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Medicina UniFTC | 5° Semestre 1 Perda de fluidos e eletrólitos nas fezes, que, ultrapassando 14 dias, define-se como diarreia crônica quando não associada a infecção pregressa e, quando associada a infecção é denominada persistente. Definida pela perda entérica fecal de pelo menos 10g/kg/dia em lactentes e 200g/kg/dia crianças maiores, pelo prazo ≥ 14d. a frequência geralmente é ≥ 3 dejeções/dia. ETIOLOGIA Depende da idade de início, estado nutricional, condições ambientais e doenças associadas. Nos países em desenvolvimento doença diarreica está relacionada a 13,2% dos óbitos na infância. Em países desenvolvidos, as causas estão relacionadas a alterações imunológicas, inflamatórias e doenças geneticamente determinadas. FISIOPATOLOGIA Pode ser osmótico, secretor ou misto. O componente secretor caracteriza-se pelo fluxo ativo de eletrólitos e água em direção ao lúmen intestinal, resultantes da inibição de absorção neutra da NaCl nos vilos dos enterócitos e aumento da secreção de cloreto nas criptas. A secreção eletrogênica é estimulada pelas enterotoxinas das bactérias patogênicas, citocinas e substâncias endógenas endócrinas que resultam em aumento de AMPc, GMPc ou cálcio citosólico. A osmótica é causada por nutrientes não absorvidos no lúmen intestinal decorrente de dano intestinal (infecções), redução da superfície absortiva (doença celíaca), redução de enzima digestiva (int. a lactose), aumento da velocidade do trânsito intestinal e sobrecarga osmolar. A inflamação decorre da liberação de citocina, que estimulam a secreção, aumentando a permeabilidade do epitélio e adsorção de proteínas heterólogas, deflagração de imunomediação, aumento da motilidade e extravasamento de proteínas para o lúmen. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS INFECÇÕES A E. coli enteroaderente, variante enteroagregativa e o Criptosporidium parvum são muitas vezes determinantes de diarreia crônica pós-infecção aguda. As parasitoses são responsáveis por processos disabsortivos em áreas endêmicas. E protozoários como a Giardia, podem causar diarreia crônica mesmo em imunocompetentes. Crianças desnutridas, imunodeprimidas primarias e portadoras de HIV podem não autolimitar infecções entéricas. As síndromes pós-enterites apresentam-se com diarreia grave em razão ao dano á mucosa, sensibilização contra proteínas heterólogas da dieta, desequilíbrio da flora e excesso de secreção de enterotoxinas. O sobrecrescimento bacteriano promove desconjugação e desidroxilação de sais biliares, além de hidroxilação de ácidos graxos com efeito catártico sobre a mucosa intestinal. RESPOSTA IMUNE ANORMAL A doença celíaca ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, após exposição ao glúten. As crianças de baixo grupo etário apresentam, com mais frequência diarreia crônica e má absorção, enquanto em outras faixas predominam casos oligossintomáticos ou atípicos. Medicina UniFTC | 5° Semestre 2 A doença inflamatória intestinal crônica (DIIC) compreende a retocolite ulcerativa, doença de Crohn e colite indeterminada. Os sintomas cardinais são dores abdominais intermitente, cólicas, diarreia crônica e evacuações mucossanguinolentas. 10% dos casos iniciam-se antes dos 10 anos (difícil reconhecimento). Enteropatia alérgica resulta de resposta anormal à proteína alimentar, sendo o leite de vaca o alérgeno predominante. A diarreia é com ou sem sangue, a anemia e inapetência estão presentes. Nos primeiros meses de vida as reações são não IgE mediadas, de difícil reconhecimento, pois não há comprovação laboratorial. As IgE mediadas tendem a determinar sintomas cutâneos e respiratórios sendo confirmadas por anticorpos ou teste cutâneo de puntura. A colite microscópica e colite colagenosa são raras na infância e com quadro de diarreia volumosa, aquosa, sem sangue. As enteropatias autoimunes são arras, complexas terapeuticamente. A diarreia crônica pode ser isolada ou associada a DM tipo 1, como parte da síndrome IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia, enteropatia e alterações no cromossomo X). Determinada por mutações no gene FOXP3. Quadro grave, com diarreia crônica, dermatite, tireoidite e DM. DIARREIA COLERÉTICA Acontece em pacientes com má absorção de ácidos biliares. O íleo terminal apresenta processo inflamatório extenso e grave, como em casos de intestino curto. Os sais biliares não são completamente absorvidos, excedendo a capacidade absortiva do íleo distal, que acarreta uma diarreia secretora. MÁ ABSORÇÃO DO CARBOIDRATO A mais comum é a intolerância a lactose, pela redução da atividade lactásica nas microvilosidades intestinais, que inicia, majoritariamente, a partir da faixa etária escolar, com 20% dos casos pré-escolares. O gene responsável está no cromossomo 2 (2q 21- 22), pelas mutações C/T-13910 e G/A-22018. A IL pode ser adquirida, relacionada lesões da mucosa do ID, secundarias a gastroenterites, que com as lesões, ocorre redução significativa da concentração de lactase. A lactose não completamente hidrolisada é fermentada pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butiratos e gases voláteis. As fezes são acidas e provocam assaduras de difícil controle em lactentes. Em casos raros, há diarreia osmolar por déficit da enzima sacarase- isomaltase, após ingesta de sucos açucarados. MÁ ABSORÇÃO PROTEICA Sinais e sintomas relacionados à hipoalbuminemia e redução das imunoglobulinas. Nos casos de evolução crônica, o edema pode ocorrer. São comuns perdas proteicas, na doença celíaca, na DIIC e enteropatias alérgicas. A linfangiectasia primária representa uma causa rara de perda proteica fecal. MÁ ABSORÇÃO DE GORDURA Fezes volumosas, com aspecto brilhante, odor pútrido que boiam no vaso caracterizam a esteatorreia (geralmente observada na fibrose cística). A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. Ao nascimento o íleo meconial pode ser uma manifestação. Na alfabetalipoproteinemia, não há formação dos quilomícrons necessários para a absorção das vitaminas lipossolúveis. Sintomas neurológicos podem estar presentes devido a deficiência de vitE. A doença de retenção de quilomícrons acarreta má absorção de gordura, desnutrição e diarreia crônica, geralmente acompanhada de alterações hematológicas (as hemácias assumem aspecto espiculado). ALTERAÇÕES DE MOTILIDADE A doença de Hirschsprung caracteriza-se por distensão abdominal e extrema dificuldade evacuatória decorrente da ausência dos gânglios mioentéricos. As crises de distensão são seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. A pseudo-obstrução intestinal crônica é rara determinante de distensão crônica das alças intestinais, retardo do trânsito colônico e surtos de diarreia devido ao sobrecrescimento bacteriano no intestino. A diarreia crônica inespecífico é tida como entidade funcional, comum em crianças. A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há inflamação em curso ou déficit de absorção. não há anorexia e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, as vezes liquidas contendo restos alimentares. Medicina UniFTC | 5° Semestre 3 DEFEITOS ESTRUTURAIS DOS ENTERÓCITOS As diarreias são de caráter grave, tendo início nos primeiros dias de vida. Na doença de inclusão microvilositária, há formação de vacúolos nos enterócitos, alteração do bordo em escova e desarranjo da arquitetura das microvilosidades. Na enteropatia em tufos (displasia epitelial intestinal), o acometimento é na estrutura da membrana basal dos enterócitos que apresentam anomalias na composição da lamilina e proteoglicano, acarretando perda da função absortiva. Os defeitos congênitos de transporte de eletrólitos são raros e incluem diarreia perdedorade cloro/sódio. A mutação no transportados de cloro determina a ausência de troca Cl/HCO, com alcalose metabólica e acidificação do teor intestinal. Diarreias osmolares podem ocorrer nos primeiros dias de vida em decorrência de mutações no transportador de glicose/sódio. A diarreia é causada pela ingesta de lactose, glicose ou galactose, cessando com a interrupção da ingestão. Na deficiência congênita de sacarase-isomaltase, os lactentes não apresentam diarreia quando ingerem leite humano ou fórmulas lácteas. TUMORES NEUROENDÓCRINOS O gastrinoma (Síndrome de Sollinger-Ellison) caracteriza-se pelo aumento da secreção de gastrina, hipersecreção ácida, decorrente do aumento da motilidade. Há raros casos de VIPomas, ganglineuroma ou ganglioneuroblastomas, tumores neuroendócrinos que determinam diarreia profusa. Algumas crianças portadoras de mastocitose cutânea apresentam dores abdominais, diarreia por hipersecreção de histamina, aumento de secreção gástrica e hipermotilidade. DX IDADE Má absorção de gorduras, com ou sem quadro respiratório associado indica possibilidade de fibrose cística. Entre 1 e 3 anos de idade, a diarreia crônica, a distensão abdominal e a desnutrição exigem triagem para doença celíaca. Em faixas etárias maiores, as diarreias, dores abdominais e febres intermitentes devem levantar suspeita de doença inflamatória intestinal crônica. A hipótese de alergia alimentar também deve ser lembrada. CARACTERÍSTICA DAS EVACUAÇÕES N°, consistência, aspecto, presença de muco pus ou sangue. Quando o acometimento é de ID, as fezes são volumosas e mais claras. A presença de muco/sangue vem das afecções do colo (infecção, parasitas, alergias, inflamação). Fezes líquidas, volumosas e de odor ácido são frequentes nas diarreias osmolares, por má absorção de carboidratos. Fezes oleosas, claras, volumosas e de odor pútrido são características de esteatorreia (comuns na FC ou DC). ESTADO NUTRICIONAL Fundamental, pois dimensiona o pediatra e a ocorrência de má absorção e a sua cronicidade. O comprometimento dos parâmetros peso/idade e altura/idade é um alerta. O peso é afetado antes da altura. Marcadores como a albumina (abaixo de 3,0g/dL em casos moderados/graves) podem mensurar a desnutrição. A avaliação corpórea deve ser obtidas pela medida da circunferência do braço e espessura das dobras cutâneas do tríceps. As mensurações de massa gorda e magra podem ser tomadas a partir da análise de impedância bioelétrica ou absortometria de dupla emissão de raios x (DEXA). SINAIS E SINTOMAS ASSOCIADOS Nas intolerâncias há vômitos após a ingesta de proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido. A distensão abdominal gasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados. A assadura perineal (por fezes ácidas) é comum em lactentes com diarreias fermentativas. Artralgias, febres e aftas de repetição podem ser indicativos de DIIC em crianças maiores e adolescentes. TESTES PARA AVALIAÇÃO DE FUNÇÃO DIGESTIVO-ABSORTIVA PANCREÁTICA E INFLAMATÓRIA A má absorção de carboidrato pode ser avaliada pela presença de substâncias redutoras nas fezes após a ingestão do substrato. As fezes devem ser recém-emitidas, e observa-se mudança do padrão de cor pelo teste utilizado, denotando a presença do açúcar não absorvido. Medicina UniFTC | 5° Semestre 4 Também se utiliza provas de sobrecarga dos dissacarídios, na dose 2g/kg em solução aquosa ou 1g/kg nos casos de monossacarídios. A concentração de hidrogênio no ar foi expirado por cromatografia indica se o carboidrato foi absorvido. Quando ocorre má absorção, a fermentação pelas bactérias colônicas produz gases voláteis que aumentam a [H] em pelo menos 10 ppm. Picos de H² no ar expirado em tempos precoces indicam sobrecrescimento bacteriano no ID. A má absorção é testada pela presença de valores elevados pelo esteatócrito ou método de Sudam III fecal. Teste quantitativo, como dosagem de gordura em fezes de 72h (difícil execução). A alfa-1-antitripsina em níveis elevados decorrem da exsudação de proteína para luz intestinal, presente em processos inflamatórios e/ou doenças mal absortivas. Quimiotripsina nas fezes indica atividade proteolítica presente, e níveis baixos relacionam-se com falta de atividade pancreática. A presença de sangue oculto/leucócitos nas fezes são indicativos de ocorrência de processo inflamatório. A calprotectina fecal eleva-se quando há processo inflamatório agudo em curso, com participação de neutrófilos no infiltrado, se em concentração elevada, orienta- se a realização de colonoscopia. MARCADORES SOROLÓGICOS NÃO INVASIVOS Para a doença celíaca, a dosagem de anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio, com sensibilidade e especificidade superior a 95%, representou um avanço para a detecção diagnóstica. Marcadores como p-ANCA para diagnóstico de RCUI e ASCA (anti- Saccharomyces cerevisiae) para a doença de Crohn demonstram sensibilidade ao redor de 60- 70% e especificidade >90%. A prova da absorção da D-xilose, utilizada para observar integridade da mucosa intestinal nas enteropatias, é pouco utilizada. IMAGEM A USG abdominal tem sido útil por não representar método invasivo e não utilizar irradiação. Pode observar espessamento da parede intestinal e o Doppler, sugere áreas com envolvimento inflamatório. A enterotomografia e a enterorressonância magnética do abdome têm permitido localizar coleções, observar espessamento da parede intestinal, detectar fístulas entéricas e observar áreas de estenose ou subestenose. ABORDAGEM TERAPÊUTICA Medidas de suporte e recuperação nutricional devem ser instituídas. A correção adicional do equilíbrio acidobásico e dos eletrólitos é mandatória. A instalação de dieta enteral que forneça pelo menos 50% das necessidades calóricas é importante no sentido de estabilizar as perdas pelo catabolismo. Em crianças com algum grau de esteatorreia, a dieta enteral deve contemplar gordura composta de triglicérides de cadeia média. A fórmula deve ser livre de lactose e sacarose , contendo maltodextrina e polímeros de glicose de fácil absorção. Em casos mais graves, dietas semielementares com proteína hidrolisa facilitam o trabalho digestivo/absortivo. Algumas situações necessitam de fórmula a base de aminoácidos. Nesses casos a dieta enteral deve ser via sonda ou gastrostomia, em gotejamento contínuo (o que otimiza o tempo absortivo). Se houver persistência, suspender a dieta enteral e empregar a nutrição parenteral. A suplementação da vitaminas e oligoelementos deve ser prescrita. O zinco é importante para o sistema imune. Drogas antimicrobianas podem combater sobrecrescimento bacteriano ou controlar infecções entéricas. O arsenal terapêutico inclui metronidazol, nitaxozanida, albendazol e sulfametoxazol-trimetroprima. Quando comprovada a diarreia secretora com perdas elevadas, o emprego de rececadotrila (inibidor da encefalinase), pode diminuir o fluxo de ions. Na síndrome do intestino curto, o GH promove efeito trópico no epitélio remanescente, podendo melhorar a condição absortiva. Quando não houver alternativas, a nutrição parenteral prolongada e o transplante intestinal devem ser considerados. Medicina UniFTC | 5° Semestre 5
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