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1 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. FISIOPATOLOGIA Há uma mutação no gene da globina beta, isso vai levar a formação da hemoglobina S que é um tipo de hemoglobina que sofre polimerização das moléculas de hemoglobina anormal quando desoxigenadas. A hemoglobina S ela vai levar uma deformação quando tiver uma desoxigenação, ou seja, um ambiente com pouco oxigênio nessa hemácia, ou quando estiver em um ambiente acido (ph baixo), ou em ambientes de baixas temperaturas. Essa hemoglobina S vai se agregar com polímeros longos e insolúveis e isso vai deformar a hemácia, alterando a forma dessa hemácia que fica com forma de foice. Basicamente: A anemia falciforme (AF) é um distúrbio genético causado por uma pequena mutação no gene da hemoglobina, especificamente a substituição de adenina por timina no cromossomo 6 do gene da globina β. Tal alteração transforma resíduos de glutamato em valina, “corrompendo” a proteína final. OBS: a hemoglobina fetal inibe polimerização, desse modo, quanto maior o nível de HbF, menos sintomas terá, pois essa hemoglobina fetal estará fazendo uma “proteção” contra a polimerização e consequentemente deformidade dessa hemácia na forma de foice. A HbA também que é uma hemoglobina normal que temos, também participa pouco do processo de polimerização, então se o individuo tem um traço talassemico, ou seja, não tem os dois genes da hemoglobina S, que é o heterozigoto, ele vai conseguir produzir a HbA, e desse modo, vai ter menos anormalidades clinicas porque a HbA vai proteger a hemácia dessas deformidades quando acontece as situações de PH baixo, desoxigenação, de estresse oxidativo também. Então a HbA e a HbF vão proteger as hemácias de falcização. CINÉTICA DA FALCIZAÇÃO Esse processo de falcização é reversível com a reoxigenação, então se a hemácia sofreu uma baixa de O2, ela vai ficar em forma de foice, e ai com a reoxigenação, ela volta pra a forma normal. Entretanto, a repetição desse processo vai causar lesão na membrana dessa hemácia e esse processo vai se tornar irreversível, persistindo a forma de foice. E isso vai levar a uma redução da meia-vida dessa hemácia, infamação e obstrução vascular, porque essa hemácia não é tão maleável como a hemácia normal. Com isso, vai ocorrer o processo de vaso- oclusão, que é quando vai ocorrer todos os problemas característicos da anemia falciforme. Geralmente acontece na microcirculação, porque os capilares são menores, há menos espaço e aí as hemácias vão obstruir mais. E também pode afetar grandes artérias, afetando pulmões e cérebro. 2 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. Com isso, vai envolver alteração de hemácias, leucócitos ativados, plaquetas, células endoteliais e proteínas plasmáticas. Além disso, essas hemácias fragilizadas na forma de foice, em determinado momento vão romper, e com isso, vai liberar Hb intravascular e essa Hb é danosa, ela vai causar dano e ativação das células endoteliais vasculares, levando a uma resposta inflamatória vascular, e se tem resposta inflamatória, tem liberação de citocinas, adesão de células brancas e vermelhas na parede desse vaso, levando a vasoconstrição, aumentando a chance de formar trombos. Resumindo: os processos associados a vaso- oclusão na fisiopatologia da Anemia Falciforme são: • Ação do endotélio (que vai liberar substancias que são marcadores inflamatórios também). • Inflamação (vão levar a adesão celular tanto de células brancas como vermelhas) • Adesão celular • Queda do oxido nítrico (que é um potente vasodilatador, e desse modo, isso propicia a vaso-oclusão) • Ativação de plaquetas e da coagulação. (com maior chance de formar trombo). • Aumento do estresse oxidativo. (aumentando ainda mais a vaso- oclusão). OBS: → Síndrome falciforme: todo quadro que é marcado pela formação de hemácias em foice. → Doença Falciforme: falcização que iimplica em achados clínicos significativos. → Anemia Falciforme: manifestação da doença falciforme com Hb < 8 mg/dL de modo constante. Resumindo: para o desenvolvimento de anemia falciforme, o individuo precisar ter a homozigose da Hb S (que induz a supressão da HbA e o aumento da HbF, o que é bom esse aumento para o paciente já que a HbF é benéfico ao paciente). Caso seja heterozigoto, o individuo se torna portador do traço falciforme, podendo passar essa mutação para seus descendentes, porém, sem o próprio desenvolver sintomas. Cerca de 2 milhões de brasileiros tem o traço falciforme. OBS: existe uma hemoglobinopatia SC, que é a hemoglobina S com a presença da Hb C, que é uma variante estrutural da cadeia beta da globina e a HbC possui o mesmo códon que a globina HbS, porém não tende a formar polímeros e é uma evolução mais benigna do que a Hb SS. Mas mesmo assim pode apresentar sintomas e até mesmo complicações da anemia falciforme. OBS: Em casos de Talassemia, com ausência da HbA ou com quantidades reduzidas da HbA, decorrem da combinação entre alterações falcêmicas e das talassemias. QUADRO CLÍNICO Quando o paciente está na fase estável, ou seja, sem nenhuma crise, ele não tem grandes manifestações clinicas, as vezes uma leve icterícia. Agora se ele tem uma crise de falcização, essas crises vão ser dividias em: → Vaso-oclusivas, que o principal representante são os episódios dolorosos. 3 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. Que é ocasionada por uma vaso-oclusão, e é a manifestação clínica mais comum da doença falciforme. É um quadro que tem frequencia e intensidade variável, desse modo, pode se manifestar as vezes com mais dor, ou menos dor. Essa crise pode ser desencadeada por alguma outra coisa, que pode ser desde uma infecção a uma desidratação e também por tensão emocional. Ocorre geralmente entre a 3ª e 4ª década de vida e tem uma maior mortalidade em adultos. ▪ E por que isso ocorre? Porque a falcização das hemácias, que ficam em formato de foice, e essas, não conseguem passar direito pela microcirculação, gerando então uma vaso- oclusão. Essa vaso-oclusão pode desencadear: isquemia dos tecidos, resposta inflamatória aguda e isso vai desencadear dor nesse paciente, que vai sentir dor principalmente nos ossos longos, nas articulações, na região lombar, no tórax, no couro cabeludo e na face. Há também um quadro chamado de Sindrome mão-pé/Dactilite, que vai afetar uma faixa mais pediátrica dos 6 meses a 2 anos. Nessa síndrome a criança vai sentir dor e inchaço de mãos e pés. Esse inchaço acontece devido a vaso- oclusão, mas é um quadro autolimitada e com um tratamento de suporte, o paciente irá melhorar. OBS: essa síndrome faz diagnostico diferencial com osteomielite. OBS: a síndrome vaso-oclusiva GRAVE, necessita de tratamento hospitalar com analgésico parenteral por mais de 4 horas. E se a paciente tiver 3 ou mais episódios graves nos últimos 12 meses, isso define que a anemia falciforme está com evolução grave e é preciso rever esse tratamento do paciente, porque provavelmente ele pode ter uma complicação que vai levar ou a mobilidade ou a mortalidade desse paciente. → As crises aplásticas A crise aplastica é quando há uma queda acentuada da hemoglobina, com o numero de reticulócitos reduzidos (isso é extremamente importante, porque o valor de reticulócitos reduzidos, indica que está ocorrendo uma insuficiência transitória da eritropoiese, normalmente causada por uma infecção). OBS: Esses reticulócitos reduzidos vai ser o fator que vai ajudar a diferenciar essa crise das outras, porque essa é a única crise em que a medula é afetada e a produção de hemácias ficam reduzidas. Nas outras crises há um aumento de hemólise, vai estar havendo produção aumentada, ainda que essashemácias sejam deformadas. Normalmente essa crise é desencadeada pela infecção pelo parvovírus B19 e 68% dos casos são em criança. Quando essa crise acontece em adultos, normalmente são outros agentes que acaba levando a essa crise, como: Streptococcus 4 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. pneumoniae, salmonelas, vírus Epstein- barr. Todo esse processo, pode levar a uma necrose medular óssea extensa, o que vai dificultar a produção de hemácias. E com todo o quadro infeccioso o paciente pode apresentar febre e reação leucoeritroblástica. Os diagnósticos diferenciais dessa crise são: Iatrogenia (com oxigênio com tensão supramáxima por 2 dias, como quando alguém deixa o paciente usando O2 por algum motivo por mais tempo e com uma tensão muito alta e isso pode levar a um quadro de supressão da medula óssea, que vai simular uma crise aplásica). E outro diagnostico diferencial é a deficiência de ácido fólico, especialmente em gravidas, porque esse paciente precisa produzir muitas hemacias, e por isso vai ter um consumo maior de ácido fólico, se não ela terá uma queda de reticulócitos. → As crises hemolíticas Nessas crises, há um aumento importante da hemólise, e normalmente elas são secundárias a infecção por mycoplasma, ou pela deficiência de G6PD, ou doença associada com esferocitose hereditária. Nessa crise vai ter o agravemento da anemia, porque está tendo essa destruição (hemólise) e vai ter também piora da icterícia. O diagnostico diferencial dessa crise são: obstrução por calculo vesicular, (lembrando que como esse paciente tem muita hemólise, vai aumentar a bilirrubina). E também falcização com colestase intra- hepática que também leva a uma anemia com icterícia, e também hepatite. → E de sequestro esplênico Nesse caso, o baço fará o sequestro, gerando um acumulo de sangue no baço, roubando sangue da periferia. Esse quadro é definido com queda de pelo menos 2g/dL da hemoglobina, com uma hiperplasia compensatória da medula óssea (levando a um aumento de reticulócito, diferente da aplásica que há uma diminuição de reticulócitos), isso porque como o baço está roubando todo esse sangue, a medula óssea tenta compensar aumentando a produção. Essa crise acomete mais a fase de 6 meses a 2 anos de idade, isso porque no paciente com anemia falciforme, devido as microtromboses, ele sofre uma auto esplectomia (não que esse baço vai ser retirado, e sim porque esse baço vai parar de funcionar, devido a microtromboses). Lembrando que quando mais velho, o adulto não tem mais um baço tão funcionante como criança, por isso de ser uma crise que acomete crianças e que por causar esse “desfuncionamento” do baço, pode levar a morte. Esse quadro é responsável por 10-15% dos óbitos nos 10 primeiros anos de vida do paciente falciforme. OBS: Vários agentes podem causar infecções no paciente, tais como: escherichia colli, Klebsiella sp, Streptococcus pneumoniae, e dentre outros. E todos esses agentes podem causar uma síndrome chamada de síndrome torácica aguda, que pode cursar com: dor torácica, associado a febre, dispneia, opacidade nova no Rx de tórax, queda da Hb, pode evoluir com hipoxia grave, e essa síndrome é uma importante causa de óbito e hospitalização do paciente com anemia falciforme. 5 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. Além do quadro clinico composto por: crise álgica, anemia, inchaço de mãos e pés (que pode acontecer principalmente em crianças), priapismo (ereção peniana prolongada e persistente, freqüentemente dolorosa, desencadeada ou não por estímulo sexual), síndrome torácica aguda, susceptibilidade elevada a infecções, ulceras de perna, palidez, patologia das vias biliares (que gera icterícia e cálculos), distúrbios renais, necrose isquêmica de ossos longos, retinopatia e hemossiderose (acumulo de ferro, devido ao histórico transfusional). Há também temidas complicações neurológicas, como: AVE, hemorragia cerebral, ataques isquêmicos transitórios por conta das microtromboses. Essas complicações neurológicas possuem como tratamento de vaso-oclusão do SNC, transfusão de concentrado de hemácias, isso vai impedir a progressão de oclusão no SNC, podendo reverter o quadro. Há algumas complicações geniturinárias, que incluem: hematúria que normalmente é transitória, proteinúria e gloméruloesclerose periférica focal e segmentar. Além do priapismo no sexo masculino. DIAGNÓSTICO O diagnóstico é feito pela eletroforese de hemoglobina, isso já é feito na triagem neonatal do teste do pezinho. Além disso, o hemograma do paciente com anemia falciforme vai ser encontrado Hb 6- 10 g/dL na fase estável, ou seja, quando não está em crise. É uma anemia normocítica e normocromica. E também vai ter um número elevado de reticulócitos, porque como esse paciente sofre hemólise, a tendencia é aumentar o numero de produção de hemácias, mesmo que essas sejam defeituosas. Além disso, no esfregaço de sangue periférico vai ser encontrado hemácias em formato de foice. Outra coisa que pode ser encontrado é os corpos de Howell-Jolly, que são pontinhos pretos nas hemácias (isso é um sinal de hemácias que estão mais velhas, e essas hemácias normalmente são destruídas pelo nosso reticulo endotelial, entretanto, se essas hemácias velhas estão aí, provavelmente o baço não está funcionando normalmente – hipofunção esplênica). Além disso, pode ser encontrado aumento nos marcadores de hemólise. Com 6 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. bilirrubina indireta aumenta, queda do haptoglobina sérica, aumento do urobilinogenio urinário e se fizer um mielograma, vai ser encontrado hiperplasia eritróide da medula óssea. Outra coisa que pode ser encontrado com frequência no hemograma desses pacientes, é uma leucocitose, as vezes com desvio a esquerda (mas não necessariamente está ligado a um quadro infeccioso). E pode ter plaquetose, atiindo ate 1.000.000 de plaquetas, e isso ocorre devido ao estimulo da medula óssea, porque ela não entende que deve produzir só mais hemácias e acaba produzindo mais um pouco de tudo. Além disso, se fizer prova de coagulação nesse paciente, ele vai estar normal, exceto nas crises vaso-oclusivas que podem indicar hipercoagulabilidade. E a ferritina nesses pacientes também pode estar elevada nos pacientes que são politransfundidos, podendo levar a quadro de hemocromatose secundaria, e por isso eles podem usar quelantes de ferro (que é são medicamentos com substâncias ativas capazes de se ligar ao ferro, produzindo assim um composto que pode ser excretado do organismo por meio da urina e/ou das fezes, dependendo da medicação utilizada). TRATAMENTO O paciente com anemia falciforme precisa ter um acompanhamento em centro especializado, porque ele precisa de uma atenção multidisciplinar. Esses pacientes tem beneficio de reposição de ácido fólico, porque eles têm uma hiperplasia de medula óssea, a medula óssea deles está sempre hiperplásica, porque produzem muita hemácia e possuem muita hemólise. É feito também profilaxias contra infecções (já que essas podem ser o fator desencadeante de crises). E uso da HIDROXIURÉIA que tem indicação. Além disso, é feito o tratamento das crises e complicações. A hidroxiureia age aumentando a síntese da Hemoglobina fetal (HbF), e como explicado acima, essa hemoglobina “protege” as hemácias de deformidades, ajudando na evolução clínica. Além de modificar a expressão de moléculas de adesão e de induzir mielossupressão. A dose diária é de 10 a 15 mg/kg/dia por 6 a 8 semanas, havendo monitoramento do hemograma a cada 2 semanas e da HbF, no mesmo intervalo do tratamento. Nas crises vaso-oclusivas, deve-se tratar o fator desencadeante, fazerhidratação vigorosa oral e/ou endovenosa, além de analgesia adequada para alivio da dor, podendo entrar com analgésicos comuns, mas também com opioides se necessário. A transfusão de concentrado de hemácias apresenta duas finalidades principais: corrigir quadros anêmicos sintomáticos e minimizar complicações pela redução da proporção da HbS/HbA. O objetivo é manter sempre a HbS abaixo de 30%. Essa bolsa de concentrado de hemácias é indicado quando a Hb < 5 g/dL e clinica de anemia significativa; quando há angina ou insuficiência cardíaca; hemorragia aguda, crise de sequestro esplênico ou hepático; crise aplásica; e em pré-operatório. E há também uma transfusão de troca, onde primeiro vai fazer uma retirada de sangue, pra tirar uma porcentagem das hemacias 7 Anemia Falciforme | Larissa Gomes de Oliveira. falciformes (formato de foice), e depois é feito uma transfusão de um doador, sem hemácia falciforme. Esse tipo é indicado em casos de: AVE, síndrome torácica aguda, insuficiência de múltiplos órgãos, priapismo agudo, cirurgia de SNC, prevenção de AVE recorrente em crianças com AVE agudo. OBS: longo histórico de transfusão pode levar ao acumulo e sobrecarga de ferro, que pode ser evitado pelo tratamento profilático com medicações quelantes em pacientes com regime transfusional. OBS: o transplante de célula-tronco, é considerado um tratamento curativo para a doença falciforme, pois é como se trocasse a fabrica que até então era defeituosa e produzia hemácias em formato de foice, por outra que agora produz células normais. Porém, é mais indicado em crianças com casos graves, pois devido a gravidade desse transplante de medula, o risco do caso dessa paciente, compensa o tratamento, o benefício compensa o risco. REFERÊNCIAS HOFFBRAND, Victor A., et al. Fundamentos em hematologia. Moss, 7ª edição – 2018. Editora Artmed. ZAGO, Marco Antonio, et al. Tratado de Hematologia, 1ª Edição – 2013. Editora Atheneu
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