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CONCEITO E ETIOLOGIA: Leishmaniose é uma doença transmitida pelo mosquito-palha ou birigui (Lutzomyia longipalpis) que, ao picar, introduz na circulação do hospedeiro o protozoário responsável pelo tipo da doença. A transmissão do parasita ocorre, principalmente, através da picada do mosquito fêmea infectado. Outros mecanismos devem ser considerados em condições especiais: Uso de drogas injetáveis: compartilhamento de seringas e agulhas contaminadas. Transfusão sanguínea: Embora seja pouco conhecida a real situação deste tipo de transmissão em todo o mundo, sete casos foram descritos na literatura, incluindo quatro crianças que receberam múltiplas transfusões e três crianças que receberam sangue de um único doador. Este processo de transmissão requer que o parasito esteja presente no sangue periférico do doador, e sobreviva ao processo de estocagem no banco de sangue. Outros mecanismos: Transmissão congênita e acidentes de laboratório já foram relatados; no entanto, são raros e não representam nenhuma relevância epidemiológica. CICLO BIOLÓGICO: Ciclo heteroxênico: apresenta hospedeiro definitivo e intermediário. O parasita apresenta apenas duas formas evolutivas: Amastigota (intracelular e sem movimentos) e Promastigota (extracelular e flagelada). A leishmaniose é transmitida pela picada de flebotomíneas infectadas. Ao se alimentarem de sangue, as flebotomíneas injetam promastigotas metacíclicos (o estágio infeccioso). As promastigotas são fagocitadas pelos macrófagos e outras células mononucleares fagocíticas. Nessas células, as promastigotas se transformam em amastigotas (o estágio tecidual). As amastigotas se multiplicam por divisão simples e infectam outras células fagocíticas mononucleares. Ao se alimentarem do sangue de um hospedeiro infectado, as flebotomíneas são infectadas pela ingestão de macrófagos infectados por amastigotas. No intestino médio das flebotomíneas, os amastigotas se transformam em promastigotas, se multiplicam se desenvolvem. O ciclo se reinicia. No hospedeiro vertebrado, as formas amastígotas de L. Chagasi são encontradas parasitando células do sistema mononuclear fagocitário (SMF), principalmente macrófagos. No homem, localizam- se em órgãos linfoides, como medula óssea, baço, fígado e linfonodos, que podem ser encontrados densamente parasitados. O parasitismo pode Leishmaniose 1 Ana Luísa Prates Cardoso envolver outros órgãos e tecidos, como os rins, placas de Peyr no intestino, pulmões e a pele. Raramente, as amastígotas podem ser encontradas no sangue, no interior de leucócitos, íris, placenta e timo. Leishmaniose Visceral ETIOLOGIA: A leishmaniose visceral é causada, em todo o mundo, por parasitos do complexo L. donovani que inclui três espécies de Leishmania: Leishmania (Leishmania) donovani; Leishmania (Leishmania) infantum; Leishmania (Leishmania) chagas. Nas Américas, Leishmania (Leishmania) chagasi é a espécie responsável pelas formas clínicas da leishmaniose visceral. EPIDEMIOLOGIA: Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença é responsável pela morte de milhares de pessoas em todo o mundo, principalmente crianças e compreende uma das sete endemias mundiais de prioridade absoluta da OMS. Notificada por 27 países do continente americano e 67 países nos continentes do Velho Mundo – Europa, África e Ásia, onde existem cerca de 360 milhões de pessoas expostas ao risco. Cerca de 90% dos casos mundiais estão concentrados na Índia, Bangladesh, Nepal, Sudão e Brasil. A OMS estima que ocorram 500.000 novos casos por ano em todo o mundo. No Brasil, dados do Ministério da Saúde relatam a ocorrência média de 3.100 casos novos por ano, 54% deles em crianças menores de 10 anos. FISIOPATOLOGIA: Imunidade: Estudos realizados em modelos murinos demonstraram que, na modulação da resposta imune, macrófagos parasitados e outras células apresentadoras de antígeno (APC) apresentam antígenos de Leishmania aos linfócitos T do tipo CD4+. Estes linfócitos são estimulados a produzir interleucinas (IL) e dependendo do perfil estimulado, ocorre o desenvolvimento de duas subpopulações de linfócito TH (T helper). TH do tipo 1 (TH1) secreta grande quantidade de TNF-y associado a produção de citocinas pró inflamatórias, enquanto TH do tipo 2 (TH2) produz grande quantidade de IL-4 associada citocinas promotoras da produção de anticorpos produzidos por linfócitos B. Também foi caracterizado nesse modelo que a resposta TH 1 está associada à capacidade do hospedeiro em controlar a infecção e a resposta TH2, mais correlacionada com o processo progressivo da doença. A indução preferencial das células TH1 ou TH2 depende de alguns fatores, como a dose infectante, o mecanismo de apresentação pela APC, a via de inoculação e o padrão genético do hospedeiro. Algumas das citocinas produzidas pela resposta do tipo THl ou TH2 possuem caráter regulador, favorecendo ou inibindo a expansão celular de um ou outro grupo. A leishmaniose visceral é caracterizada pela incapacidade do macrófago em destruir as amastígotas. Nos doentes, tem sido observada a produção de níveis elevados de IL-10. O aumento de IL- 10 em sinergismo com IL-4 parece ser fundamental na progressão da doença, desde que ambas são capazes de inibir: a ativação de macrófagos pelo INF-y produzido pelas células TCD4+; a transcrição do TNF-a; e a produção de H2O2. A produção de anticorpos, principalmente IgG, é muito elevada. Entretanto, como a ativação de Linfócitos B é policlonal, a maioria das imunoglobulinas são inespecíficas. A presença de anticorpos específicos contra Leishmania é importante, principalmente para o diagnóstico. Esses eventos perpetuam a infecção, tomando a doença progressiva e eventualmente letal, se não controlada. O curso da infecção é dependente, ainda, da capacidade do hospedeiro em estabelecer uma resposta imune mediada por 2 Ana Luísa Prates Cardoso 2 Ana Luísa Prates Cardoso 2 células. Indivíduos assintomáticos ou pós- tratamento apresentam resposta celular do tipo hipersensibilidade tardia positiva para antígenos do parasito. PATOGENIA: A L. chagasi é um parasito de células do SMF, principalmente do baço, fígado, linfonodo e medula óssea. Entretanto, no curso da infecção outros órgãos e tecidos podem ser afetados, como intestino, sangue, pulmões, rins e pele. Nas fases mais avançadas da doença são raros os órgãos onde não se encontra o parasito. A pele é a porta de entrada para a infecção. A inoculação das formas infectantes é acompanhada da saliva do inseto vetor, que é rica em substâncias com atividade inflamatória. Esta atividade é muito importante para o aumento de células fagocitárias neste local e crucial para a instalação da infecção. Alguns indivíduos podem desenvolver uma lesão nodular local, principalmente nas infecções por Leishmania donovani. Quando ocorre, o sinal de porta de entrada é transitório, e representado por reação inflamatória que determina a formação de um nódulo, o leishmanioma. No entanto, na infecção por Leishmania chagasi, o local da inoculação dos parasitos normalmente passa despercebido. O processo pode evoluir para a cura espontânea ou, a partir da pele, ocorrer a migração dos parasitos, principalmente para os linfonodos, seguida da migração para as vísceras. Nas vísceras, os parasitos induzem uma infiltração focal ou difusa de macrófagos não-parasitados, além de infiltrado de linfócitos e células plasmáticas, com focos de plasmacitogênese. As alterações mais particulares são descritas nos tecidos esplênico, hepático, sanguíneo, pulmonar e renal. A via de disseminação de Leishmaniapode ser a hematogênica e/ou linfática. L. chagasi raramente tem sido encontrada no sangue periférico humano de indivíduos considerados imunocompetentes; no entanto, em cães ou raposas este achado é frequente. A patogenia da doença é determinada por múltiplos fatores que envolvem os hospedeiros, os parasitos, além de fatores genéticos determinantes da susceptibilidade para a infecção e para a cura, o estado imunológico e nutricional do indivíduo. Alterações Esplênicas: Esplenomegalia é o achado mais importante e frequente no calazar. Na fase inicial da doença, a esplenomegalia pode não ocorrer ou ser pouco acentuada, mas na doença estabelecida e crônica toma-se uma característica invariável. Ao corte, o órgão apresenta superfície vermelha amarronzada e o tecido friável e congesto. Podem ser identificadas áreas de infarto. A cápsula é espessa e mostra áreas de inflamação. Ocorre hiperplasia e hipertrofia das células do SMF, os macrófagos e as células plasmáticas podem ser observados densamente parasitados, na polpa branca e vermelha. Na polpa branca, no entanto, o parasitismo é menos frequente e há diminuição da população de células em áreas T dependentes. Alterações Hepáticas: Hepatomegalia é outra característica marcante no calazar. O órgão mantém consistência firme e ocasionalmente mostra congestão passiva. Ocorre hiperplasia e hipertrofia das células de Kupffer, em geral densamente parasitadas. É frequente a presença de infiltrado difuso de células, plasmáticas e linfócitos, intraparenquimal. Podem ser observadas fibrose septal e portal, leve ou moderada, ao longo do infiltrado inflamatório. A deposição de material hialino, PAS positivo, no espaço de Disse é um achado comum e associado a espessamento reticular e áreas de fibrose intralobular (fibrose de Rogers). Estas alterações contribuem possivelmente para a grave desproteinemia que ocorre em pacientes com calazar. Os baixos níveis de albumina associados a fatores vasculares locais podem levar a formação de edema dos membros inferiores. 3 Ana Luísa Prates Cardoso Ana Luísa Prates Cardoso 3 Alterações no Tecido Hemapotoiético: A medula óssea é em geral encontrada com hiperplasia e densamente parasitada. A eritropoese e granulopoese são normais no início do processo infeccioso. Durante as fases mais adiantadas da infecção, ocorre desregulação da hamatopoese, caracterizada pela diminuição da produção celular, com reflexo no quadro hematológico em períodos sucessivos: Hiperplasia no setor histiocitário; Hipoplasia no setor formador de sangue e, por fim; Aplasia. Alterações Renais: A principal alteração que ocorre nos rins está relacionada com a presença de imunocomplexos circulantes. Em muitos casos ocorre glomerolonefrite proliferativa e nefrite intersticial. Estudos a microscopia eletrônica e imunofluorescência revelam o espessamento da membrana basal e proliferação das células mesangiais como achados mais frequentes. A deposição de imunocomplexos, além do complemento e fibrinogênio, na matriz mesangial determina um quadro de glomerulonefrite mesangioproliferativa. Em decorrência das lesões renais, ocorrem distúrbios de sua função. As formas amastígotas de Leishmania são raramente visualizadas, mesmo com a utilização de colorações mais específicas. A perda de albumina na urina - albuminúria – ocorre em cerca de 50% dos pacientes no Brasil, e elevados níveis de creatinina, ureia e hematúria são vistos nos casos terminais. Após tratamento eficaz, estas alterações são revertidas à função normal. Alterações do Linfonodos: Os linfonodos encontram-se frequentemente aumentados. Ocorre reatividade nos centros germinativos dos folículos linfoides, reflexo do aumento na celularidade perifolicular. Na zona paracortical há depleção de células T e presença de plasmócitos e macrófagos parasitados. A presença destes plasmócitos explica em parte a hipergamaglobulinemia presente durante a infecção. Alterações Pulmonares: Nos pulmões ocorre, com relativa frequência, pneumonite intersticial com o espessamento dos septos pulmonares, devido a tumefação endotelial e proliferação das células septais, as vezes com fibrose septal, e de linfócitos e células plasmáticas. As amastígotas são raras ou ausentes no pulmão. Estudos mostraram a associação entre a pneumonite intersticial e a presença de material antigênico de Leishmania nos septos alveolares, através de técnicas de detecção de antígenos do parasito pelo método imunoenzimático peroxidase-antiperoxidase (PAP). Alterações no Aparelho Digestivo: Há, com frequência, excessiva proliferação de células do SMF, especialmente no jejuno e íleo, com presença de amastígotas. Ocorre edema e alongamento das vilosidades, sem ocorrência de alterações na arquitetura da mucosa e dos vasos linfáticos. QUADRO CLÍNICO: A doença pode ter desenvolvimento abrupto ou gradual. Os sinais sistêmicos típicos estão associados à febre intermitente, palidez de mucosas, esplenomegalia associada ou não a hepatomegalia, e progressivo emagrecimento com enfraquecimento geral do hospedeiro. A tosse não-produtiva, a diarréia e a dor abdominal são queixas frequentes na fase aguda da infecção. Progressivamente, no curso da doença, o paciente pode apresentar anemia epistaxes, hemorragia gengival, edema, ictencia e ascite. A anorexia e a desnutrição aumentam a debilidade do paciente. Nestes pacientes, o óbito pode ser decorrente do parasitismo, porém geralmente é 4 Ana Luísa Prates Cardoso determinado pelas hemorragias e infecções intercorrentes. As hemorragias digestivas e a icterícia são sempre indicadoras de gravidade. É possível atribuir diversas formas clínicas, variando de uma forma silenciosa assintomática, forma aguda e forma crônica. Forma Assintomática: Os indivíduos podem desenvolver sintomatologias pouco específicas que se manifestam por febre baixa recorrente, tosse seca, diarréia, sudorese, prostração e apresentar cura espontânea ou manter o parasito, sem nenhuma evolução clínica por toda a vida. Acredita-se que esta represente a maior parcela da população infectada em área endêmica. Forma Aguda: Corresponde ao período inicial da doença. Observam-se febre alta, palidez de mucosas e hepatoesplenomegalia discretas. A evolução em geral não ultrapassa dois meses. Muitas vezes o paciente apresenta tosse e diarréia. O parasitismo é mais frequente no fígado e no baço e em menor número na medula. Forma Crônica: Caracterizada por febre irregular e associada ao continuo agravamento dos sintomas. O emagrecimento é progressivo e conduz o paciente para desnutrição protéico-calórica, caquexia acentuada, mesmo com apetite preservado. A hepatoesplenomegalia, associada à ascite determinam o aumento do abdome. É comum edema generalizado, dispneia, cefaleia, dores musculares, perturbações digestivas, epistaxes e retardo da puberdade. DIAGNÓSTICO: Baseia-se nos sinais e sintomas clínicos, em parâmetros epidemiológicos e na grande produção de anticorpos. Entretanto, a confirmação do diagnóstico ainda é realizada pelo encontro do parasito em amostras biológicas de tecidos do paciente. Diagnóstico Clínico: baseia-se nos sinais e sintomas apresentados pelos pacientes associados à história de residência em área endêmica. Diagnóstico Laboratorial: pesquisa do parasito. Métodos Imunológicos: Teste de Montenegro; Reaçáo de Imunofluorescência Indireta (RIFI); Ensaio Imunoenzimático (ELISA); Reação de Fixação do Complemento (RFC); Teste Rápido Imunocromatobáfico (TRALD; RICH). TRATAMENTO: Específico: Antimoniato de N-metil glucamina (Glucantime):distribuição gratuita e controlada pela rede de saúde pública. o O Ministério da Saúde indica como primeira escolha para o tratamento da doença. o O Ministério da Saúde recomenda a dose de 20mg de Sb5+kg/dia, por via endovenosa ou intramuscular, durante 20 dias e, no máximo, por 40 dias. o Caso refratário: o desoxicolato de sódio de anfotericina B e suas formulações lipossomais, as pentamidinas e os imunomoduladores são as drogas indicadas, com a recomendação de uso sob regime hospitalar. o Grávidas, cardíacos e crianças RN: anfotericina B. Imunoterapia: rHIFN-γ (interferon-gama recombinante humano). Inespecífico: tratamento sintomatológico. PROFILAXIA: Conjunto de medidas recomendados pela OMS: Diagnóstico precoce e tratamento dos doentes; Programas de vigilância epidemiológica; Manutenção; Eliminação dos cães com sorologia positiva; Controle vetorial. 5 Ana Luísa Prates Cardoso Leishmaniose Tegumentar Americana CONCEITO E ETIOLOGIA: É uma doença de evolução crônica que acomete a pele e as mucosas do nariz, da boca, da faringe e da laringe. A leishmaniose tegumentar americana é uma doença causada por parasitos do gênero Leishmania Ross. Além das características ligadas ao hospedeiro, fatores relacionados com a espécie parasitária concorrem para a gênese das diferentes formas clínicas da doença. Parasitas do subgênero Viannia: Leishmania (Viannia) braziliensis: é o agente da leishmaniose cutaneomucosa. Representa a forma mais grave da moléstia, que acomete com frequência as mucosas. A espécie parasitária ocorre no Brasil, além de Paraguai, Argentina, Bolívia, Peru, Colômbia, Venezuela, Guatemala, Nicarágua, Panamá e Honduras. No Brasil, ocorre na maioria dos estados, tanto em áreas florestais inexploradas como em regiões de colonização antiga, onde acomete também os animais domésticos. Leishmania (Viannia) guyanensis: sua distribuição é restrita a norte do Brasil, Guiana, Suriname, Guiana Francesa e Colômbia. Causa, com frequência, lesões cutâneas múltiplas em pessoas que têm contato com as florestas. Leishmania (Viannia) lainsoni: tem distribuição relativamente ampla na Amazônia, tendo sido identificada inicialmente no estado do Pará, onde foi isolada de animais silvestres (Agouti paca) e também de pessoas. Recentemente, o parasita foi encontrado também em Rondônia, bem como na Bolívia e no Peru. Leishmania (Viannia) shawi: foi isolada de animais silvestres (macacos, preguiças e procionídeos) na Amazônia; tem sido encontrada também em humanos, no estado do Pará. Parasitas do subgênero Leishmania: Leishmania (Leishmania) amazonensis: tem distribuição ampla, principalmente nas florestas tropicais da região Amazônica. Ocorre no Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Venezuela, Guiana Francesa e Suriname. No Brasil, tem sido registrada também nas regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e, recentemente, no Sul. EPIDEMIOLOGIA: A leishmaniose tegumentar é uma zoonose considerada autóctone do continente americano, mantida na natureza por animais silvestres, com a participação secundária de animais domésticos. O homem doente, considerado hospedeiro acidental do parasita, não teria importância na manutenção do ciclo. Dos dois milhões de casos novos de leishmanioses que são estimados anualmente, apenas 600 mil são oficialmente declarados. A notificação obrigatória ocorre apenas em 32 dos 88 países onde as leishmanioses são prevalentes, dos 88 países onde a doença ocorre, 76 são países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Está inclusa entre as 6 doenças mais importantes do mundo. Predomina em regiões de clima quente e úmido, geralmente abaixo de 800 metros de altitude. Pelo menos 14 espécies de Leishmania causam a leishmaniose tegumentar no homem. Ocorre em áreas onde se processam desmatamentos para colonização de novas terras, construção de estradas e instalação de frentes de trabalho para garimpo, mineração, extração de madeira e carvão vegetal. Estão igualmente expostos os indígenas habitantes de regiões endêmicas, além de pessoas que trabalham sob as matas nas plantações de cacau, na extração do látex da seringueira e na coleta de chicle. Constituem também atividades de risco o treinamento militar nas selvas, as expedições científicas e as incursões de caçadores em áreas florestais. Os flebotomíneos são insetos de hábitos preferencialmente noturnos, de modo que o risco 6 Ana Luísa Prates Cardoso maior de transmissão surge a partir do crepúsculo vespertino. Não existem, nas Américas, dados seguros para se avaliar o número de pessoas atingidas pela doença. No Brasil, as estatísticas oficiais têm registrado pelo menos 35 mil novos casos por ano, número este que não traduz a realidade, devido às deficiências no sistema de notificação das doenças transmissíveis. Além disso, a assistência médica precária nas zonas rurais faz com que muitos doentes deixem que o mal se cure espontaneamente, passando sem registro. FISIOPATOLOGIA: Imunidade: Uma resposta celular e humoral contra o parasito é desenvolvida pelo sistema imune do homem. Sendo caracterizados dois padrões de resposta Th1 e Th2. O macrófago apresenta os antígenos aos linfócitos T CD4+, que podem ser subdivididos em pelo menos duas subpopulações: Th1 e Th2. A resistência do hospedeiro está associada à ativação seletiva e diferenciação de células efetoras T helper CD4+ (Th1), as quais secretam um padrão de citocinas específicas, IL-2, INF-y, IL- 12 e TNF-a, conhecidos como citocinas pré- inflamatórias. Por outro lado, a suscetibilidade a infecção está relacionada com a resposta de células CD4+ (Th2), que secretam citocinas específicas do tipo IL4, IL-5, IL-6, IL-10, TGF-p, dentre outras. Na forma cutânea localizada observa-se uma correção com a resposta do tipo Th1, histologicamente caracterizada como um processo granulomatoso tipo tuberculóide, com proliferação linfocitária e plasmocitária marcada por ausência ou escassez de parasitos. A imunidade celular é facilmente detectada, mas, ao contrário do que ocorre nas formas auto- resolutivas, a doença progride, podendo evoluir para a forma cutaneomucosa, a qual apresenta expressão simultânea de citocinas Th1 e Th2, ou seja, um padrão Th0. A leishmaniose cutâneo-difusa está correlacionada com a resposta do tipo Th2, na qual existe uma infiltração dérmica de macrófagos, habitualmente vacuolizados, repletos de amastigotas e com escassez de linfócitos, caracterizando um padrão de suscetibilidade em humanos. A resposta imune humoral está normalmente presente em todas as manifestações clínicas de LTA. Os níveis de anticorpos observados nos casos de leishmaniose difusa são elevados. Nos casos de leishmaniose cutâneo e cutâneo mucosa, os níveis de anticorpos são baixos ou discretamente aumentados quando ocorre acometimento de mucosa. PATOGENIA: Evolução: O período que corresponde ao tempo decorrido entre a picada do inseto e o aparecimento de lesão inicial, varia entre duas semanas e três meses. As lesões iniciais são semelhantes, independentemente da espécie do parasito. Esta forma inicial pode regredir espontaneamente após um breve curso abortivo, pode permanecer estacionária ou evoluir para um nódulo dérmico chamado "histiocitoma", localizado sempre no sítio da picada do vetor infectado. O "histiocitoma" desenvolve-se em diferentes ritmos, dependendo da espécie de Leishmania envolvida. Estágios iniciais da infecção, histologicamente a lesão é caracterizada pela hipertrofia do extrato córneo e da papila, com acúmulo de histiócitos nos quais o parasito se multiplica. Gradualmente forma-se um infiltrado celular circundando a lesão, consistindoprincipalmente em pequenos e 7 Ana Luísa Prates Cardoso grandes linfócitos, entre os quais alguns plasmócitos. Como resultado, forma-se no local uma reação inflamatória do tipo tuberculóide. Ocorre necrose resultando na desintegração da epiderme e da membrana basal que culmina com a formação de uma lesão úlcero-crostosa. Após a perda da crosta, observa-se uma pequena úlcera com bordas ligeiramente salientes e fundo recoberto por exsudato seroso ou seropurulento. A lesão progride, desenvolvendo-se em uma típica úlcera leishmaniótica. Trata-se de uma úlcera de configuração circular, bordos altos (em moldura), cujo fundo é granuloso, de cor vermelha intensa, recoberto por exsudato seroso ou seropurulento, dependendo da presença de infecções secundárias. Simultaneamente, ou em seguida ao aparecimento da lesão inicial, pode ocorrer disseminação linfática ou hematogênica, produzindo metástases cutânea, subcutânea ou mucosa. QUADRO CLÍNICO: A doença manifesta-se inicialmente na pele, onde as formas promastigotas foram inoculadas pela picada do flebotomíneo. Dependendo da resposta imune do hospedeiro e da espécie infectante, a doença pode ficar limitada ao local da inoculação do parasita ou atingir novos sítios na pele e nas mucosas do nariz, da orofaringe e da laringe. De acordo com a localização das lesões, distinguemse, portanto, três formas clínicas da moléstia: a forma cutânea localizada; a cutânea disseminada ou cutâneo-mucosa; e a forma mucosa. Forma Cutânea Localizada: Na pele, a manifestação mais comum é a úlcera, observada em pelo menos 85% dos pacientes; nos demais casos, observam-se lesões verrucosas, vegetantes, papulares, nodulares, tuberosas, ou em placas infiltradas. A úlcera característica da leishmaniose apresenta contorno circular, com borda elevada. É pouco exsudativa, sem tendência a sangramento espontâneo, e mostra um fundo granuloso, de coloração vermelha, ou então amarelada, quando há deposição de fibrina. Pacientes raramente se queixam de dor intensa. O infiltrado de células na margem da úlcera confere à pele coloração avermelhada. Na maioria das vezes, não há sinais de flogose, tais como edema e calor, observados em lesões bacterianas. É comum, no entanto, a colonização da superfície ulcerada por bactérias e leveduras, conferindo à lesão um aspecto exsudativo ou purulento, além de torná-la mais dolorosa. O doente apresenta geralmente uma ou poucas lesões iniciais, consequentes da inoculação do parasita pelo inseto vetores e do índice de infecção natural deles. No início da doença, é comum a presença de linfangite e linfadenite regionais, especialmente quando as lesões se localizam na face ou nos membros superiores. Alguns doentes relatam aumento do gânglio antes do aparecimento da lesão cutânea. Os gânglios reacionais tendem a regredir após 2 a 3 meses, à medida que a lesão primária tende a se estabilizar em tamanho; eventualmente, o gânglio evolui para ulceração, acusando a presença local do parasita. Em raros casos, a disseminação da L. (V.) braziliensis por via linfática dá origem a múltiplas lesões secundárias, alinhadas em direção centrípeta, simulando esporotricose. De modo geral, os pacientes com leishmaniose cutânea localizada apresentam adequada imunidade celular e fraca imunidade humoral. Quando a modulação da resposta imune é inadequada, os pacientes podem apresentar a forma evolutiva denominada leishmaniose cutânea disseminada, associada à reação negativa ao teste de Montenegro. 8 Ana Luísa Prates Cardoso Forma Cutânea Disseminada: Lesões múltiplas de pele, em diferentes estágios de evolução, sugerindo a disseminação do parasita por via sanguínea. Na maioria das vezes, as lesões cutâneas estão associadas ao comprometimento das mucosas, daí também a denominação forma cutâneo-mucosa. O processo de disseminação ocorre, geralmente, nos três primeiros meses de doença, com lesões distribuídas principalmente na face e nos membros superiores. Ulcerações rasas, simulando impetigo e ectima, porém com a base endurada, além de lesões papulares e tuberosas. A histopatologia das lesões cutâneas mostra um infiltrado nodular de linfócitos e células plasmáticas na derme, com raros macrófagos e parasita. Forma Mucosa: As lesões de mucosas instalam-se de preferência nas vias aéreas superiores, acometendo as estruturas mais resfriadas pela passagem do ar inspirado, especialmente o septo nasal. Evolução arrastada, tendo como manifestações mais comuns desconforto, ardência, obstrução nasal, aumento de secreção, formação de crostas escuras e sangramento aos pequenos traumatismos. Na fase inicial, o exame local evidencia apenas eritema e erosão superficial na mucosa do septo anterior, que pode estar desviado para o lado oposto ao da lesão. O aspecto que caracteriza a fase inicial da doença é a presença local de processo infiltrativo, causando tumefação e rugosidades na mucosa. A evolução da doença nas mucosas assume características variadas, configurando um espectro de formas clínicas, ora com predomínio do caráter ulcerativo e mutilante, ora com aumento de volume das partes moles, eritema e ulcerações superficiais, mas sem destruição importante. Na boca, na orofaringe e na laringe, as lesões geralmente assumem caráter proliferativo. É comum a presença, no palato, de um coxim saliente, com superfície irregular, contrastando com a mucosa normal e acentuando o sulco natural mediopalatal. A úvula e os pilares amigdalianos aumentam de volume e apresentam eritema, rugosidades e ulcerações superficiais, às vezes cobertas por placas de monilíase; com o tempo, podem sofrer deformidades ou destruição total. O comprometimento da faringe e da laringe pode ser muito intenso, a ponto de causar distúrbios na deglutição, dificuldade respiratória, rouquidão ou mesmo afonia. Lesões na língua, nas gengivas e na mucosa jugal são raras, aparecendo, geralmente, na forma cutâneo-mucosa disseminada. Forma Difusa: Um aspecto peculiar da leishmaniose tegumentar é a forma denominada difusa ou hansenoide, causada por parasitas do subgênero Leishmania. No Brasil, a L. (L.) amazonenses tem sido a única espécie responsável por essa forma da doença. Caracteriza-se pela presença de nódulos isolados ou agrupados, máculas, pápulas e placas infiltradas. Inicialmente localizadas, aos poucos se disseminam por todo o corpo; mostram limites imprecisos, que se confundem com a pele normal, lembrando a hanseníase virchowiana. 9 Ana Luísa Prates Cardoso As lesões predominam nas extremidades e no segmento cefálico, geralmente se limitando à pele. O comprometimento das mucosas ocorre tardiamente, associado à presença de lesões antigas na face, sugerindo a disseminação por contiguidade. Atrofia da epiderme e a presença, no derma, de granulomas bem constituídos, onde predominam macrófagos com citoplasma vacuolizado, repletos de parasitas; linfócitos e células plasmáticas raramente são observados. DIAGNÓSTICO: Diagnóstico clínico: baseia-se na característica da lesão que o paciente apresenta, associado a anamnese, na qual os dados epidemiológicos são de grande importância. Pesquisa do parasito: Exame direto de esfregaços corados; Exame histopatológico; Cultura; PCR. Métodos Imunológicos: Teste de Montenegro. Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI); TRATAMENTO: Específico: Antimoniato de N-metil glucamina (Glucantime): distribuição gratuita e controlada pela rede de saúde pública. o O Ministério da Saúde indica como primeira escolha para o tratamento da doença. o O Ministério da Saúde recomendaa dose de 20mg de Sb5+kg/dia, por via endovenosa ou intramuscular, durante 20 dias e, no máximo, por 40 dias. o Caso refratário: o desoxicolato de sódio de anfotericina B e suas formulações lipossomais, as pentamidinas e os imunomoduladores são as drogas indicadas, com a recomendação de uso sob regime hospitalar. o É contra-indicada a administração da anfotericina B em cardiopatas, hepatopatas e, especialmente, nefropatas o Grávidas, cardíacos e crianças RN: anfotericina B. PROFILAXIA: Proteção individual, com a utilização de repelentes e utilização de mosquiteiros de malha fina. Recomenda-se a construção das casas a uma distância mínima de 500m da mata, devido à baixa capacidade de voo dos flebotomíneo. A solução ideal para o controle da leishmaniose tegumentar, particularmente no Brasil, é a produção de uma vacina. 10 Ana Luísa Prates Cardoso
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