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Transtornos pelo uso de Substâncias Psicoativas



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Prof. Dr. Sérgio Luiz Ribeiro – Curso de Psicologia UNIP Bauru - 2017 
 
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TRANSTORNOS PELO USO DE SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS 
 
 
1) Definição 
 
 Em todas as sociedades e épocas sempre existiu o consumo de drogas – substâncias 
químicas, de origem natural ou feitas em laboratório, que produzem efeitos prazerosos sobre o 
Sistema Nervoso Central (SNC), resultando assim em alterações na mente, no corpo e na 
conduta. 
 Historicamente as substâncias psicoativas (SPA) tornaram-se um problema de saúde 
pública a partir da metade do século XIX e início do século XX. Atualmente temos um 
crescimento significativo do uso destas substâncias, em idades cada vez mais precoces, o 
surgimento de novas substâncias criadas em laboratório e o de novas formas de administração 
para as já existentes. 
 
 Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) citada por Azevedo (2004), os 
principais motivos para o uso de SPA são: 
 
 - Satisfação da curiosidade sobre as drogas. 
 - Necessidade de participação em um grupo social. 
 - Expressão de independência. 
 - Ter experiências agradáveis, novas e emocionantes. 
 - Melhora na criatividade. 
 - Ter sensação de relaxamento. 
 - Fuga de sensações/vivências desagradáveis. 
 
 Ainda segundo a OMS os principais fatores de risco para este consumo são: 
 
 - Falta de informação adequada sobre os efeitos das drogas. 
 - Saúde deficiente. 
 - Insatisfação com sua qualidade de vida. 
 - Personalidade imatura. 
 - Facilidade de acesso às drogas. 
 
 
2) Classificação das substâncias psicoativas 
 
 Classificamos as SPAs pela ação que têm no SNC. 
 
- Depressoras do SNC: produzem diminuição da atividade motora, da reação a dor e da 
ansiedade, produzindo uma euforia inicial (diminuição das inibições e críticas) e um aumento 
da sonolência em seguida. Estão nesta categoria: álcool, ansiolíticos, opiáceos (ópio, morfina 
e heroína). 
 
- Estimulantes do SNC: levam a um aumento do estado de alerta, insônia e aceleração dos 
processos psíquicos. São exemplos: cocaína, “crack”, anfetaminas (bolinha, rebite), 
nicotina e cafeína. 
 
 
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- Perturbadoras do SNC: provocam diversos fenômenos psíquicos anormais, dentre os quais 
alucinações e alucinações, sem causar depressão ou estimulação global do SNC. Encontram-
se nesta categoria: maconha e haxixe, LSD, ecstasy, mescalina (cacto), cogumelos e “chá 
de lírio”. 
 
 
3) Epidemiologia do uso de SPAs 
 
 
 - Início do uso e maior consumo na adolescência. 
 - Homens > mulheres (mas com aumento recente do consumo pelas mulheres). 
 
 
4) Intoxicação 
 
 Estado agudo posterior ao uso de SPA, que compreende perturbações da consciência, 
das faculdades cognitivas, da percepção, afeto ou comportamento e das funções fisiológicas. 
Os efeitos estão em relação com o tipo de substância e estes desaparecem completamente em 
pouco tempo. Muitas vezes são necessários cuidados médicos durante o quadro e pode ocorrer 
com o uso de qualquer SPA. 
 
 
5) Abuso 
 
 Padrão desajustado do uso de substância, com duração mais longa e repetida, 
ocorrendo em situações arriscadas ou apesar do conhecimento dos problemas associados ao 
seu uso. Apresenta complicações da saúde do indivíduo, sejam físicas (hepatites, desnutrição, 
etc.) ou psíquicas (episódios depressivos, ansiosos, etc.) e pode ocorrer com o uso de qualquer 
SPA. 
 
 
6) Dependência 
 
 Conjunto de comportamentos cognitivos e fisiológicos que se desenvolvem após 
consumo repetido de SPA, associada ao desejo poderoso de usá-la, com a dificuldade de 
controlar este consumo e sua utilização persistente, apesar das conseqüências danosas à saúde 
e a vida. Há uma maior prioridade dada ao uso da droga em detrimento a outras atividades e 
obrigações pessoais e sociais. Apresenta um aumento da tolerância a SPA (precisa de doses 
maiores para ter o mesmo efeito no SNC) e a Síndrome de Abstinência. Ocorre com o uso 
da maioria das SPAs. 
 
 - Síndrome de Abstinência: caracterizada por sintomas que se manifestam de várias 
formas, com gravidade variável. Podem apresentar sintomas físicos (sudorese, taquicardia, 
vômitos, asfixia) e psíquicos (medos, ilusões, alucinações, ansiedade, agitação) após 
abstinência absoluta ou relativa da SPA que utiliza. Indica dependência do indivíduo à SPA. 
O início e a evolução dos sintomas são limitados no tempo e dependem do tipo de substância 
e do tempo de dependência. Muitas vezes é grave e exige tratamento médico imediato, pois 
pode levar à morte. Ocorre com a maioria das SPAs. 
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 - Pode haver um quadro de abstinência com delirium, somam-se as acima alterações 
da consciência, orientação tempo-espaço, da percepção (ilusões e alucinações) e também 
convulsões. O exemplo mais típico deste quadro é o Delirium Tremens do alcoolista. 
 
Caso: 
 Sr. Augusto, operário, 35 anos, casado, três filhos. Uma noite, após caiu de uma 
escada e foi internado na ortopedia de um hospital geral. No terceiro dia de internação 
tornou-se muito nervoso e começou a tremer. Foi indagado sobre seus hábitos de bebida, mas 
negou ter problema com álcool, disse que ocasionalmente bebia um copo de cerveja. Durante 
a noite ele não dormia, falava coisas sem sentido e estava muito ansioso. Na avaliação sua 
fala estava arrastada e incoerente, ele achava que estava em sua fábrica e que tinha que 
terminar um trabalho. Às vezes, reconhecia os médicos e enfermeiras, em outros momentos 
achava que eram colegas de seu trabalho. Várias vezes tentava matar insetos que via sobre 
as cobertas. Estava desorientado no tempo e se sobressaltava com qualquer ruído, suava 
muito, tremia muito, tentava constantemente sair da cama, parecendo não perceber que sua 
perna estava engessada. A esposa contou aos médicos que Augusto vinha bebendo grandes 
quantidades de cerveja por mais de três anos. Tinha faltado várias vezes ao trabalho e estava 
ameaçado de demissão. Todos os dias ele começava a beber quando chegava em casa do 
trabalho à noite e não parava até cair no sono. No dia que caiu estava chegando em casa e 
ainda não tinha bebido quando foi internado. Disse também que ele não comia quase nada, 
só bebia quando chegava em casa à noite. 
 
 
7) Transtorno Psicótico induzido por SPA 
 
 - Quadro psicótico que ocorre durante ou após o consumo de drogas, mas não pode 
explicado com base numa intoxicação aguda e nem abstinência. Caracteriza-se pela presença 
de alucinações (principalmente auditivas), distorções da percepção, idéias delirantes 
(paranóides ou persecutórias) e perturbações psicomotoras (agitação ou estupor). Pode ocorrer 
com o uso de qualquer droga, principalmente o álcool. 
 
 
8) Psicodinâmica da Dependência 
 
 Pode ter como base outros transtornos (ansiedade, depressão, psicose, transtornos de 
personalidade) conflitos familiares e sociais. Os mecanismos de defesa mais comuns são a 
negação e projeção. Há possíveis fixações e regressões à fase oral. 
 
Caso: 
 Sr. Mário, advogado, 35 anos, solteiro, mora com seus pais e irmão. Foi encaminhado 
ao Ambulatório porque bebia demais. Seu consumo excessivo de álcool estava lhe causando 
cada vez mais problemas com sua família e no trabalho. Quando foi ao tratamento estava 
bebendo uma garrafa de vodka por dia, às vezes um pouco mais. Começou a ingerir bebida 
regulamente aos 24 anos, no início de forma moderada. Aos 27 começou gradualmente a 
beber cada vez mais, percebia que uma ou duas doses não faziam diferença na forma como se 
sentia, então bebia um pouco mais. Geralmente bebia vodka ou cerveja. Seu hábito de beber 
apenas à noite mudou gradualmente, começou a beber também pela manhã. Ele mantinha 
garrafas escondidas dos familiares em vários lugares da casa. Houve ocasiões que ele bebeu 
de manhã até a noite, especialmente quandoa família estava fora viajando. Quando não 
tinha nenhuma bebida ou tentava ficar sem beber, Mário tinha sintomas desagradáveis, como 
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inquietação e ansiedade, mas os sintomas desapareciam quando ele tomava outra dose. 
Atualmente passou a só ingerir vodka no início importada e agora nacional devido ao preço, 
pois a cerveja não causava mais nenhum efeito nele. No trabalho, por duas vezes estava tão 
bêbado que foi repreendido por seus superiores e mandado de volta para casa. Sua clientela 
logo diminuiu quando a notícia de seu hábito de beber se espalhou. Na avaliação estava 
constrangido e desconfortável, mexendo-se na cadeira inquietamente. Parecia ansioso, tenso, 
mas cooperativo e estabeleceu um bom contato com o entrevistador, estando orientando e 
não apresentado déficits cognitivos ou de memória. 
 
 
9) Tratamento da Dependência 
 
 - Medicamentoso: Desintoxicação (se necessário) e cuidados clínicos. 
 - Tratamento intensivo – Hospital-dia ou CAPS para dependentes químicos 
 (casos graves). 
 - Grupos de autoajuda (Alcoólicos anônimos, Narcóticos anônimos, etc.). 
 - Apoio familiar. 
 - Psicoterapia em Grupo ou individual. 
 - Redução de Danos. 
 
 
Transtornos causados pelo Álcool 
 
 O álcool é uma substância depressiva do SNC e tóxica de forma geral ao organismo. É 
a SPA mais utilizada em todo mundo, pode levar a intoxicação aguda e até ao coma alcoólica 
(que pode levar a morte), ao abuso, dependência, delirium tremens, transtornos psicóticos e 
demência alcoólica. Parece haver pré-disposição genética e étnica para a dependência. 
 O uso prolongado pode provocar diversos problemas clínicos: esofagite e gastrite 
(irritação crônica do esôfago e estômago), aumento da propensão a enfartes, hepatite alcoólica 
(inflamação do fígado), pancreatite (inflamação do pâncreas), abortos e alterações na 
formação do feto durante a gravidez, impotência sexual, polineurite alcoólica (dificuldade de 
assimilação da vitamina leva a câimbras e tremores dos membros) e diarréias (pela corrosão 
das membranas do intestino). 
 A psicodinâmica e o tratamento são semelhantes ao das outras SPAs. 
 
 
 
Referências 
 
KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J. Manual de Psiquiatria Clínica. Rio de Janeiro: Medsi, 
1992, cap. 6. 
 
 
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de Transtornos Mentais e de 
Comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. 
 
 
AZEVEDO, Renata C. S. Dependência Química. In SOUZA, J. C.; GUIMARÃES, L. A. M.; 
BALLONE, G. (orgs). Psicopatologia e Psiquiatria Básicas. São Paulo: Vetor, 2004, cap. 
13, p. 197-210.