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1. RECONHECER AS ALTERAÇÕES DO ENVELHECIMENTO FISIOLÓGICO DO SISTEMA CARDIOVASCULAR. As doenças cardiovasculares (DCV) assumiram uma dimensão global e não se apresentam mais restritas às sociedades ocidentais. Atualmente são responsáveis por mais de 30% de todas as mortes no mundo, e provavelmente no ano de 2020 superarão as doenças infecciosas como a principal causa de mortalidade e incapacidade. De acordo com a Organização Mundial da Saúde foram responsáveis por 15 milhões de mortes anuais no mundo, das quais nove milhões nos países em desenvolvimento e dois milhões nas economias em transição. Homens e mulheres sadios apresentam, aos 40 anos, uma probabilidade de acometimento por DCV de 50%, hipertensão arterial de 85%, e insuficiência cardíaca de 20%. Aos 70 anos o risco de acometimento da DCV em indivíduos sadios é virtualmente o mesmo que aos 40 anos, sugerindo uma possibilidade extremamente elevada de apresentá-la durante a vida. O envelhecimento atualmente pode ser considerado um processo heterogêneo em razão de diferenças genéticas ou morte celular programada, bem como de fatores externos, como doenças, dieta, exercício e estilo de vida ou a combinação de todos esses fatores. A impossibilidade da distinção da importância desses fatores no sistema cardiovascular dificulta dizer se essas alterações são próprias do envelhecimento ou resultantes de tais fatores. Apesar de vários estudos epidemiológicos terem demonstrado que fatores genéticos, dislipidemias, diabetes e vida sedentária são os principais fatores de risco para doença coronária, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca e acidente vascular encefálico (AVE), consideradas as doenças cardiovasculares mais prevalentes em nosso meio, a idade se configura como o principal fator de risco cardiovascular. Várias explicações têm surgido, mostrando o efeito da idade na prevalência dessas doenças. Os fatores de risco para as doenças cardiovasculares são mais prevalentes e mais graves com o aumento da idade, ocorrendo também maior tempo de exposição a esses fatores. Apesar de muitos idosos não apresentarem doenças evidentes, frequentemente apresentam comorbidades, doenças subclínicas, alterações funcionais e anatômicas que agem modificando a estrutura cardiovascular, facilitando a atuação dos mecanismos fisiopatológicos das doenças. A constante evolução tecnológica nestas últimas décadas e sua incorporação no estudo do envelhecimento cardiovascular têm nos proporcionado respostas até então desconhecidas. Novas evidências de que o envelhecimento e a aterosclerose estão intimamente ligados foram obtidas a partir de um estudo recente que demonstrou por meio da tomografia computadorizada placas calcificadas em artérias de múmias. Aterosclerose provável ou definitiva foi observada em 47 (34%) das 137 múmias e em todas as quatro populações geográficas: Egito, Peru, América Central e Ilhas Aleutas. A idade na ocasião da morte foi positivamente relacionada com a aterosclerose (idade média no momento da morte foi de 43 ± 10 anos para múmias com aterosclerose vs. 32 ± 15 anos para aquelas sem; p < 0,0001), demostrando pela primeira vez que a doença era comum em várias culturas antigas com estilos de vida, dietas e genética diferentes, através de uma grande distância geográfica e durante um período de 4.000 anos de história da humanidade. Estes achados sugerem que o nosso entendimento dos fatores causadores de aterosclerose é incompleto e que a aterosclerose pode ser inerente ao processo de envelhecimento humano. Como a população idosa vem se tornando progressivamente predominante e a expectativa de vida aumentando em muitos países em desenvolvimento, as implicações clínicas e econômicas desta mudança demográfica tornam-se extremamente relevantes. A necessidade da compreensão das alterações estruturais e funcionais cardíacas durante o envelhecimento possibilita intervenções preventivas, aumentando a expectativa de vida, além de retardar SP2 mortes relacionadas à doença cardiovascular. Embora não exista um tratamento específico para o envelhecimento cardíaco, os recentes avanços na compreensão de seus mecanismos nos têm proporcionado boas perspectivas para o desenvolvimento de novas intervenções que possibilitem sua atenuação ou reversão. Estudos recentes têm mostrado o potencial de diferentes abordagens para retardar ou tratar o envelhecimento cardíaco, variando desde a restrição calórica até intervenções farmacológicas (rapamicina, enalapril e SS-31), terapia de proteína recombinante (IGF-1 e GDF-11), a terapia genética (miRNA), e terapia com célula-tronco. No entanto, estudos futuros serão necessários para avaliar os potenciais translacionais destas intervenções. TEORIAS DO ENVELHECIMENTO CARDIOVASCULAR De acordo com estudos realizados por Hayflick, as teorias do envelhecimento podem ser agrupadas em teoria do genoma, fisiológica e orgânica, e os estudos têm mostrado que, em relação ao sistema cardiovascular, as duas últimas seriam as mais aceitas. Teorias fisiológicas Parecem ser as mais esclarecedoras e claramente mais atrativas para explicar as alterações cardiovasculares ligadas à teoria do cruzamento, mostrando a importância das alterações da matriz proteica extracelular relacionadas com o tempo, principalmente do colágeno e da substância fundamental; essas alterações são a base para explicação do aumento da rigidez pericárdica, valvular e talvez miocárdica e dos tecidos vasculares associado à idade. Teorias orgânicas As teorias orgânicas são simples e de fácil compreensão e demonstração, sendo, deste grupo, duas as mais importantes: imunológica e neuroendócrina. A teoria imunológica oferece pouca explicação para as alterações de seleção específica no sistema cardiovascular, explicando as características de duração da sobrevivência da espécie em termos de disfunção imunológica programada. A teoria neuroendócrina, em combinação com a teoria ligada ao cruzamento, forneceria explicações para muitas alterações cardíacas próprias do envelhecimento. O sistema cardiovascular sofre significativa redução de sua capacidade funcional com o envelhecimento. Em repouso, contudo, o idoso não apresenta redução importante do débito cardíaco, mas em situações de maior demanda, tanto fisiológicas (esforço físico) como patológicas (doença arterial coronariana), os mecanismos para a sua manutenção podem falhar, resultando em processos isquêmicos. As mudanças cardiovasculares eram consideradas tão características ao processo do envelhecimento que algumas pessoas as consideravam a causa deste processo. Com base em seu trabalho de dissecação em seres humanos, Leonardo da Vinci disse que a causa do envelhecimento são “veias que, devido ao espessamento das túnicas, que ocorre nos idosos, limitam a passagem do sangue e, como resultado dessa falta de nutrição destrói a vida dos idosos sem provocar febre e os idosos enfraquecem pouco a pouco em uma morte lenta”. Com o avanço da idade, o coração e os vasos sanguíneos apresentam alterações morfológicas e teciduais, mesmo na ausência de qualquer doença, sendo que, ao conjunto dessas alterações, convencionou-se chamar coração senil ou presbicárdia. Ocorre uma evolução diferente de indivíduo para indivíduo, ocasionando alterações hemodinâmicas que se caracterizam por redução da reserva funcional, que é demonstrada pela diminuição da resposta cardiovascular ao esforço observada nos idosos. ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS Devido à elevada incidência de doenças cardíacas e vasculares no idoso, há dificuldade de reconhecimento das alterações decorrentes especificamente do processo de envelhecimento. Pericárdio Na maioria das vezes, as alterações do pericárdio são discretas, em geraldecorrentes do desgaste progressivo, sob a forma de espessamento difuso, particularmente nas cavidades esquerdas do coração, sendo comum o aumento da taxa de gordura epicárdica, não havendo alterações degenerativas ligadas diretamente à idade. Endocárdio As alterações encontradas no endocárdio são o espessamento e a opacidade, em especial no coração esquerdo, com proliferação das fibras colágenas e elásticas, fragmentação e desorganização destas com perda da disposição uniforme habitual, devido à hiperplasia irritativa resultante da longa turbulência sanguínea. Estudos cuidadosos, em corações de vários grupos etários, evidenciaram que áreas de espessamento com aspecto focal, já presentes em jovens, acentuam-se e tornam-se difusas na sexta e na sétima década da vida. Após os 60 anos, há focos de infiltração lipídica particularmente no átrio esquerdo. Na oitava década, as alterações escleróticas são observadas de modo difuso em todas as câmaras, sendo que em qualquer idade o átrio esquerdo é o mais profundamente afetado. Miocárdio As mudanças na matriz extracelular do miocárdio são comparáveis àquelas na vasculatura, com colágeno aumentado, diâmetro fibroso aumentado e cruzamento de ligações de colágeno, com aumento na proporção de colágeno dos tipos I e III, diminuição de elastina e fibronectina aumentada, podendo ocorrer aumento na produção de matriz extracelular. A proliferação de fibroblastos é induzida por fatores de crescimento, em particular angiotensinas, fator alfa de necrose tumoral e fator de crescimento derivado de plaquetas; estas mudanças são acompanhadas de perda celular e alterações nas funções celulares. Alterações do miocárdio são as mais expressivas, embora em determinadas necropsias, mesmo de indivíduos idosos, não se destaquem por sua intensidade. No miocárdio há acúmulo de gordura principalmente nos átrios e no septo interventricular, mas pode também ocupar as paredes dos ventrículos. Na maioria dos casos não apresenta expressão clínica, sendo que em algumas situações parece favorecer o aparecimento de arritmias atriais. Observa-se também moderada degeneração muscular com substituição das células miocárdicas por tecido fibroso, sem correlação com lesões de artérias coronárias. Portanto, essas alterações podem ser indistinguíveis das resultantes de isquemia crônica. Depósitos intracelulares de lipofuscina, chamada de pigmento senil, têm sido admitidos como real manifestação biológica do envelhecimento, sendo encontrados na velhice precoce e descritos como um estado chamado de atrofia fosca ou parda, caracterizado por atrofia miocárdica associada a grande acúmulo de lipofuscina, comum em idosos que apresentam doenças consumptivas. O aumento da resistência vascular periférica pode ocasionar moderada hipertrofia miocárdica concêntrica, principalmente de câmara ventricular esquerda. A massa do ventrículo esquerdo (VE) está associada a múltiplos fatores de risco sociodemográficos e cardiovasculares, incluindo idade, sexo, massa corpórea, história de tabagismo, atividade física e hipertensão. Vários estudos populacionais demonstraram que a massa do VE e alterações da geometria são preditores independentes de eventos cardiovasculares, e o tratamento para sua redução apresentou diminuição de eventos. O envelhecimento do VE (ventrículo esquerdo) responde de forma diferente em termos de massa e volume entre homens e mulheres. Em uma população geral de pacientes com idade entre 54 e 94 anos, acompanhados com ressonância magnética cardíaca, houve aumento da massa de VE em homens (8,0 g por década, P < 0,001) e ligeira diminuição em mulheres (−1,6 g por década, P < 0,001), após quase uma década de acompanhamento longitudinal; no entanto, a relação massa-volume aumentou de maneira semelhante em homens e mulheres (0,14 e 0,11 g/mℓ) por década (P < 0,001) respectivamente. Com o passar da idade, pode-se encontrar depósitos de substância amiloide que, com frequência, constitui a chamada amiloidose senil, e sua prevalência aumenta de forma rápida após os 70 anos, podendo atingir 50 a 80% dos indivíduos. A presença de depósitos amiloides está relacionada frequentemente à maior incidência de insuficiência cardíaca, independentemente de outra causa. As consequências da amiloidose senil são variáveis, dependendo da intensidade e eventualmente da localização do processo. O depósito amiloide pode ocupar áreas do nódulo sinoatrial e/ou do nódulo de Tawara, podendo acarretar complicações de natureza funcional, como arritmias atriais, disfunção atrial e até bloqueio atrioventricular. Alterações das valvas Estudos antigos e cuidadosos já evidenciaram que as valvas permaneciam delgadas, flexíveis e delicadas, mesmo em indivíduos idosos, sendo essas alterações observadas em corações normais ou quase normais. O tecido valvar, composto predominantemente por colágeno, está sujeito a grandes pressões. Com o envelhecimento, observam-se degeneração e espessamento dessas estruturas, sendo que, histologicamente, as valvas de quase todos os indivíduos idosos apresentam algum grau dessas alterações, mas somente uma pequena proporção irá desenvolver anormalidades em grau suficiente para desencadear manifestações clínicas. As manifestações acontecem particularmente em cúspides do coração esquerdo, sendo raras em valvas pulmonares e tricúspide. Nas fases iniciais, podemos ter alterações metabólicas com redução do conteúdo de mucopolissacarídeos e aumento da taxa de lipídios; com o aumento da idade, poderemos ter processos moderados de espessamento, de esclerose discreta, de fragmentação colágena com pequenos nódulos na borda de fechamento das cúspides, que se acentuam com a idade. Alterações da valva mitral Calcificação e degeneração mucoide são relativamente frequentes, acometendo principalmente as valvas mitral e aórtica. A calcificação da valva mitral é uma das alterações mais importantes e mais comuns do envelhecimento cardíaco, ocorrendo em 10% das necropsias de indivíduos com mais de 50 anos. Em 50% dos nonagenários, as alterações da valva mitral iniciam-se geralmente na parte média do folheto posterior e estendem-se para a base de implantação, podendo levar a deformação ou deslocamentos da cúspide, sendo caracterizadas por espessamento, depósito de lipídios, calcificação e degeneração mucoide. Na maioria das vezes, a calcificação mitral não provoca manifestações clínicas importantes, mas em alguns casos observa-se um sopro sistólico nítido em área mitral apresentando: Disfunção valvar sob a forma de insuficiência e/ou estenose Alterações na condução do estímulo, pela vizinhança do tecido específico Endocardite infecciosa Condições que levam à formação de insuficiência cardíaca. A degeneração mucoide ou mixomatosa torna o tecido valvar frouxo e, com isso, poderemos ter prolapso e insuficiência mitral. A literatura descreve casos de insuficiência cardíaca e morte súbita provocadas por rupturas das cordoalhas com valvas muito redundantes. A frequência de endocardite infecciosa sem doença cardíaca aparente geralmente aumenta com a idade, devido às alterações degenerativas do envelhecimento cardíaco, levando alguns autores a indicar a profilaxia medicamentosa antes de procedimentos de risco em idosos portadores de calcificação e degeneração mixomatosa. Alterações da valva aórtica À semelhança do que ocorre na valva mitral, o processo mais importante na valva aórtica é a calcificação, com alterações pouco significativas sob a forma de acúmulo de lipídios, de fibrose e de degeneração colágena, que podem estender-se ao feixe de His, com a presença de áreas fibróticas nas bordas das cúspides, constituindo as chamadas excrescências de Lambia. A calcificaçãoé mais frequente em indivíduos do sexo masculino, sendo já relatada, em estudos antigos, a ocorrência de esclerose primária de Monkberg. As experiências demonstram que há habitual relação entre calcificações da valva mitral e aórtica e, em muitos casos, concomitantes calcificações de artérias coronárias. Na maioria dos casos, as alterações estruturais não acarretam manifestações clínicas, observando-se sopro sistólico em área aórtica, não sendo, geralmente, encontrada estenose valvar sem comprometimento da abertura das cúspides. O diagnóstico diferencial entre os estados de calcificação, com e sem estenose valvar, é importante para a conduta clínica. A estenose aórtica foi durante muito tempo considerada uma condição degenerativa associada à idade em que o “desgaste” resultava na formação progressiva de cálcio dentro da válvula. De acordo com conhecimentos atuais, a mesma pode ser dividida em duas fases distintas: uma fase inicial precoce dominada por deposição valvar de lipídios, lesão e inflamação apresentando muita semelhança com a aterosclerose e uma fase de evolução tardia, em que os fatores pró-calcificantes e pró-osteogênicos em última análise causam a progressão da doença. A ligação aparente entre lipídios, inflamação e calcificação nas fases iniciais da estenose aórtica e as semelhanças patológicas com aterosclerose levaram à premissa de que as estatinas podem ser benéficas em pacientes com estenose aórtica. Esta hipótese foi apoiada por dados encorajadores de estudos não randomizados em humanos e em modelos de animais hipercolesterolêmicos, demonstrando que a deposição de lipídios e o estresse oxidativo precedem a conversão de células intersticiais valvulares para um fenótipo osteoblástico e que este processo é inibido pela atorvastatina. No entanto, quando as estatinas foram formalmente testadas em três ensaios independentes, randomizados e controlados de pacientes com estenose aórtica, cada um demonstrou uma ineficiência desta terapêutica para interromper ou retardar a progressão da estenose aórtica, apesar de reduzir as concentrações de colesterol LDL no soro pela metade. Este fato levou os pesquisadores a reexaminarem a fisiopatologia da estenose aórtica e perceberem que embora a inflamação e a deposição de lipídios possam ser importantes no estabelecimento da doença (fase inicial), as fases posteriores são caracterizadas por um ciclo aparentemente de autoperpetuação na formação de cálcio e lesão valvular (fase de propagação). Uma vez que esta fase de propagação foi estabelecida, a progressão da doença não é ditada por inflamação ou pela deposição de lipídios, mas sim pelo acúmulo implacável de cálcio nos folhetos da válvula. Isto pode explicar a falha das estatinas em modificar a progressão da doença na estenose aórtica, que comumente se apresenta para além da fase de iniciação. Alterações do sistema de condução ou específico Processos degenerativos e/ou depósitos de substâncias podem ocorrer desde o nódulo sinusal aos ramos do feixe de His. O envelhecimento é acompanhado de acentuada redução das células do nó sinusal, podendo comprometer o nó atrioventricular e o feixe de His. A infiltração gordurosa separando o nó sinusal da musculatura subjacente contribui para o aparecimento de arritmia sinusal, sendo a mais frequente nessa faixa etária a fibrilação atrial. Essas alterações se instalam de forma lenta e gradual após os 60 anos e não estão, geralmente, relacionadas com a doença coronariana, sendo que os distúrbios do ritmo relacionados com esse processo variam de arritmias benignas até bloqueios de ramos que evoluem para bloqueios atrioventriculares, podendo levar até a crises de Stokes-Adams. Alterações da aorta A modificação principal que ocorre, sem considerar a arteriosclerose, seria a alteração na textura do tecido elástico e o aumento do colágeno. Os processos ocorrem na camada média, sob a forma de atrofia, de descontinuidade e de desorganização das fibras elásticas, aumento de fibras colágenas e eventual deposição de cálcio. A formação de fibras colágenas não distensíveis predomina sobre as responsáveis pela elasticidade intrínseca que caracteriza a aorta jovem, resultando, portanto, em redução da elasticidade, maior rigidez da parede e aumento do calibre. A dilatação da raiz da aorta é cerca de 6% em média entre a quarta e a oitava década. Normalmente, as implicações clínicas das modificações da parede e do diâmetro da aorta são pouco acentuadas e observa-se, ocasionalmente, aumento da pressão sistólica e da pressão de pulso, com moderadas repercussões sobre o trabalho cardíaco. Em alguns casos podemos ter dilatação da artéria e aumento do anel valvar com certo grau de insuficiência das cúspides, a chamada insuficiência aórtica isolada, quase sempre assintomática, com sopro diastólico curto audível em área de base ou ápice do coração, sem os sinais periféricos da insuficiência aórtica significativa. Outra alteração estrutural metabólica importante é a amiloidose senil da aorta que se desenvolve independentemente da arteriosclerose, e ainda poderemos ter a calcificação da parede aórtica com graus diversos de intensidade e incidência. Alterações arteriais do envelhecimento As alterações do fenótipo arterial associadas à idade resultam em uma infinidade de distúrbios estruturais e funcionais progressivos que reduzem a distensibilidade e aumentam a rigidez da parede arterial. O aumento da rigidez arterial provoca aumento da pós- carga diretamente pela diminuição da complacência arterial e, indiretamente, acelera a velocidade de propagação da onda de pulso pelo sistema vascular, promovendo um retorno precoce ainda no período sistólico na parede da raiz da aorta, ocorrendo, como consequência, um pico tardio da pressão sistólica com aumento desta, bem como aumento da pressão de pulso e aumento da pós-carga. Como resultado do envelhecimento, além do aumento da pressão sistólica e da pressão de pulso, há diminuição da pressão diastólica. A elevação crônica da pressão de pulso transmitida ao cérebro e ao rim causa dano ao fluxo arterial destes órgãos, levando a encefalopatia vascular e insuficiência renal crônica. Embora estas alterações que acompanham o avanço da idade tenham sido sempre consideradas como envelhecimento arterial “fisiológico”, estas mudanças estão longe de serem assim entendidas e são mais apropriadamente caracterizadas como fisiopatológicas. Há uma lacuna substancial em nosso conhecimento entre o que está acontecendo na estrutura da parede arterial, no que diz respeito à microscopia e o que acontece in vivo. Caracteristicamente, há fragmentação e calcificação das fibras elásticas, aumento da deposição de colágeno, deposição amiloide na camada média e migração e proliferação de células vasculares do músculo liso. Os processos que conduzem a mudanças estruturais e funcionais da matriz celular, associadas à idade na parede arterial, são movidos por um microambiente próinflamatório, mediado por fatores mecânicos e humorais. A resposta inicial do organismo ao estresse é moderada por aumento na sinalização adrenérgica. O receptor de sinalização em cascata a jusante resulta em maior ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona e sinalização da endotelina, mecanismos utilizados para responder ao estresse crônico. É importante ressaltar que células vasculares endoteliais e células vasculares do músculo liso mudam seus fenótipos para produzir citocinas inflamatórias. Outros fatores que também desempenham um papel-chave na inflamação arterial são AGTRAP e SIRT1, reguladores negativos da sinalização dos receptores de angiotensina, que levam a pró-inflamação e, consequentemente, remodelação associada à idade. Envelhecimentoda parede arterial é bastante semelhante em seres humanos, primatas, coelhos e ratos, e envolve processos inflamatórios associados ao estresse oxidativo. Em artérias de animais jovens, em resposta à indução experimental de hipertensão, diabetes ou aterosclerose precoce, parte deste perfil pró- inflamatório no interior da parede arterial é muito semelhante ao perfil mediado pela angiotensina II, com o avançar da idade. Surpreendentemente, a administração contínua de angiotensina II para animais jovens por 30 dias induz uma rápida deterioração de suas artérias, fazendo com que pareçam mais velhos. Além disso, a inibição da sinalização da angiotensina II e ou restrição calórica exerce melhoria acentuada da inflamação crônica e, em alguns casos, também aumento da longevidade. Alterações das artérias coronárias As alterações das artérias coronárias não são, em geral, expressivas quando não é considerada a arteriosclerose vascular, podendo ser encontradas, como condição habitual de envelhecimento, perdas de tecido elástico e aumento do colágeno acumulando-se em trechos proximais das artérias. Eventualmente, ocorre depósito de lipídios com espessamento da túnica média. É comum a presença de vasos epicárdicos tortuosos, ocorrendo mesmo quando não há diminuição dos ventrículos. No coração, a coronária esquerda altera-se antes da direita. Essas alterações são diferentes da arteriosclerose; outra situação discutida seria a de artérias coronárias dilatadas, que não encontrou apoio em verificações de necropsia antigas. Outra alteração significativa é a calcificação das artérias coronárias epicárdicas, observada com frequência em indivíduos muito idosos e muito comuns nessa população, podendo atingir o tronco coronário e as três grandes artérias, ocupando geralmente o terço proximal desses vasos. A calcificação da artéria coronária (CAC) resulta em redução na complacência vascular, respostas vasomotoras anormais e perfusão miocárdica diminuída. A presença de CAC está associada a piores resultados na população geral e em pacientes submetidos à revascularização. A prevalência de CAC é idade e sexo-dependente, ocorrendo em 90% dos homens e 67% das mulheres com mais de 70 anos de idade. A extensão da CAC correlaciona-se fortemente ao grau de aterosclerose e à taxa de futuros eventos cardíacos. A tomografia computadorizada com base nos escores de cálcio adiciona valor prognóstico nos eventos cardíacos, especialmente em pacientes de risco intermediário, como demonstrado em uma população geral de pacientes idosos assintomáticos com idade 69,6 ± 6,2 anos do Estudo Rotterdam em que 52% dos homens e mulheres foram reclassificados, em categorias de risco mais precisas utilizando-se o escore de cálcio coronário associado a um modelo de Framingham modificado. A patogênese da CAC e a formação óssea compartilham vias comuns, e diversos fatores de risco que contribuem para a sua iniciação e progressão foram identificados. Calcificação aterosclerótica ocorre principalmente na íntima. No entanto, a calcificação na média que anteriormente era considerada um processo benigno associa-se frequentemente com idade avançada, diabetes e doença renal crônica levando à rigidez arterial, aumentando assim o risco de eventos cardiovasculares. Adicionalmente, o sistema renina- angiotensina pode desempenhar um papel na calcificação da media, porque bloqueadores dos receptores da angiotensina II tipo 1 abolem o desenvolvimento da CAC em modelo pré-clínico. O ativador do receptor do fator nuclear-kappaB (osteoprotegerina) surgiu como uma potencial interface entre osteoporose e CAC. Dados epidemiológicos em humanos sugerem que os níveis mais elevados de osteoprotegerina estão associados com CAC e eventos cardiovasculares. Curiosamente, a ingestão de uma dieta rica em cálcio não apresentou associação com a CAC, e não foi observada relação entre a ingestão de cálcio na dieta e doença arterial coronária. Estes dados sugerem que CAC seja resultado de mecanismos aberrantes de regulação em vez de simples sobrecarga de cálcio. É necessário melhor compreensão das vias que contribuem para a CAC, permitindo que terapias mais eficazes sejam desenvolvidas. SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO Há uma grande influência do sistema nervoso autônomo sobre o desempenho cardiovascular. Vários estudos demonstraram que a eficácia da modulação beta-adrenérgica sobre o coração e os vasos diminui com o envelhecimento, mesmo que os níveis de catecolaminas estejam aumentados, principalmente durante o esforço. Os mecanismos bioquímicos responsáveis por essas alterações ainda não estão bem estabelecidos. Acredita-se que haja uma falha nos receptores beta-adrenérgicos, ocasionada pelo aumento dos níveis de catecolaminas, principalmente a norepinefrina, que frequentemente está aumentada nos idosos. A magnitude da deficiência beta- adrenérgica associada ao envelhecimento pode ser tão intensa quanto na insuficiência cardíaca. As consequências funcionais da diminuição da influência simpática sobre o coração e vasos do idoso são observadas principalmente durante o exercício; portanto, à medida que o idoso envelhece o aumento do débito cardíaco durante o esforço se obtém com o maior uso da lei de Frank-Starling com dilatação cardíaca, aumentando o volume sistólico para compensar a resposta atenuada da frequência cardíaca. O efeito vasodilatador dos agonistas beta-adrenérgicos sobre a aorta e os grandes vasos também diminui com a idade, bem como a resposta inotrópica do miocárdio às catecolaminas e a capacidade de resposta dos barorreceptores às mudanças de posição. FUNÇÃO CARDIOVASCULAR O envelhecimento determina modificações estruturais que levam à diminuição da reserva funcional, limitando o desempenho durante a atividade física, bem como reduzindo a capacidade de tolerância em várias situações de grande demanda, principalmente nas doenças cardiovasculares. O débito cardíaco pode diminuir em repouso, principalmente durante o esforço, tendo influência importante do envelhecimento por meio de vários determinantes listados a seguir: Diminuição da resposta de elevação da frequência cardíaca ao esforço ou outro estímulo; Diminuição da complacência do ventrículo esquerdo mesmo na ausência de hipertrofia miocárdica, com retardo no relaxamento do ventrículo, com elevação da pressão diastólica desta cavidade, levando à disfunção diastólica do idoso, muito comum, e que se deve principalmente à dependência da contração atrial para manter o enchimento ventricular e o débito cardíaco; Diminuição da complacência arterial, com aumento da resistência periférica e consequente aumento da pressão sistólica, com aumento da pós-carga dificultando a ejeção ventricular devido às alterações estruturais na vasculatura; Diminuição da resposta cronotrópica e inotrópica às catecolaminas, mesmo com a função contrátil do ventrículo esquerdo preservada; Diminuição do consumo máximo de oxigênio (VO2 máx.) pela redução da massa ventricular encontrada no envelhecimento; Diminuição da resposta vascular ao reflexo barorreceptor, com maior suscetibilidade do idoso à hipotensão; Diminuição da atividade da renina plasmática, sendo que nos hipertensos poderemos encontrar níveis de aldosterona plasmática normais, com diminuição da resposta ao peptídeo natriurético atrial, embora a sua concentração plasmática esteja aumentada; No idoso teremos maior prevalência de hipertensão sistólica isolada, mais frequente do que a sistodiastólica acima dos 70 anos, estando associada ao maior risco de doenças cardio e cerebrovasculares. Com o envelhecimento, o débito cardíaco poderá estar normal ou diminuído, sendo que o coração idoso é competenteem repouso, com resposta ao esforço alterada, podendo facilmente entrar em falência quando submetido a maior demanda, como na presença de doenças cardíacas ou mesmo sistêmicas. ALTERAÇÕES CARDÍACAS DO ENVELHECIMENTO A função da bomba cardíaca em repouso, isto é, a fração de ejeção e o débito cardíaco não se alteram com o envelhecimento; a menor capacidade de adaptação no idoso ocorre principalmente devido à diminuição da resposta beta-adrenérgica, pelo comprometimento do enchimento diastólico do ventrículo esquerdo e pelo aumento da pós-carga pela rigidez arterial. Outra influência no envelhecimento cardiovascular é o estilo de vida cada vez mais sedentário com a idade. Estudos transversais em idosos sem doenças cardiovasculares demonstraram aumento da espessura do ventrículo esquerdo, o que se agrava progressivamente com a idade; foi ainda observado aumento do tamanho do miócito em necropsia apesar da diminuição do seu número e alteração nas propriedades físicas do colágeno. As propriedades diastólicas do ventrículo esquerdo (VE) não são somente determinadas pelos miócitos, mas também pelos vasos, nervos e tecido conjuntivo composto de fibroblastos, como o enchimento diastólico inicial do VE, e diminuem progressivamente após os 20 anos, chegando à redução de 50% aos 80 anos. O envelhecimento provoca também alterações importantes nas propriedades passivas do VE, alterando sua distensibilidade e função diastólica. A disfunção diastólica é cada vez mais observada em idosos, na ausência de insuficiência cardíaca sistólica. A presença de disfunção diastólica, que pode ser consequência das alterações estruturais e funcionais decorrentes do envelhecimento, acrescidas de fatores de risco para doença cardiovascular, promove reduzida capacidade de adaptação às sobrecargas de volume e/ou pressão, e são a essência da fase inicial da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, ficando na fronteira entre o envelhecimento fisiológico do coração e condições patológicas. É especialmente prevalente em mulheres idosas e é uma causa crescente de internações hospitalares. O ecocardiograma realizado em uma coorte de ratos mostrou que o índice de massa ventricular esquerda e a dimensão do átrio esquerdo aumentam significativamente com a idade. A função diastólica, medida pelo Doppler tecidual, declina com a idade, enquanto a função sistólica não demonstrou uma redução significativa comparativamente ao adulto jovem. Quando se avalia a função cardiovascular em adultos, entre 20 e 85 anos, encontramos várias modificações que resultam do envelhecimento, sendo as mais importantes o aumento da espessura do VE, alterações no padrão de enchimento ventricular, comprometimento da fração de ejeção durante o exercício e alterações do ritmo cardíaco, não resultando em doenças, mas comprometendo a reserva do coração e alterando o prognóstico das doenças cardiovasculares, bem como sua gravidade. As alterações do envelhecimento são também evidenciadas no ambiente intravascular. O conteúdo de fosfolipídio das plaquetas é alterado, e a atividade das plaquetas é aumentada. Níveis aumentados de inibidor do ativador do plaminogênio (PAI-1) são observados com o envelhecimento, especialmente durante estresse, resultando em fibrinólise prejudicada. Citocinas inflamatórias circulantes, especialmente a interleucina-6, também aumentam com a idade e podem desempenhar um papel importante na patogênese das síndromes coronarianas agudas. Todas estas mudanças são responsáveis pelo aumento de desenvolvimento da aterosclerose. 2. DESCREVER A FISIOPATOLOGIA DOS PROCESSOS INFLAMATÓRIOS CRÔNICOS VASCULARES. A inflamação pode ser definida como a reação do tecido vivo vascularizado à injúria local. Invertebrados sem sistema vascular, organismos unicelulares e parasitas pluricelulares têm suas próprias respostas aos estímulos externos danosos. A injúria representa um número de agressões de natureza diversa: química, física ou biológica. A resposta inflamatória às injúrias, apesar de complexa, manifesta-se de maneira essencialmente estereotipada, caracterizada basicamente pela reação de vasos sanguíneos, levando ao acúmulo de fluidos e células sanguíneas. Deve-se lembrar, entretanto, que em sua complexidade, em estímulos de média ou alta intensidade, o processo envolve o organismo como um todo, passando o sistema neuroendócrino a exercer mecanismos modulatórios sobre o mesmo, ora inibindo ora facilitando o seu desenvolvimento. Nesse sentido, por exemplo, hormônios do córtex adrenal, especificamente os corticosteroides, atuam como anti- inflamatórios, enquanto que a insulina, produzida pelas células α do pâncreas endócrino, desempenha papel facilitador, ou pró-inflamatório. O processo inflamatório, sob determinado ponto de vista, pode ser encarado como um mecanismo de defesa do organismo e, como tal, atua destruindo (fagocitose e anticorpos), diluindo (plasma extravasado) e isolando ou sequestrando (malha de fibrina) o agente agressor, além de abrir caminho para os processos reparativos (cicatrização e regeneração) do tecido afetado. Entretanto, a inflamação pode ser potencialmente danosa, uma vez que em sua manifestação pode lesar o próprio organismo, às vezes de forma mais deletéria que o próprio agente injuriante, como ocorre, por exemplo, na artrite reumatoide do homem e em alguns tipos de pneumonia. Mas, a tendência da maioria dos estudiosos ao se referir a este processo concentra-se em exaltar suas ações benéficas e minimizar as indesejáveis. De um modo geral, em resposta a um estímulo lesivo (físico, químico ou biológico), o organismo animal reage com a liberação, ativação ou síntese de substâncias conhecidas como mediadores químicos ou farmacológicos da inflamação, que determinam uma série de alterações locais, que se manifestam inicialmente por dilatação de vasos da microcirculação, aumento do fluxo sanguíneo e da permeabilidade vascular, com extravasamento de líquido plasmático e formação de edema, diapedese de células para o meio extravascular, fagocitose, aumento da viscosidade do sangue e diminuição do fluxo sanguíneo, podendo ocorrer até uma estase. Assim, o processo inicial, agudo, se manifesta localmente de forma uniforme, padronizada ou estereotipada, qualquer que seja a natureza do estímulo lesivo. Deve-se, no entanto, ter em mente que se trata de um processo único e que estes fatores estão intimamente relacionados, e é a natureza do estímulo que originou a inflamação que irá determinar o curso de sua evolução, agudo ou crônico, bem como o tipo de exsudato inflamatório agudo, se purulento, hemorrágico, fibrinoso, mucoso, seroso, ou misto. E, muito embora a reação inflamatória se manifeste localmente, ela envolve o organismo como um todo, com a participação dos sistemas nervoso e endócrino na regulação do processo e o aparecimento de manifestações gerais, dentre outras a febre, leucocitose, taquicardia, fibrinólise, alterações na bioquímica do sangue. ALTERAÇÕES VASCULARES NA INFLAMAÇÃO AGUDA As alterações que ocorrem nos vasos sanguíneos da microcirculação nas primeiras horas após uma injúria subletal envolvem, em graus variados, três tipos de processos, a saber: • modificação no calibre dos vasos e no fluxo sanguíneo; • aumento da permeabilidade vascular; • exsudação de plasma e de células para o meio extra- vascular. Uma vez desenvolvida a reação inicial à injúria, a extensão da lesão local dependerá da intensidade, natureza e duração do estímulo lesivo. Assim, se este for de curta duração, ou rapidamente anulado pelos mecanismos de defesa do organismo, as alterações inflamatórias sofrerão rápida resolução ou deixarão uma quantidade variável de tecido cicatricial na área lesada.Entretanto, muitos estímulos nocivos são de duração mais longa e a injúria tissular poderá continuar além do período necessário para o desenvolvimento completo dos estágios iniciais do processo inflamatório; neste caso as alterações subsequentes na área afetada dependerão da natureza do agente lesivo. Dessa forma, a inflamação é dividida nos padrões agudo e crônico, segundo a idade, duração ou tempo de evolução do processo. A inflamação aguda é de curta duração, de alguns minutos ou horas ou um a dois dias, dependendo do estímulo causal, e suas principais características são a exsudação de fluidos e proteínas do plasma e emigração de leucócitos, predominantemente neutrófilos. Qualquer que seja a natureza do agente injuriante, a inflamação aguda é mais ou menos estereotipada ou uniforme. Isso pressupõe a participação de substâncias comuns no processo, os mediadores químicos da inflamação, assunto que será abordado mais tarde. Já a inflamação crônica é menos uniforme. De duração mais longa, é associada histologicamente com a presença de linfócitos e macrófagos e com a proliferação de vasos sanguíneos (neoangiogênese) e do tecido conjuntivo (fibroplasia). Muitas das respostas vasculares e celulares são mediadas por fatores químicos derivados da ação do estímulo inflamatório sobre células e plasma. Uma série desses mediadores agindo em conjunto, ou sequencialmente, influencia então a evolução da resposta inflamatória. Mas, é importante lembrar que determinados estímulos como toxinas, bactérias e isquemia causam diretamente necrose celular, e o tecido necrótico, por sua vez, pode desencadear a secreção de mediadores da inflamação. Atualmente, as Doenças Cardiovasculares (DCV) atingem mais de 83,6 milhões de americanos, sendo estimados gastos públicos por volta de 300 bilhões de dólares ao ano. No Brasil, as DCV estão entre as principais causas de morte. Em 2007, a mortalidade atribuível a essas doenças foi em torno de 250 por 100 mil pessoas. Sendo essa prevalência maior do que nos EUA, de 179 por 100 mil. O endotélio é uma camada que reveste a parte interna dos vasos sanguíneos, sendo um extenso tecido celular que recobre toda a malha vascular, desde grandes veias e artérias até pequenos vasos, arteríolas e capilares. O endotélio contribui para a homeostase vascular e possui múltiplas funções endócrinas, autócrinas e parácrinas; por isso, é responsável pela síntese de substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras. O endotélio íntegro desempenha um papel protetor do vaso sanguíneo. Essa ação acontece através de estímulos fisiológicos, como o estresse de cisalhamento (shear stress) exercido pelo fluxo sanguíneo sobre as células endoteliais, que resulta na formação de óxido nítrico (NO), cuja função é manter o vaso sanguíneo em um estado constante de vasodilatação. Por outro lado, a endotelina-1 (ET-1) age em sentido oposto ao NO, com efeito vasoconstritor. A disfunção endotelial é um desbalanço entre vasodilatação e vasoconstrição, e está relacionada à aterosclerose e aos eventos cardiovasculares. A mesma é também caracterizada por um desequilíbrio entre mediadores que regulam o tônus vascular e a hemostasia. Alguns fatores de risco, como dislipidemia e hipertensão arterial, causam dano vascular e perda progressiva das funções protetoras do endotélio, aumentando, deste modo, o estresse oxidativo e a inflamação. A inflamação parece ser um ponto chave em todos os estágios do processo da aterosclerose, desde o nascimento da lesão até o evento coronariano. O processo inflamatório vascular crônico está relacionado fundamentalmente com a capacidade do endotélio de secretar citocinas pró-inflamatórias, fatores e moléculas de adesão. Algumas citocinas e fatores, como Interleucina-6 (IL-6) e Fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), respectivamente, são liberados pelo endotélio e estimulam moléculas de adesão, aumentando o risco vascular. A IL-6 é uma importante citocina envolvida em diversos processos imunológicos e atua na regulação metabólica da Proteína C-Reativa (PCR). Durante uma reação inflamatória, a IL-6 e a PCR podem causar efeitos indesejáveis em diversos órgãos. Portanto, o aumento dos níveis séricos de IL-6 e PCR pode causar um down regulation na produção de NO, por inibição da enzima óxido nítrico sitase endotelial (eNOS), facilitando a formação de trombos e, consequentemente, o risco de eventos cardiovasculares. FUNÇÃO ENDOTELIAL O endotélio há algum tempo, tem sido reconhecido não apenas como uma barreira física entre o sangue e a parede vascular, mas também como um órgão estrategicamente localizado e com múltiplas funções endócrinas, autócrinas e parácrinas. O endotélio é um tecido altamente especializado, que regula a homeostase vascular. Suas funções básicas consistem na regulação do tônus vascular, da adesão de leucócitos, do crescimento das células musculares lisas e da agregação plaquetária. Fisiologicamente, o endotélio desempenha papel protetor do vaso sanguíneo. Essa ação acontece através de estímulos fisiológicos, como o shear stress, exercido pelo fluxo sanguíneo sobre as células endoteliais, que resulta na formação basal de NO (óxido nítrico), mantendo o vaso sanguíneo em um estado constante de vasodilatação. O NO participa ativamente de muitas das funções protetoras exercidas pelo endotélio intacto e, em conjunto com a Prostaciclina-2 (PGI-2), exerce potente efeito antiaterogênico, prevenindo a adesão e a agregação plaquetária. Palmer e colaboradores, em um estudo in vivo, demonstraram claramente que o NO e a ET-1, agindo em sentidos opostos, regulam o tônus vascular e a pressão arterial. A perda da integridade funcional ou a disfunção endotelial também está ligada a uma diminuição da expressão do NO e a um aumento da ET- 114. A disfunção endotelial refere-se a um desequilíbrio na produção endotelial de mediadores que regulam o tônus vascular, a agregação plaquetária, a coagulação e a fibrinólise, sendo o tônus vascular o aspecto mais estudado. A disfunção endotelial também é frequentemente referida como piora no relaxamento dependente do endotélio, causada, entre outros aspectos, pela perda da biodisponibilidade do NO. Algumas doenças como hipertensão arterial, diabetes mellitus, insuficiência cardíaca e hipercolesterolemia, podem causar danos ao endotélio, gerando disfunção endotelial, que, muitas vezes, está relacionada à aterosclerose e aos eventos cardiovasculares. FUNÇÃO ENDOTELIAL E INFLAMAÇÃO A inflamação parece ser um dos principais pontos de um processo aterosclerótico, desde o nascimento da lesão até o evento coronariano. A inflamação causa um aumento da produção de Espécies Reativas de Oxigênio (EROs), que acaba ocasionando um processo de disfunção endotelial. A principal característica da disfunção endotelial é o prejuízo na vasodilatação dependente do endotélio, resultado de um desequilíbrio entre a síntese de NO e a produção de EROs; esse desequilíbrio pode ser diagnosticado utilizando um método de reatividade vascular por ultrassonografia. Em uma parede vascular intacta, o NO é sintetizado pela eNOS e representa um potente vasodilatador. Em um vaso sanguíneo com processo de aterosclerose, duas isoformas da NOS contribuem para produção de NO, a neuronal (nNOS) e a induzível (iNOS), esta estimulada por citocinas pró- inflamatórias. Em algumas condições, o aminoácido L- arginina (substrato da enzima), na falta do cofator tetra-hidrobiopterina, poderia, através da NOS, produzir superóxido em maior quantidade do que NO (óxido nítrico), em uma condição conhecida como desacoplamento da NOS. Óxido nítrico e superóxido juntos podem formar peroxinitrito, podendo levar à oxidação da tetra-hidrobiopterina, um cofator crítico para a eNOS, perpetuando umciclo vicioso de produção de EROs. Alguns estudos mostram marcadores inflamatórios, como IL-6 e PCR, atuando diretamente nesse down regulation da NO e diminuindo a vasodilatação dependente do endotélio, aumentando com isso o processo de disfunção endotelial através da diminuição da concentração de NO e do aumento de ET-1. Crescente número de estudos em humanos tem relacionado o aumento da inflamação com a diminuição da disponibilidade de NO, promovendo evidências de que inflamação ou infecção crônica pode causar disfunção endotelial. Por exemplo, os autores têm investigado diferenças na função endotelial após administrações agudas de fatores pró-inflamatórios em sujeitos jovens. Alternativamente, investigadores estão completando estudos observacionais que demonstram correlações entre aumentos de marcadores pró-inflamatórios circulantes e diminuição da função endotelial em diversas populações e tipos de patologias. As inflamações crônicas de baixo grau podem ser causadas por diversos fatores, tais como lesões crônicas, diabetes e obesidade, entre outras doenças. O aumento da inflamação provoca aumento na síntese de células, citocinas e proteínas pró-inflamatórias, como neutrófilos, monócitos, IL-6, TNFa e PCR, dentre outras. O aumento de neutrófilos e macrófagos em resposta à inflamação provoca uma maior síntese de IL- 6 que, por sua vez, aumenta a produção de PCR no fígado. A PCR diminui a atividade da eNOS, diminuindo assim a disponibilidade de NO (vasodilatador), e aumenta a concentração de ET-1 (vasoconstritor); diminui-se, dessa forma, o processo de vasodilatação dependendo do endotélio. Essa diminuição da vasodilatação provoca um maior estresse de cisalhamento e, consequentemente, maiores danos ao vaso sanguíneo, favorecendo assim o processo de aterosclerose e formação de trombos. Além disso, esse vaso sanguíneo em processo de aterosclerose também libera as mesmas substâncias pró-inflamatórias, aumentando ainda mais o processo inflamatório e o dano vascular. IL-6 E ENDOTÉLIO A IL-6 é uma citocina com atuação tanto na resposta imune inata como na adaptativa. É sintetizada por monócitos, células endoteliais, fibroblastos e outras células em resposta a microrganismos, mas também é estimulada por outras citocinas, principalmente interleucina-1 (IL-1) e TNF-α. Uma vez que está envolvida em uma série de atividades imunológicas, em especial a síntese de substâncias de fase aguda pelo fígado, a IL-6 é um importante marcador inflamatório, estando envolvida na regulação metabólica da PCR. Tal como o seu receptor (gp130), a IL-6 é amplamente expressa durante uma reação inflamatória, produzindo efeitos indesejáveis em vários órgãos. A IL-6, normalmente, é expressa em níveis baixos, exceto durante infecção, trauma ou outros fatores estressantes. Entre os vários fatores que regulam a expressão do gene da IL-6, estão o estrógeno e a testosterona. Após a menopausa ou a andropausa, os níveis séricos de IL-6 são elevados mesmo na ausência de infecção, trauma ou estresse. A hiperglicemia, característica da intolerância à glicose, tem relação com a síntese imediata de marcadores como IL-6, com variações dos níveis séricos positivamente relacionados e com aumentos mais significativos na hiperglicemia em pulsos, situação comum no diabético. Propôs-se que o aumento da idade associado à elevação sérica da IL-6 é responsável por algumas das mudanças fenotípicas da idade avançada, especialmente aquelas relacionadas à doença inflamatória crônica – diminuição da massa corporal magra, osteopenia, anemia, diminuição da albumina e aumento de proteínas inflamatórias, como PCR. Além disso, o aumento da idade associado a IL-6 tem sido vinculado a doenças linfoproliferativas, mieloma múltiplo, osteoporose e doença de Alzheimer. A IL-6 desempenha papel importante no processo de ruptura ou erosão da placa de aterosclerose, e tem seus valores séricos aumentados nesses eventos. Esse aumento pode estar relacionado ao aumento da PCR, já que a IL-6 promove a síntese hepática dessa proteína; porém, também a PCR tem seu efeito aterogênico, mediado em parte pela síntese de IL-6. Em homens saudáveis, níveis elevados de IL-6 estão associados ao risco aumentado de futuras isquemias miocárdicas. Os marcadores inflamatórios já estão bem estabelecidos no desenvolvimento da doença aterosclerótica e são úteis na predição de risco cardiovascular entre os indivíduos de meia idade. Alguns estudos demonstraram o papel dos níveis de PCR como um importante fator de risco cardiovascular em indivíduos saudáveis. Entretanto, alguns autores contestam esta associação. Uma pesquisa incluindo apenas idosos mostrou que a PCR e o fibrinogênio podem não ser tão úteis quanto a IL-6 e o TNF-α. Em pacientes com 65 anos ou mais, IL-6 e TNF-α têm se mostrado bons preditores de eventos cardiovasculares. Ramos et al. avaliaram o tempo para a estabilização da placa aterosclerótica nas Síndromes Coronarianas Agudas (SCA), a partir de marcadores inflamatórios como PCR, TNF-α, fibrinogênio e IL-6, e concluíram que somente a IL-6 se correlacionou de maneira significativa e independente com o surgimento de eventos cardiovasculares futuros. Esse trabalho observou ainda que fibrinogênio e o TNF-α não foram úteis na avaliação da estabilização da placa, pelo fato de não se elevarem significativamente em relação ao grupo controle. Ainda não há consenso sobre métodos de dosagem e valores de referência para a IL-6, observando-se os diversos trabalhos que utilizaram esse marcador e que foram pesquisados nesta revisão. A utilização rotineira das dosagens de citocinas, como a IL-6 e outros marcadores de atividade inflamatória como a PCR, ainda depende de mais observações; note-se que estas são metodologias de custo elevado. PROTEÍNA C-REATIVA (PCR) E ENDOTÉLIO A PCR, sintetizada nos hepatócitos sob estímulo primário da IL-6, é um marcador inflamatório. Em condições inflamatórias agudas, há elevação de seus níveis no período de seis a oito horas iniciais, podendo atingir valores de até 300 mg/dl em 48 horas. Por seu papel na inflamação e por apresentar traços normalmente detectados no sangue, é utilizada como preditor de risco para eventos cardiovasculares, através de sua interação com os fatores de risco clássicos, como Creatina kinase (CK) e Lactato desidrogenase (LDH). A PCR pode ser considerada um biomarcador para o processo de disfunção endotelial e, em concentrações suprafisiológicas, como preditora de doença vascular. A PCR tem grande participação na down regulation da eNOs e também na transcrição das células endoteliais, levando assim à desestabilização da eNOS-RNA. Esse processo resulta na redução da liberação de NO (óxido nítrico). Sua relação com a deficiência de eNOS parece ser o ponto importante na aterogênese e tal influência pode ser facilmente observada quando são avaliadas culturas de células endoteliais de aorta humana. A expressão da eNOS (abundantes neste tipo de cultura), após pré-incubação com PCR, reduz-se significativamente, o que gera um aumento significativo das moléculas de adesão. A PCR pode agir ainda como estimuladora da endotelina ET-1, reguladora das moléculas de adesão, facilitando a entrada de LDL no macrófago por meio das MCP-1. Atua também como regulador do fator nuclear Kappa- beta, responsável pela facilitação de numerosos genes pró-ateroscleróticos, agindo ainda no nível das prostaciclinas vasodilatadoras, levando à redução de sua produção. A PCR induz à instabilização da camada fibrosa do ateroma, através do estímulo da matriz da metaloproteinase-1 (MMP-1), liberada com a degradação de colágeno e proteínas, assim como diminui a fibrinólise e promove a síntese do Inibidor do Ativador de Plasminogênio (PAI-1).Observa-se um aumento na adesão e na ativação plaquetária quando a PCR é liberada pelo fator tissular dos monócitos, reduzindo a concentração de NO e prostaciclinas. A PCR pode agir ainda como mediadora na formação da placa aterosclerótica, através de sua participação na inibição das proteínas mediadoras do complemento. O sistema de complementos consiste em uma complexa cascata enzimática de proteínas reguladoras que normalmente participam de mecanismos de defesa através das vias de opsonização, quimioatração de leucócitos, lise e ativação celular, além de sua atuação na promoção de fenótipo inflamatório. Alguns estudos mostram ainda que a PCR, quando em seus níveis aumentados, pode desregular o balanço entre coagulação e fibrinólise. A PCR diminui a concentração do Ativador de Plasminogênio (tPA), responsável pela lise de coágulos na parede vascular, e aumenta a concentração do PAI-1, que inibe o processo de fibrinólise. Isso facilita a formação de trombos na parede endotelial, aumentando também os riscos para eventos cardiovasculares. Portanto, a PCR, além de um marcador inflamatório de aterosclerose e eventos coronarianos, é também um mediador de doença devido à sua contribuição na formação de lesão, na ruptura das placas e nos mecanismos de trombose coronariana. ATEROSCLEROSE Prevalência e significado Uma condição que afeta as artérias de grande e médio tamanho de quase todo ser humano, pelo menos em sociedades nas quais alimentos ricos em colesterol são abundantes e baratos, é a aterosclerose. Esta condição tem início na infância e, na ausência de fatores aceleradores, se desenvolve lentamente até estar disseminada na idade avançada. Contudo, ela é acelerada por uma ampla variedade de fatores genéticos e ambientais. Ela é caracterizada por espessamentos fibrosos localizados na parede arterial associados com placas infiltradas de lipídeos que podem, eventualmente, calcificar. As placas velhas também são suscetíveis à ulceração e ruptura, desencadeando a formação de trombos que obstruem o fluxo. Por isso, a aterosclerose leva à insuficiência vascular nos membros, anormalidades da função renal e dilatações (aneurismas), e até mesmo ruptura da aorta e de outras grandes artérias. Ela também leva a doenças comuns graves e potencialmente fatais do coração e encéfalo devido à formação de coágulos intravasculares no local das placas. Nos Estados Unidos e na maioria dos outros países desenvolvidos, estima-se que a aterosclerose seja a causa subjacente de cerca de 50% de todos os óbitos. Quase todos os pacientes com infarto do miocárdio - e a maioria daqueles com acidente vascular encefálico resultante de trombose cerebral - têm aterosclerose. A incidência de doença isquêmica do coração e acidentes vasculares encefálicos vem diminuindo nos Estados Unidos desde 1963, mas a aterosclerose ainda é muito comum. Assim, a aterosclerose é fundamentalmente responsável por uma grande parte dos problemas clínicos verificados por médicos que cuidam de pacientes adultos. Patogênese O evento inicial na aterosclerose é a infiltração de lipoproteínas de baixa densidade (LDLs) na região subendotelial. O endotélio está sujeito à tensão de cisalhamento (shear stress), a tendência a ser puxado ou deformado pelo fluxo sanguíneo. Isso é mais acentuado em pontos onde as artérias se ramificam, e é onde os lipídeos se acumulam em grau mais alto. As LDLs são oxidadas ou alteradas de outras maneiras. Assim, as LDLs alteradas ativam vários componentes do sistema imune inato, inclusive macrófagos, anticorpos naturais e proteínas efetoras inatas como a proteína C- reativa e o complemento. As LDLs alteradas são reconhecidas por uma família de receptores limpadores (scavenger) expressos nos macrófagos, que cooperam com receptores Toll like para estimular inflamação e impulsionar a aterogênese. Os receptores limpadores medeiam à captação da LDL oxidada pelos macrófagos e a formação de células espumosas. As células espumosas formam estrias gordurosas, que aparecem na aorta na primeira década de vida, nas artérias coronárias na segunda década, e nas artérias cerebrais na terceira e quarta décadas. As LDLs oxidadas têm numerosos efeitos deletérios, inclusive estímulo da liberação de citocinas pró- inflamatórias (como o fator inibidor da migração de macrófagos e interferon tipo I) e inibição da produção de NO (óxido nítrico). As células musculares lisas vasculares na vizinhança de células espumosas são estimuladas e se movem da média para a íntima, onde elas proliferam, depositam colágeno e outras moléculas de matriz, e contribuem para o crescimento da lesão. As células musculares lisas também captam LDL oxidada e se tornam células espumosas. Lipídeos se acumulam tanto intracelular quanto extracelularmente. A "sopa” intercelular nas placas contém uma variedade de substâncias lesivas para células, inclusive ozônio. Além disso, o "carregamento" de macrófagos com colesterol pode ser lipotóxico para o retículo endoplasmático, resultando em apoptose de macrófagos e necrose de placas. Cristais de colesterol associados com macrófagos necrosados estimulam ainda mais a inflamação e levam ao recrutamento de neutrófilos. À medida que as lesões de aterosclerose envelhecem, células T do sistema imune e monócitos são atraídos para elas, criando um ciclo vicioso de necrose e inflamação. Quando as placas amadurecem, uma capa fibrosa se forma sobre elas. As placas com capas defeituosas ou quebradas estão mais predispostas à ruptura. As lesões isoladamente podem distorcer os vasos até o ponto onde eles são ocluídos, mas geralmente é a ruptura ou ulceração de placas que desencadeia a trombose, bloqueando o fluxo sanguíneo. Tem sido demonstrado que as lesões ateroscleróticas têm muitas das características de uma infecção de baixo grau. Muitos pesquisadores têm procurado bactérias nas placas, e em um número significativo, Chlamydophila pneumoniae - um microrganismo geralmente associado com infecção respiratória - tem sido encontrado. Entretanto, outros microrganismos também têm sido encontrados, mas ainda é cedo para dizer se as clamídias são agentes causadores ou meramente inquilinos coincidentes das lesões. Uma característica da aterosclerose que atualmente está recebendo atenção considerável é a associação com liberação deficiente de NO e vasodilatação deficiente. Como observado, as LDLs oxidadas inibem a produção de NO. Se acetilcolina é infundida por meio de cateter em artérias coronárias normais, os vasos se dilatam; entretanto, se ela é infundida quando a aterosclerose está presente, os vasos se constringem. Isso indica que a secreção endotelial de NO é disfuncional. Curiosamente, evidências experimentais recentes indicam que a ativação do receptor endotelial da vasculatura para endotelina B tanto estimula NOSe quanto exerce efeitos anti-proliferativos sobre células musculares lisas vasculares. Tem sido especulado que a interrupção da sinalização por meio desse receptor pode ser um fator contributivo adicional na fisiopatologia da aterosclerose. Relação com o colesterol e outros lipídeos da dieta Transformar um monócito em um macrófago que ingere lipídeos envolve o aparecimento em sua superfície de um tipo peculiar de receptor de LDL oxidada, o receptor limpador, e os monócitos são estimulados a produzir esses receptores pela ação do fator estimulante de colônias de macrófagos secretado por células endoteliais e células musculares lisas vasculares. Quando complexos LDL oxidada-receptor são formados, eles são internalizados e os receptores reciclam para a membrana enquanto o lipídeo é armazenado. Obviamente, o acúmulo de lipídeos em células espumosas é um evento essencial na progressão de lesões ateroscleróticas,e está bem estabelecido que reduzir os níveis do colesterol plasmático torna mais lento o progresso da aterosclerose. Como lipídeos são relativamente insolúveis, eles são transportados como partículas especiais de lipoproteína que aumentam sua solubilidade. O colesterol e os triglicerídeos da dieta são embalados nos quilomícrons revestidos de proteína nas células epiteliais intestinais. Sob a influência da lipase lipoproteica, essas partículas liberam triglicerídeos para depósitos de gordura e músculos, e os remanescentes de quilomícrons resultantes são captados pelo fígado. O fígado também sintetiza colesterol e o embala com proteínas específicas para formar lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDLs). Estas partículas de lipoproteína entram na circulação e, sob a influência da lipase lipoproteica, doam triglicerídeos aos tecidos. Desta maneira, elas se tornam lipoproteínas de densidade intermediária (IDLs) e lipoproteínas de baixa densidade (LDLs) ricas em colesterol. As LDLs fornecem colesterol aos tecidos. Elas suprem todas as células com o colesterol necessário para produção de membranas celulares e outros usos. Elas também fornecem a maioria do colesterol que é o precursor para todos os hormônios esteroides. Como observado, as LDLs oxidadas são captadas por macrófagos e células musculares lisas em lesões de aterosclerose. Por outro lado, as lipoproteínas de alta densidade (HDLs) tiram colesterol de células periféricas e o transportam para o fígado, onde ele é metabolizado, mantendo baixo o colesterol do plasma e dos tecidos. Por este motivo, elas são referidas como "bom colesterol" em oposição ao colesterol LDL, que é o "mau colesterol”: estão sendo feito esforços para aumentar o HDL por meios farmacêuticos no tratamento da aterosclerose. Manifestações clínicas Como a aterosclerose é uma anormalidade de vasos sanguíneos arteriais, ela pode afetar quase qualquer órgão do corpo. Placas ateroscleróticas calcificadas são detectadas ocasionalmente em radiografias, e é possível a visualização angiográfica de paredes arteriais deformadas. Em geral, entretanto, a aterosclerose é assintomática até que uma de suas complicações se desenvolva. Nas artérias coronárias, o estreitamento aterosclerótico que reduz o lúmen de uma artéria coronária em mais de 75% causa angina de peito, a dor torácica que resulta quando substâncias produtoras de dor se acumulam no miocárdio. Geralmente, a dor aparece durante o exercício e desaparece com o repouso, quando as substâncias são eliminadas pelo sangue. Quando lesões de aterosclerose causam coagulação e oclusão de uma artéria coronária, o miocárdio irrigado pela artéria morre (infarto do miocárdio). Na circulação cerebral, o bloqueio arterial no local de placas ateroscleróticas causa acidentes vasculares trombóticos. Na aorta abdominal, a aterosclerose extensa pode levar à dilatação por aneurisma e ruptura do vaso. Nos vasos renais, a constrição localizada de uma ou ambas as artérias renais causa hipertensão renovascular. Na circulação das pernas, a insuficiência vascular causa claudicação intermitente (fadiga e, geralmente, dor ao caminhar que é aliviada pelo repouso). Se a circulação de um membro for gravemente comprometida, a pele pode ulcerar, produzindo lesões de cicatrização lenta. Gangrena franca de extremidades também pode ocorrer. Com frequência menor, formação de coágulo e obstrução pode acontecer em vasos que suprem os intestinos ou outras partes do corpo. Fatores de risco A progressão da aterosclerose é acelerada por uma ampla variedade de fatores genéticos e ambientais (fatores de risco). Obviamente, tratar as lesões aceleradoras que são tratáveis e evitar aquelas que são evitáveis deve reduzir a incidência de infartos do miocárdio, acidentes vasculares encefálicos e outras complicações da aterosclerose. O estrogênio aumenta a remoção de colesterol pelo fígado, e a progressão da aterosclerose é menos rápida em mulheres pré-menopausa do que em homens. Além disso, evidências epidemiológicas mostram que a terapia de reposição de estrogênio protege o sistema circulatório em mulheres pós-menopausa. Por outro lado, doses altas de estrogênios aumentam a incidência de coágulos sanguíneos, e mesmo doses pequenas produzem um leve aumento da coagulação. Além disso, em vários estudos, o tratamento com estrogênio de mulheres pós-menopausa falhou na prevenção do segundo ataque cardíaco. A razão para as discrepâncias entre dados epidemiológicos e experimentais ainda não foi estabelecida. Os efeitos de níveis plasmáticos aumentados de homocisteína e moléculas correlatas como homocistina e homocisteína tiolactona, uma condição às vezes chamada de hiperomocisteinemia, merecem ênfase. Esses aumentos estão associados com aterosclerose acelerada, e a magnitude da elevação no plasma correlaciona-se positivamente com a gravidade da aterosclerose. Níveis marcantemente elevados resultantes de mutações documentadas de genes relevantes são raros, mas elevações leves ocorrem em 7% da população geral. O mecanismo responsável pelo dano vascular acelerado não está estabelecido, mas a homocisteína é uma fonte de H2O2 e outras formas reativas de oxigênio, e isso pode acelerar a oxidação de LDL. A homocisteína é um intermediário na síntese de metionina. Ela é metabolizada por enzimas que são dependentes de vitamina B6, vitamina B12 e ácido fólico. A suplementação da dieta com essas vitaminas reduz a homocisteína plasmática, geralmente para o nível normal. Determinar se tais suplementos também reduzem a incidência de aterosclerose acelerada requer ensaios clínicos cuidadosos e prolongados, e os resultados de tais estudos até o presente são inconclusivos. As evidências são agora avassaladoras de que a redução dos níveis plasmáticos de colesterol e triglicerídeos e o aumento dos níveis plasmáticos de HDL tornam mais lento, e em alguns casos revertem, o processo de aterosclerose. A diminuição desejada de lipídeos pode algumas vezes ser conseguida somente com a restrição dietética de colesterol e gorduras saturadas e trans, embora a restrição dietética inicie um aumento compensatório da síntese de colesterol no corpo. Quando o tratamento dietético não é adequado, é benéfico reduzir a conversão de mevalonato em colesterol com estatinas, fármacos que inibem a 3-metilglutaril coenzima A hepática (HMG- CoA) redutase, a enzima que catalisa essa reação. Os inibidores da HMG-CoA redutase atualmente disponíveis incluem atorvastatina, lovastatina, pitavastatina, pravastatina, sinvastatina, fluvastatina e rosuvastatina. Nos casos em que existe hipercolesterolemia grave em razão de receptores de LDL congenitamente defeituosos, terapia gênica pode ser uma opção. Contudo, apesar de resultados preliminares promissores, a terapia gênica em seres humanos parece ser inviável até que sejam desenvolvidos meios melhores para transferência de genes. Outras abordagens para tornar mais lento ou prevenir o desenvolvimento de aterosclerose por técnicas biológicas moleculares estão em desenvolvimento. O tratamento antioxidante com agentes tais como α- tocoferol, vitamina E e β-caroteno tem sido usado para inibir a oxidação de LDL, e isso reduz a incidência de alterações ateroscleróticas em animais experimentais. Contudo, os resultados do tratamento oxidante em seres humanos de um modo geral têm sido decepcionantes ou negativos. Homens que fumam um maço de cigarros por dia têm um aumento de 70% na taxa de mortalidade por cardiopatia isquêmica em comparação com não fumantes, e há também um aumento em mulheres. A cessação do fumo diminui o risco de morte e infarto do miocárdio. Os efeitos deletérios do fumo incluem dano endotelial causado pela hipóxia induzida por monóxido de carbono.Outros fatores também podem estar envolvidos. Assim, deixar de fumar é uma maneira importante para tornar mais lento o progresso da aterosclerose. Devido ao aumento da tensão de cisalhamento imposta ao endotélio por uma pressão arterial elevada, a hipertensão é outro fator de risco modificável importante para aterosclerose. Baixar a pressão arterial tem seu maior efeito em reduzir a incidência de acidente vascular encefálico, mas há também efeitos benéficos sobre cardiopatia isquêmica. Com os métodos modernos de tratamento, a pressão arterial em hipertensos geralmente pode ser reduzida a valores normais ou quase normais, e a diminuição de acidentes vasculares encefálicos, infartos do miocárdio e insuficiência renal produzida por esse tratamento é um testemunho claro do valor de reduzir ou eliminar esse fator de risco. Em diabéticos, há complicações microvasculares e macro vasculares. As últimas estão principalmente relacionadas com aterosclerose. Há um aumento de duas vezes na incidência de infarto do miocárdio em comparação com não diabéticos; deficiência circulatória grave nas pernas com gangrena é relativamente comum; há mais acidentes vasculares trombóticos, e a insuficiência renal é um problema grave. Quanto a este aspecto, é interessante o fato de que tem sido demonstrado que o controle rigoroso da hipertensão em diabéticos é mais eficaz na redução das complicações cardiovasculares que o controle rigoroso da glicemia. A síndrome nefrótica e o hipotireoidismo também aceleram a progressão da aterosclerose e são condições tratáveis. Embora inflamação local claramente desempenhe um papel direto na patogênese da aterosclerose, permanece controversa a possibilidade de que mecanismos indiretos associados com doenças autoimunes, infecções (inclusive doença gengival e infecções gástricas) ou exposição a vários poluentes contribuam para (ou mesmo iniciem) a aterosclerose. 3. CARACTERIZAR OS ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS (PREVALÊNCIA, INCIDÊNCIA, MORBIDADE E MORTALIDADE) DAS DOENÇAS CARDIOVASCULARES NO IDOSO. Com o avanço dos anos, o sistema cardiovascular passa por uma série de alterações, tais como arterioesclerose, diminuição da distensibilidade da aorta e das grandes artérias, comprometimento da condução cardíaca e redução na função barorreceptora. As estatísticas mostram que a maior causa de mortalidade e morbidade é a doença cardiovascular. A doença coronariana é a causa de 70 a 80% de mortes, tanto em homens como em mulheres 4 e a insuficiência cardíaca congestiva, mais comum de internação hospitalar, de morbidade e mortalidade na população idosa. Ao contrário da doença coronariana, a insuficiência cardíaca congestiva continua aumentando. Assim, a preocupação maior é com as doenças cardíacas, abandonando outras doenças ou medidas preventivas tão importantes, que talvez contribuam para evitar os problemas no coração. Ao se avaliar o idoso, quanto ao predomínio das doenças, as crônico-degenerativas se destacam e entre elas a doença coronariana. A incidência de cardiopatia isquêmica, na idade de 70 anos, é de 15% nos homens e 9% nas mulheres. Com diagnóstico clínico, a doença coronariana aumenta para 20% tanto no homem quanto na mulher. Estudos de autópsia em clínicas de pacientes com idade de 90 anos ou mais revelaram que 70% desses tiveram uma ou mais oclusões de vasos coronarianos. A idade tem sido mostrada como um fator independente para a doença coronariana. Além da idade, outros fatores de risco podem ser adicionados, como hipertensão, diabetes mellitus, fumo, dislipidemias, sedentarismo e obesidade. A avaliação e o tratamento dos fatores de risco coronarianos são muito discutidos e às vezes controversos. Isto se deve a alta prevalência desses fatores nessa faixa etária, como hipertensão ou dislipidemias. Por outro lado, questiona-se por que esses pacientes chegaram a essa idade avançada, se os fatores de risco foram menos importantes ou por alguma causa ainda não definida. No Brasil, em estudo apresentado em 1997, de idosos entre 65 a 95 anos, foi observado uma prevalência geral de fatores de risco de 93%, sendo os principais: sedentarismo, sobretudo em mulheres e com a característica de aumento com a idade, 74%; hipertensão arterial sistêmica, 53%; dislipidemias, 33%; obesidade, 30%; diabetes mellitus, 13%; tabagismo, 6%; prevalência de três ou mais fatores de risco, mais frequente na mulher do que no homem. ANÁLISE DA PREVALÊNCIA DE DOENÇAS CARDIOVASCULARES E FATORES ASSOCIADOS EM IDOSOS, 2000-2010 O aumento no número de anos vividos com alguma doença crônica, principalmente entre indivíduos mais velhos, tem se tornado uma das principais preocupações em saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), observa-se um aumento recente na carga de doenças cardiovasculares, principalmente em países de baixa e média rendas, reflexo do aumento da expectativa de vida e, consequentemente, do maior tempo de exposição aos fatores risco para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). As doenças cardiovasculares são atualmente a principal causa de morte nos países em desenvolvimento, e espera-se que continue sendo a causa de mortalidade mais importante no mundo durante a próxima década. No Brasil, as doenças cardiovasculares são responsáveis por 27,7% dos óbitos, atingindo 31,8% quando são excluídos os óbitos por causa externas, sendo consideradas a principal causa de morte. Embora tenha sido observada uma recente redução da sua presença como causa de mortalidade, o mesmo não pode se afirmar a respeito da morbidade por DCV, considerada o fator de maior impacto no custo das internações hospitalares no país. Em 2014, 10,1% das internações no Brasil foram causadas por doenças do aparelho circulatório, e, do total dessas internações, 57,2% foram entre indivíduos de 60 anos ou mais. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) há uma maior morbidade por doenças cardiovasculares em indivíduos mais velhos. Segundo a PNS, em 2013 a prevalência das doenças cardiovasculares na população adulta brasileira (≥ 18 anos) era de 4,2%, apresentando um gradiente crescente nos grupos de maior idade da população, sendo a prevalência de DCV entre idosos de 11,4%. MORTALIDADE EM IDOSOS POR DOENÇAS CARDIOVASCULARES: ANÁLISE COMPARATIVA DE DOIS QUINQUÊNIOS A população total de idosos no Brasil variou em 17,24% no primeiro quinquênio analisado, chegando a 14.536.029, no ano 2000. No que tange ao período compreendido entre 2006 e 2010, observou-se aumento percentual de 30,57 na população idosa, ou seja, no final do último ano do segundo quinquênio, os brasileiros com 60 anos e mais somaram, em número absoluto, 20.590.599. Em termos relativos, 7,86% dos habitantes do país eram idosos em 1996 e, após 15 anos, esse montante subiu para 10,79%. Em relação à população idosa dividida por sexo, observou-se um aumento, entre o ano de 1996 e 2010, de 38,22% para o sexo masculino e de 41,03% para o feminino. No período de 1996 a 2000, foram registrados 4.629.638 óbitos no Brasil, dos quais 53,8% ocorreram em pessoas com 60 anos e mais. Já nos anos de 2006 a 2010, foram lançados no SIM 5.396.557 registros de óbitos, sendo 60,5% eram relativos a pessoas idosas. Convertendo essa análise para as causas relacionadas à Doenças do Aparelho Circulatório da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), é possível observar que tais agravos foram responsáveis por 27,51% dos óbitos na população geral e 37,42% nos idosos, no primeiro quinquênio. Para o segundo período, esses valores foram, respectivamente, 29,19% e 37,17%. FATORES DE RISCO PARA DOENÇAS CARDIOVASCULARES EM IDOSOS - Ferreira JDF, Moreira RP, Maurício TF et al. Entre os problemas
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