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GUAZZELLI - A Revolução Chilena e a ditadura militar

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A América Latina iniciou os anos 70 marcados pela presença de ditaduras militares em diversos países. Uma das poucas nações que mantinha as instituições democráticas de governo era o Chile, que vivenciou um dos mais notáveis processos históricos ocorridos nesta década, que foi assim chamada ‘’via chilena’’ para o socialismo. A vitória da Unidade Popular nas eleições presidenciais de 4 de setembro de 1970 deu início a um processo original de transformações sociais visando o socialismo, caracterizado pelo forte engajamento popular ao projeto, pela preservação das instituições democráticas burguesas e acatamento das decisões que delas emanavam, e pelo boicote permanente dos setores dominantes e do imperialismo, que redundaria num verdadeiro banho de sangue, inaugurando uma das mais ferozes ditadura de que se tem notícia.
1970: A Vitória da Unidade Popular
A vitória nas eleições presidenciais do candidato socialista Salvador Allende deveu-se a uma conjuntura muito específica, onde os grupos dominantes chilenos apresentaram-se divididos no enfrentamento com as forças da esquerda. De um lado, o Partido Nacional, que resultara na fusão dos velhos partidos Conservador e Liberal. Sua criação em 1966 deveu-se ao impacto da Democracia Cristã, cujas propostas mais ‘’modernas’’ haviam atraído grande parte do eleitorado chileno, que colocou Eduardo Frei na presidência nas eleições de 1964. O Partido Nacional defendia posturas mais conservadoras, representando a tradicional oligarquia fundiária, setores financeiros e a burguesia associada ao capital monopólico. 
De outro lado, o Partido Democrata Cristão, formado em 1957 pela fusão da Falange Nacional – um abandono voluntário do Partido Conservador de corte fascista ocorrida em 1938 – com outra dissidência do Partido Conservador que adotara os princípios do cristianismo social proclamados pela Democracia Cristã em diversos países da Europa. Seu caráter reformista moderado, propondo-se ao atendimento de algumas demandas populares, garantira-lhe um expressivo crescimento nos anos 60. O governo Frei que se encerrava havia proposto algumas medidas de cunho social; um controle mais rigoroso do setor financeiro; a ampliação do mercado interno e uma tímida reforma agrária, o que fazia a Democracia Cristã irreconciliável com o Partido Nacional nas eleições de 1970. Nas eleições de 1964, a direita optou pelo apoio à ‘’Revolução em Liberdade’’, como o candidato democrata cristão Eduardo Frei definia seu programa. No campo apresentava uma breve reforma agrária; foi reconhecido o direito de organização e greve 
para os trabalhadores rurais; possibilidade de expropriação das terras improdutivas estimulando a modernização; nos centros urbanos, a tônica da Democracia Cristã era um programa habitacional; De alguma forma, o governo Frei adaptava o Chile aos preceitos da Aliança para o Progresso, formulado em 1961, pelo presidente americano John Kennedy visando conter os avanços da esquerda. No entanto, a ‘’Revolução em liberdade’’ frustrou as expectativas da maior parte dos atores sociais envolvidos no processo. A melhora na organização dos camponeses proporcionada por Frei desencadeou forte oposição dos setores oligárquicos mais tradicionais, que viam nas reformas da DC um incentivo às lutas camponesas. Ao final do governo, o Partido Democrata Cristão estava totalmente isolado do Partido Nacional.
Já no campo da esquerda, organizava-se a Unidade Popular como um amplo leque de alianças de grande colisão interna, com hegemonia do proletariado que se representava pelos partidos Comunista e Socialista de larga trajetória política do Chile. O movimento operário do Chile era um dos mais antigos e organizados da América Latina. O Partido Operário Socialista foi fundado em 1912 e, em 1922, filiou-se como secção chilena à Terceira Internacional com o nome de Partido Comunista. De acordo com esta adesão, até 1933 o partido manteve uma posição marxista-leninista radicalizada, evitando aproximação com outras forças políticas; O Partido Socialista foi fundado em 1933, a partir de diversos pequenos grupos, que não concordavam com as interpretações da Internacional Comunista para a realidade latino-americana. Uma condição importante para os socialistas era o seu intransigente respeito às instituições, e o legalismo político eram tão importantes quanto às reivindicações de natureza econômica. A partir do final da década de 50, aparecem sempre aliados aos Comunistas, portanto, era os principais esteios da Unidade Popular, conferindo a esta o caráter de representação do proletário. 
Outros componentes da Unidade Popular eram o Partido Radical, fundado em 1863; O Partido Social Democrático; o Movimento de Ação Popular Unitário (MAPU); O Movimento de Esquerda Revolucionário (MIR), que apoiou com reservas a ascensão da Unidade Popular ao poder. O MIR desenvolveu uma estratégia a partir de uma política revolucionária, estimulando as ações diretas, e colocando-se como uma alternativa a UP. Por outro lado, a formação de frentes populares já tinha uma trajetória sólida na história política chilena. A crise de 1929 ampliou as aberturas por onde cresceram os movimentos populares. Em consequência da depressão do setor exportador causada pela crise, se desenvolveu no Chile a industrialização de substituição da importação, reforçando a importância dos trabalhadores e colocando as oligarquias fundiárias tradicionais na defensiva, clamando sempre pela manutenção da velha ordem. Essa polarização política resultou na aliança dos partidos proletários – elegendo em 1938 o representante da Frente Popular: Pedro Aguirre Cerdas; em 1948, Gonzáles Videla, também eleito pela Frente passou a reprimir o movimento operário e terminou por colocar o Partido Comunista na ilegalidade. 
Nos anos 50, apesar destes reveses, o movimento operário urbano aumenta paralelamente ao crescimento do setor industrial, e um dos resultados deste processo foi a fundação, em 1953, da Central Única de Trabalhadores (CUT). Nas eleições de 1958, o candidato da Frente de Ação Popular, o socialista Salvador Allende, perderia para o candidato conservador. Nota-se, no entanto, que a Unidade Popular tinha, portanto, não apenas partidos de sólida presença no cenário político chileno, como também a herança de uma prática bem-sucedida destes partidos na formação de frentes partidárias, onde predominava o pensamento da esquerda. Sendo assim, nas eleições de 4 de setembro de 1970, o candidato socialista da Unidade Popular, Salvador Allende, alcança a vitória por escassa margem: 36,3% dos votos, contra 34,9% do Partido Nacional. Como não obteve a maioria simples, sua posse esteve condicionada a uma eleição pelo Congresso Nacional. Logo após as eleições iniciaram as campanhas golpistas para impedir a posse de Allende. Além dos grupos dominantes chilenos, o imperialismo norte-americano envolveu-se firmemente numa intensa propaganda sobre os perigos de um governo de orientação marxista no Chile.
As forças militares chilenas alardeavam, então, uma tradição constitucionalista que as tornava distante distantes das disputas partidárias, o que não pode afiançar na história do Chile. Desde o século XIX, muito mais que um papel arbitral, os militares chilenos estiveram envolvidos em diversos episódios políticos, sempre favoravelmente aos interesses das oligarquias e do imperialismo. De toda sorte, por quase quatro décadas não houvera participação dos militares nas disputas políticas chilenas, o que reforçava essa propalada tradição civilista do país. Além disto, o comandante do exército havia reiterado diversas vezes durante a campanha eleitoral que o resultado das urnas seria respeitado. Essa atitude resultou em um ataque de um grupo terrorista de extrema-direita, onde foi assassinado e no seu lugar assumiria o general Carlos Pratts, ele também um militar constitucionalista. 
Em 24 de outubro o Congresso ratificou a posse de Salvador Allende, não antes da Unidade Popular, alegadamente para evitar a instauração de um ‘’regime totalitário’’. O cumprimento zelosodesta convenção seria uma marca distinta do governo de Allende, que jamais se afastaria do respeito às leis e às instituições. De qualquer forma, isto condicionou uma dependência preocupante e decisiva do poder Executivo, ocupado pela Unidade Popular, em relação ao poder Legislativo, onde a oposição era a maioria, e ao poder Judiciário, cuja Suprema Corte era identificado com os partidos da burguesia. Esses dois poderes (Legislativo e Judiciário), além da Procuradoria Geral da República, trataram de minar as iniciativas do governo Allende desde o inicio. 
Ainda em outubro de 1970, somou-se ao intento golpista uma série de sabotagens econômicas que procuravam criar um clima caótico para o governo que assumia, alertando para os riscos que assumiria o país sob o projeto de transformações sociais da Unidade Popular. As atitudes eram justificadas como consequências diretas dos temores que os empresários e produtores ressentiam de uma proposta socialista para o Chile. 
1971: A Unidade Popular implementa seu programa.
Apesar disso, o governo Allende desde seu inicio tomou medidas de grande impacto político e social. Das mais significativas foi a nacionalização das riquezas minerais, em especial o cobre, principal produto de exportação do Chile. O Congresso, mesmo com a representação majoritária dos partidos conservadores, foi constrangido a autorizar as alterações constitucionais que permitiam a nacionalização devido à grande repercussão popular. A intervenção no setor fundiário também foi forte, tendo em poucos meses sido desapropriado mais que o dobro das terras do período Frei. Houve ainda a estatização dos bancos e de alguns setores industriais. A Unidade Popular, apoiando em bases sociais onde era hegemônico o proletário, procurou desde sua posição no Executivo gerar as condições para transição ao socialismo. Nesse sentido, propunha-se o governo Allende a atacar os principais inimigos, atacando o imperialismo e o capital monopólico, através de programas de socializações – como se referia as nacionalizações – e o latifúndio tradicional, aprofundando o programa de reforma agrária que havia sido desencadeado pela Democracia Cristã. O estímulo ao mercado interno atrairia, por sua vez, setores médios da burguesia, isolando os principais adversários da Unidade Popular. Por outro lado, a política social de inclusão de amplos setores, deveria redundar numa adesão daqueles setores mais atrasados. Ainda era, portanto fundamental desenvolver a organização popular, permitindo a intervenção do proletário em todos os níveis, o que foi facilitado pela suspensão das atividades repressivas no Estado aos movimentos operários e camponeses. Importas ressaltar que não se tratava da construção do socialismo, visto que a Unidade Popular controlava apenas o Executivo. O governo, resultado de uma coalizão de forças controladas pelo proletário, implementaria as medidas facilitadoras de um processo necessário de transição. Dessa forma, a UP partia da ocupação de apenas uma parte do poder para iniciar a transição. 
Nesse sentido, a ‘’via chilena’’ para o socialismo contava com as possibilidades de que o governo Allende criasse as condições para a transição ao socialismo, aplicando uma política econômica voltada para o atendimento das demandas populares antes mesmo de mudar a própria lógica do modo de produção capitalista, seu modelo de acumulação e as relações de dependência com o capital monopolista internacional. Além disto, a preocupação em manter as ações governamentais dentro dos marcos da legalidade jurídica vigente significava contar como possível que a maioria da população viesse num futuro próximo a se expressar num Estado Burguês, ou seja, aceitando os pressupostos da ideologia liberal e seu corolário, a democracia representativa convencional. E foi justamente esta cidadela da burguesia que, ao final, trataria de impedir a ascensão do proletariado apelando para o Golpe de Estado em 1973.
A Unidade Popular, aproveitando-se de que o fracasso das tentativas golpistas haviam colocado a direita na defensiva, conseguiu em seu primeiro ano de governo implementar partes importantes do seu programa e ampliar as suas bases sociais. A recuperação da economia, tendo em sua origem um processo de redistribuição, seria feita no setor de bens de consumo popular; o processo de nacionalização e estatização dos setores monopolistas e estratégicos permitiria o controle dos setores essenciais, a recessão seria atacada pelo Estado e a estrutura produtiva deixaria de se dirigir aos consumidores de alta renda; o controle dos bancos e do comércio exterior era favorável aos setores empresariais não monopolistas. No primeiro teste político, as eleições municipais de 1971, os partidos que compunham a Unidade Popular obtiveram 51% dos votos. 
Os partidos opositores se mantinham na defensiva, e a UP seguia implementando seu programa de reformas. Uma das medidas que mais se destacou foi a nacionalização das riquezas minerais do país, que eram extraídos por empresas estrangeiras. A reforma constitucional que permitia essas propostas foi votada em julho de 1971 e dada a 
repercussão popular, não recebeu oposição no Congresso. Com essa reforma, todas as rentabilidades consideradas excessivas a partir de 1955 foram descontadas, e as empresas monopolistas que compunham o enclave mineiro passaram para o Estado Chileno, sem qualquer custo para os cofres públicos. Assim as grandes empresas norte-americanas foram expropriadas sem indenização pelo governo da UP.
Outro foco central da política econômica era a questão Agrária, pela necessidade de resolver os problemas dos trabalhadores rurais e de aumentar a produção de bens primários que eram importados pelo Chile para compensar o défice. A ampliação da Reforma Agrária visava eliminar de vez os latifúndios, substituindo-os por assentamentos baseados na propriedade coletiva da terra. Isso seria acompanhado de estímulos ao aumento da produtividade, com atuação do Estado no planejamento das atividades agrícolas. Em setembro de 1972, foram expropriadas todas as propriedades com mais de 80 hectares, beneficiando mais de 100mil famílias. 
A UP tentou também incorporar muitas empresas do setor industrial à Área de Propriedade Social. Como muitos empresários, na tentativa de sabotar as medidas governamentais haviam reduzido a produtividade de suas empresas ou mesmo encerrado, Allende utilizou mecanismos legais de intervenção e requisição nessas unidades. Era uma herança da efêmera ‘’república socialista’’ de 1931 -, o que permitia a administração delas enquanto persistissem os problemas de gerência. O passo seguinte seria a nacionalização dessas empresas, mas o veto presidencial foi derrubado por maioria simples. 
Os números do primeiro ano da UP mostram um resultado positivo, apesar das dificuldades enfrentadas. Houve um crescimento econômico e industrial, além das medidas redistributivas que deram um ganho real nos salários. A reativação industrial, no entanto, provocava um aumento nas importações, que também ocorria devido ao aumento no consumo de alimentos. Por outro lado, já se faziam notar, ao final de 1971, os efeitos da reação burguesa chilena. Havia o boicote no Congresso; boicote dos grandes empresários; o capital monopólico internacional provocava a queda no preço do cobre; e os clássicos bloqueios econômicos; Assim, no final de 1971, vislumbrava-se o ataque ao regime da UP que aconteceria no ano seguinte: aparecia o fantasma do desabastecimento, e o Estado voltava a inflação. Dessa forma podemos concluir que: ‘’Mesmo controlando o poder Executivo, a administração de um considerável número de empresas e praticamente todos os bancos, a UP jamais chegou a deter o efetivo controle da economia. E isto lhe foi fatal. ‘’ Também em dezembro começavam os atos públicos de repúdio ao governo da Unidade Popular, em geral proveniente dos bairros ricos, secundados por grupos paramilitares de extrema direita, como o grupo fascista ‘’Pátria e Liberdade’’. Essas manifestações, que eram uma iniciativa dos grupos economicamentepoderosos do país, atraíam, no entanto, setores da pequena burguesia e grupos médios urbanos, preocupados com a redução dos seus níveis de consumo. Do outro lado, o governo de Allende que tinha sido tolerado pela extrema esquerda, passou a receber também uma crescente pressão desta, especialmente pelo MIR.
1972: O Enfrentamento com a Burguesia
Ao longo de 1972 o acirramento das contradições conduzira a uma polarização no cenário político. Apesar de alguns abandonos, no caso o Partido Radical, a Unidade Popular consolidava-se um bloco de apoio ao governo. No outro campo, também com pequenas perdas, a Democracia Cristã aparava suas arestas com o Partido Nacional e solidificava a oposição a Allende. Se a situação política era tensa, a crise econômica também se agravava: o capital monopólico criava dificuldades imensas na negociação da dívida externa, suspendendo o envio de insumos, e, em especial mantendo a queda internacional do preço do cobre. Isso também resultava em uma falta de alimentos.
Do ponto de vista político, a situação mais séria era a perda que a UP progressivamente sofria, na medida em que a Democracia Cristã abandonava sua posição moderada e centrista, aproximando-se do conservador Partido Nacional e formando um verdadeiro bloco de oposição ao governo. Havia ainda um temor da direita chilena dos avanços da Área de Propriedade Social, que terminaria por confiscar os meios de produção dos pequenos empresários. Por outro lado, no setor agrícola não se havia reorganizado a produção como pretendido, tampouco ocorrera uma organização dos trabalhadores rurais que se equiparasse àquela do proletariado urbano. Assim, o problema mais grave que aparecia em 1972 era a escassez de alimentos. Os níveis de consumo haviam aumentado devido à política de salários e preços executados em 1971, e a produção agrícola não respondera adequadamente ao aumento da demanda. Porém a principal razão para o desabastecimento foi a ação dos comerciantes que esconderam e estocaram as mercadorias para vende-las no mercado negro. O governo tinha dificuldade em coibir essa prática.
O governo tentou resolver este problema através da criação das Juntas de Abastecimento e Preços (JAP), que tiveram atuação bastante efetiva, especialmente nos bairros populares. Mas as juntas foram denunciadas como demagógicas, e o Congresso determinou sua ilegalidade. A Unidade Popular batalhava para tornar o Chile autossuficiente na produção de alimentos. O Congresso também recusou as iniciativas da UP em criar outras instancias do poder, com efetiva participação do proletário. 
Em 1972, no entanto, ocorreram também radicalizações a partir dos grupos sociais que prestavam apoio a Allende. Nos cinturões industriais de Santiago, as vias públicas que concentravam muitas unidades industriais eram conhecidas como cordones; nestas áreas, os trabalhadores organizados em defesa do programa da UP constituíram os Comandos de Luta dos Trabalhadores. A ação política desses grupos foi um sustentáculo do governo de Allende. Outro ponto foi as assembleias promovidas pela MIR, que se colocava como oposição ao programa reformista da UP, com apoio regional de membros de um partido que sustentava o governo Allende, comprometia a aliança entre socialistas e comunistas e colocava em risco a solidez da Unidade. Assim, pela direita e pela esquerda o governo sofria ataques que o punham na defensiva.
Para reverter a situação, os partidos Comunistas e Socialistas mobilizaram o proletário chileno em gigantescas manifestações de apoio ao governo, deixando claro que a possibilidade de uma ação golpista poderia ter como resultado mergulhar o país numa guerra civil. Dentro da própria UP havia ambiguidades, e nesse sentido, o Ministério da Economia se propôs a vencer a crise respeitando as leis de mercado e assegurando o lucro das empresas. Estas garantias ao setor privado, no entanto, confundiram o movimento popular, sem trazer o apoio dos grupos médios urbanos, tampouco dos setores burgueses, ou seja: a interrupção da nacionalização impediu que o governo Allende assumisse o controle da economia, ao mesmo tempo em que a crise gerada pela fuga dos capitais para as atividades especulativas acentuou a direitização das classes médias. 
A inflação crescia em 1972, com índices críticos para uma economia nacional que estava próxima de esgotar suas reservas cambiais. O peso da recessão econômica recaiu sobre os menos favorecidos, e aqueles menos politizados atribuíam a responsabilidade da crise ao governo. Somando isto a uma oposição já muito grande da pequena burguesia e dos grupos médios urbanos, a tendência marcada ao longo de 1972 foi de um isolamento do proletariado. Isso não impediu é claro, uma resposta com muita energia do movimento operário. As mobilizações da direita mostravam-se claramente inferiorizadas àquelas promovidas pelas bases operárias de Unidade Popular, o que levou a uma mudança na estratégia da burguesia chilena. 
Assim, em outubro iniciaram as chamadas ‘’greves patronais’’, lock-outs que incluíram a grande e média burguesia, os caminhoneiros, os profissionais liberais, camponeses parcelares, pequenos comerciantes, entre tantos, num levantamento generalizado da propriedade contra o proletariado. Esta demonstração de que a burguesia chilena adquiria hegemonia numa aliança de classes contra o governo Allende serviu, no entanto, para unir o operariado organizado em sua defesa, impedindo que paralisassem as atividades econômicas no país; formavam-se organizações populares para controlar a produção, distribuição e circulação de alimentos e outros bem essenciais, reforçando os cordones industriais e os comandos comunais. A radicalização política alimentava temores de uma guerra civil, e a direita apelava cada vez mais para a presença militar: seja provocando ações terroristas ou até mesmo provocando o afastamento de comandantes que defendiam posturas constitucionalistas. Por sua vez, os militares constitucionalistas, cuja principal liderança era o ministro da Guerra, general Prats, alertados para esses perigos se propuseram a um papel arbitral. Criou-se assim um gabinete com participação dos militares para busca de melhores condições para negociar os términos dos lock-outs e a normalização da economia nacional. 
1973: O golpe de 11 de setembro e a ditadura militar.
A forte oposição ao governo Allende encetada pela burguesia chilena e os demais setores que formaram ao seu lado, e que eram capitalizados pelo Partido Democrata Cristão sob a liderança de Eduardo Frei, arrefeceu as ações de sabotagem contra o Programa da Unidade Popular, não apenas pela presença ‘’arbitral’’ dos militares, mas sobretudo pela proximidade com as eleições legislativas que teriam lugar em março de 1973. A grande expectativa era uma redução no percentual dos votos para a UP. Mesmo que a oposição ao Executivo tivesse contato com a maioria simples dos partidos conservadores do legislativo, além de estar solidamente ancorado no Judiciário e na Procuradoria Geral, eram necessários dois terços do Congresso para derrubar o governo Allende, e os meses iniciais de 1973 foram dedicados na campanha eleitoral com este objetivo. No entanto, para as frustrações dos opositores, nas eleições de março de 1973 os candidatos que apoiavam a Unidade Popular obtiveram 44% dos votos, ampliando em muito os 36% que em 1970 haviam elegido Allende. Este resultado, além de impedir a possibilidade legal de afastar a UP do governo, sinalizava para um fracasso da burguesia na luta política que havia desencadeado no ano anterior. 
Apesar da redução nas atividades produtivas, da escassez que gerou o mercado negro, da elevada inflação e do cerco imperialista, o proletário chileno, isolado politicamente, identificava com clareza quais eram seus inimigos e responsáveis pela crise, reforçando seu apoio a Unidade Popular. Perigosamente, entretanto, os setores conservadores davam-se conta que os ‘’meios’’ democráticos que tinham sido usados até então não poderiam interromper o processo de transição conduzido por Allende, abandonandoquaisquer veleidades legais. Reiniciariam assim as marchas de protestos e os lock-outs, os partidos conservadores no Congresso acusavam de ilegalidade as medidas governamentais, enquanto se preparava ações mais decisivas envolvendo setores golpistas. 
Nos primeiros meses de 1973, também a ultraesquerda recrudescia suas ameaças ao ‘’reformismo’’ da UP, aumentando suas ações diretas, ocupando propriedades e edifícios públicos, acentuado o discurso direitistas sobre o risco do ‘’totalitarismo’’. Em 29 de junho, este processo de radicalização levou no tancazo, quando os militares extremados cercaram o Palacio de La Moneda, sede do governo, mas foram controlados em poucas horas pela pronta intervenção do comandante Prats. Esse foi um momento decisivo: Prats e outros defensores do constitucionalismo apoiaram o afastamento desses elementos das forças armadas, enquanto Allende evitou o expurgo dos golpistas, visando um acordo com a maior parte da oficialidade, representada pelo general Augusto Pinochet, o que motivou a renúncia de Prats, e Pinochet passava a ser o ministro da Guerra. 
A partir de então as Forças Armadas retomam um papel que não haviam tido ao longo do governo Allende e, o pretenso de uma lei de controle de armas passa a realizar operações que constrangem as organizações populares que eram apoiadoras do governo. A crise final vai vir com a impossibilidade de radicalizar o processo, isolado que estava o movimento operário e agora sofrendo novamente a ação repressiva dos militares, e sem condições de negociar qualquer vantagem com a Democracia Cristã. Tudo isso levou ao cerco duramente efetuado contra a UP, quando comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica cercaram e bombardearam o Palacio da Moneda, onde Allende e uns poucos seguidores se recusava a renunciar como sacrifício final. Caia a Unidade Popular e era imposta uma ditadura militar. 
A trágica ironia do golpe de estado era seu caráter de ‘’salvação’’ das instituições democráticas, que jamais foram ameaçadas pelo governo Allende que, mesmo nos momentos de crise aguda, sempre respeitou a constituição. Dessa forma, seu governo foi abatido pelas instituições do Estado Burguês Capitalista – Congresso nacional; poder judiciário; procuradoria; partidos de oposição; e corpos de oficias das forças armadas; - que ele sempre respeitou conforme seu propósito de executar seu programa dentro da constituição e da lei. 
Os primeiros meses da ditadura foram dedicadas à implantação do terror de Estado. Foi um momento incrível de prisões, torturas, execuções sumárias e as medidas não paravam por ai: fechamento do Congresso; suspensão da imprensa; direitos sindicais extinguidos; CUT fechada; suspensão dos acordos de salários; indenização das companhias estrangeiras; aumentada a jornada de trabalho; restituição de terras e empresas que já haviam sido estatizadas; 
A Junta Militar, que ainda se apregoava como provisória, recebeu total apoio do Partido Nacional e das organizações paramilitares fascistas, mas já preocupava a Democracia Cristã, ansiosos pela volta às liberdades democráticas, afastado o perigo ‘’totalitário’’ atribuído a UP. Em 13 de novembro essas veleidades são interrompidas pelo anúncio de Pinochet de que o governo militar não seria transitório. A mão do Estado chileno alcançou também os refugiados da sua diáspora, exemplo de Prats e a famosa operação Condor que era articulada com os demais serviços de segurança. 
Já no inicio de 1974, alguns setores 	que haviam apoiado entusiasticamente o golpe militar passaram a sentir o peso da ditadura. Setores empresariais sentiam os malefícios da recessão, e sucederam-se as quebras de casas comerciais e indústrias nacionais. As reações esboçadas pela Democracia Cristã eram rebatidas pelos militares e setores mais conservadores, que atribuíam a Frei o clima que permitira a ascensão da UP ao poder. O isolamento da junta não diminuiu, no entanto, a força imposta pela ditadura para realizar seus propósitos. 
Dessa forma, o governo militar favorecia cada vez mais o grande capital monopólico e sacrificava os empresários, acentuando a recessão econômica, com uma redução drástica na produção industrial e do consumo, quebra generalizada das empresas de capital nacional e aumento de desemprego. A política econômica liberal, totalmente voltada para as ‘’leis de mercado’’, condenava quaisquer medida protecionista, e assim, apenas aqueles setores que suplantassem a competição internacional sobreviveriam neste cenário de ‘’racionalização’’ das atividades econômicas. 
A atração de capitais internacionais permitiu um período de crescimento econômico, traduzido na grande concentração das empresas e no aumento de consumo de artigos importados pelas camadas favorecidas da sociedade. Por outro lado, a contínua repressão levada a cabo pelo governo militar impedia a manifestação dos trabalhadores. No plesbicito de 1980, Pinochet conseguiu o aval para mais oito anos de mandato, mas teria de enfrentar uma nova fase da recessão econômica a partir de 1981. Neste quadro, reapareceu o sindicalismo no Chile, apesar da ação sempre brutal da ditadura.

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