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Tudo que é sólido se desmancha no ar

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Danielle Onório Campos

Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas.

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Danielle Onório Campos

Marshall Berman é o primeiro nome que aparece se questionarmos a teoria marxista nos parâmetros da sociedade moderna e atual. Em termos gerais, o autor se dedica em reiterar os dizeres de Karl Marx no século XIX sob uma perspectiva moderna, de um mundo resultante de duas grandes Guerras Mundiais e que encabeçava no que se chamou de globalização.

Discorrer a respeito desse texto é um pouco complicado, afinal, a concepção do que é modernidade não é muito bem estabelecida ou ao menos não possui um conceito geral que abranja diferentes perspectivas ideológicas. A modernidade a qual Berman escreve diz respeito a que ele está inserido, a modernidade americana da metade do século XX.

O capítulo “Marx, Modernismo e Modernização” é iniciado por citações literárias, como

“[…] aquela aparente desordem que é, na verdade, o mais alto grau de ordem burguesa.” (Dostoievski em Londres, 1862)


que logo indica, de certa forma, para qual lado está o pensamento do autor. O que mais chama atenção não só nesta seção como no livro todo é o viés tomado por Berman, ele realiza analogias de Marx com a literatura que acaba por trazer a teoria marxista a um campo artístico e não só econômico. A respeito disso o autor americano diz também sobre a modernidade, esta é divida em dois campos dos saberes: um artístico, cultural e sensível e outro que se faz na economia e política.

O questionamento feito por Marshall é porque Marx não é associado ao movimento literário modernista assim como Baudelaire, Flaubert, Dostoievski e outros? Afinal, o autor é fruto dessa geração de pensadores e também produziu suas obras nessa geração de 1840. Muito tem haver com o posicionamento de alguns autores contemporâneos a ele contra teoria marxista em relação à modernidade. Berman acredita no oposto, que Karl Marx refere-se muito sobre as mais profundas ideias do que é o modernismo em seu livro Manifesto Comunista. Nas palavras do autor:

“o pensamento modernista, tão brilhante e iluminador do lado escuro de todos e de tudo, vem a ter os seus próprios e reprimidos cantos escuros, sobre os quais Marx pode fazer incidir nova luz. Ele pode esclarecer especificamente a relação entre a cultura modernista e a economia e a sociedade burguesas — o mundo da “modernização” — das quais aquela surgiu” (pág 89),


Marx até retoma a ideia de Goethe sobre literatura mundial para expor o papel da sociedade burguesa a cultura mundial.

Marshall analisa o Manifesto Comunista e sua relação com o tema da modernidade, o cenário descrito por Marx é em exatidão o mesmo que o modernismo internacional caracteriza, a economia burguesa é “propriedade comum” de toda a humanidade; mas também levanta um ponto ainda não abordado sobre a obra: o reconhecimento que Marx dá a burguesia. Parece contraditório se você entende o mais raso do que é a teoria comunista, porém, Berman afirma que Karl Marx reconhece o mérito da burguesia porém a critica posteriormente, num sentido de tolice por parte dos burgueses. O reconhecimento a burguesia se dá pelo que ela construiu e transformou no mundo em pouco espaço de tempo, não apenas em matéria econômica, mas num âmbito geográfico e arquitetônico também — a cidade passa ser outra após a ascensão burguesa pós Revolução Francesa.

A crítica de Karl Marx a burguesia está no que a burguesia retrai por importar-se apenas com o acúmulo do capital, para o autor, existem milhares de oportunidades de desenvolvimento, por assim dizer, que essa camada mais alta da sociedade simplesmente ignora ou deixa para trás por preocupar-se apenas com o lucro. Se analisarmos o que é o poder podemos entendê-lo como provido de uma tendência a ser conservador, constante — falo sobre o poder, pois não é possível fazer política sem poder — e por constante quero dizer perene. Dentro dessa ideia de poder existe uma dicotomia entra poder conservador e poder revolucionário. O poder, se movido por uma força revolucionária pode alterar as estruturas, mas por ser perene existe uma tendência a se estabilizar e virar o que se combateu anteriormente. O poder se cristaliza e é isso que ocorre com a burguesia que Marx escreve.

É nesse cenário criado pela burguesia que Marx discorre sobre a frase que origina o título do livro de Berman, dentro da lógica capitalista burguesa a produção é sempre renovada e revolucionada, tudo que é sólido e material, como os produtos manufaturados, as máquinas das indústrias, as casas dos trabalhadores, existem para deixarem de existir depois, isto é, para depois serem refeitos e ad infinitum sob formas cada vez mais lucrativas. Se é possível fazer uma comparação a contemporaneidade essa lógica se encaixa muito bem com o investimento feito em países pós-guerra, todos os bens materiais que ali existiam deixaram de existir, dessa forma o mercado passa a ser um ótimo meio de investimento comercial de produtos bens secundários, ainda, se é permitido uma analogia, é dentro dessa lógica que os Estados Unidos engrandeceu sua economia e até hoje em dia, faz muito dinheiro. O sistema capitalista possui exímia capacidade em explorar a crise e o caos para se desenvolver e enriquecer, como num ato de antropofagização da sua própria autodestruição.

O objetivo de Berman nesse livro não foi apenas ler Karl Marx como um escritor modernista, mas fazer também o inverso e ler o modernismo sob uma perspectiva marxista exaltando as pressões da vida moderna como a insaciável busca pelo crescimento e progresso e a pressão da exploração existente nos homens. O autor é bem sensível ao falar sobre a modernidade e seus efeitos, acredito que por ser ao mesmo tempo escritor, Berman é personagem dessa história.

No final do capítulo o autor chega à conclusão de que o modernismo e o marxismo se diferiram em teorias próprias, mas salva críticas para ambos os movimentos num ato de discernimento político e de certa isenção de posicionamento, quer dizer, Berman não estava por defender veemente o Marxismo em seu livro, ele faz críticas contemporâneas à teoria marxista no intuito de encaixar os dizeres em sua realidade moderna e em questão de modernidade ele também não quis dizer que a modernidade tenha ultrapassado o que Karl Marx tenha escrito sobre a sociedade capitalista, que posteriormente vem a ser essa sociedade moderna, ele faz críticas a ela também. E ao fazer essas críticas Marshall reconhece os triunfos de cada um deles (marxismo e modernismo).

Berman aponta que o marxismo, na sua concepção, se apoia diretamente no conflito de classes sociais e confronto de interesses, sua essência é firmada na luta contra a dura realidade social. A partir disso, o autor sugere o que os modernistas deveriam fazer em relação ao marxismo: abraçar a teoria marxista como uma forma de enxergar melhor a sociedade burguesa e suas relações sociais. Berman diz :

“Uma fusão de Marx com o modernismo poderia derreter o demasiado sólido corpo do marxismo — ou pelo menos aquecê-lo e descongelá-lo — ; ao mesmo tempo, daria à arte e ao pensamento modernistas uma nova solidez e investiria suas criações de insuspeita ressonância e profundidade” (pág 117).


Mas o questionamento que resta é a respeito da lógica capitalista moderna, daquela frase “tudo que é sólido desmancha no ar”, seria essa concepção apenas ocidental? Seria ela mundial assim como Marx prega? De fato, a cultura modernista sustenta o pensamento crítico em grande parte do mundo não-ocidental atualmente, porém muitos pensadores questionam isso na teoria marxista. Um desses pensadores é a historiadora Hannah Arendt, ela critica a lógica criada por Marx fundamentando-se na concepção dos apátridas, esse conceito é evidenciado em seu livro “Origens do Totalitarismo”. Arendt não vê coerência em mundializar o conceito de classes sociais se levado em conta partes do mundo oriental no pós-guerra, como fruto da Segunda Guerra Mundial, muitos povos migraram de sua terra de origem e por falta de acolho do diversos Estados Nacionais que não sofreram intensamente com a guerra esses imigrantes perderam sua nacionalidade, que até o século XIX estava ligada ao território e pertencimento a um Estado. Sem políticas para acolhimento de imigrantes muitas pessoas se tornaram apátridas, ou seja, sem pátria. Sem terra, sem casa, sem identidade. O ponto aqui levantado por Hannah é como encaixar o conceito de classe social a alguém que não está ao menos inserido a uma sociedade estratificada? Se a ideia de luta de classes não existe então o marxismo não tem sentido e não passa de um termo. Mas será que o marxismo não segue outra lógica que a ocidental? Será que mesmo uma sociedade não estratificada não possui algum tipo de grupo social superior a outra?

Para responder esse questionamento iniciado pela Hannah Arendt irei citar uma matéria recente realizada pelo Estadão, na qual o pesquisador Eulálio Figueira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), analisa grupos sem-teto no centro de São Paulo. Em um vão de um viaduto diversos grupos sem-teto moram lado a lado, porém não estão todos na mesma situação, ninguém tem casa, isso é certo e emprego legal também não. Mas há quem possua um colchão e há quem durma num pedaço de papelão. É triste ter que fazer essa separação, mas o que descobriu-se é que até entre esses grupos que poderíamos enxergar como fora da sociedade capitalista, existe estratificação social. Essas pessoas moram “ilegalmente” na rua, mas um deles trabalha com carreto e quando chega “em casa” ao final da noite joga seu vídeo game de futebol, enquanto outros dependem exclusivamente da caridade de outros civis e de doações. Outro ponto levantado pelo pesquisador é que a estratificação também é geográfica, isto é, um mendigo que mora no centro da cidade pode ser considerado “mais rico” que uma família que mora numa zona periférica da cidade.

Essa pesquisa não é uma resposta direta ao questionamento de Arendt, mas é uma demonstração de como o capitalismo e a massacrante estratificação social, que torna a teoria marxista possível, se aplica a níveis não imaginados anteriormente. A matéria não acontece num âmbito oriental, fora do que Karl Marx escreveu, porém eleva a teoria marxista a grupos sociais até então considerados além da sociedade capitalista moderna. Haveria sociólogos que não inseririam moradores de rua na lógica da sociedade capitalista, mas no século XXI o capitalismo tomou outras proporções e expandiu suas raízes para mais fundo ainda.

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Eliseu Bueno

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