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Arranjos de sobrevivência Relações familiares entre escravos no sertão do Piauí (São Raimundo Nonato, 1871-1888)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL 
DÉBORAH GONSALVES SILVA 
ARRANJOS DE SOBREVIVÊNCIA: relações familiares entre escravos no sertão do Piauí 
(São Raimundo Nonato, 1871-1888) 
São Luís 
2013 
DÉBORAH GONSALVES SILVA 
ARRANJOS DE SOBREVIVÊNCIA: relações familiares entre escravos no sertão do Piauí 
(São Raimundo Nonato, 1871-1888) 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
História Social do Departamento de Ciências Humanas 
da Universidade Federal do Maranhão para a obtenção do 
título de Mestre em História. 
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Antonia da Silva Mota. 
São Luís 
2013 
DÉBORAH GONSALVES SILV 
Silva, Déborah Gonsalves 
 Arranjos de sobrevivência: relações familiares entre escravos no sertão do Piauí 
(São Raimundo Nonato, 1871-1888) / Déborah Gonsalves Silva. – São Luís, 2013. 
 112 f. 
 Impresso por computador (Fotocópia). 
 Orientador: Prof
a
. Dr
a
 Antonia da Silva Mota. 
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa de Pós-
Graduação História Social, 2013. 
1.Escravos – Relações familiares – Sertão do Piauí 2. Escravidão 3. Parentesco
consanguíneo e ritual – Escravos 4. Compadrio I. Título. 
CDU 326.3:316.812.1 (812.2) 
ARRANJOS DE SOBREVIVÊNCIA: relações familiares entre escravos no sertão do Piauí 
(São Raimundo Nonato, 1871-1888) 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
História Social do Departamento de Ciências Humanas 
da Universidade Federal do Maranhão para a obtenção do 
título de Mestre em História. 
 Orientadora: Profa. Dra. Antonia da Silva Mota. 
Aprovada em: ______/______/_______ 
BANCA EXAMINADORA: 
_________________________________________________________ 
Prof
a
. Dra. Antonia da Silva Mota (orientadora)
Universidade Federal do Maranhão – UFMA 
_________________________________________________________ 
Prof
o
. Dr. Antonio Otaviano Vieira Júnior
Universidade Federal do Pará – UFPA 
_________________________________________________________ 
Prof
o
. Dr. Josenildo de Jesus Pereira
Universidade Federal do Maranhão - UFMA 
________________________________________________________ 
Prof
a
. Dr
a
. Isabel Ibarra Cabrera
Universidade Federal do Maranhão - UFMA 
A Rita Gonçalves, minha mãe, que, até hoje, me 
ensina a conduzir a vida com coragem e esperança. 
A ela, todo o meu amor e admiração. 
AGRADECIMENTOS 
Durante os dois anos de mestrado, eu pude contar com o apoio de algumas pessoas que 
foi fundamental para que pudesse chegar à conclusão deste trabalho. Quero, aqui, registrar o 
meu agradecimento especial a elas, pois a tarefa de produzir uma dissertação não é solitária. 
Agradeço a Professora Antonia da Silva Mota, pela competência como conduziu a 
orientação deste trabalho, pelo carinho, incentivo e confiança. 
Aos Professores Josenildo de Jesus Pereira e Isabel Ibarra Cabrera, que participaram 
da banca de qualificação, pela leitura acurada do texto e pelas contribuições com vistas ao 
aprimoramento da dissertação. Procurei incluir as sugestões na versão final do trabalho. 
Aos professores do Mestrado em História Social, por compartilhar experiências e 
conhecimento acerca do fazer historiográfico, especialmente os professores Alexandre 
Navarro, João Bitencourt, Dorval do Nascimento, Lyndon de Araújo, Maria Izabel Barboza e 
Regina Helena de Faria. Agradeço também aos funcionários da secretaria da pós-graduação, 
Lauriana Reis e Jonathas, pela atenção e generosidade ao solucionar as minhas dúvidas e 
questões burocráticas. 
Meu agradecimento especial ao meu querido amigo, Professor José Carlos Aragão, 
pelo carinho e incentivo depositados desde o processo inicial de seleção para o mestrado até a 
conclusão da dissertação. 
Ao professor Clódson dos Santos, pelas indicações e livros emprestados e pelas 
correções feitas ao projeto de pesquisa no período de seleção. 
Agradeço o apoio do professor Francisco Vasconcelos e sua família. Obrigada pela 
amizade, confiança e valorização. 
Aos amigos professora Pedrina Nunes, professor Gênesis Naum e professor Gabriel 
Frechiani, pela “força” com as atividades na UESPI, durante a minha ausência. Agradeço 
também pelos momentos de alegria e pelas conversas que, muitas vezes, me tranquilizavam. 
A professora Nívia Paula, pela ajuda com o processo de autorização para acessar os 
documentos cartoriais e paroquiais. Agradeço ainda pela gentileza em compartilhar alguns 
materiais e diálogos sobre a História do Piauí, a fim de enriquecer a pesquisa. 
A FAPEMA, pela concessão da bolsa de estudos. Certamente, sem esse financiamento 
seria mais difícil garantir a pesquisa em outro Estado. 
Agradeço ao Pe. José Cláudio Moreno, por, gentilmente, permitir o acesso às fontes 
eclesiásticas (registros de batismo e casamento) da Freguesia de São Raimundo Nonato e ao 
funcionário da Cúria Diocesana, Fagner Nascimento. 
Agradeço aos funcionários do Cartório e do Fórum de São Raimundo Nonato, 
especialmente ao Juiz da Segunda Vara da Comarca de São Raimundo Nonato, Dr. Belmiro 
Meira Júnior, por autorizar o acesso e manuseio da documentação alojada no arquivo do 
Fórum. 
Agradeço aos funcionários do Arquivo Público do Estado do Piauí, pela agilidade em 
atender aos sucessivos pedidos de documentos com tanta solicitude, e agradeço, 
especialmente, a minha xará Débora Cardoso pelo apoio fundamental durante as buscas no 
arquivo de Teresina. Obrigada pelo carinho. 
A Carolina de Abreu, pela forma atenciosa e prestativa com que me ajudou, 
compartilhando seus materiais de Paleografia, para me ajudar a desenvolver a pesquisa. 
A querida Ianthe Silva, pela ajuda com o abstract. Muito obrigada! 
Ao meu grande amigo, Márcio Zamboni, por se fazer sempre presente. Sou muito 
grata pela paciência, pelo incentivo, pelo companheirismo. 
Agradeço a minha amiga, Marcela Valls, pela amizade, pelo apoio e companheirismo. 
Aos amigos em São Raimundo Nonato, Lennon Matos, Anna Borges, Gênesis, Hamilton, 
Larissa Reis, Laura Carvalho, Maurício Castro, Fernanda Ribeiro e Ednaldo Damasceno, por 
compartilharem momentos de alegria que serviram para recarregar as energias e voltar à 
labuta. 
Ao querido Anderson de Almeida, pela amizade, por acompanhar de perto esse 
processo de “gestação” da dissertação, desde o período de seleção do mestrado até a 
conclusão do trabalho. Sou imensamente grata pelo trabalho com a elaboração do banco de 
dados, tabelas, gráficos, organogramas e mapas. Agradeço ainda pelos livros, pelas leituras, 
comentários e discussões sobre o texto, até mesmo nos finais de semana. A sua participação 
neste trabalho foi essencial e a minha dívida é impagável... 
Agradeço imensamente a Lúcia Almeida e a toda sua família, por me acolherem como 
parte da família durante o primeiro ano do mestrado em São Luís. Obrigada pela ajuda que foi 
fundamental, sem o apoio de vocês seria muito mais difícil. Sou eternamente grata. 
Aos amigos do mestrado, especialmente, aos queridos, Iramir Araújo, Cláudio Melo, 
Mirian Reis, Daylana Cristina, Eduardo Melo, Gonçalo Mendes, muito obrigada por 
compartilharem experiências, conhecimentos e momentos de alegria. A Joelma Santos, pelo 
carinho. 
Agradeço a minha amiga Marivânia Moura, pela amizade, pelo carinho e ajuda 
fundamental durante o mestrado. Obrigada por me proporcionar momentos saudáveis de 
conversas e de longas risadas, por me receber no aconchego de seu lar, por me “socorrer” nos 
momentos de aperreio. Não poderia me esquecer de agradecer a Sophia Moura e a Naruna 
Mello, pelo carinho e momentos de descontração. 
Por fim, quero agradecer a minha família, pelo apoio incondicional, por depositar toda 
confiança em mim, por compreender a minha ausência durante esses dois anos, por me 
encorajar e acreditar que posso conquistar os meus sonhos. A minha mãe, agradeço, 
especialmente, pelo exemplo de força e determinação,e por “segurar a barra” enquanto me 
dediquei ao mestrado. Obrigada por acreditar em mim. 
RESUMO 
O presente estudo tem como objetivo investigar as relações familiares de escravos da vila de 
São Raimundo Nonato, atualmente, município homônimo localizado no sudeste do Piauí. O 
recorte temporal compreende os anos de 1871 a 1888, período marcado por intensas 
mudanças, no âmbito nacional, como a proibição do tráfico atlântico de escravos, o 
consequente aumento do tráfico interprovincial, as transformações provocadas pela Lei do 
Ventre Livre, ente outras. Partindo da leitura minuciosa das fontes documentais oitocentistas 
como: inventários, cartas de alforria e registros paroquiais (batismo, casamento e óbito), 
procurou-se realizar um levantamento de informações inscritas sobre o perfil da população, o 
grau de legitimidade dos cativos e condição social dos pais e dos padrinhos, para, então, 
compreender as estratégias tecidas pelos escravos através do parentesco consanguíneo e ritual. 
Desse modo, através do cruzamento dessas fontes, buscou-se reconstituir algumas trajetórias 
familiares e individuais de cativos, atentando para as vivências cotidianas, sobretudo, para os 
arranjos de sobrevivência forjados por meio dos laços de compadrio estabelecidos entre 
escravos, livres e libertos no sertão piauiense. As múltiplas histórias abordadas no decorrer 
deste trabalho apresentam uma dinâmica familiar multifacetada, visto que os arranjos de 
sobrevivência tecidos por meio das estratégias de parentesco consanguíneo e ritual ampliaram 
o significado desta instituição.
Palavras-chave: Escravidão. Família. Compadrio. Sertão do Piauí. 
ABSTRACT 
The present study aims to investigate the family relations of slaves from São Raimundo 
Nonato villa, currently a homonym county located in the southeast of Piauí. The time frame 
cover the years 1871 to 1888, a period noticeable by intense changes on national level, such 
as the prohibition of the Atlantic slave trade, the consequent increase in inter-provincial trade, 
the transformations due to the “Lei do Ventre Livre” and etc. From rigorous reading of 
nineteenth-century documentary sources such as inventories, letters of manumission and 
parish records (baptism, marriage and death), we sought to conduct a survey of written 
information about the population profile, the legitimacy degree of the captives and social 
status of parents and godparents, and then to understand the strategies used by slaves through 
consanguinity and ritual. Thus, by crossing these sources, we tried to reconstruct some family 
and individual paths of captives paying attention to the daily experiences, especially the 
arrangements for survival forged through crony ties established between slaves, free and freed 
individuals in Piauí's back country. The multiple stories addressed in this paper present a 
multifaceted family dynamics, since the survival arrangements constituted by means of 
consanguinity strategies and ritual expanded the significance of this institution. 
Keywords: Slavery. Family. Crony. Back country of Piauí. 
LISTA DE GRÁFICOS 
Gráfico 1 – Número de mulheres distribuído por cor e condição social. Recenseamento Geral 
do Império, 1872.......................................................................................................................39 
Gráfico 2 – Número de pessoas do sexo masculino distribuído por cor e condição social. 
Recenseamento Geral do Império, 1872....................................................................................40 
Gráfico 3: Distribuição da posse escrava na Freguesia de São Raimundo Nonato-PI, entre 
1840e 1886.................................................................................................................................45 
Gráfico 4: Percentual de padrinhos a partir de sua condição jurídica.......................................60 
Gráfico 5 – Frequência de casamentos envolvendo escravos.São Raimundo Nonato(1837-
1884).........................................................................................................................................66 
Gráfico 6: Percentual da filiação de filhos de escravas batizados entre 1871 e 1888..............81 
LISTA DE TABELAS 
Tabela 1 – Quadro da População Livre e Escrava de São Raimundo Nonato por sexo e cor, 
1872...........................................................................................................................................38
Tabela 2 - Estrutura da posse de cativos segundo faixa de tamanho dos plantéis.....................44 
Tabela 3 – Padrão de Propriedade de Escravos em Inventários de São Raimundo Nonato, 
1840-1863..................................................................................................................................46 
Tabela 4 – Padrão de Propriedade de Escravos em Inventários de São Raimundo Nonato, 
1864-1886..................................................................................................................................47 
Tabela 5 – Condição Jurídica de Padrinhos e Madrinhas. São Raimundo Nonato, 1871-
1888...........................................................................................................................................58 
Tabela 6 - Frequência de Casamentos Envolvendo Escravos – 1837-1884..............................61 
Tabela 7 – Frequência de casamento escravo por propriedades em São Raimundo Nonato, 
1837-1884..................................................................................................................................62 
Tabela 8 – Frequência das testemunhas dos casamentos de escravos. São Raimundo Nonato 
(1837-1884)...............................................................................................................................64 
Tabela 9 - Filiação legítima ou natural dos batizados. Paróquia de São Raimundo Nonato, 
1871-1884.................................................................................................................................70 
Tabela 10 – Distribuição da População Escrava por estado civil em São Raimundo Nonato, 
1872...........................................................................................................................................79 
Tabela 11 – Padrinhos “preferenciais” e número de afilhados. São Raimundo Nonato, Piauí. 
...................................................................................................................................................97 
LISTA DE FIGURAS 
Figura 1– Provincia do Piauhy: Segundo projecto de nova divisão do Império. Antonio 
Cãndido da Cruz Machado 1820-1905 – 1875.........................................................................16 
Figura 2 – Sudeste da Capitania do Piauí. Detalhe do “Mappa geographico da capitania do 
Piauhy, e parte das do Maranhão, e do Gram Pará”. Data provável de levantamento 
1816...........................................................................................................................................27 
Figura 3 – Sudeste da Capitania do Piauí. Detalhe da “Geographische karte der provinz von 
São Iozé do Piauhý”, produzida pelo tenente Joseph Schwarzmann em 1828. Detalhamento de 
algumas das fazendas localizadas às margens do Rio Piauhy...................................................32 
Figura 4 – Sudeste da Província do Piauí, com detalhe da localização das principais fazendas 
da região. Provincia do Piauhy: Segundo projecto de nova divisão do Império. Antonio 
Cãndido da Cruz Machado 1820-1905 – 1875..........................................................................33 
Figura 5 – Família dos cativos Zacarias e Maria, 1872-1879...................................................89 
Figura 6 – Família da cativa Amância, 1873-1884. ................................................................92 
Figura 7 – Laços de compadrio do cativo Antônio, 1872-1885................................................98Figura 8 – Laços de Compadrio da Cativa Geralda, 1878-1882..............................................101 
http://www.iberoamericadigital.net/gdl/CompleteSearch.do?field=todos&text=Piauhy&pageSize=1&pageNumber=8
http://www.iberoamericadigital.net/gdl/CompleteSearch.do?field=todos&text=Piauhy&pageSize=1&pageNumber=8
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................14 
2 FORMAÇÃO HISTÓRICA DE SÃO RAIMUNDO NONATO - PIAUÍ ...................... 24 
2.1 A ocupação do Piauí ....................................................................................................... 24 
2.2 A vila de São Raimundo Nonato .................................................................................... 32 
2.3 A estrutura de posse escrava nos inventários ................................................................. 41 
2.4. O homem escravizado tido como “bem” valioso no sertão piauiense ........................... 48 
3 REDES DE PROTEÇÃO E SOLIDARIEDADE ESTABELECIDAS POR 
ESCRAVOS NO SERTÃO PIAUIENSE ............................................................................. 52 
3.1 Relações familiares entre escravos ................................................................................. 52 
3.2 Casamento de escravos, livres pobres e libertos: redes de proteção e solidariedade ..... 56 
3.3 O casamento e a questão da ilegitimidade ...................................................................... 63 
4 TRAJETÓRIAS FAMILIARES: OS SIGNIFICADOS DAS REDES DE 
PARENTESCO CONSANGUÍNEO E COMPADRIO....................................................... 74 
4.1 Laços de compadrio: o parentesco entre as pequenas posses escravas.............................74
4.2 Experiências familiares de escravos ............................................................................... 87 
4.3 Redes de solidariedade: o compadrio entre escravos ..................................................... 94 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................103 
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 106 
14 
1 INTRODUÇÃO 
No dia oito de julho de 1872, Gertrudes, cativa de Domingos Dias Soares
1
, moradora
na localidade Caracol, batizou o seu primeiro filho.
2
 Delfina, mulata, filha natural
3
, nascida
em novembro de 1871, já podia ser considerada livre em virtude da Lei 2.040 de 28 de 
setembro de 1871 (Ventre Livre). Foram padrinhos, Joaquim Manoel Dias, filho do 
proprietário de Gertrudes, e sua esposa Ana Maria Dias. Dois anos depois, Gertrudes é 
anunciada na documentação batizando o segundo filho, uma menina chamada Maria, parda, 
também filha natural. Foram padrinhos, mais uma filha do proprietário de Gertrudes, Carlota 
Leopoldina Dias e Leopoldino Augusto Dias Figueiredo, seu cunhado. No ano de 1877, 
Constantino, mulato, foi batizado por Augusto José Soares e Joana Josefa Dias e Leandro, o 
quinto filho de Gertrudes, foi batizado em 1881 teve como padrinhos João Augusto Dias 
Figueiredo e Constantina Maria de Jesus. Severino e Efigênia também eram escravos de 
Domingos Dias Soares e foram padrinhos de José, pardo, quarto filho de Gertrudes, batizado 
em 1879
4
.
Ao estabelecer parentesco ritual (compadrio) através do batismo de seus filhos, a 
cativa Gertrudes teve preferência por pessoas de condição jurídica diferente da sua. Assim 
como os demais, Josina e José foram batizados por pessoas livres em 1882 e 1885, 
respectivamente. No total, entre os anos de 1872 e 1885, Gertrudes batizou sete filhos, sendo 
três do sexo feminino e quatro do sexo masculino, e apenas um dos rebentos teve como 
padrinhos, pessoas da mesma condição jurídica de sua mãe. O que é mais notável nesse 
padrão de escolha é a posição social que esses padrinhos assumiam, na maioria das vezes, 
eram pessoas que, além de possuir patentes militares, também eram proprietários de escravos 
ou parentes de primeiro e segundo grau do proprietário da mãe dos rebentos batizados. Esse 
1
Segundo pesquisa realizada por Rômulo Negreiros (2012, p. 3-4), Domingos Dias Soares era filho do coronel 
José Dias Soares, que comandou expedições para conquista do território piauiense entre os séculos XVIII e XIX, 
foi o“[...] indivíduo que comandou a derrocada” dos índios da nação Pimenteira no sudeste do Piauí. 
2
Existe a possibilidade de que a cativa Gertrudes tenha dado à luz a outros filhos anterior a este, porém não é 
possível confirmar esta hipótese, visto que, de todos os registros de batismo em que ela é mencionada como mãe, 
este é o que apresenta data mais recuada. Portanto, considera-se como sendo o primeiro filho. 
3
 Todas as atas de batismo consultadas nesta pesquisa atribuem a condição de “filho natural” aos rebentos filhos 
de mães cativas solteiras, ou mesmo àquelas que mantêm relações consensuais com o pai da criança, isto é, sem 
formalizar a união através do matrimônio religioso. 
4
 As sete atas de batismo dos filhos de Gertrudes encontram-se no mesmo livro de registro de batismo, localizado 
na Cúria Diocesana de São Raimundo Nonato-PI. Livro de Registro de Filhos de Escravas (1871-1888). 
15 
esboço de parte da trajetória da família de Gertrudes revela o principal objetivo deste estudo, 
que é identificar, a partir das vivências cotidianas
5
 dos escravos da vila de São Raimundo 
Nonato, as estratégias
6
 e os significados das relações de parentesco (vertical e horizontal)
7
, 
para a manutenção e, muitas vezes, para a sobrevivência da família desses escravos 
sertanejos. 
 Tomamos, como contexto espacial, a Vila de São Raimundo Nonato, Piauí, hoje atual 
Município de mesmo nome, localizado no Sudeste do Estado do Piauí. Região de caatinga, 
situada na fronteira geológica entre a planície da Depressão Periférica do São Francisco e a 
Bacia Sedimentar Piauí-Maranhão, de rica biodiversidade e às margens do Rio Piauí, 
ocupada, inicialmente, por povos nativos e, em seguida, pelos desbravadores do sertão do 
Piauí. A figura abaixo (figura 1) representa a Província do Piauí em meados do século XIX, a 
parte em destaque corresponde à área de estudo. Durante o século XIX, a região em estudo 
caracterizou-se por uma produção voltada, principalmente, para o mercado interno, através da 
agricultura de subsistência e da pecuária. Além disso, é necessário salientar que essas 
características tornaram o modelo de produção peculiar em relação às regiões de grandes 
plantéis voltadas essencialmente para o mercado externo, e refletiram diretamente no regime 
escravista local, marcada por uma estrutura de posse escrava com pequeno número de cativos 
por propriedade. 
 
 
 
 
5
 A compreensão de cotidiano utilizada nesse estudo segue o pensamento de Agnes Heller (1989, p.18), quando 
expressa que a vida cotidiana é a vida de todo o homem e que, portanto, não existe homem sem cotidiano. Para a 
autora “[...] o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua 
personalidade”. Outra concepção de cotidiano é registrada por Maria Odila L. Dias (1991, p. 49), em que: “O 
quotidiano, visto pelo prisma de nossa contemporaneidade enquanto espaço de mudança, de resistência ao 
processo de dominação, define um campo social de múltiplas interseções que aproximam e diluem um no outro, 
conceitos ideológicos estratégicos como o público e o privado, o biológico e o mental, a natureza e a cultura, a 
razão e as paixões, o sujeito e o objeto – e que envolvem, todas, a dualidade das relações de gênero, tanto na 
medida em que estão determinadas, como no processo em que estão se transformando e sendo transformadas.” 
Em outro estudo, a autora refere-se ao cotidiano como “[...] mediações sociais continuamente improvisadas no 
processo global de tensõese conflitos, que compõem a organização das relações de produção, o sistema de 
dominação e de estruturação do poder” (1995, p. 15-18). 
6
Em A Invenção do Cotidiano. Artes de Fazer, Michel de Certeau, ao diferenciar estratégia de tática, define 
estratégia como “[...] o cálculo (ou a manipulação) das relações de forças que se torna possível a partir do 
momento em que um sujeito de querer e poder (uma empresa, um exercito, uma cidade, uma instituição 
científica) pode ser isolado. A estratégia se postula um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e 
ser a base de onde se pode gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças”, entendida como “[...] 
um tipo específico de saber, aquele que sustenta e determina o poder de conquistar para si um lugar próprio” 
(2008, p. 99-101). 
7
 Consideram-se laços de parentesco vertical quando é estabelecido com pessoas de condição jurídica diferente, 
ou seja, livres. Já o parentesco horizontal é aquele que se estabelece com pessoas de mesma condição social. 
16 
FIGURA 1 – Provincia do Piauhy: Segundo projecto de nova divisão do Império. Antonio 
 Cãndido da Cruz Machado 1820-1905 – 1875. 
 
Fonte: Biblioteca Digital Hispânica. <http://iberoamericanadigital.net . Acesso em 19 de agosto de 
2012 
 
http://www.iberoamericadigital.net/gdl/CompleteSearch.do?field=todos&text=Piauhy&pageSize=1&pageNumber=8
17 
 
O recorte temporal compreende os anos de 1871 a 1888, período marcado por fatores 
que, no contexto nacional (como a Lei do Ventre Livre, a intensificação do tráfico 
interprovincial) e regional (como as fortes secas que atingiram a região no início da década de 
70), foram responsáveis por provocar algumas transformações na vida social e material desses 
indivíduos e que, hoje, possibilitam a análise das implicações causadas pela conjuntura da 
época para a vida da população dessa região. A partir da análise de um conjunto de fontes, 
identificamos que a reprodução natural entre a população escrava de São Raimundo Nonato 
pode ter sido utilizada como um mecanismo para a manutenção da posse escrava, visto que a 
partir da proibição do tráfico atlântico ocorreu a intensificação do tráfico interprovincial e, 
consequentemente, o aumento da venda de escravos das regiões de economia de subsistência 
para áreas voltadas para a agricultura exportadora
8
. 
Além disso, devido ao longo período de secas vivenciado por essa região do sertão 
nordestino na década de 70, ocorreu uma queda na produção e consequente redução no 
número de escravos por propriedade, que, certamente, foram vendidos para outras regiões. 
Todos esses fatores refletiram em mudanças na dinâmica das relações sociais entre escravos, 
livres e libertos, e é a partir desse contexto que buscamos compreender as experiências
9
 
vividas por esses sujeitos, como também apontar as singularidades que estas apresentam em 
relação a outras áreas do país durante o mesmo período. É importante salientar que o recorte 
temporal utilizado nesta pesquisa não é rígido, visto que, por muitas vezes, ocorre a 
necessidade de buscar informações no escopo documental para unir às peças dessa trama em 
datas além do limite de recorte. 
Outro fator que determinou o recorte temporal escolhido para este estudo foi a 
predominância do número de batismo de filhos de escravos a partir do ano de 1871 e 
registrados em livro diferenciado dos demais livros de batismo localizados na Cúria da 
Catedral de São Raimundo Nonato. Dos 16 livros acondicionados no arquivo da Cúria que 
contém as atas de batismo, apenas este livro com data limite de 1871 a 1888 foi reservado 
 
8
Sobre essa possibilidade ver GUTIÉRREZ, Horácio. Demografia escrava numa economia não-exportadora: 
Paraná 1800-1830. Revista de Estudos Econômicos. São Paulo: 17 (2), 1987, p. 297-314. 
9
Em E.P. Thompson (1981, p. 182), encontra-se uma definição que é de suma importância para a compreensão 
do conceito de experiência. Ao abordar as experiências coletivas de exploração dos trabalhadores ingleses, 
através da vida material e das estruturas de classes, em sua narrativa, o autor cede espaço para pensar os sujeitos 
“[...] como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e 
interesses e como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua ‘consciência’ e sua ‘cultura’ (as 
duas outras expressões excluídas pela prática teórica) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente 
autônomas’) e em seguida (muitas vezes, mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, 
por sua vez, sobre sua situação determinada”. 
18 
exclusivamente para o registro de batismo de filhos de escravos. Portanto, partimos da ideia 
de que a Lei do Ventre Livre (1871) possa ter influenciado o aumento significativo dos 
registros batismais de crianças geradas de ventre escravo a partir desta data e que, portanto, 
esses agentes inseridos dentro e fora do contexto escravista possam ter utilizado essa 
possibilidade para ampliar as suas relações sociais. 
A partir das informações contidas nas atas de batismo, identificamos um expressivo 
número de relações de parentesco estabelecidas através do compadrio com pessoas de 
condição jurídica diferente da situação das mães cativas, o que nos leva a pensar na hipótese 
do apadrinhamento de filhos de cativas por pessoas de status superior como uma estratégia de 
proteção e de ampliação das relações. Quando ocorreram batismos em que escravos foram 
padrinhos, estes eram apenas de filhos de outros escravos, ou seja, nenhum escravo 
apadrinhou um rebento filho de pessoas com condição jurídica diferente da sua. 
Desse modo, o parentesco ritual (compadrio), construído na pia batismal, pode revelar 
as expectativas e os significados nutridos por esses escravos em relação à família, visto que 
envolve mecanismos de escolha que o parentesco consanguíneo não possui (ROCHA, 1999). 
Portanto: 
A especificidade do compadrio talvez residisse exatamente no fato de 
apresentar uma grande possibilidade de extensão – uma pessoa poderia 
apadrinhar um número infindo de afilhados, incorporando à sua parentela 
inúmeras unidades familiares – e, ao mesmo tempo, permitir que se criassem 
sólidos vínculos entre pessoas das mais diferentes condições sociais que 
passavam a se reconhecer como parentes (BRUGGER, 2007, p. 325). 
 
Em relação aos núcleos familiares, a documentação revela a predominância de 
famílias formadas apenas pela mãe e seus filhos, sendo classificada como família matrifocal. 
Desse modo, o número de crianças consideradas ilegítimas salta aos olhos, indicando 
expressivo índice de relações consensuais. Porém, o caso de não haver identificação da 
paternidade na documentação não anula a possibilidade da presença do pai no convívio com 
seus filhos, muito menos da existência de uma relação familiar estável. O casamento 
oficializado pela igreja não foi um ritual comum entre os escravos de São Raimundo Nonato, 
sendo que os registros localizados por esta pesquisa apontam para um pequeno número de 
uniões formais envolvendo escravos. No entanto, o contato cotidiano entre esses sujeitos 
permitiu o estabelecimento de laços de parentesco ritual (casamento e batismo) em diferentes 
configurações, a saber: escravos de mesma propriedade estabeleceram compadrio ou casaram-
se; muitas vezes, escravos de diferentes propriedades construíram tais relações, e ainda há 
casos de parentesco entre escravos e libertos, e com pessoas de condição livre. Esse 
19 
considerado grau de mobilidade espacial
10
 permitiu a construção e manutenção das redes de 
convívio entre os diferentes segmentos sociais, garantindo, através dos vínculos parentais, 
arranjos de sobrevivência e de solidariedade que, por sua vez, possibilitaram a formação de 
comunidades escravas
11
. 
Ocorre que a diversidade de configuraçãodas relações de parentesco e de formação 
dos núcleos familiares aponta para uma dificuldade em definir o conceito de “família escrava” 
dentro desse estudo. Em estudo sobre a História da vida familiar e afetiva de escravos na 
Bahia do século XIX, Isabel Cristina F. dos Reis (2003) identifica relações familiares que 
envolviam escravos e libertos, e em alguns casos, livres pobres. Desse modo, a autora propõe 
uma ampliação do conceito de “família escrava” para “família negra”, por considerar que as 
relações familiares envolviam os diferentes segmentos sociais. Porém, em se tratando das 
famílias de São Raimundo Nonato, foi possível identificar vestígios de relações familiares 
entre escravos, mas também composições de famílias que envolviam escravos, livres e 
libertos. 
Grande parte das trajetórias apresentadas nessa pesquisa corresponde a famílias 
compostas por mães cativas e filhos livres, que também constituíam um tipo de estrutura 
familiar (SAMARA, 1983, p. 36). Além disso, foram localizados casos de uniões familiares, 
em que, pelo menos, um dos cônjuges era livre ou liberto. Outra questão vinculada à categoria 
de família está na ampliação do conceito de família, que, nesse caso, é entendido para além de 
um modelo familiar composto pela figura do pai, da mãe e de seus filhos, e reconhecido 
apenas a partir da oficialização do matrimônio pelo casamento religioso. Nesse caso, pela 
complexidade dos vínculos familiares envolvendo escravos, livres e libertos, entendemos que 
as relações familiares são de todo modo multifacetadas, não cabendo o enquadramento dessas 
estruturas numa única categoria. 
 
10
 O conceito de mobilidade adotado nessa pesquisa segue as referências de Hebe Mattos (1998, p. 29) quando 
destaca a mobilidade como um recurso “comum a ricos e pobres, mesmo considerando-se as expressivas 
diferenças que a posse de alguns escravos ou outros bens móveis podia representar nas oportunidades abertas na 
reinserção social”. Essa mobilidade espacial reflete ainda na vida dos escravos através da conquista de certa 
autonomia, que é dada justamente pelas relações sociais e comunitárias mantidas com escravos de outras 
propriedades (Ibdi, p. 65). 
11
 Sheila de Castro Faria, em trabalho intitulado: Identidade e comunidade escrava: um ensaio (2007, p. 144), 
destaca que “poucas regiões poderiam ter condições de criar uma singular comunidade escrava. A maioria, 
entretanto, principalmente pela grande variedade de origem e de heranças de seus membros, criou comunidades 
separadas, nem sempre oponentes ou inimigas, mas que estabeleciam, por meio da vida no cativeiro, 
solidariedades, espírito de grupo, identidade e proteção mútua. É claro que tal possibilidade estava mais 
acessível para escravos de grandes unidades produtivas, mas dela poderiam participar os de outros senhores, 
inclusive dos pequenos”. 
20 
Considerações feitas, cabe registrar os caminhos percorridos por esta pesquisa e a sua 
relação com o conjunto de fontes. Como mencionado anteriormente, o foco principal deste 
estudo é examinar as relações de parentesco entre escravos, livres e libertos na vila de São 
Raimundo Nonato, na segunda metade do século XIX. As fontes utilizadas para essa 
investigação são registros paroquiais (casamento, batismo), localizados na Cúria Diocesana de 
São Raimundo Nonato; e documentos cartoriais (inventários post-mortem, cartas de alforrias, 
registros de casamento, etc.), que se encontram divididos entre o Cartório do 1
o 
Ofício e 
Fórum da Cidade. Para o acesso a documentação, contamos com o apoio da Professora
 
Nívia 
Paula de Assis, que, através de parceria mantida por meio do Programa de Educação Tutorial 
(PET) desenvolvido pela UNIVASF, garantiu apoio nas investidas para conseguirmos ter 
acesso às fontes. 
Após a autorização para manusearmos a documentação, deparamo-nos com um vasto 
acervo documental em péssimas condições de conservação e de armazenamento. Faz-se 
necessário destacar que não há um arquivo público onde esta documentação possa estar 
devidamente organizada, o que exigiu, dessa pesquisa, um cuidadoso trabalho para colecionar 
as inúmeras peças desse complexo mosaico da vivência escrava em São Raimundo Nonato. 
Com a documentação totalmente desorganizada, inicialmente, cuidamos de classificar todos 
os registros do período em estudo, para, em seguida, fotografá-los e só a partir daí inserir as 
informações pertinentes à investigação em fichas. Dessas fichas, geramos um banco de dados 
em arquivo de Excel, onde armazenamos todas as informações contidas nos diferentes tipos 
de documentos. A partir desse banco de dados, podemos tomar uma noção quantitativa das 
fontes, para que, em seguida, fosse possível traçar um perfil populacional da época, bem 
como identificar o número de batismos e casamentos com a situação jurídica dos sujeitos 
envolvidos nesses rituais (pais, afilhado, padrinhos, cônjuges, testemunhas, proprietários, 
etc.). 
Esse processo tornou-se fundamental para a interpretação das práticas de sociabilidade 
entre homens e mulheres escravizados, livres e libertos, visto que não há, até então, nenhuma 
pesquisa dessa natureza na região em estudo. Contamos, portanto, com um banco de dados 
contendo informações sobre batismo, casamento, óbito, inventário post-mortem e cartas de 
alforrias envolvendo a população livre e escrava de São Raimundo Nonato entre 1871 e 1888, 
e a partir do cruzamento das informações dessas fontes, com o apoio da historiografia da 
escravidão no Brasil, buscamos identificar as estratégias utilizadas por esses sujeitos 
21 
escravizados e livres quanto ao estabelecimento do compadrio, a fim de interpretar os 
significados dessas relações para ambos os grupos. 
Devido às condições físicas das fontes, muitos documentos não traziam as 
informações completas ou não permitiam a leitura completa de suas informações. Como esses 
documentos estavam muito comprometidos fisicamente, em alguns casos, a leitura era quase 
que impossível, e quando ocorria, demandava bastante tempo e cuidado. Por não estarem 
organizadas, classificadas e em estado de conservação, algumas fontes consideradas 
importantes para esse estudo como testamentos, livros de compra e venda, listas de matrícula 
e classificação de escravos, não puderam ser analisadas, pois seria necessário maior tempo 
para realizar essa investigação. 
Em busca de mais vestígios que revelassem a teia das relações entre os sujeitos da 
pesquisa, realizamos visita ao Arquivo Público do Estado do Piauí, na capital Teresina, porém 
só localizamos um “rastro” da existência das listas de classificação dos escravos de São 
Raimundo Nonato, uma correspondência datada de 1886, comunicando o recebimento das 
listas de matrícula e classificação dos escravos de São Raimundo Nonato. As informações do 
Recenseamento Geral do Império de 1872 também foram relevantes para a compreensão da 
formação populacional da região no período em estudo. Desse modo, todas as fontes 
utilizadas nesta pesquisa assumiram papel fundamental para o entendimento das vivências 
cotidianas envolvendo escravos, livres e libertos. 
Dentre toda a documentação, os registros de batismo tornam-se significativas para a 
análise dessas relações, especialmente porque a imposição do batizado ao recém-nascido 
tornou-se prática corrente no mundo católico a partir do século XVI, como resposta ao avanço 
das religiões protestantes na Europa. Em Portugal e em suas colônias, esse registro assumiu 
grande importância, pois o regime do padroado, ao transformar a hierarquia eclesiástica em 
burocracia do Estado, facultava aos livros paroquiais o duplo status de registro religioso e 
civil. Remetendo-nos à escravidão, tal qual uma escritura pública, o batismo assegurava a 
propriedade do cativo ao proprietário (LIMA e VENÂNCIO, 1991, p. 26-34). Diferentemente 
da documentação alojada no Fórumda cidade, os livros contendo as atas de batismo tanto de 
pessoas livres, como de escravas, encontram-se classificados e acondicionados em condições 
que lhes garantam melhor conservação. No entanto, o procedimento adotado foi o mesmo, a 
saber: leitura minuciosa das atas de batismo, anotações dos dados em fichas, seguido de 
fotografia dos documentos. Apesar de não possuir maiores informações da época, os registros 
fazem menção ao nome da criança, da mãe, do pai em poucos casos, da fazenda e do 
22 
proprietário dos escravos, dos padrinhos e da condição jurídica dos mesmos, as datas de 
nascimento e de batismo e, na maioria dos casos, a cor da criança. 
O método ligação nominativo das fontes foi utilizado como suporte metodológico para 
identificar as trajetórias dos sujeitos pesquisados neste trabalho, e tentar relacionar com os 
dados demográficos, comparando as informações para, então, tentar compreender as teias das 
relações entre escravos no sertão piauiense. O cruzamento de informações contidas em 
diversas fontes é fundamental para aprofundar para a “[...] compreensão dos sentidos que os 
negros conferiam às suas próprias experiências” (REIS, 2010, p. 117). O apoio metodológico 
para esta pesquisa está nas experiências de análises das relações familiares entre escravos, 
livres e libertos de trabalhos renomados na historiografia da escravidão como o de Stuart 
Schwartz (1988), que se dedica ao estudo da formação da família escrava através do 
matrimônio e do compadrio, utilizando, como fonte principal, os documentos paroquiais e 
adotando o cruzamento de informações como método de análise.
 
Outro trabalho que servirá de 
apoio é o de Manolo Florentino e José Roberto Goés (1997), que tratam da família escrava e 
do parentesco entre escravos como um meio para conseguir “a paz nas senzalas”
12
. 
É importante ressaltar que pretendemos trilhar, neste trabalho, os caminhos apontados 
pela História Social, tentando realizar uma análise da vida cotidiana através das micro-
histórias desses homens e mulheres escravizados. Desse modo, a reconstituição de trajetórias 
individuais e familiares é fundamental para a compreensão das alianças de parentesco e dos 
seus significados quanto ao arranjo de sobrevivência. 
A estruturação do texto dá-se em três capítulos. No primeiro capítulo, apresentaremos 
o contexto espacial e breve histórico da ocupação do Piauí até chegarmos ao Município de 
São Raimundo Nonato, na época, vila de mesmo nome, procurando destacar aspectos da vida 
material e social da época. É necessário ressaltar que a região possuía uma dinâmica 
econômica marcada pelo predomínio de atividades agrícolas de subsistência e que, apesar de 
ter vivido um momento de grande influência no desenvolvimento com o criatório de gado, no 
final do século XIX, a pecuária atravessou forte crise econômica. Ainda neste capítulo, 
realizaremos um estudo sobre a estrutura de posse escrava distribuída entre as principais 
fazendas da região, para compreendermos como se constituía a hierarquia das relações entre 
 
12
 Apesar de terem desenvolvido suas pesquisas em regiões caracterizadas pela economia agroexportadora, de 
grandes plantéis e de expressiva posse de escravos, os trabalhos desses autores são referência no sentido 
metodológico, mas também são importantes para compreendermos as singularidades das relações escravistas 
existentes nas diferentes regiões brasileiras. 
23 
homens livres e escravizados. Percebemos que, apesar da maior posse escrava concentrar-se 
entre poucos proprietários, havia um número considerável de proprietários de terras com 
posse média de dois escravos. Contudo, quando analisamos as diversas composições de 
patrimônio e de atividades econômicas através dos inventários, identificamos o escravo sendo 
listado juntamente com outros bens inventariados, como sendo um dos “bens” de maior valor 
em uma propriedade. Essas questões são elencadas no decorrer do capítulo para que se possa 
compreender o lugar social dos escravos do Sertão piauiense. 
No capítulo dois, procuraremos interpretar as alianças entre escravos, livres e libertos, 
na tentativa de compreender a importância dos arranjos familiares para a manutenção e 
ampliação da comunidade escrava. Através do cruzamento de fontes, identificaremos diversas 
formas de organização familiar existentes entre os escravos da Vila de São Raimundo Nonato, 
e relações que através do matrimônio oficializado pela Igreja, se estabeleceram entre os 
cônjuges e as testemunhas dos casamentos. Apresentaremos as uniões oficializadas pela igreja 
e as redes de sociabilidade tecidas através das testemunhas escolhidas no ato ritual do 
casamento religioso. Percebemos um padrão de testemunhas em condição jurídica livre, e ao 
mesmo tempo, a predominância de algumas pessoas como testemunhas das uniões. 
Abordaremos ainda, a respeito das taxas de ilegitimidade entre os filhos das mães cativas, das 
redes de compadrio tecidas a fim de garantir proteção aos mesmos. 
E, por último, o terceiro capítulo traz algumas trajetórias individuais e familiares de 
escravos, livres e libertos que desenvolveram estratégias de parentesco dando origem a 
extensas redes de proteção e solidariedade. Procuraremos compreender o compadrio no 
conjunto das relações entre senhor e escravo, mas, especialmente, buscaremos identificar os 
condicionantes e mecanismos das escolhas dos cativos por padrinhos de condição jurídica 
livre, como também a opção por manter as alianças de parentesco com outros escravos, 
muitas vezes, pertencentes a outras propriedades. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
24 
2 FORMAÇÃO HISTÓRICA DE SÃO RAIMUNDO NONATO – PIAUÍ 
 
2.1 A ocupação do Piauí 
 
 
Durante muito tempo, a historiografia piauiense destacou que a ocupação do território 
do Piauí partiu do interior para o litoral, com a justificativa do desenvolvimento da pecuária 
que ocorria no interior e, portanto, distante da costa litorânea. Considerando uma ocupação 
tardia em relação às demais províncias, alguns estudos apontam as primeiras manifestações de 
ocupação no século XVII, como consequência das primeiras expedições militares e religiosas 
na região
13
. 
Após inúmeras polêmicas em torno dessas afirmativas, sabe-se que a ocupação das 
terras piauienses, então, correspondentes à parte do “Sertão de Dentro” (ABREU, 1969), foi 
impulsionada pelo desenvolvimento da pecuária, responsável pelas instalações dos primeiros 
currais na costa do território, seguindo pelos rios Piauí, Canindé e Gurguéia. Por Carta Régia 
do rei de Portugal ,em 1758, o “Sertão de Dentro”, densamente povoado por inúmeras tribos 
indígenas
14
, passou a ser Capitania de São José do Piauí. 
Foram as fazendas de gado que definiram o processo de ocupação e distribuição das 
terras piauienses. Com interesse de povoar e impulsionar o comércio de exportação no sertão 
do Nordeste, a Coroa Portuguesa, tão logo, incentivou a ocupação da região através da doação 
de extensas áreas. Entre os séculos XVII e XVIII, as expedições de bandeirantes e sertanistas 
associadas à doação de lotes de terras, através da concessão de sesmarias, impulsionaram a 
ocupação do Piauí e, ao mesmo tempo, a existência predominante dos latifúndios. Domingos 
Afonso Mafrense, o Domingos Sertão como ficou conhecido, foi o maior beneficiado com as 
concessões de sesmarias na época, além de contribuir com a ocupação territorial do Piauí, este 
também foi responsável pela introdução do trabalho escravo na sociedade em processo de 
formação (LIMA, 1999). 
Acompanhado de Domingos Sertão, o expedicionário Francisco Dias D’Ávila deu 
início ao processo de ocupação das terras localizadas entre os rios Canindé e Gurguéia. Os 
 
13
 Ver entre outros: BRANDÃO (1999), MOTT (2010), COSTA FILHO (1988), GORENDER (1978). Estes 
trabalhos clarificam a respeitoda ocupação do território piauiense e, principalmente, da presença do trabalho 
escravo na atividade pecuarista. 
14
Alguns autores apontam quatro etnias que povoavam as terras piauienses: Jê, Caraíba, Cariri e Tupi. Ver: 
Baptista (2009), Dias (1999), Machado (2002) e Oliveira (2007) distinguem quatro etnias para o Piauí: Jê, 
Caraíba, Cariri e Tupi. 
25 
D’Ávila pertencentes à Casa da Torre da Bahia
15
 ocuparam estas terras com o intuito de 
expandir as fazendas de criação de gado (OLIVEIRA, 2007). A partir desse momento, ocorreu 
a implantação dos currais e fazendas com base na expansão pastoril para a criação do gado 
vacum. 
Entre os maiores sesmeiros em terras piauienses, destaca-se ainda a figura do 
bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que participou da ocupação das terras entre os 
rios Canindé e Poti, e, assim como os demais, foi também responsável pelo povoamento do 
Piauí, desencadeando a implantação de fazendas de gado em toda região. 
Nesse período, toda essa área era ocupada por povos indígenas que se tornaram os 
primeiros homens a trabalharem no regime de escravidão no Piauí. De acordo com Brandão, 
desde a instalação dos primeiros currais na Província do Piauí já se utilizava mão de obra 
escravizada, no caso dos indígenas: 
 
Além de peças militares, eram os índios que praticavam a agricultura de 
subsistência para o terço. Outra parcela dos índios apresados era 
comercializada em outras capitanias para o trabalho na lavoura. O tráfico de 
peças do sertão foi, no século XVII e XVIII, empreendimento bastante 
lucrativo. As irregularidades no abastecimento e o alto preço do negro 
abriam perspectivas para o tráfico de índios capturados (BRANDÃO, 
1999, p. 116). 
 
Devido à guerra travada entre devassadores do território e indígenas, no final do 
século XVIII, o contingente da população nativa entrou em declínio. Segundo Ana Stela de 
Negreiros Oliveira, em pouco mais de dois séculos de contato entre os povos nativos e o 
colonizador, dispersou-se praticamente toda a população indígena. 
 
Inicialmente aconteceu a ocupação daquela área, com a chegada dos 
sertanistas provenientes do São Francisco, durante o final do século XVII e 
início do XVIII, dispersando a sua população nativa; provavelmente os 
remanescentes dos agricultores-ceramistas. Para as etnias que sobreviveram, 
restou somente buscar áreas de refúgio para serem incomodadas novamente 
pelo processo de ampliação da área das fazendas de gado no século XVIII ou 
integrar-se ao processo colonial (OLIVEIRA, 2007, p.26). 
 
Surgia, porém, a necessidade de continuar abastecendo a província com mão de obra, 
nesse caso “o escravo continuou sendo adquirido pelos proprietários, nos núcleos de produção 
 
15
 Segundo ALVES (2003, p.58), a Casa da Torre foi fundada pela família Ávila, e tinha como principal objetivo 
financiar expedições realizadas por aventureiros que desbravavam os Sertões. “Após chegar às novas terras, os 
Ávila requeriam-nas através de sesmarias que normalmente abrangiam cada uma, extensões de 10 a 12 léguas 
em quadro.” 
26 
pecuarista, competia ao escravo à construção e manutenção da infra-estrutura como casas, 
aguadas, currais e roça (BRANDÃO, 1999, p. 45). Odilon Nunes (1972, p. 215) também 
salienta a importância da utilização de mão de obra escrava no Piauí, “o negro ajudava o 
senhor ou o vaqueiro no custeio de gado, quanto nas vaquejadas, ou em buscas das feiras; 
tratava das cavalgaduras, dos arreios, dos currais, e cercados, chiqueirava as miuças, separava 
os bezerros das vacas, faziam a ordenha, cuidava das bicheiras [...]”. De acordo com os dados 
contidos nas Listas de Classificação de 1873 da Província do Piauí, a maioria dos 
trabalhadores cativos desenvolviam atividades ligadas à agricultura e à pecuária, apesar de 
existirem outras atividades “desde as mais simples como roceiro, lavrador, doméstica até as 
mais especializadas como carpinteiro, ferreiro, entre outras”, a pecuária e a agricultura 
predominavam no campo das atividades que mais utilizavam a força de trabalho escrava 
(SILVA, 2003, p. 51). 
Como mencionado anteriormente, a criação de gado tornou-se o carro-chefe da 
reocupação do território e, em seguida, a principal atividade econômica da região da Província 
do Piauí. Segundo Mott (1985, p.9), “trata-se de uma região onde a unidade de conquista e 
povoamento foi a fazenda de gado, cristalizando-se toda a vida sócio-econômica em derredor 
da pecuária extensiva, qualquer estudo sobre a história do Piauí deve iniciar-se a partir dos 
currais de criatório”. De acordo com Caio Prado Júnior, as fazendas da Província do Piauí 
chegaram a ser as mais importantes fornecedoras de gado da região Nordeste, estabelecendo 
aquecido comércio com a Província da Bahia, principal consumidora do gado e fornecedora 
de mão de obra escrava para o abastecimento das fazendas da província do Piauí (PRADO 
JUNIOR, 2006, p. 66). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
FIGURA 02 – Sudeste da Capitania do Piauí. Detalhe do “Mappa geographico da capitania do 
Piauhy, e parte das do Maranhão, e do Gram Pará”. Data provável de levantamento 1816. 
 
Fonte: Apud NEGREIROS, 2012, p. 53. 
 
Paralelas à criação de gado, outras atividades econômicas eram desenvolvidas em toda 
a província, a exemplo do cultivo de algodão, das lavouras de cana mais ao norte, do 
extrativismo vegetal e também das atividades domésticas. Segundo Miridan (2005, p. 147), 
 
[...] existiam também as tendas de carpintaria e de ferreiro com seus 
equipamentos, os currais, os cercados (para a separação das reses, para a 
engorda de outras, para reserva de pastos na época da seca, etc.), as lavouras 
de cana, em geral nos brejos, as lavouras de’legumes’ (designação à 
mandioca, feijão, abóbora, melancia, fava, melão são-caetano, nos locais 
mais frescos), as lavouras ’secas’, as roças de arroz, as plantações de algodão 
e mais adiante o açude. 
 
Ainda sobre os tipos de moradias, a autora descreve uma propriedade como um 
conjunto complexo que está ligado ao sistema produtivo adotado na região. Além da casa de 
morada do proprietário da “fazenda”, existiam as casas menores, próprias dos agregados e 
outros moradores, além da “casa de forno” ou “casa da farinhada” um pouco mais distante da 
casa do proprietário. Durante a leitura dos inventários consultados para esta pesquisa, as casas 
tanto do proprietário de terras como as demais moradias eram descritas como sendo muito 
28 
simples, algumas com “paredes de barro e madeira” e “coberta de telha”. Mais adiante, 
trataremos sobre essas residências descritas no interior dos inventários. 
 Até o século XVIII, a criação de gado bovino atingiu o mais alto nível de produção, 
além da Bahia, as boiadas eram enviadas para o Maranhão, Pará, Pernambuco e Minas Gerais 
(BRANDÃO, 1999, p. 63). 
O Sudeste do Piauí encontrava-se na rota dos dois pontos de irradiação da 
pecuária para o interior do Brasil, a corrente baiana e a pernambucana, assim 
como, dos caminhos do gado do sertão para distribuição na Bahia e Minas 
Gerais (OLIVEIRA, 2007, p.26). 
 
Ainda no início do século XVIII, com a morte de Mafrense, os jesuítas passaram a 
administrar as 39 fazendas deixadas pelo bandeirante. Esse fato marcaria, então, o início do 
que seria considerada uma segunda fase de povoamento vivido pelo Piauí, momento marcado 
por inúmeros conflitos entre o colonizador e os grupos indígenas e pelo abandono de 
inúmeras fazendas. 
Durante essa fase, ocorreu o abandono de diversas fazendas pelos moradores 
locais e, depois, o despovoamento da região, com a dispersão dos povos 
indígenas para que ocorresse um repovoamento colonial e a construção 
geográfico-social daquela área. Esta fase se prolonga até o início do século 
XIX, com o controle da região pelos colonizadores e a total dispersão dos 
povos indígenas (OLIVEIRA,2007, p. 26). 
 
 De acordo com Bastos (1994), a maior importância da Companhia de Jesus no Piauí 
está relacionada à atuação de padres do colégio da Bahia como testamenteiros de Domingos 
Afonso Mafrense. Em 1711, esses padres foram transferidos para o Piauí, onde o Pe. Miguel 
da Costa foi designado como administrador das fazendas de Mafrense. 
Em testamento declarou-se senhor das terras piauienses, tendo-as ocupado 
com gados, trabalhadores escravizados e o mais que fosse necessário. Em 
junho de 1711, o sertanista faleceu em Salvador, Bahia, deixando as posses 
para os padres inacianos. Ao patrimônio, herdado, foram acrescidas outras 
fazendas, totalizando 39 unidades produtivas, todas assentadas no trabalho 
escravo (LIMA, 2006, p. 434). 
 
 Durante o período em que estas fazendas estiveram sob a administração da Companhia 
de Jesus no Piauí, o colégio da Bahia recebeu sustento a partir da produção de gêneros 
alimentícios das fazendas. Segundo Nunes (1975, p. 36), “as duas mais importantes fundações 
culturais do Brasil colonial, o colégio da Bahia e o noviciado de Jequitaia, passariam a ser 
financiados pela economia piauiense”. 
Após quase cinco décadas de administração destas fazendas, por meio de alvará régio 
datado de três de fevereiro de 1759, a Coroa Portuguesa mandou expulsar os jesuítas de todos 
29 
os seus domínios, resultando no confisco das terras, do gado e dos escravos (ALENCASTRE, 
2005). Com o intuito de viabilizar a administração das fazendas, a Coroa Portuguesa realizou 
a divisão das propriedades em três inspeções, Nazaré, Piauí e Canindé, sendo que, para cada 
uma delas, seria escolhido um administrador (LIMA, 2005, p.24). 
Estas terras passaram a ser chamadas de “Fazendas do Fisco” e, segundo Solimar 
Lima, “toda a estrutura produtiva estava assentada no trabalho escravo e voltada, de forma 
dominante, para a produção de mercadorias, e era esse caráter da produção que determinava o 
nível das contradições sociais” (Idem, 2005, p. 29). 
É dentro desse mesmo contexto que surgiram o que podemos chamar de duas 
categorias de escravos, a saber, aqueles pertencentes à Coroa, então denominados “escravos 
do Fisco” (BRANDÃO, 1999, p. 158-159), e aqueles que seriam cativos de particulares. 
Segundo Tanya Brandão, além de pertencerem a grupos diferentes, estes homens escravizados 
ainda receberiam tratamentos diferenciados. Embora um expressivo grupo da historiografia 
piauiense considere que havia certa diferenciação no tratamento de escravos da Nação, 
Solimar Lima esclarece que, assim como cativos de propriedades particulares, os homens 
escravizados nas Fazendas da Nação viviam numa atmosfera de fortes tensões sociais, onde a 
violência seria o principal meio de controle destes trabalhadores (LIMA, 2006, p. 433-457). 
 Luiz Mott, ao tratar sobre o escravismo nos sertões pecuaristas, menciona a respeito 
do tipo de tratamento dispensado aos escravos destas áreas em comparação aos grandes 
plantéis do Sul do país. O autor salienta que: 
Embora havendo no Piauí, aliás, como no resto do país, resistência e revolta 
por parte da escravaria contra a servidão, parece que as condições e relações 
de trabalho, assim como as perspectivas de alforria eram muito melhores na 
zona pecuária do que nos engenhos de açúcar (MOTT, 2010, p. 85). 
 
Alinhou-se a essa ideia de diferenciação do modo de vida dos escravos nos sertões, o 
trabalho de Miridan Falci. A escravidão, no Piauí, é apresentada, na obra da autora, como 
sendo peculiar, na medida em que há a coexistência do trabalho livre com o escravo. Carla 
Aparecida (2003, p. 36), ao estudar a escravidão na Província do Piauí a partir das listas de 
Classificação, ressalta que “os trabalhadores livres e cativos plantavam, colhiam, serviam a 
mesa, cuidavam dos cavalos e tocavam música em ocasiões festivas. Portanto, as fazendas 
produziam para o mercado interno, mas uma parcela dos seus trabalhadores se ocupava de sua 
manutenção”. 
Apesar das possibilidades de estreitamento de relações entre homens livres e escravos, 
muitas vezes permitidas pelo modelo econômico característico das pequenas propriedades, 
30 
acredita-se que a escravidão no sertão do Piauí e, especialmente o tratamento recebido por 
homens e mulheres escravizados, não foi diferenciado em relação às demais regiões do país. 
A respeito da importância da mão de obra escrava nas fazendas pecuaristas, Miridan 
Falci, ao realizar uma comparação do percentual de valores dos bens das Fazendas Nacionais 
destaca a importância e o valor dos escravos das Fazendas da Nação em relação a outros bens, 
considerados como um patrimônio financeiro, os escravos chegaram a ser “o mais valioso 
bem das Fazendas Nacionais” 
16
 (FALCI, 1995, p. 19-20). 
No final do século XVII, as 129 fazendas existentes na Capitania do Piauí 
concentravam 441 pessoas “entre brancos, negros, índios, mulatos e mestiços [...]” (COUTO 
apud GORENDER, 1978, p. 415), desse número 47% da população das fazendas era de 
negros, constituindo a principal mão de obra dessas fazendas. 
De acordo com o primeiro censo setecentista elaborado por Pe. Miguel de Carvalho 
(apud FALCI, 2000, p. 264), em Descrição do Sertão do Piauí, a população escrava do Piauí 
correspondia a 64,51%, distribuída entre 74,28% de negros e 22,85% de índios.
 
 No ano de 
1855, a Província do Piauí contava com um total de 13.966 cativos, que constituíam 
aproximadamente 7% da população total. No Recenseamento Geral do Império (1872), a 
população escrava do Piauí era de aproximadamente 23.795 habitantes, sendo que, em relação 
à população total, o percentual era de 11,8% somando aproximadamente 125.818 habitantes. 
Devemos observar que, em grande número, os cativos que viviam em solo piauiense eram 
adquiridos através do comércio interprovincial, sobretudo, com Pernambuco e Bahia: 
 
Os escravos negros entraram no Piauí pela estrada que ligava a feira de 
Capuame, na Bahia, à vila da Mocha (Oeiras). Alguns escravos também 
foram trocados por bois em Minas Gerais, mas em pequeno número. O Piauí 
nunca fez imigração direta da África. A maior parte veio do Maranhão, 
Pernambuco e Bahia (BASTOS, 1994, p. 200). 
 
Para Miridan Falci, os dados revelam a importância da mão-de-obra escrava para a 
produção nas fazendas particulares e da Nação, o escravo: “Era o roceiro, o vaqueiro, o 
fábrica, o do serviço (nos arrolamentos das fazendas de gado), mas era também o mestre-
ferreiro, o alfaiate, o ourives, o pedreiro, o oleiro, ou o tecelão nos pequenos núcleos 
populacionais” (FALCI, 2000, p. 266). 
 
16
 De acordo com a autora. “Os escravos representavam entre 40 e 60% do patrimônio das fazendas... O preço de 
um escravo, ou seja, entre 400 e 500 mil réis, equivalia ao preço de 100 cabeças de gado vacum ou 50 cavalos ou 
6 jumentos”. (2005, p. 185). 
31 
Tânya Brandão (1999) também considera as diferenças de tratamento da escravaria 
entre as fazendas públicas e privadas do Piauí. Em seu trabalho sobre a participação do 
escravo na formação social do Piauí, a autora chega a inferir que os escravos das fazendas 
públicas teriam algumas regalias em relação aos escravos de fazendas privadas, destacando 
ainda o absenteísmo como uma das características marcantes das propriedades, onde a relativa 
ausência dos administradores da Coroa nas “Fazendas do Fisco” resultava em relativa 
autonomia dos escravos. Em se tratando da escravaria privada, esta sofria com a vigilância e 
frequente violência dos seus proprietários. 
Solimar Lima, em Braço Forte, salienta que as fazendas públicas do Piauí eram 
marcadas por um sistema de vigilância e de controle em que os castigos e a violência 
frequente garantiam a estabilidade da administração das fazendas. 
 
A violência foi o mecanismo principal de controle dos trabalhadores 
escravizados nas fazendas públicas do Piauí. A violência efetiva ou latentegarantia a dominação escravocrata, aguçava as contradições sociais e 
reproduzia-se nas relações pessoais dos trabalhadores escravizados, que se 
mostravam indissociáveis ao contexto escravista. O território era marcado 
por permanentes tensões sociais (LIMA, 2005, p. 156). 
 
Considerando a complexidade do sistema escravista no Brasil, é importante lembrar 
que as relações entre senhores e escravos apresentavam-se como uma via de mão dupla. 
Afinal, considera-se que esses homens e mulheres escravizados possuíam seus mecanismos de 
resistência e de sobrevivência. A historiografia da escravidão no Brasil vem apresentando 
inúmeros indícios das possibilidades da conquista de autonomia desses escravos. Nessa 
pesquisa, o termo autonomia é utilizado na perspectiva do escravo como “ator social”, bem 
como das estratégias utilizadas por este para escapar do domínio dos senhores. Segundo 
Maria Helena Machado: 
Autonomia, sem dúvida, relativa, forjada nas relações orgânicas entre 
senhores e escravos, ocupando as brechas do domínio hegemônico da 
camada dominante. Colocando-se a questão de outra maneira, pode-se dizer 
que a autonomia do escravo é o espelho dos limites da dominação senhorial 
(MACHADO, 1987, p. 20). 
 
 Neste sentido, acredita-se que esses escravos utilizavam essas “brechas” para 
alcançarem as possibilidades de formar família, estabelecer as relações de parentesco e, até 
mesmo, de conquistar a liberdade. Portanto, procuramos entender o escravo do sertão 
piauiense, mais precisamente de São Raimundo Nonato como um protagonista dentro das 
relações entre senhores e escravos sertanejos. 
32 
 
2.2 A vila de São Raimundo Nonato 
 
Considerando esse contexto de ocupação territorial, de implantação da pecuária 
associada ao uso da mão-de-obra escrava, surgiram as fazendas do Sudeste do Piauí. Nesse 
período, a irregularidade das chuvas já era um agravante na região do sertão, o que provocou 
a busca pelas margens dos rios para a instalação dos primeiros currais, nesse caso, instalados 
às margens do Rio Piauí, a exemplo da fazenda que seria sede do distrito eclesiástico de São 
Raimundo Nonato. Com efeito, observa-se no mapa, que segue (figura 2), que a localização 
das principais fazendas da região de estudo encontra-se às margens do Rio Piauí. 
 
FIGURA 3 – Sudeste da Capitania do Piauí. Detalhe da “Geographische karte der provinz von 
 São Iozé do Piauhý”, produzida pelo tenente Joseph Schwarzmann em 1828. 
 Detalhamento de algumas das fazendas localizadas às margens do Rio Piauhy. 
Fonte: Apud NEGREIROS, 2012, p. 54. 
 
O processo de ocupação da região, onde, atualmente, delimita-se o Município de São 
Raimundo Nonato, assim como em toda a região Sudeste do estado, esteve fortemente 
influenciado pela criação de gado, que impulsionou instalação das primeiras fazendas na 
região. Caracterizadas pelas grandes extensões de terras, sem demarcações que 
estabelecessem os limites de cada fazenda, “o gado era geralmente criado solto: como não 
havia cercas dividindo as fazendas uma das outras, e existindo consuetudinariamente uma 
33 
légua de terra de uso comum entre as mesmas [...] sucedia certamente que os animais de um 
proprietário se misturassem com os dos vizinhos” (MOTT, 2010, p. 67). 
Nos registros de inventários post mortem, batizados e casamentos analisados no 
decorrer da pesquisa, foram identificadas inúmeras fazendas distribuídas pelas terras que, 
atualmente, correspondem a pelo menos 13 Municípios pertencentes ao Território Serra da 
Capivara, incluindo São Raimundo Nonato. Dentre as fazendas mencionadas nas fontes 
analisadas, com maior frequência, aparecem a Fazenda Jenipapo, Fazenda São Victor, 
Fazenda Queimadas, Almas, Massapê, Tigre, Curral Novo e Bom Sucesso. 
 
FIGURA 4 – Sudeste da Província do Piauí, com detalhe da localização das principais 
 fazendas da região. Provincia do Piauhy: Segundo projecto de nova divisão 
 do Império. Antonio Cãndido da Cruz Machado 1820-1905 – 1875. 
 
 
http://www.iberoamericadigital.net/gdl/CompleteSearch.do?field=todos&text=Piauhy&pageSize=1&pageNumber=8
http://www.iberoamericadigital.net/gdl/CompleteSearch.do?field=todos&text=Piauhy&pageSize=1&pageNumber=8
34 
Mais tarde, o território foi sendo ocupado por fazendas de criatório de gado, pelo 
cultivo da lavoura de subsistência e pelo extrativismo, e brevemente passou a ser Freguesia 
Eclesiástica. A Freguesia de São Raimundo Nonato foi criada, em 1832, por meio do Decreto 
Regencial 8.832, na Região Confusões, recebendo a denominação de Freguesia Eclesiástica 
de São Raimundo Nonato. 
Anterior a isso, a área que correspondia à freguesia pertencia aos municípios de Jaicós 
e Jerumenha
17
. Em 1836, a Freguesia foi transferida para a Fazenda Jenipapo, onde, segundo 
Willian Palha Dias, dentre os motivos da transferência, destaca-se a possibilidade de maior 
desenvolvimento da região situada às margens do Rio Piauí, pois ali crescia um núcleo de 
população vinculada à lavoura e pecuária (DIAS, 2001). Ademais, 
 
A escolha recaiu no lugar Jenipapo, na confluência do Baixão Vereda com a 
margem esquerda do rio Piauí. A escassez de água potável, por certo, 
concorreu para que fosse escolhido aquele local tão sujeito a constantes 
inundações, porém, mais fácil seria, então escapar-se a uma repentina 
inundação que aos rigores de uma estiagem cuja duração não se poderia 
prever. (DIAS, 2000, p.32). 
 
O Distrito-Freguesia foi elevado à categoria de Vila em 1850, mantendo a mesma 
denominação e localização anterior, era marcada pela escassez de chuvas e devido a essa 
característica climatológica o modelo de produção agrícola era distinto das áreas litorâneas 
sendo, portanto, essencialmente voltado para o abastecimento do mercado interno. 
Segundo Ferreira (1959), a vila teve crescimento lento devido as secas decenais e as 
dificuldades decorrentes do desconhecimento da população em armazenar a produção agrícola 
excedente. Esses fatos contribuíram para que a população, ao ser atingida pelo flagelo da seca, 
acabasse por migrar para regiões vizinhas como Bom Jesus e Gilbués, áreas do Sudoeste do 
estado. No entanto, a região tornava-se favorável ao desenvolvimento da pecuária extensiva, 
que foi, até o final do século XIX, a atividade que impulsionou a economia na época. 
Em suas investigações sobre o sistema de ensino e a sociedade no Piauí em meados 
dos oitocentos, Alcebíades Costa Filho (2006) ressalta a importância da pecuária na ocupação 
do solo piauiense e, principalmente, para a constituição da sociedade piauiense. Para o autor, 
a política de desenvolvimento pensada no Império deu-se de forma desigual entre as 
 
17
 Segundo Miranda (2004, p. 26-27), “o aldeamento Nossa Senhora das Mercês, dos Jaicós, fundado em 1714, 
no lugar Cajueiro – lembrando que esses povos se rebelaram, mas foram novamente aldeados em 1731- deu 
origem à cidade de Jaicós.” De acordo com OLIVEIRA (2007, 38). “[...] a vila de Jerumenha, onde teria sido o 
antigo Arraial dos Ávila, com quatro moradores na sede e 692, em toda a freguesia, hoje cidade de Jerumenha.” 
35 
províncias, de maneira que o Piauí já sentia a crise na economia pecuarista logo no século 
XVIII. 
Problemas como a incapacidade da pecuária piauiense competir no mercado devido à 
permanência das técnicas tradicionais de produção foram cruciais para o aumento da crise 
econômica que o setor pecuarista sofria naquele momento (COSTA FILHO, 2006, p. 24-25). 
Além disso, a Província do Piauí vivenciou um período marcado por inúmeras transformações 
ao longo do século XIX, dentre elas ressalta-se a transferência da capital do município de 
Oeiras para a Vila do Poti, que, mais tarde, receberia o nome de Teresina. 
Mas qual o perfil da população que desenvolvia essas atividades econômicas e 
compunha a sociedade São Raimundo Nonato na época?De acordo com Claudete Dias (2006), estas terras que foram usurpadas dos nativos 
pimenteiras, prováveis ceramistas-agricultores, foram distribuídas entre familiares e 
companheiros de guerra dos sesmeiros e posseiros conquistadores. Rapidamente, a região foi 
ocupada por fazendas de gado e pela lavoura de subsistência, dando origem a uma nova 
atmosfera social, composta por famílias de sertanejos criadores de gado vacum e cavalar, e de 
agricultores. Ainda, segundo a autora, até 1890 esta era “uma sociedade rústica”, onde: 
 
As famílias de sertanejos viviam nas fazendas comendo o que plantava, 
vestindo o que teava com o algodão que produzia, era hospitaleira, 
respeitando a Deus, as leis e apego a terra. A convivência familiar ao 
contrário de outras regiões era marcada pelo contato amigável (DIAS, 2006, 
p. 9). 
 
Este modelo econômico, baseado na criação de gado, durou até o final do século 
XIX, quando entrou em decadência, dando lugar à economia extrativista da maniçoba
18
, que 
chegou a ser o impulso para o crescimento da Vila de São Raimundo Nonato entre o final do 
século XIX e início do XX. De acordo com Teresinha Queiroz: 
A exploração da maniçoba para a produção láctea tornou-se 
economicamente viável com alta nos presos internacionais da borracha na 
segunda metade do século XIX, e início do século XX, impulsionado pela 
demanda de países industrializados, sobretudo a Inglaterra, constituía o 
principal comprador e distribuidor dessa matéria-prima. (QUEIROZ, 2006, 
p.33). 
 
Conforme Ana Stela Oliveira (2001 p.73), “a maniçoba no Sudeste do Piauí era 
comercializada em Juazeiro na Bahia, e Petrolina em Pernambuco. Estas cidades separadas 
 
18
 A maniçoba é uma árvore pertencente ao gênero botânico Manihot Glaziowii, da família euforbiácea, própria 
do Nordeste brasileiro, é resistente ao período de seca, produz um látex que, no passado, era extraído durante 
todo o ano para a produção de borracha. 
36 
pelo rio São Francisco estão localizadas a uma distância de 300 quilômetros” da região de São 
Raimundo Nonato. 
Retomando os passos eclesiásticos, vale ressaltar que, apesar de ter se tornado 
Freguesia Eclesiástica e Vila (1832) em breve espaço de tempo, somente em 1876, a Igreja 
Catedral de São Raimundo Nonato foi construída, sob a orientação do Padre José Henrique 
Cavalcante. Nessa empreitada os habitantes do município colaboraram com as obras da igreja. 
Anterior à construção da igreja, os párocos da época realizavam as celebrações, os casamentos 
e batizados em atos de desobrigas pelas fazendas da região. 
Em conformidade com Willian Palha Dias, nesse período, “os habitantes da região se 
constituíam de poucos brancos, alguns mamelucos, negros e índios aldeados e um ou outro 
mulato desgarrado de outras freguesias” (DIAS, 2001, p. 10). Para o referido período, não 
encontramos nenhum censo populacional da região, porém, quando se analisam os dados do 
recenseamento geral do Império de 1872, o número de pardos é superior ao de brancos e 
negros, além disso, não se faz menção a nenhum aldeamento indígena para a região de São 
Raimundo Nonato no período em questão. 
Segundo o censo de 1872, o Piauí contava com uma população de 202.222 habitantes, 
sendo que havia 102.276 homens e 99.955 mulheres. Em 1822, o número de escravos em todo 
o Piauí era de 21.691, deste total, 1.247 encontrava-se em São Raimundo Nonato (CHAVES, 
1998, p. 194-195). Já no recenseamento geral do império de 1872, 50 anos depois, a 
população escrava de São Raimundo Nonato apresentava pouco mais de 500 escravos, de um 
total de 5.334 habitantes, ou seja, 88% da população eram pessoas livres, em sua maioria era 
proprietários de terras. 
Na tabela 1 (na sequência), que apresenta a distribuição populacional de São 
Raimundo Nonato a partir do recenseamento geral do império de 1872, podemos observar que 
o número de habitantes da vila de São Raimundo Nonato já era bastante expressivo. Embora a 
população livre seja muito superior a população escrava, o número de cativos para essa região 
também era significativo se considerarmos que a produção nas fazendas da freguesia esteve 
integrada em grande parte à economia de subsistência e ao mercado interno. Faz-se lembrar 
que, apesar da dinâmica econômica desta região não estar diretamente vinculada ao mercado 
37 
externo, registra-se o uso da mão de obra, mais especificamente da força de trabalho escrava 
na pecuária e nas lavouras das fazendas.
 19
 
 A tabela também apresenta a classificação da população escrava quanto à sua cor. 
Tanto para homens como para mulheres, a predominância é de escravos pretos, 
correspondendo a 55,4% do total de escravos. Os 44,6% restantes correspondem a escravos 
classificados como pardos. A mesma tabela também apresenta a classificação da população 
livre quanto a sua cor, sendo: 62% pardos, 26,6% brancos, 7,9% pretos e 3,6% do total de 
livres correspondiam aos caboclos. Essa classificação por cor além de referir às “[...] 
diferentes tonalidades da pele ou aos diversos graus de miscigenação” (LIBBY, 2010, p.48), é 
indicativa do lugar ocupado por escravos e libertos na hierarquia social. 
 Ao pesquisar os significados das representações de identidade em Minas Gerais entre 
os séculos XVIII e XIX, Douglas Libby (2010) apresenta algumas terminologias utilizadas 
para escravos e libertos e os seus possíveis significados. Segundo o autor, o pardo além de 
referir-se à tonalidade de pele também faz referência para certo grau de miscigenação, “[...] e, 
portanto, quase sempre possui vínculo ancestral ao cativeiro” (p. 40); o preto normalmente 
seria utilizado para referir-se a pessoas originárias da África; o caboclo designaria o mestiço 
de branco com índio. 
 Porém, na documentação pesquisada (assentos de batismo, registros de casamento, 
inventários post-mortem), encontramos outras terminologias que não aparecem nos dados do 
recenseamento para São Raimundo Nonato, é caso das terminologias crioulo e cabra. Ainda 
segundo os possíveis significados propostos por Douglas Libby, a primeira “constituía, 
sobretudo, uma referência à ascendência africana/escrava e, ao que tudo indica, perpassou 
várias gerações ao longo dos períodos Sete e Oitocentistas” (p. 49); já a segunda designaria “à 
prole de pais de origens mistas: um pardo (ou, talvez mais precisamente, a um mulato) e o 
outro crioulo ou africano (p. 50)”. O autor atenta para as possíveis mudanças que ocorrem em 
relação à utilização desses termos ao longo do tempo e do espaço, pois, em alguns 
documentos, um sujeito é classificado como pardo, negro, cabra, porém, em outro documento, 
essa designação pode ser diferente ou até mesmo nem existir referência à cor. Essa questão 
pode ser uma indicação de mobilidade social, pois “quando indivíduos ou até famílias inteiras 
passavam de pardos para serem consistentemente referenciados sem qualificação de cor, sem 
 
19
 A partir do levantamento documental de inventários post mortem e de testamentos acondicionados no Fórum 
da Comarca de São Raimundo Nonato, verificamos registros da existência de escravos entre os bens dos 
inventariantes, bem como de atividades desenvolvidas por estes cativos no interior das fazendas. 
38 
dúvida estamos diante de exemplos de embranquecimento e, portanto, de mobilidade social 
ascendente” (LIBBY, 2010, p.51-52). 
 
TABELA 1 – Quadro da População Livre e Escrava de São Raimundo Nonato por sexo e cor, 
1872. 
 
Cor 
População Livre População Escrava 
Homens Mulheres Total Homens Mulheres Total 
Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % 
Brancos 657 34,1 619 21,5 1276 26,6 0 0,0 0 0,0 0 0,0 
Pardos 1016 52,8 1961 68,1 2977 62,0 132 57,9 105 34,7 237 44,6 
Pretos 198 10,3 180 6,3 378 7,9 96 42,1 198 65,3 294 55,4 
Caboclos 53 2,8 119 4,1 172 3,6 0 0,0 0 0,0 0 0,0 
Total 1924 100 2879 100

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