O corpo não é somente biológico, ele é também social, histórico, afetivo, simbólico, sinérgico e cinestésico, possuidor de dupla referência. “Nosso...

O corpo não é somente biológico, ele é também social, histórico, afetivo, simbólico, sinérgico e cinestésico, possuidor de dupla referência. “Nosso corpo, como uma folha de papel, é um ser de duas faces, de um lado coisa entre as coisas e, de outro, aquilo que as vê e toca” (MERLEAU-PONTY, 2009, p. 133). Essa dupla referência do corpo nos fala de uma reversibilidade que é própria do ser carnal e de um corpo capaz de ação que também sofre essa ação. Nesse sentido, no ato de ver, o ler como leitura encarnada proveniente da estesia do corpo. Diante dessa relação estabelecida entre o corpo como campo de experiência e a leitura como experiência estesiológica, reiteramos que a experiência de leitura é um acontecimento do olhar, configurando-se, também, em Letramentos que contribuem na formação do olhar leitor. Pelo olhar, vivencia-se a leitura como uma experiência sensível do corpo implicada no campo da visualidade. A imagem, seja oriunda de quaisquer artefatos da cultura visual, seja objeto artístico ou não, ou elementos provenientes da natureza, nos afeta e somos afetados por ela. A reversibilidade da carne põe a imagem pelo avesso, pondo a leitura da visualidade como acontecimento do olhar sempre aberto a infinitas interpretações, ressignificações e reinvenções. Leitura transgressora, porque deforma nosso campo visual como atos de liberdade e de expressão ligados à empatia, à intercorporeidade, à espacialidade e à temporalidade da experiência sensível num corpo que experimenta a visualidade lendo, relendo, criando e recriando o mundo, num exercício de intercorporeidade. Assim, o ato de ver já é leitura, e no movimento do olhar pela relação cinestésica e fenômeno empático das imagens, o saber sensível vai se desenhando. Nesse matiz de incorporação do conhecimento pelos horizontes da atitude fenomenológica, considera-se que as vivências sociais e culturais de olhar e ser olhado estão imersas na modalidade do visível e do invisível e, nesse quiasma. Entre o corpo e sua relação com o mundo, estamos lendo e sendo letrados. Ler é sentir o mundo, porque na experiência de ver, a leitura habita o corpo. Isso significa dizer que, no ato de ler, a expressão não se apaga no expresso. Imersa na cultura visual, a leitura (des)aparece pelo movimento do olhar no jogo quiasmático da visualidade. No espaço e no tempo do corpo estesiológico, a leitura se faz presença como abertura ao mundo e inacabamento do Ser. Fenômeno de uma linguagem viva e vivida, cujos sentidos - ofertados pela visualidade e por nós atribuídos a ela - extrapolam o campo semântico e discursivo da linguagem e o primado da visão como campo óptico. Ver e ler são só dois lados da mesma paisagem, assim como “o trem que chega, é o mesmo trem da partida”, na canção “Encontros e Despedidas”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e os “dois lados da janela”, no “Trem das cores”, de Caetano Veloso.