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MALÁRIA Ananda Martins - Medicina UEMA INTRODUÇÃO ● Doença febril infectoparasitária causada por protozoários do gênero Plasmodium sp ● Considerado endêmica, concentrando-se em regiões tropicais e subtropicais ● Cinco plasmódios capazes de infectar o homem: Plasmodium vivax, Plasmodium falciparum; Plasmodium malariae; Plasmodium ovale (restrito à África) e Plasmodium knowles (restrito ao sudeste asiático) ● P. falciparum é responsável pelas formas graves de malária ● Hospedeiro definitivo é o homem ● O hospedeiro intermediário é o mosquito. ● O plasmodium é aflagelado e se reproduz de duas formas no ciclo evolutivo: - Forma assexuada (esquizogonia), quando no hospedeiro definitivo - Forma sexuada (esporogonia), quando no hospedeiro intermediário CICLO EVOLUTIVO Ciclo pré-eritrocitário (hepático) ● Ao picar o humano, o mosquito infectado injeta no sangue esporozoítos do plasmídio ● A primeira célula infectada é o hepatócito ● O esporozoíto liga-se à membrana do hepatócito utilizando uma proteína de revestimento denominada CSP ● Ao penetrar no hepatócito, torna-se um criptozoíta → primeiro ciclo de reprodução assexuada - esquizogonia tecidual - Esquizogonia: núcleo do parasito se divide várias vezes sem que haja divisão do citoplasma → origem de vários núcleos filhos envoltos na mesma membrana citoplasmática - Esquizonte: forma multinucleada do parasito - O citoplasma, então, é condensado ao redor de cada núcleo - A célula filha, produto da esquizogonia, é a forma merozoíta do plasmódio ● O processo dura o tempo de incubação da malária (6 a 16 dias) ● As merozoítas se acumulam nos hepatócitos e se rompem, liberando sinusoides hepáticos e infectando hemácias. ● Cada espécie libera uma quantidade diferente de merozoítos - P. falciparum = 40.000 - P. vivax = 10.000 - P. malariae = 2.000 Ciclo eritrocitário (hemácia) ● As merozoítas invadem as hemácias ● Nas hemácias, começam o ciclo reproduzito assexuado da esquizogonia eritrocitária → responsável pelos sinais e sintomas ● Dentro do eritrócito, a merozoíta amadurece e torna-se a trofozoíta. ● A medida que o parasita se reproduz, ele metaboliza a hemoglobina, formando o pigmento malárico → a hemozoína ● Durante um período que varia de 48 a 72h, o parasito se desenvolve no interior da hemácia até provocar sua ruptura ● Há liberação de novos merozoítos que irão invadir novas hemácias Reprodução sexuada - ciclo do mosquito ● Ocorre no estômago do mosquito ● Diferenciação dos gametócitos em gametas e fusão, formando um zigoto ● O zigoto de transforma em oocineto (forma móvel) que migra até a parede do intestino do inseto, formando o oocisto ● No oocisto, se desenvolvem os esporozoítos ● O ciclo dura de 10 a 12 dias ● Os esporozoítos produzidos no oocisto migram até as glândulas salivares do inseto DIFERENÇAS ENTRE OS PLASMÓDIOS ● Ciclo hepático: P. vivax e P. ovale → responsável pelas recidivas da doença e resistentes a antimaláricos ● A P. vivax utiliza fator Duffy para penetrar as hemácias enquanto a P. falciparum utilizada receptor de membrana (glicoforina A) ● Duração da esquizogonia eritrocitária, que determinará a periodicidade dos ataques febris da malária → dois dias para terminar a esquizogonia e um dia de febre - P. vivax e P. falciparum (esquizogonia eritrocitária de 48h): febre ocorre a cada três dias → febre terçã benigna (P. vivax) e febre terçã maligna (P. falciparum) - P. malariae (esquizogonia de 72h): febre ocorre a cada quatro dias (febre quartã) - P. malariae tem preferência por hemácias velhas, P. vivax por hemácias jovens e P. falciparum por hemácias em qualquer fase evolutiva EPIDEMIOLOGIA Transmissão pelo vetor ● No Brasil, o principal vetor é o Anopheles darlingi. ● A doença pode se comportar como doença do trabalho, acometendo garimpeiros, agricultores e motoristas de caminhão ● Construção de moradias próximo à mata aumenta o contato do vetor com o homem Transmissão parenteral ● Pode ser transmitida por: hemotransfusão, compartilhamento de agulhas contaminadas, transplante de órgãos, congênita. ● A forma transmitida nesses casos é a merozoíta PATOGÊNESE ● Pontos em comum em relação aos diferentes Plasmodium: crises febris e anemia ● Febre: produzida indiretamente pela liberação de substâncias do estroma hemático logo após a ruptura desta célula - O pigmento malárico estimula na produção e liberação de citocinas como IL-1 e TNF-alfa ● A anemia é multifatorial - A ruptura das hemácias causa hemólise intravascular - Se parasitemia alta → hemoglobinúria franca, coloração marrom-avermelhada da urina - Hemólise extravascular: causada por hemácias parasitadas que possuem alterações importantes na composição de membrana e deformidade, levando à destruição precoce pelos macrófagos. - Bloqueio microvascular (na P. falciparum): sequestro de hemácias nos capilares dos órgãos como cérebro, rins, pulmão, placenta, etc. - Isso ocorre após surgimento de múltiplas protuberâncias arredondadas na superfície do eritrócito, determinando adesão das hemácias parasitadas às células endoteliais dos capilares e vênulas (citoaderência) → formação de obstrução microcirculatória e disfunção orgânica (explicando malária cerebral, renal, pulmonar e placentário) ● Presença de esplenomegalia e hiperfuncionante (hiperesplenismo) FORMA GRAVE - P. FALCIPARUM ● Alto grau de parasitemia → superior a 250.000 parasitas por mm³ ● Invade células de qualquer idade, podendo acometer mais de 5% de todas as hemácias ● Concentração maior de parasitos → mais hemácias rompidas → maior agudização da anemia e liberação de fatores que estimulam a produção do TNF-alfa ● O plasmódio consome grande quantidade de glicose (respiração anaeróbica), produzindo ácido lático ● Grande carga parasitária → hipoglicemia e acidose láctica IMUNIDADE ● O sistema imune consegue conter parcialmente a parasitemia mas sem conseguir erradicar o protozoário ● A imunidade é adquirida lenta e progressivamente após estímulos antigênicos constantes (infecções repetidas pelo mesmo parasita) - Não é uma imunidade completa; não evita infecção ou erradicação do protozoário mas reduz grau de parasitemia e gravidade de sintomas → “semi-imunidade” - Desaparece após seis meses de ausência completa de estímulo antigênico Proteção natural ● Indivíduos com traço falcêmico (heterozigotos para o gene da HbS) ● O gene HbS presente nas hemácias inibe o crescimento e desenvolvimento do plasmódio, em decorrência da alteração na morfologia da célula. O resultado é redução do grau de parasitemia. ● A betatalassemia, o parasita encontra piores condições para o crescimento intraeritrocitário, devido ao maior percentual de HbF ● Na alfatalassemia, a menor concentração de hemoglobina é o fator principal QUADRO CLÍNICO ● Sintomas inespecíficos, seguindo de crises febris periódicos, anemia e hepatoesplenomegalia ● P. vivax e P. malariae seguem curso benigno, com mortalidade praticamente ausente ● Formas perniciosas → formas graves e potencialmente fatais Malária por P. vivax ● Febre terçã benigna ● Sintomas inespecíficos: mal-estar, fadiga, náuseas, febrícula, discreta cefaléia ● Período de incubação: 12 a 16 dias ● Crises febris diariamente e, com a evolução da infecção, crises febris a cada 48h - Período de frio: iniciando abruptamente, durando 30 a 60 minutos, marcado por intenso calafrio e tremores, náuseas, vômitos e mialgia (sensação de frio porém com febre alta) - Período de calor: durando 4 a 8 horas, grande sensação de calor e febre (41 °C) → fácies congesta, olhos brilhantes (possibilidade de hemorragia conjuntival), pulso cheio, pele seca, eventuais náuseas e vômitos. - Período de sudorese: queda da temperatura, desvanecendo os sintomas agudos e estabelecendo sudorese profunda → sensação de alívio ● Caso a parasitemia não esteja erradicada, os acessos maláricos se repetem durante algumas semanas ● Demais sintomas: febre, calafrios, sudorese, esplenomegalia, hepatomegalia, palidez cutâneo-mucosa, icterícia, vômitos, cefaleia, diarreia e dispneia. Complicações fatais:rotura esplênica espontânea. ● Laboratório: anemia normocítica normocrômica, de grau leve a moderado, leucopenia com eventual desvio à esquerda. - Hiperbilirrubinemia indireta, aumento de LDH e redução da haptoglobina. ● Sem tratamento, o paciente evolui com episódios de recidiva da doença ao longo dos próximos 4 anos, quando então se extingue, de forma natural, a atividade parasitária. Malária por P. falciparum ● O período de incubação ocorre de 8 a 12 dias ● Sintomas inespecíficos de início de crises febris semelhantes aos da malária vivax ● A anemia costuma ser mais grave ● Presença de trombocitopenia e leucopenia ● Hepatoesplenomegalia ● Mecanismo de recrudescências: fenômeno explicado pela persistência de um certo grau de parasitemia que a resposta imune não consegue eliminar (diferente de recidiva) Malária grave ou “perniciosa” - complicações 1. Malária cerebral ● Início pode ser gradual ou súbito, marcado por cefaleia, delirium, convulsões e coma. ● Exame neurológico: hiper-reflexia tendinosa e sinal de Babinski bilateral ● TC de crânio: edema cerebral, líquor com pressão elevada, hiperproteinorraquia e discreta pleocitose. ● Fisiopatologia: bloqueio microvascular, precipitado de citoaderência das hemácias infectadas → isquemia cerebral difusa ● Quadro neurológico pode ser completamente revertido após tratamento. ● Taxa de letalidade de 20 a 50% 2. Malária renal ● Ocorre em 65% dos casos ● Fatores que atuam no rim causando IRA: hipovolemia, vasoconstrição, hemoglobinúria, deposição de imunocomplexos nos glomérulos, coagulação intravascular disseminada… ● Quadro clínico: oligúria, elevação de ureia e creatinina 3. Malária hepática ● Marcada pela icterícia ● Hiperbilirrubinemia com predomínio de fração conjugada ● Alta de aminotransferases 4. Malária intestinal ● Extenso comprometimento do tubo digestivo ● Quadro clínico: diarréia profusa (às vezes sanguinolenta) intensa prostração e eventual colapso circulatório ● Tende a ser afebril 5. Malária pulmonar ● Complicação mais grave de todas ● Edema pulmonar não cardiogênico (SRDA) ● Taquipneia e insuficiência respiratória, necessitando de ventilação mecânica ● Radiografia: infiltrados pulmonares difusos bilaterais. ● Letalidade superior a 80% 6. Hipoglicemia ● Causadas por: consumo de glicose pelos parasitas, depleção de estoques hepáticos de glicogênio e diminuição da ingesta alimentar durante os primeiros sintomas da doença ● Em crianças: associada a um comprometimento da gliconeogênese hepática e aumento do consumo de glicose por tecidos periféricos hipermetabólicos ● Em adultos: associada à hiperinsulinemia, resultando em estímulo às ilhotas pancreáticas por fatores derivados do plasmodium ou administração venosa de quinino 7. Acidose láctica ● Causada por: oferta reduzida de oxigênio aos tecidos, produção de lactato pela glicólise anaeróbica pelos parasitas, redução do fluxo hepático, indução da produção de lactato pelo TNF-alfa 8. Outras complicações ● Coagulação intravascular disseminada e sepse Malária por P. malariae ● Febre quartã ● No Brasil, são raras ● Período de incubação de 30 a 40 dias ● Quadro clínico semelhante ao P. vivax porém com acessos maláricos a cada 72h → “febre quartã” ● Com recrudescência semelhante à malária falciparum ● Pior complicação: síndrome nefrótica MALÁRIA EM GESTANTES ● Causa abortamento, morte neonatal, parto prematuro e baixo peso ao nascimento ● P. falciparum: sequestro eritrocitário da placenta → insuficiência uteroplacentária ● Risco pequeno de transmissão congênita MALÁRIA CRÔNICA ● Fraqueza, surtos intermitentes de febre, anemia intensa, icterícia leve e hepatoesplenomegalia ● A lesão hepática não evolui para cirrose ou fibrose hepática SÍNDROME DA ESPLENOMEGALIA TROPICAL ● Ou “síndrome da malária hiper-reativa” ● Acomete geralmente adulto jovem, raça negra ● Volumosa hepatoesplenomegalia, anemia e sintomas gerais ● Hiperesplenismo → pancitopenia no hemograma ● Hipoalbuminemia com hipergamaglobulinemia (semelhante ao calazar) ● Diagnóstico diferencial: síndrome mieloproliferativas, linfoproliferativas, calazar, esquistossomose. ● Aumento de suscetibilidade às infecções → risco de sepse Critérios para diagnóstico ● Esplenomegalia volumosa ● Hipergamaglobulinemia acentuada ● Altos títulos de anticorpos circulantes ● Infiltração linfocitária sinusoidal hepática ● Hiperesplenismo acentuado DIAGNÓSTICO ● Confirmado pela hematoscopia: esfregaço ou gota espessa ● Pode ser utilizado também imunotestes rápidos, testes moleculares (PCR) ● Diagnóstico diferencial: deve ser feito com outras síndromes febris TRATAMENTO P. vivax, P. ovale e P. malariae ● Cloroquina VO por 3 dias + primaquina VO por 7 dias Cloroquina ● Adultos: cloroquina 25 mg/kg como dose total no transcorrer de 3 dias ● Bem tolerada e pode ser utilizada em gestantes Primaquina ● Combate recaídas (hipnozoítas) ● Dose de 0,50 mg/kg de peso, diariamente, durante 7 dias ● Contraindicado para gestantes e crianças com menos de 6 meses de idade OBS: não é utilizado a primaquina em caso de P. malariae P. falciparum Forma não grave ● Primeira escolha: artemeter + lumefantrina VO por 3 dias + primaquina dose única no primeiro dia OU artesunato + mefloquina VO por 3 dias + primaquina dose única no primeiro dia ● Segunda escolha: quinina VO por 3 dias + clindamicina VO por 5 dias + primaquina VO dose única no 1° dia Forma grave ● Primeira escolha: derivados da artemisinina - Artesunato IV por 6 dias + clindamicina IV por 7 dias OU artemeter IM por 5 dias + clindamicina IV por 7 dias ● Segunda escolha: quinina EV associada a clindamicina EV - Dose de ataque de 20 mg/kg de dicloridrato de quinina, diluída em 10 ml/kg de solução glicosada a 5% por infusão EV durante 4 horas. - Dose de manutenção (8h depois): 10 mg de sal/kg, diluídos em 10 ml de SG 5%/kg durante 4 horas - A clindamicina é feita na dose de 20 mg/kg/dia, endovenosa, diluída em solução glicosada a 5% (1,5 ml/kg de peso), infundida gota a gota, em uma hora, durante sete dias. ● Tratamento de suporte: reposição de glicose, hemotransfusão em caso de anemia, hidratação venosa, diálise e hemodiálise, ventilação mecânica... PROFILAXIA ● Combate ao mosquito transmissor ● Medidas que reduzem a exposição à picada do mosquito ● Quimioprofilaxia: indicada apenas em situações específicas → risco de adoecer de malária grave superior ao risco de eventos adversos graves - Cloroquina (5 mg/kg até 300 mg 1x por semana), mefloquina (5 mg/kg até 250 mg 1x por semana) e doxiciclina 100 mg/dia - Começar uma semana antes de viagem para área endêmica e manter até quatro semana após a saída da área endemica.
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