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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL CAMPUS LARANJEIRAS DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO RURAL SUSTENTÁVEL ANELIZE CAMPOS FERNANDA PAULA PIRAN DISCIPLINA: AGROECOLOGIA Plantas Alimentícias não Convencionais - PANCs LARANJEIRAS DO SUL 2016 Plantas Alimentícias não Convencionais - PANCs Segundo Kinupp (2014) os mais diversos povos do mundo sempre enfrentaram grandes privações e duras necessidades. Sendo elas, necessidades de vestimentas, abrigo, proveniente das intempéries e principalmente de alimentos. E, em relação aos alimentos, a humanidade tem sofrido crises em diversas escalas, podendo ser locais ou mais raras, como a fome generalizada. O mesmo autor discorre que existem diversos motivos pelos quais a fome pode ser causada, como as guerras, catástrofes ambientais, problemas políticos, má distribuição, desperdício, entre outros. Porém, podemos destacar que o modelo alimentar hegemônico instalado mundialmente, tem estabelecido outra característica para fome. A dieta alimentar mundial apresenta-se com altos valores calóricos – principalmente açúcares e gorduras, pobreza de nutrientes, uniformidade alimentar e ausência de cores e sabores. Já não se tem tantas privações de alimentos, no entanto há carência de nutrientes básicos, importantes para a manutenção e bom funcionamento do nosso organismo. Apesar de toda a biodiversidade alimentícia, ainda enchemos nosso estômago com pouquíssimos alimentos, ainda por cima, pobres nutricionalmente. Podemos nos perguntar quantas plantas em média consumimos no nosso dia- a-dia, o que não seria difícil responder, pois comemos apenas uma média de 20 espécies, um número muito pequeno se comparado com a enorme biodiversidade de que dispomos, estima-se que 35 mil espécies tenham potencial alimentício (KINUPP, 2007). O queremos salientar aqui é que existem muitas plantas por aí, as espontâneas, que poderiam tranquilamente compor saladas e outros pratos diversos, além de serem muito nutritivas, contribuindo para uma dieta mais equilibrada e segura. Para Valdely Kinupp, um grande estudioso destas plantas alimentícias não convencionais – PANCs, define-as como: A maioria das plantas chamadas "daninhas" ou "inços" (o correto e adequado é plantas/ervas espontâneas), pois medram entre as plantas cultivadas são espécies com grande importância ecológica e econômica. Muitas destas espécies, por exemplo, são alimentícias mesmo que atualmente em desuso (ou quase) pela maior parte da população. O mesmo é válido para plantas silvestres, as quais são genericamente chamadas de "mato" ou planta do mato, no entanto, são recursos genéticos com grande potencial de uso imediato ou futuro a partir de programas de melhoramento, seleção e manejos adequados. (KINUPP, 2009). É interessante destacarmos que estas plantas não necessitam ser tão manejadas como as outras mais comuns do nosso dia-a-dia, são em sua maioria, rústicas. Adaptam-se a variações climáticas, tem baixas necessidades hídricas e baixa exigência de solo. Não necessitam de agrotóxicos para o controle de pragas, pois são adaptadas e contam com controle biológico, dessa forma, tem manejo e cultivo fácil. São extremamente importantes para a variação da nossa dieta, sendo muitas vezes mais nutritivas que os alimentos convencionais, a exemplo das urtigas e mamão-do-mato, que possuem de 3 a 5x mais cálcio que o espinafre (KELEN e MACHADO, 2016). Podemos citar o exemplo da alface e do dente-de-leão, os quais ao comparados seus componentes nutricionais, é nítido maiores propriedades nutricionais no dente-de-leão, esta que é uma planta espontânea encontrada em diversas regiões do país (KELEN et al., 2015). Se pararmos para observar algum canteiro, ou um jardim, seja no campo ou na cidade logo perceberemos a presença de alguma destas plantas alimentícias não convencionais, num primeiro momento e sem o prévio conhecimento podemos considerá-las como inços, pois aparecem em locais onde não foram cultivadas (KELEN et al., 2015). São plantas adaptadas a diferentes ambientes, respeitam a sazonalidade e nascem sozinhas em regiões específicas (autóctones), por este motivo são plantas que fortalecem o conceito de Soberania Alimentar1. Sendo que soberania tem relação com a produção de alimentos localmente que respeite a cultura e especificidades locais, sem delegar a terceiros as decisões sobre políticas agrícolas e alimentares. Ao relacionar as PANCs com o conceito de soberania alimentar, consideramos importante abordar também do ponto de vista do direito a segurança alimentar, que no Brasil foi incorporada à Constituição Federal a partir de 2010 como um direito social. Assim ressaltamos a importância da promoção de políticas públicas e programas institucionais que favoreçam o acesso da população a esse conhecimento 1 O conceito de soberania alimentar defende que cada nação tem o direito de definir políticas que garantam a Segurança Alimentar e Nutricional de seus povos, incluindo aí o direito à preservação de práticas de produção e alimentares tradicionais de cada cultura. (BRASIL, 2010). que envolve, muito além de conhecimento agronômico e nutricional, como também, um resgate cultural do uso das plantas. Conforme a Lei nº 11.346/2006, também chamada de Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN), que traduz Segurança Alimentar e Nutricional como: A realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis (BRASIL, 2006). Ao ser incorporado à Constituição, o direito a segurança alimentar e nutricional, passa a exigir a necessidade da existência de políticas públicas que fortaleçam o exercício e promoção deste direito. Sendo assim, entendemos que da forma como tem sido conduzido o sistema alimentar do nosso país, com a redução intensa da diversidade de alimentos na mesa dos brasileiros, a prática desse direito está cada vez mais distante, diante disso julga-se tão necessário difundir o conceito de PANCs. Algumas PANCs encontradas atualmente no Território da Cantuquiriguaçu A partir de alguns estudos sobre as plantas alimentícias não convencionais, identificaram-se algumas consideradas recorrentes na região do Território da Cantuquiriguaçu, no estado do Paraná. Das quais, destaca-se: dente-de-leão (Taraxacum officinale), Serralha (Sonchus oleraceus), Tansagem (Plantago australis), Caruru (Amaranthus spinusus), Picão / picão-preto / carrapicho (Bidens pilosa), Pimenta Rosa/ Aroeira vermelha/ Aroeira-mansa (Schinus terebinthifolius Raddi), Mastruço / Mestruz (Coronopus didymus), Inhame (Colocasia esculenta), Beldroega (Portulaca oleracea), Taioba (Xanthosoma sagittifolium), Capuchinha (Tropaeolum majus), Funcho (Foeniculum vulgare) e Bananeira (Musa X paradisiaca). Estas que apresentam grande potencial para um desenvolvimento rural mais sustentável, pois contribuem para uma maior segurança alimentar dos povos, enquanto são ambientalmente mais sustentáveis. Observações importantes Alguns cuidados devem ser tomados para utilização e manejo das PANCs, destacamos aqueles consideramos mais importantes, tais como a identificação, os cuidados em relação à saúde, higiene, manejo e manutenção das espécies. 1. Identificação de PANCs: O consumo das PANCs torna-se uma alternativa para os problemas relacionados a fome, porém é certo que a correta identificação é algo extremamente necessário, haja visto que as plantas contém em sua essência diversas substancias (alcalóides, glicosídeos, cardioativos,entre outros) que são agressivas aos seres humanos. As intoxicações causadas por plantas tem se tornado um caso de saúde pública, sendo que esses representam a quarta causa de intoxicações no Brasil, ocasionando a perda de vidas humanas, sendo ainda mais graves os casos de perdas de vidas de crianças. Os acidentes ocorrem de forma direta pela ingestão das partes das plantas, confundidas com alimentícias, ou pelo abuso no uso de chás (LORENZI et al., 2011). Para uma correta identificação das PANCs, devem-se buscar fontes seguras sobre o assunto, à internet pode contribuir na pesquisa e identificação, mas não o ideal é ter outras fontes também. Além disso, procurar nomes científicos seria o mais correto, pois se ater a nomes populares pode ser um risco, algumas plantas venenosas e comestíveis podem ser conhecidas pelos mesmos nomes. 2. Local de coleta: Em relação à coleta das PANCs devemos tomar algumas precauções, como não coletar em locais que possam estar contaminadas por agrotóxicos, por dejetos de animais, beira de estradas com intensa movimentação de veículos. Com as plantas aquáticas deve-se tomar cuidado para que esses ambientes não estejam contaminados, pois o objetivo principal de usar essas plantas na alimentação é a promoção da vida e da saúde, assim, se essas forem coletadas em ambientes impróprios, a vida e a saúde não estarão sendo efetivadas. 3. Higienização: o preparo e consumo dos alimentos independente dos tipos de alimentação sempre exigem aspectos mínimos de higiene que devem ser contemplados, em relação às PANCs esse processo também deve ser seguido, principalmente em relação à lavagem e conservação desses alimentos. Geralmente são colhidas em ambientes abertos, sendo expostas ao contato com animais, poeiras, entre outros, em vista disso, enfatiza-se o grande cuidado com a higiene das mesmas. 4. Manutenção/Propagação das espécies: outro quesito importante que devemos destacar se trata da propagação das espécies, pois o consumo destas sem a preocupação de preservação das mesmas pode trazer comprometimento da biodiversidade. Embora em sua grande maioria as PANCs não exijam grandes manejos agronômicos pela sua rusticidade e boa adaptação, salientamos a importância da preservação das espécies, haja visto que na história muitas vezes a influência do homem sobre os ambientes modificou intensamente o mesmo, ocasionando a perda de muitas espécies da diversidade biológica. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura - FAO, estima-se que 75% das variedades convencionais de plantas alimentícias já foram perdidas (KELEN et al., 2015). Além das perdas genéticas de muitas variedades, também se perderam conhecimentos tradicionais relativos a formas de preparo e cultivos destas plantas, a cultura de se alimentar de determinadas variedades não convencionais está se perdendo, cada vez menos se sabe sobre estes hábitos. Considerações Finais Estas plantas muitas vezes deixam de ser consumidas devido a influência dos impérios alimentares dominantes2, que nos impõe hábitos de consumo que diferem da nossa cultura local. Os hábitos alimentares hegemônicos fazem com que consigamos nos alimentar em qualquer parte do mundo com as mesmas coisas, situação que extingue a cultura alimentar própria de cada região. Para exemplificar, 2 Ver Ploeg, 2008. podemos tomar a rede McDonald's, que se espalhou pelo mundo conquistando milhões de consumidores3, que vivenciam nestes ambientes a sensação de estarem em seu próprio país, deixando de conhecer, saborear e vivenciar novas culturas e hábitos alimentares. Esse modelo nos priva do consumo de alimentos com grande qualidade nutricional e que oferecem diferentes e deliciosos sabores. Assim, como a agroecologia busca uma relação mais harmoniosa com meio ambiente, a utilização de plantas alimentícias não convencionais também contribui para esta relação. As PANCs são uma alternativa sustentável, pois não precisamos explorar demasiado o ambiente para nutrir-se delas, estão a nossa disposição, e na maioria das vezes são livres de agrotóxicos, e outros insumos que podem ser danosos a saúde humana. Portanto, hoje em dia muito se busca em relação a uma alimentação saudável, orgânica, rica em nutrientes e balanceada, no entanto, pouco se sabe sobre o potencial das PANCs sobre estes novos hábitos alimentares. Referências: BRASIL. Lei n. 11.346, de 15 de setembro de 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 set. 2006. BURITY, Valéria et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: ABRANDH, 2010. 204p. KINUPP, V. F.; LORENZI, H. Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs) no Brasil: guia de identificação, aspectos nutricionais e receitas ilustradas. São Paulo: Ed. Plantarum, 768p. 2014. KELEN, M. E. B. et al. Plantas alimentícias não convencionais (PANCs): hortaliças espontâneas e nativas. 1 ed. – São Paulo: UFRGS, 2015. KINUPP, V. F. Plantas Alimentícias Não-Convencionais (PANCs): uma Riqueza Negligenciada. Anais da 61ª Reunião Anual da SBPC - Manaus, AM - Julho/2009 3 Alguns autores analisam a chamada cultura da McDonaldização, tratada por Ritzer (1997). KINUPP, V. F. 2007. Plantas Alimentícias Não-Convencionais da Região Metropolitana de Porto Alegre, RS. Porto Alegre, 2007. 562 p. Tese - (Doutorado em Fitotecnia). Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/12870>. Acesso em 16 jun. 2016. LORENZI, Harri et al. Plantas Tóxicas: Estudo de fitotoxicologia química de plantas brasileiras. São Paulo, Instituto Plantarum de estudos da flora, 2011. LORENZI, Harri. Plantas daninhas do Brasil: terrestres, aquáticas, parasitas e tóxicas. Nova Odessa, SP: Instituto Plantarum de Estudos da Flora, 2008. PLOEG, Jan Douwe van der. Camponeses e impérios alimentares: lutas por autonomia e sustentabilidade na era da globalização. Trad. Rita Pereira. Porto Alegre: UFRGS, 2008. 376 p. RITZER, G. Teoria Sociológica Moderna. Madrid: MacGraw-Hill. (1997). KELEN, M e MACHADO, L. PANCs – Plantas alimentícias não convencionais Disponível em: <https://abioquimicacomoelae.com.br/convidados/pancs-plantas-alimenticias-nao- convencionais/>. Acesso em 15 de junho, 2016. Disponível em: <http://www.tuasaude.com/>. Acesso em 16 de junho, 2016. Disponível em: <http://beneficiosnaturais.com.br/.> Acesso em 16 de junho, 2016. https://abioquimicacomoelae.com.br/convidados/pancs-plantas-alimenticias-nao-convencionais/ https://abioquimicacomoelae.com.br/convidados/pancs-plantas-alimenticias-nao-convencionais/ http://www.tuasaude.com/ http://beneficiosnaturais.com.br/
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