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HISTÓRIA DO BRASIL COLÔNIA Caroline Silveira Bauer Expansão territorial Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Analisar a relação estabelecida entre metrópole e suas colônias. Caracterizar a estrutura administrativa no território colonial. Descrever a organização das capitanias hereditárias. Introdução O Brasil esteve sob domínio português durante mais de três séculos. Ainda que a cultura brasileira tenha sido composta a partir de influências africanas, europeias e indígenas, a estrutura formada para administração colonial reproduzia instituições e práticas jurídicas de conhecimento dos portugueses, ou seja, provenientes da Europa e do colonialismo. Por isso, ao tratar da estrutura administrativa, institucional e política da América portuguesa, o conceito de Antigo Regime nos trópicos é bastante eficaz para compreender as relações estabelecidas entre Portugal e sua colônia na América. Neste capítulo, você vai estudar as relações entre a metrópole e o Brasil Colônia no âmbito do Império Português. Conhecerá a estrutura administrativa da colônia, seus principais órgãos e suas funções. Além disso, compreenderá de que forma se deu a gestão da terra e sua pro- priedade, chegando ao regime das capitanias hereditárias. 1 A relação metrópole–colônia Para além das interpretações econômicas das relações estabelecidas entre a metrópole portuguesa e suas colônias na Ásia, África e América, existem aqueles historiadores que se preocuparam em compreender outras formas de relacionamento e reprodução de padrões comportamentais e de relacionamento metropolitano nos domínios ultramarinos. Além disso, as críticas contemporâneas à noção de absolutismo permiti- ram uma revisão nas interpretações sobre as relações entre a metrópole e a colônia, evidenciando a existência de uma autoridade negociada: “ao invés de metrópoles onipotentes e colônias submissas, teríamos contínuas negociações entre ambas” (FRAGOSO, 2002, documento on-line). Por isso, nosso foco neste capítulo será voltado à relação metrópole–colônia inserida na ideia da monarquia pluricontinental, um sistema político baseado em uma concepção corporativa e polissinodal da sociedade, ou seja, uma monarquia que se baseava em uma constelação de poderes concorrentes. Isso funcionava pelo sistema de mercês, elos de dependência e reciprocidade que, transpostos para a América lusa, configuravam o Antigo Regime nos trópicos (FRAGOSO; MONTEIRO, 2017). De acordo com Fragoso (2002, documento on-line): A presença do Antigo Regime não só era percebida nas rotas marítimas ou nos negócios cotidianos internos de Angola ou de Portugal, mas também tal presença deixou suas marcas em instituições como a Câmara Municipal e a Santa Casa de Misericórdia. De origem reinol, elas se espalharam por diferentes espaços ultramarinos: de Recife a Macau. Mais do que isto, as Câmaras serviam, à semelhança das lusas, como locus de negociação entre a “nobreza da terra” local e os poderes do centro. Portanto, em meio àqueles vários vínculos ultramarinos, não há por que se espantar com a existência de redes políticas que, partindo de Goa ou do Rio de Janeiro, chegavam ao paço lisboeta, sendo base de conf litos e negociações nos rumos do Império. Em outras palavras, podemos afirmar que as relações entre a metrópole e a colônia não se restringiam ao aspecto comercial, notadamente o exclusivo ou monopólio colonial, e não se enquadram em aspectos de dominação e subjugação, mas comportam espaços de negociação entre os colonos e en- tre os colonos e a metrópole. Conforme Fragoso, Gouvêa e Bicalho (2000, Expansão territorial2 documento on-line), essa abordagem tinha como objetivo “analisar o ‘Brasil Colônia’ através das relações econômicas com a Europa do mercantilismo [...] centrada na ênfase da oposição metrópole versus colônia e na contradição de interesses entre colonizadores e colonos”. Para citar apenas um dos autores que se inserem nesse quadro interpretativo, vamos analisar brevemente a relação que Caio Prado Júnior, em Formação do Brasil contemporâneo, estabelece entre a colônia e a metrópole. De acordo com o autor (PRADO JÚNIOR, 1971, p. 31–32): [...] se vamos à essência de nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros [...] e em seguida café, para o comércio europeu [...]. Foi com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem do interesse daquele comércio, que se organizaram a sociedade e a economia brasileiras. Tudo se disporá naquele sentido: a estrutura, bem como as atividades do país. Para o autor, ir à “essência de nossa formação” significa buscar um sentido para a colonização do Brasil de determinada forma. Trata-se da busca de um objetivo, que será um “objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesse daquele comércio [europeu]”, PRADO JÚNIOR, 1971, p. 31, acréscimo nosso). Percebe-se por essas afirmações que não haveria uma alternativa à colônia brasileira senão se organizar de acordo com os interesses metropolitanos portugueses. Portanto, a economia e sociedade brasileiras do século XVI ao século XIX organizaram-se a fim de atender a uma demanda externa. Aqui, pode-se perceber uma referência aos “ciclos de produção” brasileiros, primeiramente do cultivo do açúcar, em seguida do ouro, sucedido pelo café (PRADO JÚNIOR, 1971). A relação metrópole–colônia foi abordada pelo autor apenas por seu viés mercantil, ignorando as estruturas internas de economia e aspectos culturais e políticos na estruturação da sociedade. Já para compreender as relações metrópole e colônia a partir do viés pro- posto por Fragoso, Gouvêa e Bicalho (2000), é fundamental entender de que forma os privilégios influíam nessa relação e como importantes órgãos locais, como as câmaras e seus agentes, os administradores do ultramar, relacionavam-se com a metrópole. 3Expansão territorial Nessa nova percepção da relação da metrópole com a colônia, como se conformava a hierarquia social na América portuguesa? Além do aspecto econômico, essa hie- rarquia era construída por aspectos culturais e políticos, em que os grupos sociais se distinguiam e se reconheciam por “qualidades”. As pessoas de “melhor qualidade” seriam aquelas que governariam localmente nas câmaras. Esses cargos, seguindo o direito consuetudinário luso, poderiam ser hereditários, criando uma “governança da terra”, que deu origem a uma “nobreza da terra”, em uma hierarquia estamental e excludente. “Em outras palavras, algumas famílias detinham parte do mando local, por terem melhor qualidade que as demais mortais. Como tais, as primeiras famílias interferiam na vida da República e nos seus negócios, em particular no mercado. Neste ambiente, o cabedal [riqueza material] era visto como meio para sustentar a qualidade” (FRAGOSO, 2002, documento on-line). Dessa forma, não é de surpreender que no século XVI as “melhores famílias”, as com “mais qualidades”, fossem aquelas que aprisionavam indígenas e que traficavam africanos escravizados. Quanto aos privilégios, lembremos a existência do sistema de mercês e da “economia do dom”, que estabelecia uma série de redes clientelares, bem como a disputa pelos cargos concelhios, que permitiam ascender hierarqui- camente na colônia e utilizar instrumentos de negociação com a metrópole. O sistema de mercês consistia em uma rede clientelar de troca, que estabelecia elos de reciprocidade e dependência (FRAGOSO; MONTEIRO, 2017) em que a aristocracia, por ocupar certos cargos na colônia, recebia do rei novas concessões, em cargos, terras, títulos ou serviços. Esses privilégios acabaram formando uma “nobreza da terra”, que, muitas vezes, precisou negociar com a metrópole por áreas de atuação ou interesses divergentes. Segundo as análises de Fragoso, Gouvêa e Bicalho (2000), coma atribuição de cargos e ofícios civis e militares e a concessão de privilégios comerciais a indivíduos e grupos, foi possível formar uma cadeia de poder e redes de hierarquias que se formavam na metrópole e se estendiam até os colonos, com quem eram estabelecidos vínculos estratégicos. Através da distribuição de mercês e privilégios, o monarca não só retribuía o serviço dos vassalos ultramarinos na defesa dos interesses da cora e, portanto, do bem comum. Ele também reforçava os laços de sujeição e o sentimento de pertença dos mesmos vassalos à estrutura política do Império, garantindo a sua governabilidade. Materializava-se, assim, forjando a própria dinâmica da relação imperial, uma dada noção de pacto e de soberania, caracterizada por valores e práticas tipicamente do Antigo Regime, ou, dito de outra forma, por uma economia política de privilégios (FRAGOSO, GOUVÊA, BICALHO, 2000, documento on-line). Expansão territorial4 2 A estrutura administrativa da América portuguesa A estrutura administrativa da América portuguesa foi forjada nos quadros do sistema colonial, porém em uma tentativa explícita de transposição do modelo e dos valores portugueses de administração pública para a colônia. Esse modelo de administração passou por adaptações devido às especifi cidades da vida colonial e, pela autonomia administrativa de alguns órgãos, gerou-se confl itos com a metrópole. Nesta seção, veremos quais eram as principais instituições e órgãos da estrutura administrativa da América portuguesa que adquiriram mais es- pecialização depois da criação do governo geral. Até então, não havia essa burocracia, e determinadas figuras podiam exercer tarefas administrativas e judiciárias que, inúmeras vezes, sobrepunham-se às tarefas de outra autoridade, gerando inúmeros problemas. Podemos afirmar, desta forma, que os órgãos administrativos coloniais se dividiam em três grandes grupos: o militar, o da justiça e o da fazenda (FAUSTO, 1995). Em relação ao aspecto militar, afirma o historiador Boris Fausto (1995) que as forças armadas de uma capitania compunham-se da tropa de linha (contingente regular e profissional, composta quase sempre de regimentos portugueses), das milícias (tropas auxiliares, recrutadas entre os colonos, para serviço obrigatório e não remunerado) e dos corpos de ordenança (força local composta pelo restante da população masculina de 18 a 60 anos, exceto os padres). Quanto aos órgãos de justiça, que às vezes desempenhavam funções administrativas: eram representados pelos vários juízes, entre os quais se destacava o ouvidor da comarca, nomeado pelo soberano por três anos. Para julgar recursos das decisões, existiam os Tribunais da Relação, presididos pelo governador ou pelo vice-rei, a princípio só na Bahia e depois na Bahia e no Rio de Janeiro. Por sua vez, o principal órgão encarregado de arrecadar tributos e determinar à realização despesas era a Junta da Fazenda, presidida também pelo governador de cada capitania (FAUSTO, 1995, p. 64). Por fim, é importante fazer referência às câmaras municipais que, para muitos historiadores, eram os órgãos mais importantes da administração colonial. As Ordenações Manuelinas estabeleciam a vida administrativa das vilas e povoações, com estrutura jurídica semelhante às da metrópole. 5Expansão territorial O que eram as ordenações? O conjunto das leis de Portugal estava reunido em um código, chamado “ordenações”. As primeiras ordenações foram as Afonsinas, que, no começo do século XV, reuniram todas as leis vigentes no reino. No início do século seguinte, as leis foram recopiladas e publicadas em um novo código, chamado Ordena- ções Manuelinas, que permaneceram em vigor até 1603, quando, após novo trabalho de compilação e publicação, foram editadas as Ordenações Filipinas (TORRES, 2002). As câmaras eram sediadas nas vilas e nas cidades e eram compostas de membros natos (não eleitos) e de representantes eleitos. “Votavam nas elei- ções, que eram geralmente indiretas, os ‘homens bons’, ou seja, proprietários residentes na cidade, excluídos os artesãos e os considerados impuros pela cor e pela religião, isto é, negros, mulatos e cristão novos” (FAUSTO, 1995, p. 64). De acordo com Torres (2002, p. 27): Fundar e organizar municípios no Brasil foi para Portugal um fator de apre- ensão. De um lado, foi uma decorrência necessária do povoamento e defesa da terra, de sua exploração e das necessidades de tributação e arrecadação fazendária. Porém, especialmente nos dois primeiros séculos de colonização, as relações entre os conselhos municipais e o governo central, seja colonial ou metropolitano, foram muitas vezes de tensão. A amplidão do território gerou o isolamento e o autonomismo das povoações, característica que buscavam resguardar, defendendo seus interesses locais. As experiências das câmaras municipais variaram muito em todo o terri- tório português na América, algumas tornando-se a principal autoridade nas capitanias, sobrepondo-se aos governadores. As câmaras possuíam finanças e patrimônio próprios. Arrecadavam tributos, nomeavam juízes, decidiam certas questões, julgavam crimes como pequenos furtos e injúrias verbais, cuidavam das vias públicas, das pontes e chafarizes incluídos no seu patrimônio. Elas foram controladas, sobretudo até meados do século XVII, pela classe dominante dos proprietários rurais e expressavam seus interesses (FAUSTO, 1995, p. 64). Por fim, é necessário fazer referência à administração eclesiástica colonial. A jurisdição espiritual do território português na América pertencia à Ordem de Cristo, fundada em 1319, e depois passaria à diocese de Funchal. O padroado Expansão territorial6 possuía o direito de cobrar e administrar os dízimos eclesiásticos, que eram uma importante fonte de receita (SALGADO, 1985). Como contrapartida, deveriam expandir a fé cristã e criar e manter locais de culto; para isso, foram enviados “funcionários eclesiásticos” à colônia. Essa expressão demonstra “como a Igreja nascente nas terras americanas dependia do Estado português, situação que se prolongou por todo o período colonial [...]. Além da integração político-religiosa, a coroa se beneficiou, e muito, da sua condição de adminis- tradora dos dízimos eclesiásticos, em muitas regiões talvez a principal fonte da renda colonial” (SALGADO, 1985, p. 115). Ainda segundo Salgado (1985), das várias ordens atuantes no Brasil, as mais importantes foram a dos jesuítas, dos beneditinos, dos franciscanos e dos carmelitas, com atividades relacionadas à catequese, à educação (religiosa e laica), além das atividades econômicas. 3 As capitanias hereditárias As capitanias hereditárias foram a primeira forma de administração política da colônia, implementadas a partir de 1534. O sistema já havia sido empre- gado anteriormente nas colônias portuguesas no Atlântico, e sua reprodução na colônia americana deveu-se às difi culdades econômicas de Portugal em fi nanciar o empreendimento colonial. “O sistema de capitanias hereditárias existiu no Império Português por mais de três séculos, compreendidos entre a doação da primeira capitania, a do Machico, na Madeira, em 1440, e a incorporação das últimas que ainda havia (Funchal, Porto Santo e o mesmo Machico, todas na ilha da Madeira), em 1770, no contexto de centralização do poder no reinado de D. José I” (CABRAL, 2015, p. 65). A coroa portuguesa entregava lotes de terra, chamados donatarias, que variavam em extensão, aos interessados em explorá-las com recursos próprios, ou seja, por meio de capital privado. Entre 1534 e 1536, o rei de Portugal, D. João III, dividiu as possessões portuguesas na América em 15 donatarias, doando-as a 12 capitães-donatários, também chamados de governadores, mediante as cartas de doação. Esses homens não estavam subordinados a autoridade alguma dentro da colônia, o que gerou certa descentralização do poder (CABRAL, 2015). Boris Fausto (1995, p. 44) afirma que: “eles cons- tituíam um grupodiversificado, no qual havia gente da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum suas ligações com a coroa. [...] Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários, pois os negócios na Índia, em Portugal e nas ilhas atlânticas eram por essa época bem mais atrativos”. 7Expansão territorial Mediante outro documento, a “carta foral”, era estabelecida uma série de direitos e deveres do donatário. Boris Fausto (1995, p. 44) cita alguns desses deveres dos capitães-donatários: “os donatários receberam uma doação da coroa, pela qual se tornavam possuidores, mas não proprietários da terra. Isso significava, entre outras coisas, que não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rei o direito de modificá-la ou mesmo extingui-la”. Havia, no entanto, outros elementos na escolha desses donatários: eram homens que já haviam prestado algum serviço à coroa e que, além de povoar essas áreas, levariam a fé cristã a esses territórios (CABRAL, 2015). Em relação aos direitos, eles incluíam poderes administrativos e econômi- cos. Em relação ao aspecto administrativo, os capitães donatários “tinham o monopólio da justiça, autorização para fundar vilas, doar sesmarias, alistar colonos para fins militares e formar milícias sob seu comando” (FAUSTO, 1995, p. 44). Quanto ao aspecto econômico, os capitães-donatários poderiam doar sesmarias. “A atribuição de doar sesmarias é importante, pois deu origem à formação de vastos latifúndios. A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação — raramente cumprida — de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à coroa” (FAUSTO, 1995, p. 44–45). Os donatários também arrecadavam impostos dos sesmeiros caso esses desejassem instalar engenhos de açúcar e moinhos de água, além de armazenar sal. Também eram cobrados no caso da exploração do pau-brasil, de metais preciosos e de derivados da pesca (FAUSTO, 1995). Além disso, os donatários também podiam fundar vilas. As vilas eram administradas por um alcaide nomeado pelo donatário e pela câmara muni- cipal, onde atuavam os vereadores. De acordo com Boris Fausto (1995, p. 45): [...] ao instituir as capitanias, a coroa lançou mão de algumas fórmulas cuja origem se encontra na sociedade medieval europeia. É o caso, por exemplo, do direito concedido aos donatários de obter pagamento para licenciar a instalação de engenhos de açúcar; esse direito é análogo às ‘banalidades’ pagas pelos lavradores aos senhores feudais. Mas, em essência, mesmo na sua forma original, as capitanias representaram uma tentativa transitória e ainda tateante de colonização, com o objetivo de integrar a colônia à economia mercantil europeia. Seja como for, a administração colonial nos moldes das capitanias heredi- tárias não obteve os resultados esperados. Os capitães-donatários enfrentaram uma série de dificuldades, tais como a descentralização administrativa, au- sência de auxílio da coroa e falta de recursos, dificuldades de comunicação, Expansão territorial8 problemas na defesa do território, confronto com os indígenas, etc. (FAUSTO, 1995). A consequência foi a falência ou a renúncia de seus direitos e o aban- dono das capitanias por seus capitães-donatários, excetuando-se aquelas que obtiveram êxito, devido às atividades econômicas relacionadas à produção do açúcar e às negociações com os indígenas — a capitania de São Vicente e a capitania de Pernambuco (FAUSTO, 1995). Assim, foi criado o Governo Geral, mas o sistema de capitanias foi extinto somente em 1759. O Governo Geral Criado pela Carta Régia de 7 de janeiro de 1549, sua função era centralizar a administração colonial, sediada na capitania da Bahia. Conforme Guilherme Amorim Carvalho (2013), o Governo Geral não extinguiu o sistema das capi- tanias hereditárias, mas esse foi perdendo a importância devido à retomada das capitanias por parte da coroa e sua transformação em “capitanias régias”. Além disso, o rei limitou consideravelmente a alçada em assuntos de justi- ça que antes era conferida aos capitães-donatários, ainda proprietários das capitanias. A instituição do Governo Geral significou, assim, um reforço do sistema de capitanias, que não havia logrado garantir efetivamente a posse das terras americanas, e que nesse momento passaria a contar com maior intervenção régia. Nesse sentido, pode-se observar que a colonização das terras americanas pela coroa portuguesa apresentou uma dinâmica específica em comparação às outras áreas; seu objetivo imediato era a garantia da posse da terra, o que apenas se conseguiu por meio do povoamento de fato, e foi somente em razão dessa necessidade de ocupação e posse efetiva do território e, portanto, para oferecer um suporte econômico a esse povoamento, que se estabeleceu uma produção de gêneros para o comércio europeu (CARVALHO, 2013, documento on-line). Além dessa função administrativa, o Governo Geral deveria intensificar as ações de colonização por meio do povoamento; pacificar as relações com os indígenas; mediar as relações entre os capitães-donatários e os sesmeiros e enfraquecer a influência dos capitães-donatários; exercer o poder judiciário e militar na defesa da colônia; e estimular as atividades econômicas, princi- palmente a produção de cana-de-açúcar. De acordo com Boris Fausto (1995), a decisão de D. João III de estabelecer o Governo Geral do Brasil ocorreu em um momento de crise na carreira das Índias e de derrotas militares da coroa portuguesa no Marrocos. O sistema de organização política segundo o Governo Geral pode ser resumido da seguinte forma: 9Expansão territorial poder central: Governo Geral; poder regional: capitão donatário; poder local: câmara municipal. A colônia possuiu três governadores gerais. Vejamos alguns dos eventos de seus respectivos governos. O primeiro governador geral foi Tomé de Souza (1549–1553). Durante seu governo, fundou-se a primeira cidade brasileira, Salvador (1549), que se transformou na capital da colônia; podemos citar como um acontecimento de seu governo a vinda dos primeiros jesuítas da Companhia de Jesus e a introdução da pecuária na economia interna. De acordo com Boris Fausto (1995, p. 46): Tomé de Souza era um fidalgo sisudo, com experiência na África e na Índia. Chegou à Bahia acompanhado de mais de mil pessoas, inclusive quatrocentos degredados, trazendo consigo longas instruções por escrito conhecidas como Regime de Tomé de Souza. As instruções revelam o propósito de garantir a posse territorial da nova terra, colonizá-la e organizar as rendas da coroa. Foram criados alguns cargos para o cumprimento dessas finalidades, sendo os mais importantes o de ouvidor, a quem cabia administrar a justiça, o de capitão-mor, responsável pela vigilância da costa, e o de provedor-mor, en- carregado do controle e crescimento da arrecadação. O segundo governador geral foi Duarte da Costa (1553–1558). Seu governo enfrentou duas questões bastante importantes: o confronto entre jesuítas e sesmeiros em relação à escravidão indígena e a invasão francesa na região do Rio de Janeiro. Em seu mandato, foi fundada a cidade de São Paulo (1554) pelo padre jesuíta José de Anchieta (VAINFAS, 2000). O terceiro e último governador geral foi Mem de Sá (1558–1572). Em seu mandato, houve a introdução dos africanos escravizados na economia colonial. Mem de Sá foi responsável pela expulsão dos franceses do território português, fundando a cidade do Rio de Janeiro (1565) (VAINFAS, 2000). Após a morte de Mem de Sá, ocorrida em 1572, a coroa portuguesa di- vidiu o Brasil em dois governos gerais: o governo do norte, que abrangia o território da capitania de Porto Seguro à capitania de Pernambuco, com sede em Salvador, governado por Luiz de Brito; e o governo do sul, que abrangia o território da capitania de Ilhéus aos limites do território português no sul da colônia, com sede no Rio de Janeiro,governado por Antônio Salema. Lem- bremos que o limite ao sul era estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas, e que Expansão territorial10 seria frequentemente desrespeitado. Essa forma de administração da colônia fracassou e em 1578 Lourenço da Veiga foi nomeado único governador geral do Brasil, permanecendo no cargo até 1581. Posteriormente, houve uma nova divisão do território e em 1621, durante o domínio espanhol em função da União Ibérica, a administração colonial foi dividida em Estado do Maranhão e Estado do Grão-Pará, com o objetivo de melhorar as defesas do território e facilitar a comunicação com a metrópole. CABRAL, G. C. M. Os senhorios na América Portuguesa: o sistema de capitanias here- ditárias ea prática da jurisdição senhorial (séculos XVI a XVIII). Jahrbuch für Geschichte Lateinamerikas, v. 52, nº. 1, p. 65–86, dez. 2015. CARVALHO, G. A. O Governo-geral nas vertentes da historiografia brasileira. Revista Angelus Novus, ano 4, nº. 5, p. 25–43, jun. 2013. Disponível em: http://www.revistas. usp.br/ran/article/view/88872/91746. Acesso em: 20 mar. 2020. FAUSTO, B. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp, 1995. FRAGOSO, J. Afogando em nomes: temas e experiências em história econômica. Topoi, v. 3, nº. 5, p. 41–70, jul./dez. 2002. 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