequência é a formação de um trombo rico em plaquetas, cujo propósito fisiológico é a cicatrização da lesão endotelial. Esse trombo rico em plaquetas (trombo branco) é rapidamente infiltrado pela fibrina, transformando-se em um trombo fibrinoso. Logo após, as hemácias são capturadas por essa rede fibrinosa e forma-se então o trombo vermelho, responsável pela maior oclusão do vaso sanguíneo (Libby, 2001). Caso o estímulo trombogênico seja limitado, teremos uma oclusão intermitente ou transitória. Entretanto, quando o estímulo proveniente da placa aterosclerótica for mais intenso, as plaquetas podem responder excessivamente, e o resultado poderá ser um trombo que oclua totalmente o vaso sanguíneo. Se fizermos uma relação com a apresentação das síndromes coronarianas, estaremos falando, na primeira situação, em um evento do tipo angina instável ou infarto agudo do miocárdio sem supradesnivelamento do segmento ST e, na segunda, do infarto com supradesnivelamento do segmento ST (Libby, 2001). Considerações finais Recentes avanços no nosso entendimento da biologia vascular da aterosclerose têm definido que essa doença é um processo de complexa desordem da parede vascular, caracterizada por mecanismos ineficazes de reparação e por uma exacerbada resposta inflamatória. Um próximo passo é o entendimento do papel dos genes no controle da produção dos mediadores inflamatórios. A despeito do sucesso obtido nas últimas décadas em se identificar e relacionar os diversos fatores de risco para a doença aterosclerótica, pouco progresso tem sido alcançado em se identificarem fatores genéticos específicos associados a essa doença. Apesar de conhecermos o continuum da aterosclerose até o evento em si, as diferenças dos fenótipos (a partir de um mesmo genótipo), a saber, diversos graus de gravidade da aterosclerose no mesmo indivíduo, bem como as diferentes evoluções vistas entre indivíduos da mesma família ou com mesmos fatores de risco, ainda persistem como algo a ser explicado – suscetibilidade individual e respostas imunitárias diferentes? Qual deve ser o grau de interferência das diferentes etnias? O que faz com que indivíduos consigam burlar essa doença e sobrevivam após 70 anos, sem eventos ateroscleróticos agudos? Como detectar precocemente o indivíduo de risco? Esse é o paradigma atual: descobrir qual o perfil inflamatório individual e, assim, conseguir a prevenção e o tratamento adequados. A Figura 40.29 resume esquematicamente a aterogênese. Figura 40.29 Resumo da aterogênese. CML: células musculares lisas. Bibliografia Ahmed N. 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