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Diarreia crônica A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10 g/kg/dia em lactentes e 200 g/dia para crianças maiores, pelo prazo superior a 14 dias de duração. A frequência evacuatória, em geral, é superior a 3 dejeções/dia. Considera-se diarreia crônica quando ultrapassa 14 dias. Alguns autores nomeiam diarreia crônica quando passa de 14 dias e não é associada à infecção pregressa, sendo que os casos de diarreia que persistem por mais de 14 dias e são de etiologia infecciosa recebem o nome de diarreia persistente. Nesse resumo usei o tratado de pediatria 4°ed da sociedade brasileira de pediatria e eles não diferenciaram diarreia a crônica da persistente. Os mecanismos determinantes de diarreia podem ser: osmótico, secretor ou misto. O componente secretor caracteriza-se pelo fluxo ativo de eletrólitos e água em direção ao lúmen intestinal, resultantes da inibição de absorção neutra de NaCl nos vilos dos enterócitos e aumento da secreção de cloreto nas células das criptas. A secreção eletrogênica é estimulada basicamente pelas enterotoxinas produzidas por bactérias patogênicas, citocinas inflamatórias e substâncias endógenas endócrinas que resultam em aumento da concentração de monofosfato de adenosina (AMP) cíclico, monofosfato de guanosina (GMP) cíclico e/ou cálcio citosólico. A diarreia osmótica é causada por nutrientes não absorvidos no lúmen intestinal decorrentes dos seguintes mecanismos: dano intestinal (infecções entéricas), redução da superfície absortiva (doença celíaca), redução de enzima digestiva (déficit de lactase), aumento da velocidade do trânsito intestinal e sobrecarga osmolar. No que diz respeito as diarreias crônicas causadas por agentes infecciosos, tem particular importância a Escherichia coli enteroaderente, o Criptosporidium parvum e o protozoário Giardia lamblia. Cabe estabelecer que crianças desnutridas, imunodeficientes primárias e portadoras de HIV podem não autolimitar infecções entéricas por protozoários, como Cryptosporidium, Cyclospora, Isospora e estrongiloides. As síndromes pós-enterites apresentam-se com diarreia grave em razão do dano à mucosa intestinal, sensibilização contra proteínas heterólogas da dieta alimentar, desequilíbrio da microflora e excesso de secreção de enterotoxinas. Quanto às diarreias crônicas causadas por resposta imune anormal, tem-se a doença celíaca, que consiste na intolerância ao glúten e pode cursar com diarreia crônica e má absorção em pacientes de menor faixa etária. Outra patologia é a doença inflamatória intestinal crônica (DIIC), que compreende a retocolite ulcerativa, a doença de Crohn e a colite indeterminada. Os sintomas cardinais são dores abdominais de cará- ter intermitente, cólicas, diarreia crônica e evacuações mucossanguinolentas. Existe, ainda, a enteropatia alérgica acompanhada ou não de colite, patologia resultante de resposta anormal à proteína alimentar, sendo o leite de vaca o alérgeno predominante. A diarreia, com ou sem sangue, a anemia e a inapetência estão presentes. Ademais, nessa sequência de causas imunes de diarreia crônica tem-se as enteropatias autoimunes. São entidades raras, complexas e de manuseio terapêutico, a diarreia crônica pode ser isolada ou associada ao diabete melito tipo I, como parte da síndrome IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia, enteropatia e alterações no cromossomo X). A doença é determinada por mutações no gene FOXP3. O quadro clínico é grave, compreendendo diarreia crônica, dermatite, tireoidite e diabete melito. Também podem causar diarreia crônica as diarreias coleréticas, que ocorrem nos pacientes com má absorção de ácidos biliares, uma vez que os sais biliares não completamente absorvidos excedem a capacidade absortiva do íleo distal, causando diarreia de caráter secretor. A intolerância alimentar é outra causa de diarreia crônica, sendo mais comum a intolerância a lactose. Nesses casos ocorre redução da atividade lactásica (da enzima lactase) nas microvilosidades do epitélio intestinal, podendo ser de origem genética ou uma consequência de lesões à mucosa do intestino causadas por gastroenterites aguda e persistente. As gastrenterites podem lesar o epitélio intestinal e com isso promover a redução da enzima lactase, de modo que a lactose do leite não é digerida, passa por fermentação pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butirato e gases voláteis, nesse problema as fezes são ácidas e provocam em lactentes assaduras de difícil controle. Fezes volumosas, de aspecto brilhante, odor pútrido e que boiam no vaso sanitário caracterizam a esteatorreia, frequentemente observada na fibrose cística. A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. Outra possibilidade de diarreia crônica seria a doença de Hirschsprung, que é caracterizada por distensão abdominal e extrema dificuldade evacuatória decorrente da ausência dos gânglios mioentéricos. Nesses pacientes, são comumente observadas crises de distensão abdominal seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. A diarreia crônica inespecífica é tida como entidade funcional, comum em crianças de baixo grupo etário. A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há processo inflamatório em curso ou déficit de absorção. O apetite está preservado e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, por vezes líquidas e frequentemente contém restos alimentares. Quando a diarreia começa logo nos primeiros dias de vida e é grave, podemos pensar ainda em defeitos estruturais dos enterócitos. Por fim, uma possibilidade é o tumor neuroendócrino. Nesse sentido, o gastrinoma (síndrome de Zollinger-Ellison) caracteriza-se pelo aumento da secreção de gastrina, hipersecreção ácida, úlcera péptica e diarreia crônica decorrente do aumento da motilidade. No diagnóstico da diarreia crônica é preciso investigar o paciente e seu ambiente de convívio para entender quais as possibilidades etiológicas e solicitar exames de imagem e laboratoriais já direcionados para as suspeitas diagnósticas. Assim, cabe questionar e pensar sobre: Idade - as diarreias congênitas determinam perda hídrica considerável nos primeiros dias de vida e, em geral, são de herança autossômica recessiva; má absorção de gorduras, com ou sem quadro respiratório associado indica possibilidade de fibrose cística; em famílias atópicas, a possibilidade de alergia alimentar sempre deve ser lembrada; entre 1 e 3 anos de idade, a diarreia crônica, a distensão abdominal e a desnutrição exigem triagem para doença celíaca; em faixas etárias maiores, as diarreias, dores abdominais e febres intermitentes devem levantar suspeita de doença inflamatória intestinal crônica Características das evacuações - quando o acometimento é de intestino delgado, as fezes podem ser volumosas e de aspecto mais claro; a presença de muco e sangue provém das afecções do colo, podendo ser decorrente de processos infecciosos, parasitários, alérgicos ou inflamatórios; Fezes líquidas, volumosas e de odor ácido são frequentes nas diarreias osmolares, por má absorção de carboidratos;Fezes oleosas, claras, volumosas e de odor pútrido são características de esteatorreia, comuns na fibrose cística ou na doença celíaca Estado nutricional – o comprometimento dos parâmetros de peso/idade e altura/idade alerta para processos instalados de longa duração; marcadores bioquímicos podem auxiliar na determinação do grau de desnutrição e indicar o tipo de abordagem terapêutica e nutricional a ser tomado: -a albumina sérica está abaixo de 3,0 g/dL nos casos de desnutrição moderada ou grave Sinais e sintomas - nas intolerâncias alimentares, é comum a ocorrência de vômitos após ingestão da proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido, a distensão abdominalgasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados nos casos de intolerância a lactose; assadura perineal, denotando emissão de fezes ácidas, é comum em lactentes com diarreias fermentativas; artralgias, febre e aftas de repetição podem ser indicativos de doença inflamatória intestinal crônica em crianças maiores e adolescentes Existem alguns testes possíveis de ser feitos para identificar possíveis falhas na função do trato intestinal: -Para identificar a existência de carboidratos nas fezes (indicando uma má- absorção), pode-se usar o Clinitest, que usa como parâmetro a mudança do padrão de cor das fezes -prova de sobrecarga de dissacarídeos é outra possibilidade para checar má absorção, uma vez que a pessoa ingere o carboidrato e depois mede-se a glicemia seriada -a concentração de hidrogênio no ar expirado por cromatografia indica igualmente se o carboidrato foi plenamente absorvido, quando ocorre má absorção, a fermentação pelas bactérias colônicas produz gases voláteis que aumentam a concentração de hidrogênio -na suspeita de má absorção de gordura pode-se realizar teste de quantidade de gordura nas fezes - presença de sangue oculto e leucócitos nas fezes são indicativos de ocorrência de processo inflamatório do intestino -calprotectina fecal eleva-se quando há processo inflamatório agudo em curso, com participação de neutrófilos no infiltrado, é um marcador que, em concentração elevada, orienta para realização de colonoscopia Pode-se resumir esses parâmetros de função intestinal no seguinte quadro: Existem ainda métodos sorológicos que podem fechar diagnóstico. Utiliza-se a do-sagem de anticorpos antitransglutaminase e antiendomísio para indicar doença celíaca e ASCA (anticorpo anti-Saccharomyces cerevisiae) para doença de Crohn.] Com relação a abordagem terapêutica, medidas de suporte e recuperação nutricional devem ser rapidamente instituídas. A instalação de dieta enteral que forneça pelo menos 50% das necessidades calóricas é importante no sentido de estabilizar as perdas pelo catabolismo. Trata a diarreia crônica de acordo com a causa, mas pode-se utilizar, por exemplo, suplementação de vitaminas (principalmente zinco que ajuda na absorção de nutrientes), drogas antimicrobianas e racecadotrila em caso de diarreia secretora.
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