Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
DIREITO CIVIL Prof. Veridiana Rehbein 1 MATERIAL DE APOIO DIREITO CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL – PRIMEIRA FASE OAB Veridiana Maria Rehbein1 SUMÁRIO 1. Conceito; 2 Espécies de Responsabilidade; 3. Pressupostos; 4. Culpa (pressuposto da responsabilidade subjetiva); 5. Responsabilidade objetiva; 6. Dano; 7. Nexo de causalidade; 8. Indenização; 9. Legitimidade ativa para o pedido de reparação; 10. Legitimidade passiva nas ações reparatórias; 11. Responsabilidade por fato de terceiro; 12. Responsabilidade decorrente de guarda ou propriedade; 13. A relação entre a responsabilidade civil e a criminal. 14. Marco civil da Internet. 1 Mestre em Direito, Advogada e Professora da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC e do Centro de Ensino Integrado Santa Cruz – CEISC. 2 A responsabilidade civil está em constante evolução em razão de vincular-se, necessariamente, ao modo de viver de cada tempo histórico. Diferentes produtos, serviços, práticas e comportamentos são capazes de gerar danos em novas circunstâncias. Busca a responsabilização civil o equilíbrio das relações jurídicas, conferindo certeza à reparabilidade do dano injusto. A responsabilidade civil se estabelece “a partir da relação entre um dever jurídico originário, decorrente de previsão normativa genérica ou específica, e um dever jurídico sucessivo, relativamente à consequência imputada ao agente que viola o primeiro dever” (MIRAGEM, 2015). Assim, a responsabilidade civil surge em face do descumprimento obrigacional, pela desobediência de uma regra estabelecida em um contrato, ou por deixar determinada pessoa de observar deveres jurídicos previstos em regras ou princípios. A base da compreensão necessária para a solução das questões de responsabilidade civil no exame de ordem é a diferenciação, primeiramente entre ilícito contratual (descumprimento do contrato) e ilícito extracontratual e, após, entre responsabilidade objetiva e subjetiva. Historicamente, os juristas fundamentam a reparação civil ou no dano ou na culpa. Aceitar o dano como fundamento da responsabilidade civil privilegia a reparação, porquanto basta que se cause um prejuízo para que surja o dever de repará-lo. Por sua vez, aceitar a culpa como fundamento da reparação civil importa limitar a imposição da responsabilidade e do consequente dever de indenizar ao sujeito que causou o dano culposamente, o que priva de reparação o dano causado sem culpa, assim como o causado por culpa quando não se conseguir produzir prova dela. (DONIZETTI e QUINTELLA 2017, p. 399). Em síntese, a responsabilidade objetiva facilita a reparação da vítima, uma vez que essa não terá que produzir a prova do agir culposo (negligência, imperícia e imprudência ou dolo). 1. Conceito Entende-se por responsabilidade civil o dever de reparação dos danos causados em decorrência da violação de um dever jurídico preexistente. Esse dever jurídico preexistente pode decorrer de um contrato ou da não observância de preceitos normativos gerais. Assim, o Direito brasileiro protege as pessoas que sofrem dano, 3 impondo ao autor do ato que deu causa ao prejuízo o dever de reparar. Dessa forma, respondem pelo dano o seu causador, aquele que responde pelos atos do causador, e também o dono da coisa ou de animal que causa o dano (aqueles a quem a lei imputa o dever de reparar). Nesse passo, é possível estabelecer a responsabilidade civil como consequência dos danos causados em decorrência de culpa (ato ilícito em sentido estrito) ou por determinação legal (fato da coisa, abuso de direito ou risco da atividade) que corresponde à responsabilidade objetiva. Em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade – ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar. Na verdade, a responsabilidade civil é um fenômeno complexo, oriundo de requisitos diversos intimamente unidos; surge e se caracteriza uma vez que seus elementos se integram. Na responsabilidade subjetiva, como veremos, serão necessários, além da conduta ilícita, a culpa, o dano e o nexo causal. Esse é o sentido do art. 186 do Código Civil. A culpa está ali inserida como um dos pressupostos da responsabilidade subjetiva. A culpa é, efetivamente, o fundamento básico da responsabilidade subjetiva, elemento nuclear do ato ilícito que lhe dá causa. Já na responsabilidade objetiva a culpa não integra os pressupostos necessários para sua configuração (CAVALIERI FILHO, 2019). O objetivo da relação obrigacional de responsabilidade civil será sempre o dever de indenizar (reparar), aí entendido o dever de responder com seu patrimônio pela reparação da vítima do dano ao qual se lhe imputa responsável. (MIRAGEM, 2015) Assim, são os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem que ficam sujeitos à reparação do dano causado (artigos 391 e 942). 2. Espécies de Responsabilidade O dano pode decorrer do descumprimento de um contrato, caso em que haverá a denominada responsabilidade civil contratual ou negocial, ou do descumprimento de um dever jurídico decorrente da lei, o que gera a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. A responsabilidade também se subdivide em subjetiva e objetiva e direta e indireta. 4 Responsabilidade contratual: aquela decorrente de inexecução ou infração em contrato firmado pelas partes. Prevista no Código Civil como perdas e danos. Responsabilidade extracontratual ou aquiliana: decorre de ato ilícito. Tem por fonte a inobservância da lei, pois não há negócio jurídico anterior entre as partes. Responsabilidade objetiva: se funda no risco, com origem em determinação legal, independentemente de culpa do agente. Responsabilidade subjetiva: depende de demonstração de culpa do agente – art. 186. Responsabilidade direta: quando o fato é imputado ao agente por conduta própria; responsabilidade por ato próprio. Responsabilidade indireta ou complexa: incide sobre o agente por ato de terceiro (exemplo: artigo 932 CC). 3. Pressupostos Inexiste consenso doutrinário sobre a identificação precisa e/ou denominação dos elementos ou pressupostos da responsabilidade civil. No entanto, é inquestionável para qualquer teoria doutrinária que a responsabilidade civil exige ocorrência de dano, nexo de causalidade e ato/fato/atividade do causador ou responsável. Doutrinadores contemporâneos, mais atentos a crescente incidência de atividades de risco e da consequente responsabilização objetiva, inserem o requisito culpa como elemento apenas da responsabilidade subjetiva. Assim, são pressupostos da responsabilidade subjetiva: a) dano, que pode ser material ou moral (individual ou coletivo); estético e aquele decorrente da perda de uma chance (que não se enquadra necessariamente no conceito de dano moral ou material); b) ato Ilícito; c) nexo de causalidade e; d) culpa. São pressupostos da responsabilidade objetiva: a) dano, que pode ser material ou moral (individual ou coletivo); estético e aquele decorrente da perda de uma chance (que não se enquadra necessariamente no conceito de dano moral ou material); b) ato ilícito/antijurídico e; c) nexo de causalidade. 5 A partir de tais pressupostos podemos definir como ato ilícito em sentido amplo (antijurídico) aquele contrário à lei ou ao direito (como causar dano injusto a outra pessoa); o dano é o prejuízo (moral ou material – coletivo ou individual; estético ou a perda de uma chance) experimentado pela vítima; nexo de causalidade é o vínculo lógico entre determinada conduta antijurídica do agente e o dano experimentado pela vítima; por fim, a culpabilidade é um juízo de censura à conduta do agente, de reprovabilidade pelo direito, decorrente de dolo, negligência, imprudência ou imperícia. A responsabilização objetiva tem os mesmos pressupostos,exceto a culpabilidade. Diz-se que a responsabilidade objetiva se dá independentemente de culpa. O artigo 927 trata das duas espécies de responsabilidade civil: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Subjetiva *Observe, contudo, que o entendimento preponderante e atual é o de que a responsabilidade por abuso de direito (187) é objetiva. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Objetiva O ato ilícito em sentido estrito, que irá fundamentar a responsabilidade subjetiva, encontra-se definido no art. 186 do CC: Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 6 O artigo 187 dispõe sobre o abuso de direito que também configura ilicitude. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Segundo Cavalieri Filho (2019) “o Código, após conceituar ato ilícito em sentido estrito em seu artigo 186, formulou outro conceito de ato ilícito, mais abrangente, no seu artigo 187, no qual a culpa não figura como elemento integrante, mas sim os limites impostos pela boa-fé, bons costumes e o fim econômico ou social do Direito”. É majoritário o entendimento doutrinário no sentido de que é objetiva a responsabilidade decorrente do abuso de direito, neste sentido o enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal: “A responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa e fundamenta- se somente no critério objetivo-finalístico”. O artigo 188 afasta a ilicitude do ato em algumas circunstâncias. Alguns autores denominam “causas de justificação” outros “excludentes de antijuridicidade”. Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. Cuidado: independentemente da excludente de ilicitude, o dano causado em estado de necessidade (inciso II) pode gerar o dever de indenizar (artigos 929 e 930). 7 4. Culpa (pressuposto da responsabilidade subjetiva) Lembre-se que no Direito Civil a culpa é utilizada em sentido amplo, compreende o dolo e a culpa em sentido estrito. O conceito de culpa está, de modo objetivo, delineado pelo art. 186 do CC, mas sua compreensão é ampliada por entendimentos doutrinários e jurisprudenciais. Nesse passo, podemos estabelecer que a culpa, para a reparação civil, envolve a ação ou omissão que viola direito ou causa prejuízo a outrem. A culpa pode empenhar ação ou omissão e revela-se através: da imprudência (comportamento açodado, precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negligência (quando o agente se omite, deixa de agir quando deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas pelo bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo); e da imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhecimento técnico ou científico que desqualifica o resultado e conduz ao dano) (STOCO, 2015). Em síntese, cite-se as duas principais espécies de culpa: a) culpa in committendo/ procedendo: trata-se da culpa por erro de procedimento, ou seja, por ação equivocada atribuída ao próprio agente, gerando-se o dever de indenizar. Relaciona-se com a imprudência. Ex.: quando um motorista em excesso de velocidade causa um acidente; b) Culpa in omittendo: trata-se de culpa por erro de conduta, mas relaciona-se à omissão (negligência). Ex.: quando o médico deixa de solicitar um exame indispensável. Falava-se também em modalidades de culpa quanto a sua presunção: a) culpa in vigilando (quebra do dever de vigilância); b) culpa in eligendo (culpa decorrente da escolha ou eleição); c) culpa in custodiendo (falta de cuidado em se guardar uma coisa ou animal). Contudo, as situações nas quais antes se presumia culpa, hoje acarretam responsabilidade objetiva, como, por exemplo, a responsabilidade dos pais pelos danos causados pelos filhos, a responsabilidade do empregador por atos do empregado e a responsabilidade do dono ou detentor do animal. Cuidado: Em razão do disposto no artigo 933, do CC, a súmula 341 do STF (é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto) restou desprovida de sentido. 8 5. Responsabilidade objetiva Trata-se da responsabilidade civil decorrente de determinação legal, seja pela natureza da atividade desenvolvida pelo agente ou pelo risco inerente a ela. A responsabilidade subjetiva continua fulcrada no ato ilícito stricto sensu (art. 186), com aplicação nas relações interindividuais, e o ato ilícito em sentido amplo é o fato gerador da responsabilidade objetiva e tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo (Estado, empresas, fornecedores de serviços, produtos etc.). (CAVALIERI FILHO, 2019) Na sociedade contemporânea, a grande diversidade e quantidade de produtos e serviços (na sua maioria com uso de tecnologia e decorrentes de conhecimentos das mais variadas áreas), traz consigo riscos decorrentes do progresso técnico-econômico. Isso implica a criação de contínuos processos de distribuição destes mesmos riscos, segundo critérios afirmados pelo Direito, especialmente firmados sobre a noção de ganho decorrente da geração do risco, ou ainda, sua diluição conforme a maior aptidão para internalização dos custos e sua distribuição à sociedade. Eis aqui a justificativa das variadas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que não se exige a demonstração de culpa para a imputação do dever de indenizar, uma vez que a causalidade se atribui, em termos abstratos, a determinada atividade, cujo responsável, por sua posição, será chamado a responder pelos danos que porventura dela decorrerem”. (MIRAGEM, 2015, p.38). Quanto à natureza da atividade, veja-se que o art. 927, parágrafo único do CC, estabelece a responsabilidade objetiva em situações específicas: quando a lei determinar ou quando a atividade for de risco. Um exemplo de responsabilidade objetiva determinada em lei é o contrato de transporte de pessoas e coisas, em que a responsabilidade pela reparação civil ocorre independentemente de culpa do transportador. Para facilitar a compreensão de atividades que, por sua natureza, implicam em risco, surgiram teorias do risco, veja as principais: Teoria do risco administrativo: responsabilidade objetiva do Estado. Ex: Art. 37, §6º, CF. Teoria do risco criado: quando o agente cria o risco. Ex: Art. 938, CC. Teoria do risco da atividade: quando a atividade cria riscos a terceiros. Ex.: postos de combustíveis 9 Teoria do risco-proveito: o risco decorre de uma atividade lucrativa. Ex.: Direito do Consumidor Teoria do risco integral: não há excludentes do nexo de causalidade, desde que o dano seja conexo à atividade. Ex.: dano ambiental Ainda quanto ao risco da atividade, vemos o exemplo de transportador de produtos perigosos que, mesmo em caso de acidente causado por outrem, tem responsabilidade por danos ambientais causados (individuais ou coletivos). Veja outro exemplo de atividade de risco em uma questão sobre o tema: (VI Exame – reaplicação). A sociedade de transporte de valores“Transporte Blindado Ltda.”, na noite do dia 22/7/11, teve seu veículo atingido por tiros de fuzil disparados por um franco atirador. Em virtude da ação criminosa, o motorista do carro forte perdeu o controle da direção e atingiu frontalmente Rodrigo Cerdeira, estudante de Farmácia, que estava no abrigo do ponto de ônibus em frente à Universidade onde estuda. Devido ao atropelamento, Rodrigo permaneceu por sete dias na UTI, mas não resistiu aos ferimentos e veio a óbito. Com base no fato narrado, assinale a assertiva correta. (A) Configura-se hipótese de responsabilidade civil objetiva da empresa proprietária do carro forte com base na teoria do risco proveito, decorrente do risco da atividade desenvolvida. (B) Não há na hipótese em apreço a configuração da responsabilidade civil da empresa de transporte de valores, uma vez que presente a culpa exclusiva de terceiro, qual seja, do franco atirador. (C) Não há na hipótese a configuração da responsabilidade civil da empresa proprietária do carro forte, uma vez que presente a ausência de culpa do motorista do carro forte. (D) Configura-se hipótese de responsabilidade civil objetiva da empresa proprietária do carro forte com base na teoria do empreendimento. Gabarito: “A” 10 Lembre-se que na responsabilidade objetiva não há a necessidade de comprovação de culpa e, quando se tratar de risco integral, nem o caso fortuito e a força maior são capazes de afastá-la (como nos casos de danos ao meio ambiente e do seguro obrigatório de veículos automotores). Exemplos de responsabilidade objetiva (independentemente de culpa): • A responsabilidade civil nas relações de consumo é, em regra, objetiva, a única exceção é aquela dos profissionais liberais (art. 14, §4º, CDC); • A responsabilidade civil decorrente de abuso de direito (art. 187) independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico (Enunciado 37 da I Jornada de Direito Civil e entendimento preponderante da doutrina); • Responsabilidade por fato de terceiro (art. 933); • Responsabilidade pelo fato do animal (art. 936); • Responsabilidade pela ruína de edifício ou construção (art. 937); • Responsabilidade do habitante de prédio pelos danos provenientes das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido (art. 938). 6. Dano O dano recebe outras denominações e o examinando precisa ficar atento, muitas vezes a lei menciona perdas e danos ou prejuízos reparáveis, por exemplo. Corresponde aos prejuízos experimentados pela vítima. Inicialmente dividia-se apenas em danos morais (extrapatrimoniais) e materiais (patrimoniais). Atualmente, por força da súmula 387 do STJ (é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral), o direito brasileiro admite uma terceira categoria, a dos danos denominados estéticos. Por fim e mais recentemente, a admissão da reparabilidade da perda de uma chance que, conforme enunciado 444 da V Jornada de Direito Civil do CJF, “não se limita à categoria de danos extrapatrimoniais, pois, conforme as circunstâncias do caso concreto, a chance perdida pode apresentar também a natureza jurídica de dano patrimonial”, ou seja, por não se enquadrar especificamente em danos materiais ou morais (nem estéticos), pode ser considerada uma quarta modalidade de dano. Em relação ao público atingido (vítimas) o dano pode ser individual (experimentado pela pessoa, tanto moral quanto material); ou coletivo, que atinge uma 11 coletividade de pessoas (como aquele causado ao meio ambiente, a direitos sociais, às relações de consumo, etc.). O dano material desdobra-se em dano positivo ou emergente, que corresponde ao prejuízo já sofrido, ou seja, à redução já experimentada na riqueza da vítima (como por exemplo as despesas médicas ocorridas para tratamento de vítima de atropelamento); e em danos negativos ou lucro cessante, que corresponde aos valores que, a despeito de eventual dispêndio, não foram auferidos pela vítima em razão do evento danoso. É o que ocorre, por exemplo, nos lucros que a vítima deixa de auferir, ou o negócio que deixa de realizar, ou mesmo a renda que deixa de ter (art. 402). Em relação aos danos morais, o entendimento que prevalece no direito brasileiro é o que o compreende como decorrente da lesão aos direitos de personalidade. Deve- se utilizar especialmente a expressão compensação, pois a indenização servirá como derivativo ou sucedâneo e não como ressarcimento. Lembre-se que pessoa jurídica também pode sofrer dano moral: Dano moral sofrido por pessoa jurídica. Art. 52, CC: Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade. Súmula 227 do STJ: A pessoa jurídica pode sofrer dano moral. Honra objetiva: que compreende sua reputação, seu bom nome e sua fama perante a sociedade e o meio profissional. A jurisprudência consolidada dos tribunais superiores considera, em algumas situações, que não há necessidade de prova do dano moral, é o denominado dano moral presumido ou in re ipsa, aquele que decorre da gravidade do evento danoso. Como no caso de lesão física grave e nas situações abaixo, sumuladas pelo STJ: Súmula 385 - Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. 12 Súmula 388 - A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral. Súmula 403 - Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. 7. Nexo de causalidade Refere-se à vinculação ou liame jurídico que liga o fato, os danos experimentados e a responsabilidade do agente. “Não basta ter ocorrido um ato conforme ou contrário a direito e ter alguém sofrido um dano: somente há responsabilidade civil se for provada a relação causal – nexo de causalidade – entre o ato e o dano” (DONIZETTI e QUINTELLA, 2017, p. 413). Observe, contudo, que nexo de causalidade não é o mesmo que culpa: O nexo de causalidade é afastado (integral ou parcialmente) por ocasião de: a) culpa/fato exclusivo da vítima: quando a vítima fora a causadora do fato ou dos danos; b) culpa/fato concorrente da vítima: estabelece responsabilidade conjunta ou partida entre o agente e a vítima, eis que houve contribuição de ambos para a persecução do fato e danos experimentados, sendo apurada a responsabilidade de acordo com a contribuição de cada parte para o evento. Aqui não há o rompimento do nexo de causalidade, mas responsabilidade conjunta. O artigo 945 do CC trata da hipótese de concorrência de culpas: se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. Observe-se, contudo, que embora o artigo faça referência à “culpabilidade”, o fato da vítima Nexo causal Relação de causa e efeito Imputação objetiva Culpa O sujeito poderia ter agido de forma diferente. Imputação subjetiva 13 (concorrência de causas) também acarretará divisão de responsabilidade. Nesse sentido, veja o enunciado 459, da V Jornada de Direito Civil: A conduta da vítima pode ser fator atenuante do nexo de causalidade na responsabilidade civil objetiva. Mais recentemente, na VIII Jornada de Direito Civil, o enunciado 630 esclarece a correta interpretação que deve ser dada ao artigo 945: Culpas não se compensam. Para os efeitos do art. 945 do Código Civil, cabe observar os seguintes critérios: (i) há diminuição do quantum da reparação do dano causado quando, ao lado da conduta do lesante, verifica-se ação ou omissão do próprio lesado da qual resulta o dano, ou o seu agravamento, desde que (ii) reportadas ambas as condutas a um mesmo fato, ou ao mesmo fundamento de imputação, conquantopossam ser simultâneas ou sucessivas, devendo-se considerar o percentual causal do agir de cada um. c) culpa/fato de terceiro: situações em que a culpa/fato decorre de terceiro (pessoa diversa foi a causadora do dano); d) caso fortuito ou força maior: evento alheio às partes, decorrente de fato imprevisível ou inevitável, afastando a responsabilidade pela reparação (salvo exceções). A previsão do caso fortuito e de força maior como eventos que rompem o nexo de causalidade se dá nos termos do parágrafo único, do art. 393, do CC, que estabelece: Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. Em relação ao caso fortuito, é importante observar que na responsabilidade objetiva, eventos inerentes (conexos) à atividade configuram caso fortuito interno e não afastam o dever de indenizar. “Diz-se, assim, caso fortuito interno, porque o risco representado pelo fato é inerente, interno à conduta ou à atividade do agente, de modo que deve responder quando dele decorra o dano. Distingue-se, nesse particular, do caso 14 fortuito externo (ou força maior), em que o dano decorre de causa completamente estranha à conduta do agente (MIRAGEM, 2015, p. 247). Veja o enunciado da V Jornada de Direito Civil: Enunciado 443: O caso fortuito e a força maior somente serão considerados como excludentes da responsabilidade civil quando o fato gerador do dano não for conexo à atividade desenvolvida. Observe o entendimento sumulado do STJ quanto aos riscos inerente às instituições financeiras: Súmula 479 - As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias. Como exemplo de fortuito externo (que afasta o dever de indenizar), a jurisprudência do STJ tem reconhecido que o roubo dentro de ônibus, por se tratar de fato de terceiro inteiramente independente ao transporte em si, afasta a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros (IJ 627, junho de 2018). A culpa de terceiro rompe o nexo causal entre o dano e a conduta do transportador quando o modo de agir daquele (terceiro) puder ser equiparado a caso fortuito, isto é, quando for imprevisível e autônomo, sem origem ou relação com o comportamento da própria empresa (REsp 1136885/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 07/03/2012). CA SO FO RT U IT O RISCO INERENTE CA SO FO RT U IT O FORTUITO INTERNO CA SO FO RT U IT O NÃO AFASTA O DEVER DE INDENIZAR 15 Entendimento este consolidado, inclusive, no âmbito da Segunda Seção do STJ, no sentido de que o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada, é fato estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor (EREsp 1318095/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/02/2017, DJe 14/03/2017). Nessa linha de entendimento, por exemplo, a jurisprudência do STJ reconhece que o roubo dentro de ônibus configura hipótese de fortuito externo, por se tratar de fato de terceiro inteiramente independente ao transporte em si, afastando-se, com isso, a responsabilidade da empresa transportadora por danos causados aos passageiros (REsp 1728068/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/06/2018, DJe 08/06/2018). Decisão monocrática no REsp 1817206, julgado em 30/10/2019. Recebe a mesma interpretação o dano causado por pedra arremessada contra ônibus: “nos moldes do entendimento uníssono desta Corte, com suporte na doutrina, o ato culposo de terceiro, conexo com a atividade do transportador e relacionado com os riscos próprios do negócio, caracteriza o fortuito interno, inapto a excluir a responsabilidade do transportador. Por sua vez, o ato de terceiro que seja doloso ou alheio aos riscos próprios da atividade explorada, é fato estranho à atividade do transportador, caracterizando-se como fortuito externo, equiparável à força maior, rompendo o nexo causal e excluindo a responsabilidade civil do fornecedor; (STJ, EREsp 1318095 / MG, 2017). Para a identificação do nexo de causalidade são utilizadas algumas teorias (também não há consenso doutrinário sobre sua nomenclatura e classificação). A jurisprudência menciona preponderantemente a teoria da causalidade adequada, mas CA SO F O RT U IT O FATO ESTRANHO (INDEPENDENTE) CA SO F O RT U IT O FORTUITO EXTERNO CA SO F O RT U IT O AFASTA O DEVER DE INDENIZAR 16 a FGV já fundamentou respostas na teoria do dano direto e imediato (art. 403, CC). Veja o conceito de ambas conforme Tartuce (2017): Teoria da causalidade adequada – teoria desenvolvida por Von Kries, pela qual se deve identificar, na presença de uma possível causa, aquela que, de forma potencial, gerou o evento dano. Na interpretação deste autor, por esta teoria, somente o fato relevante ou causa necessária para o evento danoso gera a responsabilidade civil, devendo a indenização ser adequada aos fatos que a envolvem. Teoria do dano direto e imediato ou teoria da interrupção do nexo causal – havendo violação do direito por parte do credor ou do terceiro, haverá interrupção do nexo causal com a consequente irresponsabilidade do suposto agente. Desse modo, somente devem ser reparados os danos que decorrem como efeitos necessários da conduta do agente. Bruno Miragem e Flavio Tartuce afirmam que a doutrina brasileira se divide entre a teoria da causalidade adequada e a do dano direto e imediato, mas que, ao se analisar os fundamentos na aplicação das duas teorias, percebe-se que em ambas o julgador menciona a interrupção do nexo causal como fundamento da exclusão da responsabilidade. “Nesse sentido, é didática a expressão “dano direto e imediato” para identificar que todas as causas que venham a se realizar depois da conduta do autor, e que venham a aumentar a extensão ou a gravidade do dano, quando não ligadas imediatamente a este autor, não serão de sua responsabilidade, senão daquele que deu causa à sua ocorrência”. (MIRAGEM, 2015). Contudo, é possível notar uma diferença sutil entre as duas teorias, a teoria do dano direto e imediato é normalmente aplicada às situações que acarretam a exclusão total de responsabilidade em relação ao segundo dano (após a interrupção). Já a teoria da causalidade adequada permite a análise de concausas (causas concomitantes). A banca avaliadora se utilizou desse critério na peça da prova da segunda fase no exame XVI. Veja parte do enunciado e observe a evidente interrupção do nexo de causalidade: 17 João andava pela calçada da rua onde morava, no Rio de Janeiro, quando foi atingido na cabeça por um pote de vidro lançado da janela do apartamento 601 do edifício do Condomínio Bosque das Araras, cujo síndico é o Sr. Marcelo Rodrigues. João desmaiou com o impacto, sendo socorrido por transeuntes que contataram o Corpo de Bombeiros, que o transferiu, de imediato, via ambulância, para o Hospital Municipal X. Lá chegando, João foi internado e submetido a exames e, em seguida, a uma cirurgia para estagnar a hemorragia interna sofrida. João, caminhoneiro autônomo que tem como principal fonte de renda a contratação de fretes, permaneceu internado por 30 dias, deixando de executar contratos já negociados. A internação de João, nesse período, causou uma perda de R$ 20 mil. Após sua alta, ele retomou sua função como caminhoneiro, realizando novos fretes. Contudo, 20 dias após seu retorno às atividades laborais, João, sentindo-se mal, voltou ao Hospital X. Foi constatada a necessidade de realização de nova cirurgia, em decorrência de uma infecção nocrânio causada por uma gaze cirúrgica deixada no seu corpo por ocasião da primeira cirurgia. João ficou mais 30 dias internado, deixando de realizar outros contratos. A internação de João, por este novo período, causou uma perda de R$ 10 mil. Além das teorias para identificação do nexo de causalidade, temos as chamadas teorias das concausas que, segundo TARTUCE (2017) mantém relação direta com a causalidade adequada. Concausalidade ordinária, conjunta ou comum: consiste em condutas coordenadas e dependentes de duas ou mais pessoas. O dano é causado conjuntamente e os ofensores respondem solidariamente (art. 942, do CC). Concausalidade acumulativa: é aquela existente entre a conduta de duas ou mais pessoas que são independentes entre si. Neste caso, cada um deverá responder na proporção de suas condutas. (art. 945, do CC). Concausalidade alternativa ou disjuntiva: é aquela existente entre a conduta de duas ou mais pessoas, sendo que apenas uma das condutas é importante para ocorrência do evento danoso. (Já utilizada como fundamento de gabarito no Exame 18 de Ordem em relação a responsabilidade decorrente do art. 938, do CC, quando o condomínio responde pelo objeto lançado de um dos apartamentos quando a vítima não identifica a unidade da qual o objeto foi lançado). Veja uma questão do Exame de Ordem sobre concausalidade alternativa: 1. (OAB/FGV/XXV EXAME DE ORDEM) Marcos caminhava na rua em frente ao Edifício Roma quando, da janela de um dos apartamentos da frente do edifício, caiu uma torradeira elétrica, que o atingiu quando passava. Marcos sofreu fratura do braço direito, que foi diretamente atingido pelo objeto, e permaneceu seis semanas com o membro imobilizado, impossibilitado de trabalhar, até se recuperar plenamente do acidente. À luz do caso narrado, assinale a afirmativa correta. A) O condomínio do Edifício Roma poderá vir a ser responsabilizado pelos danos causados a Marcos, com base na teoria da causalidade alternativa. B) Marcos apenas poderá cobrar indenização por danos materiais e morais do morador do apartamento do qual caiu o objeto, tendo que comprovar tal fato. C) Marcos não poderá cobrar nenhuma indenização a título de danos materiais pelo acidente sofrido, pois não permaneceu com nenhuma incapacidade permanente. D) Caso Marcos consiga identificar de qual janela caiu o objeto, o respectivo morador poderá alegar ausência de culpa ou dolo para se eximir de pagar qualquer indenização a ele. Gabarito: “A” 8. Indenização Apurada a responsabilidade, o art. 944, do CC, estabelece a apuração do valor da indenização a partir da extensão dos danos. Lembre-se que a indenização é medida pela extensão do dano e não pela gravidade da culpa. O parágrafo único, do artigo 944, prevê uma exceção: se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Veja o que Cavalieri Filho esclarece sobre essa exceção: 19 Entretanto, como exceção à regra da indenização integral, o parágrafo único do art. 944 do Código Civil deve ser aplicado restritivamente, razão pela qual podemos estabelecer as seguintes conclusões: (a) só tem aplicação nos casos de culpa levíssima em que o ofensor tenha causado danos de grandes proporções à vítima, pelo que estão fora do seu campo de incidência a culpa grave e o dolo; (b) a ratio legis é a culpa – culpa levíssima – razão pela qual não se aplica à responsabilidade objetiva, hoje de maior campo de incidência do que a responsabilidade subjetiva. Seria ilegal utilizar o critério do grau de culpa para aferir o valor da indenização objetiva, na qual a culpa não tem nenhuma relevância; (c) em princípio aplica-se ao dano moral uma vez que o fundamento da norma não é a natureza do dano (material ou moral) mas, antes, a excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano – culpa levíssima e dano de grande proporção. (CAVALIERI FILHO, 2019) De modo geral, a reparação, portanto, deve alcançar todos os prejuízos experimentados pela vítima. No caso da responsabilidade contratual, veja-se que o art. 404 do CC estabelece que as perdas e danos correspondem ao principal, lucros cessantes, honorários, juros e correção. O artigo 402, utilizado como fundamento tanto para a responsabilidade contratual como para a extracontratual, esclarece que os danos materiais se subdividem em danos emergentes e lucros cessantes. Porém, é possível verificar a previsão legal em situações específicas, como no caso do homicídio, em que há o dever de pagamento das despesas de funeral, médicas, luto e alimentos aos dependentes da vítima, sem excluir outras verbas indenizatórias (art. 948). Em relação aos alimentos indenizatórios, importa atentar ao fato de que em famílias de baixa renda presume-se uma contribuição mútua entre pais e filhos, independentemente do desenvolvimento de atividade remunerada na data do óbito. Veja súmula 491, do STF. SÚMULA 491 - É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, além das despesas de tratamento e dos lucros cessantes, o ofensor deverá indenizará o ofendido todos os outros prejuízos que o ofendido prove haver sofrido (art. 949). O artigo 950 também trata da indenização, ao determinar o dever de pagamento de pensão às pessoas que, em decorrência do ato ilícito, se tornaram incapazes ao trabalho ou tiveram essa capacidade reduzida. 20 9. Legitimidade ativa para o pedido de reparação Quanto à legitimidade ativa para a reparação civil, temos que a vítima é a titular do direito. Também poderão pleitear a reparação os sucessores, nos termos do artigo 943 do CC. Veja a tese fixada pelo STJ na edição nº 125 do “Jurisprudência em teses”: 5) Embora a violação moral atinja apenas os direitos subjetivos do falecido, o espólio e os herdeiros têm legitimidade ativa ad causam para pleitear a reparação dos danos morais suportados pelo de cujus. Tanto a pessoa física como pessoa jurídica podem pleitear dano moral e/ou dano material, eis que consolidado entendimento de que a pessoa jurídica também sofre exposição moral (desde que à honra objetiva). Importa ressaltar que muitas vezes os familiares próximos sofrem danos em decorrência de ato antijurídico praticado diretamente a outra pessoa. Veja-se os casos dos dependentes (a quem o morto prestava alimentos) que ficarão privados da verba de subsistência com a morte da vítima, assim como sofrerão danos de natureza extrapatrimonial. São os chamados danos reflexos ou por ricochete. Mais recentemente a jurisprudência passou a admitir o dano reflexo também em casos em que a vítima direta permanece viva (litisconsórcio ativo). Trata-se de direito próprio pedido em nome próprio e não de direito alheio pedido em nome próprio. Veja a tese fixada pelo STJ na edição nº 125 do “Jurisprudência em teses”: 4) A legitimidade para pleitear a reparação por danos morais é, em regra, do próprio ofendido, no entanto, em certas situações, são colegitimadas também aquelas pessoas que, sendo muito próximas afetivamente à vítima, são atingidas indiretamente pelo evento danoso, reconhecendo-se, em tais casos, o chamado dano moral reflexo ou em ricochete. 21 10. Legitimidade passiva nas ações reparatórias São responsáveis pela reparação civil o agente causador do dano, bem como os responsáveis solidários ou subsidiários. O artigo 942, parágrafo único determina que são solidariamente responsáveis com os autores os coautores e as pessoas designadas no art. 932. Há também a responsabilidade pela reparação decorrente de contrato, como ocorre no caso de seguro. Observe as súmulas do STJ em relação a esse tema: Súmula 529 - No seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiroprejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano. Súmula 537 - Em ação de reparação de danos, a seguradora denunciada, se aceitar a denunciação ou contestar o pedido do autor, pode ser condenada, direta e solidariamente junto com o segurado, ao pagamento da indenização devida à vítima, nos limites contratados na apólice. As pessoas responsáveis pelos causadores dos danos também têm legitimidade passiva nas ações reparatórias. Observe o próximo item. 11. Responsabilidade por fato de terceiro (ou indireta). O Código Civil prevê hipóteses de responsabilidade civil decorrente de fato de terceiro. De modo expresso, o art. 932 estabelece a responsabilidade solidária (art. 942 CC) nas seguintes hipóteses: I - dos pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - do tutor e do curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III – do empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - dos donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia. 22 O artigo 933 determina que a responsabilidade das pessoas indicadas no artigo 932 é objetiva. “O novo Código Civil (art. 933), seguindo evolução doutrinária, considera a responsabilidade civil por ato/fato de terceiro como sendo objetiva, aumentando sobejamente a garantia da vítima. Malgrado a responsabilização objetiva do empregador, essa só exsurgirá se, antes, for demonstrada a culpa do empregado ou preposto, à exceção, por evidência, da relação de consumo" (REsp 1135988/SP, DJe 17/10/2013; DJe 05/03/2018). A exceção destacada na transcrição acima refere-se ao cuidado que o examinando deve tomar quando analisar a necessidade ou não de prova de culpa do preposto (o agente causador do dano). O artigo 933 determina a responsabilidade objetiva do empregador e não do empregado, dessa forma, permanece a necessidade de prova da culpa do empregado. Contudo, quando se tratar de responsabilidade civil dos prestadores de serviços ou fornecedores de produtos, o artigo 37, §6º da CF e o Código de Defesa do Consumidor determinam a responsabilidade objetiva da empresa (ou da pessoa jurídica de direito público prestadora do serviço), independentemente de prova de culpa do servidor ou empregado. Sérgio Cavalieri esclarece que a chamada responsabilidade por fato de terceiro (indireta) restou modificada a partir da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, em razão do disposto no artigo 37, §6º, e do Código de Defesa do Consumidor. Para o autor, não se pode mais denominar essa espécie de responsabilidade de “indireta” pois os prestadores de serviços (públicos ou não) respondem diretamente por atos de seus agentes. Sobreveio, entretanto, a Constituição de 1988, que, no seu art. 37, §6º, mudou a base jurídica dessa responsabilidade, ao estabelecer responsabilidade direta e objetiva para os prestadores de serviços públicos, tal como a do Estado. A partir daí, todos os prestadores de serviços públicos passaram a responder diretamente pelos atos de seus agentes (empregados e prepostos), com base no risco administrativo, por fato próprio da empresa e não mais pelo fato de e outrem. Seguiu-se o Código do Consumidor na mesma linha, só que com maior amplitude. Estabeleceu responsabilidade objetiva direta para todos os fornecedores de serviços (e não apenas serviços públicos), pelo fato do serviço, e não mais pelo fato de outrem ou do preposto. Tão amplo é o campo de incidência da norma do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, que o pouco que havia sobrado para o inciso III do artigo 1.521 do Código de 1916 foi praticamente revogado. (CAVALIERI FILHO, 2019). 23 Portanto, “em todos esses casos a atuação do empregado ou preposto foi desconsiderada pela lei; ficou absorvida pela atividade da própria empresa ou empregador, de modo a não mais ser possível falar em fato de outrem” (CAVALIERI FILHO, 2019). Outro aspecto relacionado ao artigo 37. §6º, da Constituição, é sobre a possibilidade de a vítima ingressar com a ação contra o “autor do dano” agente público ou empregado. Segundo o parágrafo único do artigo 942, todos respondem solidariamente, o que acarreta a legitimidade do empregado ou agente público. Contudo em julgado sob o rito de repercussão geral, o STF fixou a tese segundo a qual “a teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa” (Tema 940). Dessa forma, quando o dano decorrer da prestação de serviço público, o servidor ou funcionário não tem legitimidade passiva. Lembre-se, também, que embora a regra seja de que a responsabilidade por fato de terceiro é solidária (entre causador e responsável) o incapaz responde subsidiariamente, conforme art. 928 (se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes). 12. Responsabilidade decorrente de guarda ou propriedade Também é necessário lembrar a responsabilidade decorrente da propriedade de coisa ou animal, prevista nos art. 936 a 938 do CC, também denominada de responsabilidade pelo fato da coisa. Responsabilidade do dono ou detentor do animal Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior. V Jornada de Direito Civil - Enunciado 452 24 A responsabilidade civil do dono ou detentor de animal é objetiva, admitindo- se a excludente do fato exclusivo de terceiro. Responsabilidade do dono de edifício e construção Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta. VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 556 A responsabilidade civil do dono do prédio ou construção por sua ruína, tratada pelo art. 937 do CC, é objetiva. Responsabilidade do habitante de prédio Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo dano proveniente das coisas que dele caírem ou forem lançadas em lugar indevido. VI Jornada de Direito Civil - Enunciado 557 Nos termos do art. 938 do CC, se a coisa cair ou for lançada de condomínio edilício, não sendo possível identificar de qual unidade, responderá o condomínio, assegurado o direito de regresso. 13. A relação entre a responsabilidade civil e a criminal O art. 935 do Código Civil determina que a responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal 25 O Enunciado 45, da I Jornada de Direito Civil, colaborou com a interpretação do artigo ao inserir a expressão “categoricamente”, ou seja, se a existência do fato e a autoria se acharem “categoricamente” decididas no juízo criminal, essa definição não será alterada no juízo cível. Embora os ilícitos civis sejam diferentes dos ilícitos criminais, uma vez decididos fato e autoria, independentemente das outras circunstâncias, não se poderá decidir de forma diferente no juízo cível. Por isso, muito cuidado: embora o artigo afirme a independência, trata-se, na verdade, de uma independência relativa. O Código de Processo Penal, ao tratar “da ação civil”, complementa o art. 935 ao determinar que a ação para ressarcimento do dano poderáser proposta no juízo cível, contra o autor do crime e, se for caso, contra o responsável civil (art. 64); e que não obstante a sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato (art. 66). Decisão do STJ constante em Informativo de Jurisprudência (437), sobre a absolvição criminal do preposto do responsável civil anteriormente condenado em juízo cível, é bem elucidativa da questão. Segundo o STJ, “a absolvição no juízo criminal não exclui automaticamente a possibilidade de condenação no juízo cível, conforme está disposto no art. 64 do CPP. Os critérios de apreciação da prova são diferentes: o Direito Penal exige integração de condições mais rigorosas e taxativas, uma vez que está adstrito ao princípio da presunção de inocência; já o Direito Civil é menos rigoroso, parte de pressupostos diversos, pois a culpa, mesmo levíssima, induz à responsabilidade e ao dever de indenizar. Assim, pode haver ato ilícito gerador do dever de indenizar civilmente, sem que penalmente o agente tenha sido responsabilizado pelo fato” (REsp 1.117.131-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/6/2010). Outra decisão publicada em Informativo de Jurisprudência (517) do STJ (aqui transcrita parcialmente) também é esclarecedora: Dessa forma, tratou o legislador de estabelecer a existência de uma autonomia relativa entre essas esferas. Essa relativização da independência de jurisdições se justifica em virtude de o direito penal incorporar exigência probatória mais rígida para a solução das questões submetidas a seus ditames, sobretudo em decorrência do 26 princípio da presunção de inocência. O direito civil, por sua vez, parte de pressupostos diversos. Neste, autoriza-se que, com o reconhecimento de culpa, ainda que levíssima, possa-se conduzir à responsabilização do agente e, consequentemente, ao dever de indenizar. O juízo cível é, portanto, menos rigoroso do que o criminal no que concerne aos pressupostos da condenação, o que explica a possibilidade de haver decisões aparentemente conflitantes em ambas as esferas. Além disso, somente as questões decididas definitivamente no juízo criminal podem irradiar efeito vinculante no juízo cível. 14. Marco civil da Internet A Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil, também disciplina importantes aspectos da responsabilidade civil, especialmente nos seguintes artigos: Art. 18. O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. § 1o A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material. O STJ tem se manifestado sobre o tema em diversos julgados. Veja o teor do Informativo de Jurisprudência 558 de 2015: 27 DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE POR OFENSAS PROFERIDAS POR INTERNAUTA E VEICULADAS EM PORTAL DE NOTÍCIAS. A sociedade empresária gestora de portal de notícias que disponibilize campo destinado a comentários de internautas terá responsabilidade solidária por comentários, postados nesse campo, que, mesmo relacionados à matéria jornalística veiculada, sejam ofensivos a terceiro e que tenham ocorrido antes da entrada em vigor do marco civil da internet (Lei 12.965/2014). Inicialmente, cumpre registrar que, de acordo com a classificação dos provedores de serviços na internet apresentada pela Min. Nancy Andrighi no REsp 1.381.610-RS, essa sociedade se enquadra nas categorias: provedora de informação - que produz as informações divulgadas na Internet -, no que tange à matéria jornalística divulgada no site; e provedora de conteúdo - que disponibiliza na rede as informações criadas ou desenvolvidas pelos provedores de informação -, no que tocante às postagens dos usuários. Essa classificação é importante porque tem reflexos diretos na responsabilidade civil do provedor. De fato, a doutrina e a jurisprudência do STJ têm se manifestado pela ausência de responsabilidade dos provedores de conteúdo pelas mensagens postadas diretamente pelos usuários (REsp 1.338.214-MT, Terceira Turma, DJe 2/12/2013) e, de outra parte, pela responsabilidade dos provedores de informação pelas matérias por ele divulgadas (REsp 1.381.610-RS, Terceira Turma, DJe 12/9/2013). [...] REsp 1.352.053-AL, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 24/3/2015, DJe 30/3/2015. A ementa do acórdão no AgInt no AREsp 1177619 / SP (29/10/2018) traz uma síntese do atual entendimento do STJ: [...] 5. A jurisprudência desta Corte define que: (a) para fatos anteriores à publicação do Marco Civil da Internet, basta a ciência inequívoca do conteúdo ofensivo pelo provedor, sem sua retirada em prazo razoável, para que este se torne responsável e, 28 (b) após a entrada em vigor da Lei nº 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade solidária do provedor é o momento da notificação judicial que ordena a retirada do conteúdo da internet. Veja recente questão do Exame de Ordem sobre esse tema: 2. (OAB/FGV/XXVII EXAME DE ORDEM) Ao visitar a página de Internet de uma rede social, Samuel deparou-se com uma publicação, feita por Rafael, que dirigia uma série de ofensas graves contra ele. Imediatamente, Samuel entrou em contato com o provedor de aplicações responsável pela rede social, solicitando que o conteúdo fosse retirado, mas o provedor quedou-se inerte por três meses, sequer respondendo ao pedido. Decorrido esse tempo, o próprio Rafael optou por retirar, espontaneamente, a publicação. Samuel decidiu, então, ajuizar ação indenizatória por danos morais em face de Rafael e do provedor. Sobre a hipótese narrada, de acordo com a legislação civil brasileira, assinale a afirmativa correta. A) Rafael e o provedor podem ser responsabilizados solidariamente pelos danos causados a Samuel enquanto o conteúdo não foi retirado. B) O provedor não poderá ser obrigado a indenizar Samuel quanto ao fato de não ter retirado o conteúdo, tendo em vista não ter havido determinação judicial para que realizasse a retirada. C) Rafael não responderá pelo dever de indenizar, pois a difusão do conteúdo lesivo se deu por fato exclusivo de terceiro, isto é, do provedor. D) Rafael não responderá pelo dever de indenizar, pois o fato de Samuel não ter solicitado diretamente a ele a retirada da publicação configura fato exclusivo da vítima. Gabarito: “B” No entanto, a responsabilidade do provedor passa a ser subsidiária, independentemente de decisão judicial, no caso de violação da intimidade, nos termos do artigo 21 da Lei. Bastando, neste caso, a notificação extrajudicial efetuada pela vítima. 29 Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, aindisponibilização desse conteúdo. Parágrafo único. A notificação prevista no caput deverá conter, sob pena de nulidade, elementos que permitam a identificação específica do material apontado como violador da intimidade do participante e a verificação da legitimidade para apresentação do pedido. REFERÊNCIAS: CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil, 13ª edição. São Paulo: Atlas, 2019. [Grupo GEN]. Retirado de https://grupogen.vitalsource.com/#/books/9788597018783/ DONIZETTI, Elpídio e QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. 6ª ed. ver. e atual. São Paulo: Atlas, 2017. MIRAGEM, Bruno. Direito Civil: Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva: 2015. STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Vol. 2 – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil, 13ª edição. Forense, 12/2017. [Grupo GEN]. _____. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2018.
Compartilhar