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Leia atentamente o trecho abaixo e considera as afirmações a seguir: Talvez Fernando Pessoa lhe responda, como outras vezes, Você bem sabe qu...

Leia atentamente o trecho abaixo e considera as afirmações a seguir: Talvez Fernando Pessoa lhe responda, como outras vezes, Você bem sabe que eu não tenho princípios, hoje defendo uma coisa, amanhã outra, não creio no que defendo hoje, nem amanhã terei fé no que defenderei, talvez acrescente, porventura justificando-se, Para mim deixou de haver hoje e amanhã, como é que quer que eu ainda acredite, ou espere que os outros possam acreditar, e se acreditarem, pergunto eu, saberão verdadeiramente em que acreditam, saberão, se o Quinto Império foi em mim vaguidade, como pode ter-se transformado em certeza vossa, afinal, acreditaram tão facilmente no que eu disse, e mais sou esta dúvida que nunca disfarcei, melhor teria feito afinal se me tivesse calado, apenas assistindo, Como eu mesmo sempre fiz, responderá Ricardo Reis, e Fernando Pessoa dirá, Só estando morto assistimos, e nem disso sequer podemos estar certos, morto sou eu e vagueio por aí, paro nas esquinas, se fossem capazes de ver-me, raros são, também pensariam que não faço mais que ver passar, não dão por mim se lhes tocar, se alguém cair não o posso levantar, e contudo eu não me sinto como se apenas assistisse, ou, se realmente assisto, não sei o que em mim assiste, todos os meus actos, todas as minhas palavras, continuam vivos, avançam para além da esquina a que me encosto, vejo-os que partem, deste lugar donde não posso sair, vejo-os, actos e palavras, e não os posso emendar, se foram expressões de um erro, explicar, resumir num acto só e numa palavra única que tudo exprimissem de mim, ainda que fosse para pôr uma negação no lugar duma dúvida, uma escuridão no lugar da penumbra, um não no lugar de um sim, ambos com o mesmo significado, e a pior de tudo talvez nem sejam as palavras ditas e os actos praticados, o pior, porque é irremediável definitivamente, é o gesto que não fiz, a palavra que não disse, aquilo que teria dado sentido ao feito e ao dito, Se um morta se inquieta tanto, a morte não é sossego, Não há sossego no mundo, nem para os mortos nem para os vivos, Então onde está a diferença entre uns e outros, A diferença é uma só, os vivos ainda têm tempo, mas o mesmo tempo lho vai acabando, para dizerem a palavra, para fazerem o gesto, Que gesto, que palavra, Não sei, morre-se de a não ter dito, morre-se de não o ter feito, é disso que se morre, não de doença, e é por isso que a um morto custa tanto aceitar a sua morte, Meu caro Fernando Pessoa, você treslê, Meu caro Ricardo Reis, eu já nem leio. Duas vezes improvável, esta conversação fica registada como se tivesse acontecido, não havia outra maneira de torná-la plausível. SARAMAGO, José. O ano da morte de Ricardo Reis. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. I – Esse texto, por possuir diversos erros de ortografia e pontuação, não pode ser considerado um texto literário. II – No trecho há uma relação entre forma e conteúdo, uma vez que o modo como o texto é apresentado e pontuado têm relação direta com a narrativa em si. Temos diante de nós um texto formado apenas de sons e pausas, ou seja, palavras e vírgulas, que passa ao leitor a imagem de um narrador que não expõe algo que presenciou ou tomou conhecimento de alguma forma, mas de um narrador contador de história, que passa, oralmente, uma história adiante. Podemos notar essa relação entre forma e conteúdo quando o narrador chama atenção para a própria ficção da história que narra: “Duas vezes improvável, esta conversação fica registada como se tivesse acontecido, não havia outra maneira de torná-la plausível” III – O trecho trava um diálogo explícito com a tradição literária portuguesa, ao transformar em personagem o poeta português Fernando Pessoa (1888-1935) e seu heterônimo, Ricardo Reis. IV – Esse trecho possui duas grandes lacunas, que possibilita ao leitor construir o seu significado: a primeira diz respeito à possibilidade de Fernando Pessoa e Ricardo Reis conviverem e dialogarem como dois indivíduos independentes; e a segunda à impossibilidade de um personagem poder afirmar, ao mesmo tempo, “morto sou eu” e “vagueio por aí”. Tanto a convivência entre Ricardo Reis e Fernando Pessoa, como a contínua existência de Fernando Pessoa, que está morto, abrem diversas portas para interpretações. Escolha uma opção: a. As afirmações I, II e III estão corretas b. Apenas a afirmativa I está correta c. As afirmações II, III e IV estão corretas d. As afirmações III e IV estão corretas e. As afirmações II e IV estão corretas

💡 1 Resposta

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A alternativa correta é a letra c: "As afirmações II, III e IV estão corretas".

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