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Alisson Rocha O conceito de responsabilidade civil predominante no nosso ordenamento jurídico foi diretamente influenciado pelo Código Napoleão, em que a responsabilização civil pelo ato ilícito está diretamente ligada à existência de culpa do agente que praticou a conduta (comissiva ou omissiva) antijurídica. Desse modo, a responsabilidade civil cujos elementos caracterizadores requerem a existência da culpa (esta identificada por meio da negligência, imprudência ou imperícia) caracteriza-se como subjetiva, pois, além dos elementos ato ilícito, dano, e nexo de causalidade, é necessário demonstrar e comprovar o elemento subjetivo do agente para que passe a existir a obrigação de reparação civil. A responsabilidade subjetiva no nosso ordenamento aparece, de certa forma, como regra, sendo que a responsabilidade objetiva (que independente de culpa) acontece somente em hipóteses legalmente previstas. No entanto, dentro da doutrina da responsabilidade subjetiva, constatou-se que na prática, e por vezes, a necessidade de que o lesado demonstrasse a existência de culpa do agente e o nexo de causalidade acabava por inviabilizar a reparação. Isso em decorrência de algum desequilíbrio na relação como, por exemplo, desigualdade econômico-financeira, níveis diferentes de organização empresarial. Tal situação em boa parte das vezes não se via resolvida nem por meio da inversão do ônus da prova, fazendo com que o lesado permanecesse sem a devida reparação, embora tenha se reconhecido o dano sofrido em seu patrimônio jurídico. Diante desse quadro, muitos doutrinadores foram sentindo, ao longo dos anos, insuficiência da teoria da responsabilidade subjetiva – baseada na culpa –, para reparação dos danos o que levou ao paulatino alargamento da teoria da responsabilidade, como, por exemplo, através do desenvolvimento da chamada “teoria da culpa presumida”. Segundo Stoco (2011, 182): Trata-se de uma espécie de solução transacional ou escala intermédia, em que se considera não perder a culpa a condição de suporte da responsabilidade civil, embora aí já se deparem indícios de sua degradação como elemento etiológico fundamental da reparação e aflorem fatores de consideração da vítima como centro da estrutura ressarcitória, para atentar diretamente para as condições do lesado e a necessidade de ser indenizado. Tratam-se, portanto, de casos em que se abandona a necessidade de que o lesado comprove a culpa do agente, para se passar ao paradigma de que tal culpa será presumida, cabendo ao agente provar a sua inocência para eximir-se do dever de indenizar. Tal presunção de culpa pode ser informada por disposição de lei ou também pelo posicionamento da jurisprudência. No entanto, o Código Civil brasileiro não adota a teoria da culpa presumida, assumindo como regra a responsabilidade subjetiva e informando expressamente a existência de responsabilidade objetiva nos casos em que a elegeu, como por exemplo: I. atividades perigosas, conforme art. 927, parágrafo único; II. responsabilidade de menores inimputáveis, art. 928; III. responsabilidade objetiva de pais, tutores e curadores, empregadores e donos de hotéis (art. 932); IV. responsabilidade do dono ou detentor de animal (art. 936) V. e responsabilidade do habitante do prédio de onde caem ou são lançadas coisas (art. 938), conforme rol citado por Rui Stoco (2011). O desenvolvimento da “teoria da culpa presumida” foi um passo importante em direção à elaboração da “teoria da responsabilidade objetiva”. Em razão da insatisfação da doutrina e jurisprudência com a teoria da responsabilidade civil atrelada à culpa, que nem sempre atendia aos anseios da sociedade e restaurava a situação de justiça, foi-se caminhando para a construção da teoria da responsabilidade sem culpa, ou responsabilidade objetiva, que surge unicamente da ocorrência do fato danoso. Como aponta Eugenio Facchini Neto (apud STOCO, 2011), a teoria da responsabilidade atrelada à culpa funcionou bem durante o século XIX quando, ao final deste, viu surgir seu declínio. Uma das circunstâncias que favoreceram esse declínio e a necessidade de evolução das teorias decorreu justamente da Revolução Industrial, quando pessoas necessitadas de emprego e sustento passavam excessivas horas trabalhando nas fábricas e indústrias, sendo vítimas de danos que na maioria das vezes decorriam da atividade empresarial, na qual a vítima não teria condições de comprovar a culpa, mas também não poderia ficar desamparada, por não ter ela – vítima – também culpa pelo dano sofrido. Dessa forma, passa-se a admitir como indenizável o ato que gera dano a outrem, independentemente de que seja culpável. Passa-se a admitir, portanto, a responsabilidade civil é objetiva, que prescinde de culpa do agente. #PraCegoVer: Mulheres trabalhando em máquinas têxteis, radiando e inspecionando fios, na American Woolen Company, Boston (EUA). Um dos fundamentos da teoria da responsabilidade objetiva é a “teoria do risco”, pela qual o agente causador do dano indeniza o lesado em razão de ser proprietário do bem ou responsável pela atividade que causou o dano, e não por possuir culpa em si. Nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves (2011): o “exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade”. A “teoria do risco” foi traduzida no nosso ordenamento jurídico através do art. 927 do Código Civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. São consideradas assim perigosas as atividades potencialmente danosas, além da normalidade, como, por exemplo, fabricação de explosivos e produtos químicos, produção de energia nuclear, substâncias, máquinas, aparelhos e instrumentos perigosos, etc. (GONÇALVES, 2011). FIQUE DE OLHO A prática de atos lícitos também pode ensejar a reparação por responsabilidade civil. Segundo Stoco (2011, p. 188), nesses casos, “o que importa considerar é que o dano suportado seja ilegítimo, e não que a conduta que lhe deu causa o seja”. Carlos Roberto Gonçalves (2011) cita como exemplos: do dono do prédio encravado que exige passagem pelo prédio vizinho, mediante o pagamento de indenização cabal (art. 1.285); o do proprietário que penetra no imóvel vizinho para fazer limpeza, reformas e outros serviços considerados necessários (art. 1.313).
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