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Imperialismo na América Latina (Otávio Ianni)

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IANNI, Otávio. Imperialismo na América Latina. Ed. 2. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1988. 
I – DIPLOMACIA E IMPERIALISMO
1 – Submissão e antagonismo
As políticas exteriores dos países da América Latina continuam profundamente influenciadas, ou totalmente determinadas, conforme o caso, pelas relações econômicas, políticas e militares que esses mesmos países mantêm com os Estados Unidos na medida em que a América Latina continua a ser uma área de influência e manobra dos Estados Unidos, os países latino-americanos, individualmente ou em grupo, somente se definem em suas relações externas a partir dos Estados Unidos. Seja por adesão, seja por oposição, quando esta ocorre, as doutrinas, decisões e ações dos governantes dos países da América Latina continuam a ser profundamente determinadas, mais ou menos decisivamente, pelas doutrinas, decisões e ações dos governantes dos Estados Unidos [p. 17].
Desde a entrada da maioria dos países latino-americanos na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Estados Unidos, até a novíssima versão da política de coexistência pacífica com a União Soviética e a China, iniciada em 1972, em todos os principais acontecimentos econômicos, políticos e militares interamericanos e mundiais as políticas exteriores dos países da América Latina têm sido influenciadas pelas doutrinas, decisões e ações adotadas pelos governantes dos Estados Unidos [p. 18].
Preferimos distinguir governantes de governos, já que entendemos por governantes também os grupos econômicos, políticos e militares – às vezes em conjunto às vezes em separado – que direta ou indiretamente participaram das decisões governamentais, seja no âmbito da política interna seja no da externa. Os governantes podem distinguir-se, superporem-se ou opor-se ao povo; ou, mais especificamente, às classes assalariadas. Com frequência estas classes sociais, em particular o proletariado urbano e rural, não são nem consultadas nem representadas nas decisões sobre política externa. Não há dúvida de que o governo representa formalmente todas as classes sociais. Na prática, entretanto, tende a representar os interesses econômicos e políticos das classes sociais dominantes. E esses interesses raramente correspondem aos da maioria assalariada ou proletária [p.20].
2 – A diplomacia total
As relações dos Estados Unidos com os países da América Latina, individualmente, em grupos regionais ou em conjunto, sempre se basearam numa combinação dinâmica das diplomacias do dólar e do big stick. Essas são as práticas mais frequentes no tipo de hegemonia que os Estados Unidos vêm exercendo sobre esses países [p. 22].
É verdade que os governantes dos Estados Unidos e dos países da América Latina têm adotado várias denominações para as suas relações recíprocas: monroísmo, pan-americanismo, não-intervencionismo, boa vizinhança, aliança para o progresso, segurança hemisférica, interdependência, solidariedade interamericana, associação madura, presença discreta, negligência benigna e assim por diante. Mas essas são formulações circunstanciais, destinadas a atender situações conjunturais ou surgidas ao acaso dos acontecimentos políticos mundiais. São expressões ideológicas com as quais os governantes norte-americanos, secundados pelos latino-americanos, procuram apresentar e despolitizar as ambiguidades, controvérsias e contradições próprias às suas relações recíprocas. Elas são uma fase necessária – na perspectiva desses governantes – das diretrizes com as quais habitualmente têm trabalhado os delegados norte-americanos em conferências com delegações de governos dos outros países do hemisfério: lidas, tanto quanto possível, com temas não controversos e de interesse geral [p. 22-23].
3 – A segurança hemisférica
Para uma parte importante dos governantes dos Estados Unidos, ao fim da Segunda Guerra Mundial, um problema central era dar continuidade à guerra, sob outra forma. A Inglaterra, a Bélgica, a Holanda, a França, a Itália, o Japão e outras nações aliadas ou inimigas haviam perdido ou estavam perdendo as suas colônias e áreas de influência. O esfacelamento desses impérios e sistemas coloniais resultou na ampliação do império norte-americano. Ao mesmo tempo a União Soviética surgia como a outra super-potência mundial. A instalação de governos socialistas nos países da Europa Oriental e a vitória do socialismo na China, em 1949, tornaram bastante mais forte a posição da União Soviética, em face do capitalismo, liderado pelos Estados Unidos. Ao menos politicamente, o mundo socialista já não era um sistema menos forte e dinâmico. Pouco a pouco, o mundo socialista, comandado pela União Soviética, tornava-se também militarmente forte [p. 27].
Esse foi o contexto mundial em que se desencadeou a guerra fria; Era a continuação da Guerra Mundial, sob outras formas. Na medida em que a Segunda Guerra foi também uma guerra civil internacional- além de uma guerra entre estados nacionais – a guerra fria foi o desenvolvimento, por novos meios, daquela guerra civil. Ao mesmo tempo, a guerra fria demarcava os limites das zonas de influência das duas superpotências mundiais. Durante os momentos mais agudos da guerra fria, o mundo se achava dividido em duas partes nitidamente demarcadas. Ele era tomado pelos governantes norte-americanos e soviéticos como bipolarizado política, econômica, militar e culturalmente [p. 27-28].
é fundamental lembrar aqui que o progressivo alinhamento dos países latino-americanos no esforço da guerra a favor das “nações aliadas” e contra as “nações do eixo”, nos anos 1939-1945, foi um passo importante na reformulação e aperfeiçoamento das relações interamericanas, segundo os interesses dos governantes norte-americanos. A luta contra o nazi-fascismo, para os países da América Latina, implicou na redução e ruptura com as nações europeias e asiáticas, com as quais mantinham o comércio e outros intercâmbios antes de 1939. Ao mesmo tempo cresceu e generalizou-se a presença dos interesses econômicos, políticos e militares dos Estados Unidos nesses países. Apenas a Argentina se manteve neutra durante o conflito mundial, procurando preservar suas relações econômicas, políticas, militares e culturais com os países europeus, principalmente a Inglaterra. No conjunto, entretanto, foi durante a Segunda Guerra Mundial que os governantes dos países latino-americanos adotaram a doutrina de segurança hemisférica, sob a tutela dos Estados Unidos. Em geral, isso tudo era feito em nome da luta contra a penetração de interesses estranhos às tradições de solidariedade das repúblicas americanas, em defesa dos interesses norte-americanos no hemisfério. Antes, até a Segunda Guerra Mundial, o que está em jogo é a luta contra o “colonialismo europeu”. Em seguida, quando os Estados Unidos e a União Soviética se defrontaram como as duas superpotências mundiais, o que preocupa os norte-americanos é o “comunismo internacional”. Em todos os casos, o problema é o mesmo: preservar a solidariedade das repúblicas americanas, segundo as razões de Estado dos governantes norte-americanos, contra a “agressão externa”, como já dizia o presidente Theodore Roosevelt, em 1904. Em todas as situações, surge e ressurge um significado básico do monroísmo [p. 30].
A doutrina da segurança hemisférica implicava a interdependência econômica, política e militar. Ou melhor, o caráter da supremacia dos Estados Unidos na América Latina, assim como o caráter dos interesses dos governantes dos países do hemisfério, compreendiam a doutrina de segurança mútua. Implicavam o desenvolvimentos político, econômico e militar das relações de dependência dessas nações, segundo as razões dos governantes dos Estados Unidos. Esse foi o ambiente no qual se elaborou e desenvolveu a doutrina da harmonia de interesses dos povos das Américas, na qual trabalharam governantes, empresários, técnicos, políticos, embaixadores, cientistas sociais. Tratava-se de preservar os valores das sociedades desse hemisfério, tanto da subversão externa como da interna, em nome da segurança e estabilidade das instituições.Essa seria uma condição necessária indispensável para o funcionamento e a prosperidade da empresa privada, compreendida como empresa transnacional [p. 31].
Esse foi o contexto em que se adotou e generalizou a doutrina da contra-insurreição. Ela foi um desenvolvimento novo e coerente com o tipo de hegemonia exercida pelos Estados Unidos sobre os países da América Latina. Em aliança com a maioria dos governantes desses países, os norte-americanos iniciaram e desenvolveram um programa sistemático de militarização do poder político [p. 32]. É evidente que, em épocas anteriores os governos desses países poucas vezes estiveram independentes da influência ou apoio militar. As oligarquias civis e militares frequentemente revezavam-se ou combinavam-se no controle do aparelho estatal. Ocorre, entretanto, que a presença de militares na política latino-americana representa um fato novo. Na maior parte dos casos, o que se verifica nas décadas posteriores à Segunda Guerra Mundial é um novo tipo de militarização do poder político, em nome da segurança hemisférica, da contra-insurreição e da interdependência. Para esses governantes, o inimigo comum é o comunismo internacional, ou as suas manifestações na subversão interna. Agora, mais do que em outras épocas, os militares dedicam-se também a segurança interna, e não apenas à defesa nacional. À medida que se desenvolvem as contradições de classes, forças militares ingressam de modo cada vez mais intenso nas lutas geradas por essas contradições. Daí o novo tipo de militarização do poder político, enquanto núcleo do Estado capitalista. Afinal de contas, o aparelho estatal é o elo principal do sistema de segurança hemisférica, no qual também se funda a supremacia norte-americana [p. 32].
[...]
Mas não foram apenas os aparelhos repressivos que começaram a ser modernizados, segundo as exigências dos novos desenvolvimentos das relações de classes no continente. Também outras esferas do Estado receberam e continuam a receber recursos técnico-científicos, organizatórios, materiais e humanos destinados a aperfeiçoar o seu funcionamento. De fato, no curso desses anos o poder político da burguesia adquiriu novos métodos de ação [p. 34]. Sob várias formas, os governantes dos Estados Unidos e dos países da América Latina procuraram “capitalizar” experiências como o efêmero governo de Arbenz, na Guatemala, a vitória da revolução socialista, em Cuba, o malogro da invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, o sucesso da intervenção armada na República Dominicana, entre outras. Nem por isso, entretanto, as forças sociais, políticas e econômicas nos países latino-americanos deixam de buscar novas soluções para escapar à dominação imperialista. O governo peruano de Velasco Alvarado, o governo chileno de Salvador Allende, o governo sandinista e a marcha da revolução popular salvadorenha mostram que essas forças buscam outros meios para desenvolver-se.
Essa é mais uma razão para que os governantes norte-americanos e alguns dos seus aliados latino-americanos voltem a enfatizar a importância e preeminência da luta contra as forças sociais, políticas e econômicas que podem alterar as estruturas de dominação política e apropriação econômica convenientes ao status quo. Em sua linguagem, torna-se necessário aperfeiçoar os meios de luta contra as “ameaças subversivas à segurança e à ordem internas”. Para isso, nada mais óbvio do que “atender aos legítimos desejos de modernizar as forças de segurança” revelados por governantes da América Latina. Sempre segundo as conveniências e exigências da hegemonia dos Estados Unidos [p. 34].
4- Associação entre desiguais
Aliança para o Progresso
A própria Aliança para o Progresso, criada em 1961, para realizar o programa enunciado na Carta de Punta del Este, não foi senão uma operação de tipo contra-revolucionária. Sob uma linguagem reformista, a Carta e a Aliança consubstanciaram uma reaglutinação das forças conservadoras e reacionárias do hemisfério. Essa foi a primeira operação pública, de âmbito continental, por meio da qual os governantes dos Estados Unidos e da América Latina mostraram que estavam capitalizando, de modo ativo e organizado, a experiência resultante do sucesso da revolução socialista em Cuba. A New Frontier Diplomacy, do presidente John F. Kennedy, era uma curiosa e engenhosa combinação da linguagem reformista com a política de contra-rreforma. Foi essa mesma diplomacia que criou os Corpos da Paz e intensificou os programas continentais e nacionais de luta contra a “subversão interna”. Pela segunda vez neste século, a hegemonia norte-americana na América Latina ganhava tonalidades de “imperialismo esclarecido”. Depois do governo Franklin D. Roosevelt (1933-44), foi principalmente o governo John F. Kennedy (1961-63) que tratou as ambiguidades, controvérsias e contradições peculiares às relações dos Estados Unidos com os países do hemisfério de um modo ao mesmo tempo aberto (na linguagem) e duro (na prática) [p. 35].
A Carta e a Aliança foram mais dois atos importantes, na sucessão de acontecimentos que assinalam o desenrolar da guerra fria na América Latina. Elas tiveram sucesso, enquanto elementos de uma operação de cunho contra-revolucionário e contra qualquer reforma social, política ou econômica que pusesse em causa as estruturas de poder vigentes. Destinavam-se a incentivar o aperfeiçoamento do status quo, em face das forças que preconizavam reformas ou revoluções. Como tais, permitiram que muitos governantes ampliassem o âmbito de ação do Estado e aperfeiçoassem os aparelhos repressivos [p. 36].
A linguagem reformista que cerca a Carta e a Aliança teria sido apenas uma formulação hábil numa época de grande efervescência social e política. A prática foi outra, segundo a perspectiva das forças interessadas em mudar as estruturas de dominação (políticas) e apropriação (econômicas). Note-se, por exemplo, que o discurso do presidente John F. Kennedy, no qual lança a ideia de uma aliança para o progresso, foi realizado em março de 1961. E a invasão da Baía dos Porcos, em Cuba, autorizada pelos governos norte-americano, ocorreu em abril, apenas um mês após. Ao mesmo tempo, prosseguiam os programas de militarização do poder político na América Latina, sob o pretexto de atendimento dos legítimos desejos de modernização das forças de segurança. Esses são alguns dos dados que nos permitem assegurar que a linguagem reformista e a prática anti-reformista foram os termos do paradoxo em que se desenvolveu a diplomacia da aliança para o progresso; ou da nova fronteira para as novas expansões do capitalismo norte-americano na América Latina [p. 36].
Mais uma vez, e com certo sucesso, combinavam-se dinamicamente as diplomacias do dólar e do big stick, em versões modernizadas. Neste caso, para fazer face ao crescente agravamento das contradições de classes nos países do continente. Ao contrário de outras políticas norte-americanas, a política consubstanciada na linguagem da Carta e na atividade da Alianças destinou-se precisamente a reforçar a posição dos governantes dos países da América latina, em face das tensões sociais internas. Os fatores mais visíveis dessa reorientação haviam sido a política reformista do governo Arbenz (1951-54), os movimentos populares contra a presença do vice-presidente Richard Nixon na América Latina (abril e maio de 1958) e a política revolucionária do governo Fidel Castro (desde 1959), além de outros acontecimentos. Diante deles, quase todos os governantes entram em acordo, para controlar ou reprimir as ambições ou programas políticos das classes sociais que lutavam por reformas ou mudanças que poderiam afetar as estruturas de poder vigente. Nesse sentido, a Aliança não foi senão mais uma técnica de intervenção dos Governantes dos Estados Unidos nos assuntos internos de países do hemisfério [p. 37-38].
6 – Política externa independente
os governos Jânio Quadros (1961) e João Goulart (1961-1964) não fizeram senão os primeiros ensaios de política externa independente. É verdade que o presidente Jânio Quadros condecorouo ministro do governo cubano, Ernesto Che Guevara, em 1961. No mesmo ano, quando era ainda vice-presidente, João Goulart esteve em missão na China comunista. Outras iniciativas diplomáticas foram adotadas nos anos 1961-64, na linha da política externa independente. Tratava-se de um esforço para reduzir a dependência brasileira, em face dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que se ampliavam e aprofundavam as relações com as nações da América Latina e África [p. 61].
Dentre os elementos mais característicos da política externa independente, destaca-se o “terceiromundismo”. Isto é, destaca-se a tendência de assemelhar e identificar problemas políticos, econômicos e culturais dos povos do “Terceiro Mundo”, isto é, da África e Ásia com América Latina. Em última instância, o terceiromundismo pode representar blocos de votos nas decisões da Organização das Nações Unidas (ONU). Em casos especiais, como o da diplomacia africana no Brasil, nos anos 1961-64, pode representar uma revalorização das “tradições africanas” da sociedade brasileira. Em casos como este, é inegável que o terceiromundismo implica uma reação ao racismo presente na diplomacia do imperialismo [p. 62].
7 – O socialismo e as relações interamericanas
A vitória da revolução socialista em Cuba, em 1959, tornou a diplomacia norte-americana da guerra fria um elemento cotidiano nas relações dos governantes dos Estados Unidos com os da América Latina, e destes entre si [p. 67].
[...]
Desde então, a existência de um Estado socialista em Cuba tem sido amplamente discutida e manipulada pelos governantes norte-americanos e latino-americanos. A partir desse acontecimento, mais que anteriormente, eles têm procurado reduzir as suas controvérsias e fortalecer as suas posições internas. Na medida do possível, procuram capitalizar a ameaça do “comunismo internacional” como elemento de aglutinação dos seus interesses, em escala continental. Pode-se mesmo dizer que desde 1959 desenvolveu-se de modo bastante amplo e acelerado o processo de continentalização dos problemas políticos, econômicos e militares latino-americanos. A proliferação de organizações interamericanas, de cunho multilateral, voltas para a discussão e a tomada de decisões sobre assuntos políticos, econômicos, militares, trabalhistas, empresariais, religiosos, culturais, científicos e outros é, em boa parte, condição e consequência desse processo de generalização e sistematização dos interesses das classes dominantes no continente, segundo as exigências da hegemonia norte-americana [p. 68].
A criação de um estado socialista na América Latina revela, para governantes e governados, inclusive nos Estados Unidos, os seguintes aspectos da realidade latino-americanas [p. 68].
Em primeiro lugar, mostra que o socialismo não é uma estratégia política de desenvolvimento econômico, social e cultural alheia à América Latina. Isto é, fica evidenciado que também quanto a esse aspecto os países do hemisfério participam da “civilização ocidental”. Afinal de contas, o socialismo, como teoria e prática, foi criado a partir das contradições internas do capitalismo. Ao mesmo tempo, não teve sucesso a campanha orientada pelos governantes norte-americanos para apresentar a revolução cubana como algo restrito ao aventuresco e exótico Caribe. Desde 1959, pois, o socialismo passou a ser um elemento real nas relações interamericanas, como algo efetivamente ocorrido e que poderia ocorrer de novo [p. 68].
Em segundo lugar, esse acontecimento revela, tanto a governantes como a governados, a que grau de aprofundamento já haviam chegado as contradições de classes em certos países da América Latina. Tanto alguns programas de reformas sociais como outros de repressão política foram mais ou menos decisivamente influenciados pelo reconhecimento de que os antagonismos de classe haviam-se aprofundado bastante. Aliás, a Conferência de Punta Del Este, realizada em agosto de 1961, tanto quanto a Carta ali elaborada e a Aliança, que depois se criou, todas são respostas, em âmbito continental, à primeira experiência socialista latino-americana e aos crescentes antagonismos de classes no hemisfério. Em pronunciamento realizado durante a referida conferência, o representante cubano fez a seguinte observação [p. 68-69].
[...]
De fato, intensificava-se a continentalização dos interesses das classes dominantes. Daí a multiplicação de conferências, acordos, tratados, organizações de cunho multilateral. Da mesma forma, vários golpes de estado ocorridos na América Latina, depois de 1959, foram justificados como reação às ameaças do “inimigo externo” que gera e ao mesmo tempo se alia ao “inimigo interno” [p. 69].
Em terceiro lugar, o modo pelo qual acontece e desenvolve-se a revolução socialista em Cuba revela o papel decisivo que o imperialismo pode desempenhar tanto em sua eclosão como no seu aprofundamento. Note-se o curioso movimento pendular do imperialismo na América Latina. Em 1954, intervém na Guatemala, atuando decisivamente na deposição do presidente Arbenz. Em 1959, confunde-se diante dos desdobramentos da revolução cubana, confiando na burguesia subalterna local. Em 1965, intervém na República Dominicana, receando a repetição da experiência cubana. Em 1970, confunde-se novamente, em face dos desenvolvimentos da política do governo socialista chileno, confiando nos seus aliado locais, no caráter intrinsecamente capitalista da democracia representativa e na própria capacidade de pressão desde fora. É significativa a ambiguidade implícita nesse movimento pendular. Aliás, essa ambiguidade está expressa nos dois pontos que resumem a análise feita pela International Telephone and Telegraph Corporation (ITT), em novembro de 1970 [p. 70].
[...]
O fato é que essa ambiguidade, entre outras, parece ser inerente ao imperialismo. Na medida em que a dominação não é nem pode ser monolítica, e que a própria classe dominante, em âmbito nacional e internacional, subdivide-se em facções também antagônicas, isto tudo faz com que a dominação imperialista às vezes perca a perspectiva dos seus interesses; ou confunda os significados dos acontecimentos. Assim, na medida em que concentra as suas atenções e esforços sobre a ameaça representada pelo “comunismo internacional”, torna-se incapaz de perceber o caráter real dos antagonismos de classe em desenvolvimento no hemisfério. Toma a própria ideologia pela realidade.
A atitude dos Estados Unidos com a América Latina normalmente tem sido baseada na crença de que, sem a interferência de fatores mundiais, a supremacia norte-americana é virtualmente absoluta, pois que as forças latino-americanas sozinhas são tão fracas que podem ser negligenciadas. Entretanto, uma análise mais cuidadosa das relações hemisféricas e das experiências amargas sugere o contrário. O poderio dos Estados Unidos é limitado, e qualquer intento de ultrapassar esse limite leva à derrota ou ao fracasso. Para ser mais preciso, enquanto a economia dos Estados Unidos é esmagadora e decisiva, o seu poderio político (e militar) não o é. Além disso, mesmo a imensa força do capital norte-americano está, em certo grau, à mercê de forças políticas que Washington não pode controlar (E.J. Hobsbawn, “Latin America as US Empire Cracks”, The New York Review of Books, Vol. XVI, Nº 5, New York, March 25, 1971, pp. 3-9.).
8 – A instalação de um Estado socialista no Caribe foi encarada por elas como uma indicação clara dos desenvolvimentos que poderiam ter, no interior de cada sociedade do hemisfério, as suas contradições de classes. Nesse sentido, o “exemplo” cubano precisava ser conjurado ou ao menos circunscrito. Aliás, a aglutinação dessas forças, em âmbito nacional e continental, adquiriu novos alentos por ocasião da insurreição popular havida na República Dominicana, em 1965, da vitória do candidato socialista Salvador Allende e as lutas populares em curso na América Central, América do Sul e Caribe [p. 77].
Em nível continental, essas forças apoiaram-se e continuam a apoiar-se amplamente no Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, aprovadona Conferência Interamericana para a Manutenção da paz e Segurança Continentais, realizada em agosto – setembro de 1947, no Rio de Janeiro, e na Carta da OEA, aprovada na Conferência dos Estados Americanos, realizada em março de 1948, em Bogotá [p. 77].
Note-se que a maioria dos países da América Latina, por muitas décadas, esteve reclamando uma diplomacia norte-americana baseada na não-intervenção. Mas somente em 1933, na conferência dos Estados Americanos realizada em Montevidéu, o governo dos Estados Unidos aceitou a formalização do princípio da não-intervenção nos assuntos internos dos países do hemisfério. O presidente Franklin D. Roosevelt estava inaugurando a diplomacia da boa vizinhança. Nem por isso, entretanto os governantes dos Estados Unidos pararam de interferir nos problemas internos dos países da América Latina [p. 79].
II – ESTADO NACIONAL E ORGANIZAÇÕES MULTINACIONAIS
4 – O papel da tecnocracia internacional
Vimos, em linhas gerais, que a atividade das empresas e conglomerados multinacionais dependem da participação mais ou menos ativa dos governos dos países dependentes e dos órgãos multilaterais. E também vimos que, devido ao modo pelo qual atuam as organizações multilaterais tendem a transformar todo problema político e econômico em problema de administração. Assim, todo problema real, que afeta as condições de vida de pessoas, grupos e classes sociais, no país dependente é transformado em problema de adequação prática e eficaz de meios e fins, nas condições institucionais vigentes. E óbvio que essas condições são dadas pelo entendimento dos governantes desse país, além dos governamentais e as organizações multinacionais. Em outros termos, a modificação de problemas políticos e econômicos em problemas administrativos, conforme ocorre na atividade desses órgãos, é um fenômeno que ocorre devido à colaboração ativa da tecnocracia [p. 126].
os técnicos, isto é, engenheiros, arquitetos, estatísticos, economistas, cientistas políticos, demógrafos e outros, que atuam habitualmente nos órgãos governamentais e multilaterais, tendem a ser os principais responsáveis pela transformação dos problemas substantivos, ou político-econômicos, em problemas adjetivos, ou de administração. São esses técnicos (e mais frequentemente o economista) que organizam o seu trabalho intelectual substituindo as condições de possibilidades reais das relações e tensões entre pessoas, grupos e classes sociais por condições de possibilidades abstratas, dadas no jogo de “fatores, “indicadores” ou “variáveis” [p. 127].
III – IMPERIALISMO E RELAÇÕES DE DEPENDÊNCIA
2 – Manifestações do imperialismo
o imperialismo não é um processo que caracteriza somente as relações externas entre a nação metropolitana e os povos coloniais ou dependentes. Como processo basicamente político-econômico, ele se manifesta também internamente, provocando o desenvolvimento de processos derivados tais como os seguintes: concentração e centralização do capital, lumpenização da força de trabalho excedente, fragmentação da classe operária em grupos raciais e categorias profissionais distintas; divisão do país em áreas atrasadas e prósperas [p. 144].
Trata-se de um aspecto importante das relações de dominação-subordinação envolvidas nas relações de tipo imperialista. Em outros termos, a dependência estrutural revela, em detalhe, a forma pela qual o imperialismo insere-se e difunde-se no interior da sociedade subordinada; ou como se dá a interiorização das relações imperialistas, pela sociedade dependente [p. 145].
Em consequência, a análise da dependência estrutural, em sua amplitude e intensidade, pode revelar tanto algumas manifestações essenciais do imperialismo como alguns característicos singulares das contradições estruturais que definem o país subordinado. Mais ainda, a análise do imperialismo não se tornará completa enquanto não se conhecerem também as suas manifestações no interior da sociedade subordinada. Essas manifestações dizem respeito a instituições e relações econômicas, políticas, militares, educacionais, científicas etc. Em todos os casos, torna-se necessário aprofundar a análise além dos protestos e relações econômicos. Assim, pode tornar-se conveniente conhecer as doutrinas político-militares adotadas na sociedade dependente, em função dos princípios estratégicos e táticos estabelecidos pelos governantes do país dominante, ou pode ser extremamente importante conhecer as manifestações de bilinguismo desenvolvidas na sociedade subordinada, devido à forma pela qual estabeleceram-se e desenvolveram-se os vínculos econômicos e extra-econômicos com a metrópole. Em certos casos, pode ser conveniente prosseguir na direção dos estudos realizados por Fennon, Memmi, Woodis e outros sobre as consequências sociais, culturais e também psíquicas provocadas pela própria situação de dependência [p. 146].
3 – A história da dependência
Ao focalizar o problema da dependência estrutural, que caracteriza a essência das sociedades latino-americanas, é conveniente retomar a perspectiva histórica, de longa duração. Nessa perspectiva, verifica-se que as nações da América Latina são histórica e constitutivamente dependentes.
Em primeiro lugar, elas forma criadas como colônias, pelas metrópoles europeias surgidas com a expansão do mercantilismo. Neste sentido, conforme revelam os estudos sobre o período colonial latino-americano, nestas sociedades todas as instituições (econômicas, políticas, jurídicas, educacionais, militares, religiosas) organizaram-se de modo a atender às exigências do próprio funcionamento e expansão do colonialismo mercantilista [p. 149].
[...]
Em segundo lugar, a independência dessas colônias não se verificou em consequências exclusiva, ou predominante, do desenvolvimento das forças políticas e econômicas. A independência política das colônias latino-americanas (conforme verificou-se nas primeiras décadas do século dezenove) foi também e principalmente uma decorrência da crise do próprio mercantilismo, em face da emergência do capitalismo industrial. Na medida que essa crise provocou o esfacelamento dos sistemas coloniais espanhol e português, provocou também o fortalecimento da hegemonia econômica e política da Inglaterra. Depois, pouco a pouco, surgem também outras nações metropolitanas, tais como a França, Alemanha, Estados Unidos. No caso particular das nações da América Latina, no entanto, a independência política foi em boa parte o resultado da ação deliberada da Inglaterra, que estimulou ou financiou as lutas contra os espanhóis e portugueses. Assim, a independência dessas colônias teve a proteção e o beneplácito dos governantes ingleses. E também implicou em compromissos econômicos muito fortes com a Inglaterra. Em outros termos, a independência política não foi seguida pela independência econômica, porque as economias dos países latino-americanos passaram a funcionar em conformidade com o mercado mundial controlado pelos ingleses. Em consequência, a própria independência política ficou comprometida.
Em terceiro lugar, por fim, à medida que as “fronteiras” econômicas e políticas dos Estados Unidos estendiam-se para o sul (desde a anexação do Texas, em 1985, separado do território do México), tanto as economias como os sistemas políticos latino-americanos comprometeram-se cada vez mais com a hegemonia norte-americana. Assim, sempre que a primazia dos Estados Unidos se afirmava ou expandia, reduzia-se ou eliminava-se a presença inglesa (e em menor escala, a presença alemã e francesa) na América Latina. Paulatinamente, a Doutrina Monroe foi imposta ou assimilada pelos grupos dirigentes dos países latino-americanos [p. 150], seja por intermédio da big stick, seja por meio da good neighbour policy. Em síntese, a concretização da primazia absoluta dos Estados Unidos, sobre as nações da América Latina, desenrolou-se ao longo de cerca de pouco mais de cem anos (desde a anexação do Texas, em 1845, até a deposição de Perón, em 1955). É claro que a supremacia crescente dos Estados Unidos na América Latina e em outros continentesbeneficiou-se bastante da posição geográfica privilegiada daquele país, em face dos centros mais críticos do próprio sistema capitalista mundial. Nas duas guerras mundiais, nos países latino-americanos, seja por intermédio da big stick, seja por intermédio da dollar diplomacy, os Estados Unidos tiveram a habilidade de tornar a classe dominante daqueles países beneficiária tanto dos resultados da “economia de guerra” como dos “despojos” de guerra [p. 151].
Essa interdependência, entretanto, transforma-se em dependência estrutural de um país, em relação com o outro, quando aquele que é economicamente “menos desenvolvido” tende a adotar (ou ser levado a adotar) as decisões de política econômica e financeira tomadas pelo país “mais desenvolvido”. Na prática, isto significa que o excedente econômico efetivo do país “menos desenvolvido” é canalizado para o exterior; ou dele se apropriam as empresas e instituições financeiras controlados pelos detentores do poder econômico no país “mais desenvolvido”. Neste caso, a dependência será tanto maior quanto maiores forem as distorções que as relações econômicas externas produzirem no país subordinado. Isto significa que uma parte do excedente econômico potencial pode permanecer bloqueada, não realizada, pela hipertrofia de alguns setores produtivos e a atrofia de outros. Além disso, a dependência será tanto maior quanto maior for permanente para o exterior; ou apropriada por empresas e instituições financeiras controladas pelo país dominante. Aliás, uma análise completa da dependência estrutural (inclusive no que diz respeito às distorções a que se submete o sistema econômico subordinado) somente se completa quando se examinam as condições de produção do excedente econômico potencial.
Neste ponto, a dependência econômica começa a transbordar para a esfera política. O fato de que as decisões sobre a política econômica tendem a ser adotadas no exterior (ou em função dos interesses das empresas multinacionais sediadas no país dominante) traz consigo implicações para a esfera política. Pouco a pouco, o próprio poder público, no país dependente, começa a adotar medidas de política econômica e a criar instituições destinadas a pôr em prática e a desenvolver as relações econômicas existentes. Em consequência, consolida-se e expande-se a dependência, institucionalizando-se as condições de dependência estrutural, em sentido lato [p. 157]. Assim, paulatinamente, o país subordinado é permeado pelas determinações extra-econômicas da dependência. Ou melhor, a dependência estrutural começa a revelar-se também nos acordos políticos, militares, culturais e de assistência técnica. E começa a tornar-se prática cotidiana no pensamento e nas ações dos administradores, técnicos, políticos, líderes militares, jornalistas, professores universitários, líderes sindicais etc [p. 158].
Como resultado e condição da dependência estrutural, algumas formas de pensamento são incorporadas pelos grupos sociais direta e indiretamente vinculados aos compromissos e aos interesses em jogo nas relações com o país dominante. Em consequência, a linguagem dos donos do poder, nos países latino-americanos, por exemplo, passa a revelar às vezes graus bastante avançados de comprometimento político e ideológico. Nesse plano é que surgem algumas manifestações de bilinguismo típicas de graus bastante avançados de dependência estrutural. Pouco a pouco, técnicos latino-americanos de várias categorias passam a exercer as suas atividades utilizando o inglês como meio de comunicação e diferenciação social. Ao mesmo tempo, utiliza as categorias de pensamento fornecidas pelos técnicos do país dominante, como conteúdo da comunicação [p. 158].
Em casos extremos, as condições sociais e culturais de dependência provocam o comprometimento da própria personalidade de pessoas e grupos de pessoas, no país subordinado. A situação de dependência estrutural certamente cria ambiguidades e incongruências, gerando certos tipos de inautencidades e duplicidades. Os valores culturais e os padrões de comportamento social duplicam-se e tornam-se contraditórios. E também ocorre um certo tipo de divórcio entre o pensamento e a ação. Assim, os antagonismos políticos e econômicos (isto é, os antagonismos entre as classes sociais) transfiguram-se em contradições culturais (axiológicas). O pensamento e a ação podem tornar-se cada vez mais desencontrados, incongruentes. Em consequência, aparecem casos de desorganização da personalidade. Nessa linha de entendimento, ainda está por ser realizada uma análise dos dados e sugestões reunidos em estudos de antropologia, sociologia e psicologia [p. 159].

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