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A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O IMPÉRIO DO BRASIL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA - Muaze E Salles

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A SEGUNDA ESCRAVIDÃO
E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Organizadores
casa leiria
A escravidão brasileira do século XIX, 
em sua época, foi vista como um legado colonial. 
Para seus opositores, tratava-se de um entrave a 
ser superado para a modernização do país; para 
os que dela viviam e extraíam seus lucros, um 
mal necessário que, em algum momento, viria 
a ser gradativamente eliminado no futuro. Essa 
visão da escravidão oitocentista como herança 
colonial, em que pesem as inúmeras ressalvas e 
críticas às concepções da História como um pro-
cesso evolutivo, ou talvez até por conta delas, 
tornou-se um lugar comum na historiografia sub-
sequente e mesmo atual. O conjunto de ensaios 
que compõem esse livro visa problematizar esse 
aparente consenso. 
O ponto de partida é a constatação de 
que a escravidão afro-americana no Brasil, assim 
como no Sul dos Estados Unidos e em Cuba, não 
só se manteve, mas expandiu-se e adquiriu po-
tência e dimensão inusitadas nos séculos ante-
riores. Nas palavras de Dale Tomich, que prefa-
cia a obra, ela se constituiu em uma verdadeira 
segunda escravidão que, longe de ser uma ins-
tituição do antigo regime ou do antigo sistema 
colonial, pressupôs o processo de construção de 
Estados nacionais e de expansão internacional 
do mercado capitalista, ao mesmo tempo em 
que foi uma de suas vertentes constitutivas. Do 
ponto de vista econômico, esse processo levou à 
maior procura por novas matérias-primas, como 
o algodão, e mercadorias tropicais como o café e 
o açúcar, produtos de consumo de massa incor-
porados à dieta básica dos trabalhadores e das 
classes médias europeias e norte-americanas. 
Do ponto de vista político, a Era da Revoluções 
abriu um quadro internacional de contestações à 
escravidão afro-americana, especialmente após a 
Revolução Haitiana, a primeira e única a pôr fim 
ao regime servil por obra dos próprios escravos. 
Nessas condições, a permanência e expansão da 
escravidão dependeram decisivamente da prote-
ção de Estados nacionais, integralmente escravis-
tas, como o Império do Brasil e os Estados Con-
federados da América, em sua breve e belicosa 
existência, ou que defendiam parcialmente sua 
manutenção, como os Estados Unidos, até 1860, 
e o Império espanhol. 
A Segunda Escravidão e o Império do Bra-
sil em perspectiva histórica trata a temática da se-
gunda escravidão como uma série de questões 
em aberto. A primeira parte do livro traz um 
debate mais abrangente sobre as articulações 
entre a segunda escravidão e o capitalismo his-
tórico. A segunda discute a segunda escravidão 
e a diversidade regional da economia brasileira 
no século XIX. A terceira considera a pertinência 
do uso do conceito para o estudo da economia 
colonial tardia na América portuguesa. A última 
parte aborda a questão teórica e metodológica 
da relação entre a perspectiva mais geral e tota-
lizante da segunda escravidão, a agência e a mi-
cro-história. Esses temas são abordados por his-
toriadores com visões distintas sobre o conceito 
de segunda escravidão, em seguida comentadas 
por debatedores, alguns dos quais críticos a essa 
concepção.
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO
E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
CASA LEIRIA
Ana Carolina Einsfeld Mattos
Gisele Palma
Haide Maria Hupffer
Isabel Cristina Arendt
Luciana Paulo Gomes
Luiz Felipe Barboza Lacerda
Márcia Cristina Furtado Ecoten
Rosangela Fritsch
Tiago Luís Gil
CONSELHO EDITORIAL
(Unisinos)
(IFRS)
(Feevale)
(Unisinos)
(Unisinos)
(UNICAP)
(Unisinos)
(Unisinos)
(UnB)
Editora Casa Leiria
Rua do Parque, 470 – B. Padre Reus
93020-270 São Leopoldo/RS
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO
E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Casa Leiria
São Leopoldo / RS
2020
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Organizadores
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O IMPÉRIO DO BRASIL
EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Organizadores
Revisão: Luiz Antonio Aguiar,
Marisa Sobral e
Gabriel Martins Gomes da Silva.
Edição: Casa Leiria.
Imagem da capa cedida pela Pinacoteca do Estado de São Paulo.
Johann Jacob Steinmann (Basiléia, Suíça,1804-1844),
“Plantaçaõ de café”, 1839.
Água-tinta e aquarela sobre papel, 11,9 x 16,8 cm.
Acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, Brasil. 
Coleção Brasiliana/Fundação Estudar.
Os textos e imagens são de responsabilidade de seus autores.
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, 
desde que citada a fonte.
Catalogação na publicação
Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB 10/973
Para os nossos alunos e colegas professores.
Senhores, a propriedade não tem somente 
direitos, tem também deveres, e o estado 
da pobreza entre nós, a indiferença com 
que todos olham para a condição do povo, 
não faz honra à propriedade, como não faz 
honra aos poderes do Estado. Eu, pois, se 
for eleito, não separarei mais as duas ques-
tões – a da emancipação dos escravos e a 
da democratização do solo. (Longos aplau-
sos.) Uma é o complemento da outra. Aca-
bar com a escravidão não nos basta; é pre-
ciso destruir a obra da escravidão.
(Joaquim Nabuco, discurso em um comício 
popular em sua campanha política no Reci-
fe, a 5 de novembro de 1884)1.
1 
1 Joaquim Nabuco, Campanha Abolicionista no Recife [1884]. Brasília: Edições do Senado Federal, 
2005, p. 58.
SUMÁRIO
13 APRESENTAÇÃO
Dale Tomich
19 INTRODUÇÃO
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
PARTE I 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO 
HISTÓRICO EM PERSPECTIVA ATLÂNTICA
27 A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O DEBATE SOBRE A RELAÇÃO ENTRE 
CAPITALISMO E ESCRAVIDÃO. ENSAIO DE HISTORIOGRAFIA
Ricardo H. Salles
53 UNIDADES DE ANÁLISE, JOGOS DE ESCALAS E A HISTORIOGRAFIA 
DA ESCRAVIDÃO NO CAPITALISMO
Leonardo Marques
75 COMENTÁRIO 
ESCRAVIDÃO HISTÓRICA E CAPITALISMO HISTÓRICO: NOTAS 
PARA UM DEBATE
Rafael Marquese
PARTE II 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E DIVERSIDADE 
ECONÔMICA E REGIONAL
93 RAÍZES ESCRAVAS DA INDÚSTRIA NO BRASIL
Luiz Fernando Saraiva
Rita Almico
121 ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO: DIMENSÕES DE UMA ECONOMIA 
REGIONAL NO SÉCULO XIX
Walter Luiz C. de M. Pereira
141 COMENTÁRIO 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E RAÍZES ESCRAVAS DA MODERNIZAÇÃO 
CAPITALISTA DO BRASIL
Renato Leite Marcondes
145 COMENTÁRIO 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO, ESPAÇOS ECONÔMICOS E 
DIVERSIFICAÇÃO REGIONAL NO BRASIL IMPERIAL
Gabriel Aladrén
PARTE III 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E PERÍODO COLONIAL TARDIO
175 A INSERÇÃO DOS INGLESES NO IMPÉRIO PORTUGUÊS: O CASO 
DA FAMÍLIA GULSTON NO RIO DE JANEIRO, c.1710-c.1720
 Carlos Gabriel Guimarães 
205 O ANACRONISMO DE UM ATAVISMO? A PROPÓSITO DA SEGUNDA 
ESCRAVIDÃO SOB ÉGIDE MERCANTILISTA
Carlos Leonardo Kelmer Mathias
223 COMENTÁRIO 
BENEFÍCIOS E LIMITES DA SEGUNDA ESCRAVIDÃO COMO 
MÉTODO PARA UMA RAZÃO DIALÉTICA
Rodrigo Goyena Soares
PARTE IV 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO, MICRO-HISTÓRIA E AGÊNCIA
241 SEGUNDA ESCRAVIDÃO E 
MICRO-HISTÓRIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL
Mariana Muaze 
261 MICROANÁLISE E SEGUNDA ESCRAVIDÃO: A NARRATIVA DOS 
INDIVÍDUOS E A MODERNIDADE ESCRAVISTA NO VALE DO CAFÉ
Thiago Campos Pessoa
279 A SEGUNDA ESCRAVIDÃO: O RETORNO DE QUETZALCOATL?
Waldomiro Lourenço da Silva Júnior
287 COMENTÁRIO 
PARA UMA NOVA DIMENSÃO DOS ESTUDOS SOBRE A HISTÓRIA 
DA ESCRAVIDÃO: DIÁLOGOS ENTRE A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E A 
MICRO-HISTÓRIA
 Mônica Ribeiro de Oliveira 
295 OS AUTORES
13
APRESENTAÇÃO
Dale Tomich1
A segunda escravidão é um conceito aberto que tem o objetivo 
de repensar a relação entre capitalismo e escravidão e as causas para a 
destruição desta última no oitocentos. A ideia nasceu de minha insatis-
fação com histórias lineares da escravidão que a veem, de alguma forma, 
como incompatível com o capitalismo industrial e as ideias liberais de 
propriedade e liberdade. Minha percepção inicial derivou da comparação 
do desenvolvimento da escravidão de plantation na Martinica e em Cuba 
ao longo do século XIX. As evidências não se ajustavam à visão linear 
sobre o capitalismo e a escravidão. O desenvolvimento do capitalismo 
industrial e do mercado mundial acentuaram rigidezes espaciaise sociais 
que levaram à crise da escravidão e do sistema de plantation na Martinica. 
Em Cuba, esses mesmos processos estimularam a expansão sem prece-
dentes da produção açucareira e a reconfiguração da escravidão. Uma 
vez rompida essa visão linear de progresso e do tempo histórico, um 
novo modo de ver a relação capitalismo-escravidão emergiu, especial-
mente nas zonas centrais produtoras de commodities em Cuba, Sul dos 
Estados Unidos e Brasil (Tomich, 1994). 
A visão linear é, hoje, menos predominante, mas o problema de 
como interpretar a relação entre capitalismo e escravidão permanece. 
Tanto a Nova História Econômica quanto a Nova História do Capitalismo 
reconhecem o caráter capitalista da escravidão. A primeira assimila a es-
cravidão à moldura abstrata e universal do mercado de trocas fornecida 
pela economia neoclássica onde tudo – e nada – é capitalista. A lucrati-
vidade e a produtividade são demonstradas nesse quadro, mas essa con-
cepção, sem espaço e sem tempo, é indiferente à segunda escravidão. Ela 
preocupa-se apenas com o input marginal do trabalho e não distingue o 
trabalho escravo de outras formas de trabalho produtoras de mercado-
rias. Senhores e escravos respondem aos estímulos do mercado através 
de escolhas econômicas racionais. A relação senhor-escravo é deslocada 
1 Fernand Braudel Center – Universidade de Binghampton.
14
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
para esfera política e ideológica e as causas morais e políticas da eman-
cipação são enfatizadas. 
A Nova História do Capitalismo também trata a escravidão como 
capitalista, mas, diferentemente da Nova História Econômica, reconhece 
o seu caráter específico. Os escravos são vistos como propriedade que 
era vendida e comprada. Eles não faziam escolhas racionais no mercado. 
As estruturas de força e coerção que instituíam a escravidão e organiza-
vam o processo de trabalho. Contudo, essa abordagem simplesmente 
junta capitalismo e escravidão como entidades separadas. Tipicamen-
te, capitalismo e escravidão são formulados como um par interligado. 
A segunda escravidão é entendida, eventualmente, como escravidão do 
capitalismo ou mesmo como capitalismo da escravidão. Trata-se do que 
Maria Sylvia de Carvalho Franco descreveu como “uma dualidade integra-
da” e não uma “unidade contraditória” (Franco, 1976, p. 11). 
Cada uma dessas abordagens, a seu modo, trata a escravidão e a 
relação senhor-escravo como um conceito fechado em si e internamente 
integrado que está ligado externamente a – ou é influenciado por – outras 
relações autonomizadas do mesmo tipo (Sayer, 1987). Há aqui uma clara 
distinção entre o que é “interno” e “externo” em um sistema escravista. 
Diferentemente de tais formulações, a abordagem da segunda escravidão 
trata a escravidão e a relação senhor-escravo como relações históricas 
concretas e substantivas. Vistas dessa perspectiva, as relações escravistas 
históricas reais são constituídas não apenas pela forma das relações se-
nhor-escravo, mas também, por um lado, por processos de produção ma-
terial específicos (açúcar, café, algodão), pela ecologia e pela geografia, 
e, por outro, por sua posição relativa na divisão internacional do trabalho 
e no mercado mundial (que se constitui de uma configuração histórica 
particular da inter-relação econômica entre produção, distribuição, tro-
cas e consumo). Consequentemente, cada formação escravista forma um 
complexo histórico-geográfico específico (Godinho, 1961) no interior da 
divisão mundial do trabalho que se transforma historicamente. Em cada 
um desses casos a relação senhor-escravo adquire características especí-
ficas que a distingue de outras formações escravistas desse tipo. (Aqui o 
foco na economia e na produção de mercadorias, apesar de importante 
por si só, visa também fornecer um fio condutor para o estudo dos aspec-
tos políticos, sociais e culturais da segunda escravidão.)
Deste ponto de vista, escravidão e trabalho assalariado são partes 
constitutivas de um todo econômico-mundial abrangente. Não são consi-
derados como duas entidades isoladas, mas como polos de uma mesma 
relação. São inter-relacionados e mutuamente formativos; diferenciáveis, 
15
Apresentação
porém inseparáveis. O capitalismo é um atributo do todo econômico-
-mundial e não de uma de suas partes tratada de modo isolado. Aqui 
reside a reformulação essencial oferecida pela perspectiva da segunda 
escravidão: não o capitalismo definido por uma concepção abstrata de 
trabalho assalariado e capital; não a escravidão definida como não capi-
talista pela ausência de trabalho assalariado, ou capitalista por produzir 
para um mercado; não a economia-mundo como um “todo” fixo que pai-
ra sobre as suas partes constitutivas. E sim o capitalismo histórico: uma 
concepção de capitalismo que transcende as definições abstratas para 
focar na interdependência concreta e histórica, na interação e na forma-
ção mútua das redes de relações histórico-geográficas diversas que cons-
tituem o capitalismo mundial. Vista por essa perspectiva, a escravidão é 
capitalista (ou, mais precisamente, uma forma específica de capital), e o 
capitalismo é um todo estruturado multiforme e diferenciado que abarca 
tanto a escravidão quanto o trabalho assalariado, dentre outras formas. 
Nesse quadro, a segunda escravidão aponta para as mudanças na 
relação entre a escravidão e o trabalho assalariado quando este e o capi-
tal industrial se tornaram o centro organizador dos processos de acumu-
lação mundial do século XIX, gerando novos espaços produtivos e novos 
ritmos temporais. Aqui, nenhuma formação escravista específica é como 
qualquer outra. Semelhanças e diferenças aparecem não através de uma 
comparação formal entre “casos” independentes, mas como pontos de 
partida para uma investigação que busque diferenciar e especificar cada 
formação e analisar sua inter-relação e interação no interior das estrutu-
ras mais abrangentes do capitalismo histórico. Tais investigações podem 
examinar a relação entre a segunda escravidão e os regimes escravistas 
que a precederam, com as formas de trabalho no pós-abolição ou entre 
diferentes formações da própria segunda escravidão. Consequentemen-
te, o conceito de segunda escravidão não descreve as histórias nacionais 
específicas de Brasil, Cuba e Estados Unidos como reações aos estímulos 
externos da revolução industrial, descolonização e consolidação de um 
mercado mundial no século XIX. Em vez disso, ele aponta para a criação 
de novos espaços econômicos e políticos por meio da expansão e inten-
sificação do trabalho escravo como parte de uma reestruturação históri-
ca da economia-mundo oitocentista. O foco é nos processos históricos 
que formam cada espaço geográfico e econômico e em como a nossa 
compreensão de cada espaço contribui para o nosso entendimento das 
relações específicas que formam a economia-mundo. 
O conceito de segunda escravidão é construído, desse modo, a 
partir de um quadro teórico distinto que abarca o capitalismo histórico e 
16
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
o Atlântico no oitocentos, que depende de uma forma de análise e expli-
cação histórica metodologicamente distinta (Tomich, 2018). É desse pon-
to de vista que os capítulos de A Segunda escravidão e o Império do Brasil em 
Perspectiva Histórica podem ser avaliados. Ao levantar a questão de como 
entender e escrever a história de um espaço particular com a abordagem 
metodológica e teórica oferecida pela segunda escravidão, eles oferecem 
uma contribuição teórica e historiográfica à crescente produção acadê-
mica realizada sob essa perspectiva. Não se trata da história particular de 
uma unidade nacional específica. Tampouco, se trata de simplesmente 
de explicitar a estrutura do todo econômico-mundial e explicar a história 
nacional por meio de sua posição nesse todo. Essas duas alternativas 
são descartadas. Em vez disso, os artigos consideram o Brasil como uma 
unidade de ação socialconstituída no interior dos processos formativos 
das economias-mundo e atlânticas, ao mesmo tempo que contribui para 
a formação do capitalismo mundial. Isto é, eles historicizam o Brasil, que 
aparece como uma zona de convergência de múltiplos campos de força 
com tamanho, duração e força variáveis, como objeto de investigação. O 
objetivo é especificar os processos e relações que formam e reformam 
o Brasil, estabelecendo suas interações e formação mútua na conjuntura 
histórica específica da segunda escravidão. As relações, e consequente-
mente as próprias unidades de observação são, assim, modeladas e re-
modeladas continuamente pelos próprios processos sob investigação. Os 
autores deixam aberta a questão em torno das fronteiras dos processos 
avaliados em vez de presumir que tais limites estão dados. Eles tratam as 
delimitações do Brasil como uma unidade de observação que é formada 
nas relações em transformação do capitalismo histórico, do Atlântico e 
do espaço nacional, em vez de uma demarcação fixa entre o que é in-
terno e o que é externo. Ao mesmo tempo, atentam para as diferenças 
espaciais e temporais tanto no Brasil quanto entre o Brasil e outras zonas 
da economia-mundo oitocentista. Partindo do modelo conceitual da se-
gunda escravidão eles buscam explorar novas questões que atravessam 
múltiplas escalas espaço-temporais: o desenvolvimento de formações 
regionais no Brasil, a escravidão em diversos setores econômico-sociais 
e seu papel no desenvolvimento socioeconômico, e as condições para a 
hegemonia dos grupos políticos e econômicos que unificaram o espaço 
nacional. A atenção para a micro-história também nos lembra dos limites 
de uma história conceitual. O foco no micro não é na pequena escala e 
sim na ação individual irredutível (a “margem especulativa não suprimí-
vel”) que se encontra atrás do que Carlo Ginzburg chama de “equalização 
dos indivíduos” que inevitavelmente acompanha a generalização concei-
17
Apresentação
tual (Ginzburg, 1993). O exame dessas agências individuais heterogêneas 
ilumina seus contextos históricos ou revela atos que, por meio de sua re-
petição contínua, assumem características estruturais e efetividade cau-
sal. Os autores vão além do modelo conceitual oferecido pela segunda 
escravidão para incorporar tais processos históricos e depois retornam 
ao começo para progressivamente modificar o modelo à luz de suas pes-
quisas. Dessa forma, eles estendem e aprofundam criticamente a nossa 
compreensão da segunda escravidão e do capitalismo mundial por meio 
da construção de uma imagem mais complexa do capitalismo histórico 
no Brasil e do Brasil no capitalismo histórico. Ao fazê-lo, oferecem no-
vas soluções para antigos problemas enquanto também formulam novas 
questões. O valor do livro está tanto no que fizeram quanto em como o 
fizeram. 
Referências
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens Livres na Ordem Escravocrata. 
São Paulo: Editora Ática, 1976.
GINZBURG, Carlo. Microhistory: Two or Three Things I Know about It, 
Critical Inquiry 20, 1, 1993, p. 10-35.
GODINHO, Vitorino Magalhães. “Complexo Histórico-Geográfico.” In J. 
Serrão (ed.), Dicionario de História de Portugal. Porto: se, 1961.
SAYER, Derek. Violent Abstractions: The Analytic Foundations of Historical 
Materialism. Oxford: Basil Blackwell, 1987.
TOMICH, Dale. Small Islands and Huge Comparisons: Caribbean Planta-
tions, Historical Unevenness, & Capitalist Modernity, Social Science 
History 18, 3, 1994, p. 339-358.
TOMICH, Dale. 2018. The Second Slavery and World Capitalism: A Per-
spective for Historical Inquiry, International Review of Social History 
63, 3, 2018, p. 477-501.
19
INTRODUÇÃO
Mariana Muaze
Ricardo H. Salles
Longe de ser uma instituição moribunda 
durante o século XIX, a escravidão demonstrou 
toda a sua adaptabilidade e vitalidade.
Dale Tomich (Pelo prisma da escravidão).
Nos últimos anos, os estudos sobre a escravidão oitocentista 
têm tomado uma nova dimensão com a ideia de que essa escravidão 
não seria apenas remanescente do regime colonial, mas uma escravidão 
em interação com a construção de Estados nacionais e com a expansão 
internacional do mercado capitalista. Portanto, uma escravidão renova-
da, uma segunda escravidão, conforme conceito cunhado pelo historiador 
norte-americano Dale Tomich (1988). Essa segunda escravidão se expan-
diu exatamente no momento em que a escravidão colonial era abolida 
pela Revolução Haitiana e por guerras e reformas em outras regiões 
americanas. Ela alimentou e, ao mesmo tempo, derivou de um conjun-
to de tendências e acontecimentos históricos na virada do século XVIII 
para o XIX, cujo epicentro foi a Revolução Industrial e a consolidação 
da hegemonia britânica no plano internacional. Esses acontecimentos 
e processos levaram à maior procura por novas matérias-primas, como 
o algodão, e mercadorias tropicais como o café e o açúcar, que se tor-
naram produtos de consumo de massa ao serem incorporados à dieta 
básica dos trabalhadores e das classes médias urbanas. Nas novas regiões 
– Cuba, Sul dos Estados Unidos e Vale do Paraíba no Brasil – a escravidão 
se expandiu em escala maciça, antes nunca experimentada, para atender 
a uma crescente demanda mundial por estas commodities. Nessas áreas, 
à margem do comércio Atlântico até fins do Setecentos, surgiram imen-
sas plantations cultivadas intensamente através da mão de obra negra 
africana e viabilizadas através do tráfico Atlântico. Seu modus operandi se 
diferenciava da escravidão colonial por suas conexões com os Estados, 
a formação de classes senhoriais de caráter regional e mesmo nacional, 
a modernidade tecnológica, principalmente com investimentos em fer-
rovias e máquinas de desenvolvimento agrícola, os bancos nacionais e 
estrangeiros, e o compromisso com a alta produtividade. Assim, durante 
20
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
a segunda escravidão, os centros escravistas emergentes se constituíram 
como partes fundamentais do mercado industrial e de sua cadeia produ-
tiva, impulsionando a expansão e a reprodução do capitalismo no mun-
do. Desse modo, o conceito de segunda escravidão traz como princípio e 
proposição fundamental assinalar e investigar as relações historicamente 
intrínsecas, mesmo quando contraditórias, entre o desenvolvimento do 
capitalismo e da escravidão no século XIX. 
Não se trata apenas de uma questão de interpretação sobre o 
passado. A reflexão sobre as relações entre capitalismo e escravidão no 
Mundo Atlântico e no Brasil em particular traz consigo o problema his-
tórico de como a escravidão moldou o capitalismo brasileiro no século 
XIX e na atualidade. Na base das grandes fortunas das elites pós-inde-
pendência estão os lucros provenientes do tráfico internacional (legal 
ou ilegal) de escravos, do comércio de artigos ligados à escravidão, da 
expropriação de direitos e da exploração do trabalho de inúmeros criou-
los, africanos e africanos livres por gerações. Por mais que a campanha 
abolicionista e o movimento dos escravos pela emancipação tenham sido 
vitoriosos no 13 de Maio, eles não foram capazes de se transformar em 
lutas nacionais por direitos sociais e igualdade racial. Hoje, mais de 130 
anos depois, essa pauta é cada vez mais urgente no país que mais mata 
jovens negros em idade entre 15 e 29 anos, que possui a quinta maior 
taxa de feminicídio do mundo, sendo a maioria das vítimas mulheres 
negras, e que insiste em retirar direitos das populações mais pobres em 
prol de um capitalismo de agenda neoliberal. Tais índices não são meros 
acidentes de percurso. Eles têm fundamento histórico e se justificam, 
dentre outras coisas, pela construção de uma nação calcada na hierarquia 
e na exploração da mão de obra escrava. 
A partir desse pano de fundo, um grupo crescente de pesquisa-
dores, nacionais e estrangeiros, têm se voltado para o uso do conceito 
de segunda escravidão, no sentido de abrir novos problemas e roteiros 
investigativos dentro do campo dos estudosda escravidão. Boa parte 
desse esforço se realizou, direta ou indiretamente, através de uma rede 
internacional de pesquisadores articulados em torno da Second Slavery 
Research Network, que tem seu centro de animação no Fernand Braudel 
Center for the Study of Economies, Historical Systems, and Civilizations, em 
Binghamton, EUA. No Brasil, o debate foi fomentado, principalmente, 
no âmbito do Laboratório de Estudos sobre o Brasil e o Sistema Mundial (La-
b-Mundi/USP), que organizou, entre outros eventos, o seminário inter-
nacional e o livro homônimo Escravidão e Capitalismo histórico no século 
XIX (Marquese; Salles, 2016), e do grupo interinstitucional O Império do 
21
Introdução
Brasil e a Segunda Escravidão (antigo Vale do Paraíba e a segunda escravi-
dão). Este último foi formado, em 2010, por pesquisadores, professores 
e alunos de graduação e pós-graduação da UNIRIO, MAST, UFF, USP, 
UNIFESP, UFJF e UFSC, e promoveu, além de seminários internos, diver-
sas edições do simpósio temático O Vale do Paraíba, a Segunda Escravidão 
e a Civilização Imperial nos Encontros Regionais da Associação Nacional 
dos Historiadores (ANPUH), seção Rio de Janeiro, dos anos de 2012, 
2014, 2016 e 2018. Como resultado, foram publicadas a coletânea O 
Vale do Paraíba e o Império do Brasil nos quadros da Segunda Escravidão 
(Muaze; Salles, 2015) e, agora, o livro que o leitor tem em mãos, que 
consagra os 10 anos do grupo. 
Em abril de 2016, em uma reunião do grupo O Império do Brasil 
e a Segunda Escravidão, realizada em Vassouras, Rio de Janeiro, foi ava-
liada a importância de promover um evento não endógeno, almejando 
o amplo debate com historiadores não inteiramente familiarizados ou 
mesmo contrários ao conceito de segunda escravidão, mas que se dis-
pusessem a discuti-lo no âmbito da historiografia brasileira. O evento, 
intitulado Segunda Escravidão: desafios e potencialidades, ocorreu em abril 
de 2017 e contou o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento 
Científico e Tecnológico – CNPq, que também patrocinou a publicação 
desta obra. O seminário foi organizado a partir de quatro eixos temáticos 
propositalmente escolhidos por serem pontos nevrálgicos do embate de 
opiniões interno e externo aos pesquisadores do grupo. Estes eixos ago-
ra nomeiam as quatro partes deste livro: segunda escravidão e capitalis-
mo histórico em perspectiva atlântica; segunda escravidão e diversidade 
econômica e regional; segunda escravidão e período colonial tardio; e 
segunda escravidão, Micro-História e agência. 
A primeira traz o debate entre Ricardo Salles e Leonardo Mar-
ques, com comentários de Rafael Marquese, acerca das relações entre se-
gunda escravidão e capitalismo. Ricardo Salles, utilizando-se do conceito 
gramsciano de bloco histórico, salienta a importância dos processos de 
construção do Estado nacional e da formação de classes dominantes es-
cravistas nacionais para entendermos a segunda escravidão como um 
sistema próprio, ainda que integrado ao desenvolvimento do mercado 
internacional capitalista, que se tornou contraditório e antagônico ao de-
senvolvimento interno de relações sociais capitalistas. Leonardo Marques 
adota uma perspectiva global, na qual a segunda escravidão constituiria 
uma das múltiplas formas de trabalho que caracterizariam diferentes es-
paços de produção integrados no desenvolvimento do capitalismo global 
do século XIX, que transcenderia, assim, as fronteiras políticas nacionais. 
22
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
Em seus comentários, Rafael Marquese propõe o investimento em uma 
teoria dos tempos históricos que permita aos historiadores da escravidão 
transitarem pelos ritmos próprios dos processos históricos em questão e 
que traga ao proscênio as relações entre teoria e historiografia.
Luiz Fernando Saraiva e Rita Almico, em texto conjunto, e Wal-
ter Luiz Pereira são os autores dos dois capítulos da segunda parte que 
receberam comentários de Renato Marcondes e Gabriel Aladrén. Dedi-
cando-se ao tema da diversidade econômica e regional, os trabalhos cri-
ticaram a noção de arcaísmo e os limites que a mesma impõe à análise 
da sociedade e da economia luso-americanas nos séculos XVIII e XIX. No 
artigo Raízes escravas da indústria no Brasil, Rita Almico e Luiz Fernando 
Saraiva utilizam-se do conceito de segunda escravidão para proporem 
uma compreensão da economia brasileira no Oitocentos que destaque 
sua complementaridade e integração com o mercado mundial pela via 
da escravidão. Desta forma, além da região Centro-Sul, o Sul e o Nordes-
te do Brasil seriam economias regionais com culturas baseadas na mão 
de obra escrava, com desdobramentos para a urbanização, industrializa-
ção e modernização de serviços etc. O texto de Walter Luiz Pereira traz 
um estudo detalhado da região de Campos dos Goytacazes, aponta sua 
grande prosperidade econômica e tecnológica na segunda metade do 
século XIX e relaciona esse desenvolvimento com a segunda escravidão 
e a expansão do capitalismo no mundo. Os comentários de Renato Leite 
Marcondes e Gabriel Aladrén discutem a própria percepção de região dos 
autores e nos levam a pensar sobre como o processo de modernização da 
economia brasileira deitou raízes profundas na escravidão.
A terceira parte do livro discute a Segunda Escravidão e o período 
colonial tardio. Em seu capítulo, Carlos Gabriel Guimarães busca pensar a 
economia setecentista e a inserção de negociantes ingleses no Império 
Colonial Português, através do caso dos negociantes ingleses Joseph e 
Ralph (ou Raphael) Gulston, que atuaram na Cidade do Rio de Janeiro, no 
período de 1710 a 1720, mas mantiveram uma poderosa rede mercantil 
com negócios em Nova York, Lisboa, Ilha da Madeira, Costa da Mina e An-
gola. Já Carlos Leonardo Kelmer Mathias discute o conceito de segunda 
escravidão e sua eficiência para analisar as relações sociais de produção 
escravista à luz do sistema mercantilista. Essas colocações são comenta-
das por Rodrigo Goyena Soares, a partir de uma reapreciação do conceito 
de segunda escravidão à luz da Crítica da Razão Dialética, de Sartre. 
A quarta e última parte contém três artigos sobre Segunda Es-
cravidão, Micro-História e Agência que refletem, cada um a sua maneira, 
acerca dos desafios e ganhos interpretativos do conceito de segunda es-
23
Introdução
cravidão para as pesquisas que enfocam, mais diretamente, as vidas dos 
sujeitos históricos, sejam senhores, escravos, homens e mulheres livres 
e pobres etc. Enquanto Mariana Muaze e Waldomiro Lourenço da Silva 
Júnior apresentam discussões teórico-metodológicas sobre a relação en-
tre segunda escravidão e a Micro-História, e o lugar da estrutura e da 
experiência na análise histórica; Thiago Campos Pessoa toma o caso dos 
irmãos Breves, importantes traficantes e senhores de escravos e terras 
no Vale do Paraíba Fluminense para pensar a segunda escravidão no Bra-
sil Império. O debate é pontuado por Mônica Ribeiro de Oliveira no texto 
Para uma nova dimensão dos estudos sobre a história da escravidão: diálogos 
entre a segunda escravidão e a Micro-História.
Certamente, o que o leitor irá encontrar a seguir não são confor-
midades e unanimidades. Pelo contrário, desde que o seminário e o livro 
foram rascunhados, seus organizadores almejaram provocar o embate, a 
polêmica e o dissenso em torno dos desafios e potencialidades do con-
ceito de segunda escravidão e suas relações com o capitalismo. O que se 
almeja é a retomada, em novas bases, como a própria noção de segunda 
escravidão indica, das discussões acaloradas que já foram de grande im-
portância para os estudos da escravidão e que, nos últimos anos, ficaram 
encobertas por um certo consenso superficial sobre a importância da dis-
cussão de questões teóricas e de natureza mais ampla para a construção 
do conhecimento histórico. Nesta obra, mais do que um caminho único a 
ser seguido, apostamos na potência do debate historiográfico e dos dife-
rentes pontos de vista para os estudos daescravidão. Contudo, pelo me-
nos entre os autores vinculados ao grupo de estudos interinstitucional O 
Império do Brasil e a Segunda Escravidão, vigora a ideia de que capitalismo 
e escravidão no longo século XIX não foram, desde sempre, sistemas 
incompatíveis, sendo aquele mais moderno e este mais atrasado. Ao con-
trário, as relações entre a segunda escravidão e o capitalismo integraram 
uma totalidade complexa e contraditória que não pode deixar de ser 
levada em consideração no entendimento das relações entre senhores, 
escravos e demais grupos sociais. Apesar das divergências, e mesmo que 
as metodologias de análise variem, acredita-se que escravidão não mais 
pode ser vista como uma entidade abstrata, sempre igual a si mesma. 
Portanto, este livro é menos uma bússola dotada de um norte 
que sempre aponta caminhos certeiros e únicos para se trabalhar com os 
conceitos de segunda escravidão, capitalismo e sociedades escravistas; 
e mais um mapa composto de vários caminhos e trajetos passíveis de 
serem percorridos, onde o leitor pode se perder e se achar, à luz de um 
debate historiográfico qualificado e atualizado sobre o tema.
PARTE I 
SEGUNDA ESCRAVIDÃO E CAPITALISMO 
HISTÓRICO EM PERSPECTIVA ATLÂNTICA
27
A SEGUNDA ESCRAVIDÃO E O DEBATE 
SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CAPITALISMO E 
ESCRAVIDÃO. ENSAIO DE HISTORIOGRAFIA
Ricardo H. Salles
Para discutir a questão das relações entre capitalismo e escravi-
dão no século XIX, esse ensaio vai tratar, principalmente, dos Estados 
Unidos. Isto porque foi lá que o problema dessas relações se apresentou 
de forma mais aguda e porque, em certa medida, é lá que essa questão, 
depois de ficar adormecida por pelo menos duas décadas, volta, hoje, às 
discussões historiográficas. O tema, no entanto, não é apenas de interes-
se norte-americano, mas também brasileiro, uma vez que o Brasil foi a 
outra grande nação escravista do século XIX. 
A escravidão no Sul dos Estados Unidos e no Brasil no século 
XIX foi objeto de comparação em texto de Richard Graham, publicado 
em 1990. Segundo o historiador norte-americano, o fato de que os Esta-
dos Unidos, na mesma época, também estivessem se transformando em 
uma grande economia industrial levou a que a historiografia do país no 
período fizesse comparações entre o Norte, onde se desenvolvia esse 
capitalismo, e o Sul escravista, onde isso não ocorreu. Diversos pesqui-
sadores, principalmente Eugene Genovese e Elizabeth Fox-Genovese, tal-
vez os mais afamados historiadores da escravidão estadunidense naquele 
período, argumentavam que, isoladamente, tratava-se da principal causa 
dessa diferença. O fato de que o Brasil e outras regiões escravistas tam-
bém não tivessem se industrializado parecia corroborar essa avaliação. 
Entretanto, apesar de concordar em linhas gerais com os Genovese, na 
comparação entre o grau de desenvolvimento do Velho Sul e do Brasil, 
Graham considerava que outros fatores deveriam ser levados em conta. 
O Sul era bastante adiantado e, até mesmo, industrializado, se compara-
do com outras sociedades escravistas, para que a escravidão fosse consi-
derada a única linha divisória entre desenvolvimento e atraso econômi-
cos. Certamente, o Sul não era tão industrializado quanto o Norte, mas 
poucas áreas do mundo, naquela época, o eram. Assim sendo, outros 
fatores, de ordem cultural, poderiam melhor avaliar e descrever o dina-
28
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
mismo, ou a falta dele, das economias escravistas. Comparar o Sul com 
o Brasil poderia aumentar significativamente nosso entendimento sobre 
a instituição da escravidão e sua relação com o desempenho econômico 
(Graham, 1990, p. 97).
Quando Graham publicou a primeira versão reduzida de seu tex-
to, em 1981, o debate sobre as relações entre escravidão e capitalismo 
nos Estados Unidos, que vinha desde, pelo menos, os anos de 1960, es-
tava em seu auge.1 Eugene Genovese, para ficar no autor mais consa-
grado, em livro de 1967, assinalava o atraso econômico das economias 
escravistas, se comparadas com as economias capitalistas. Esse atraso 
econômico manifestava-se em termos de menor taxa de crescimento, de 
diversificação de atividades, menor volume da produção, de avanço tec-
nológico e de expansão do consumo e incremento do padrão de vida. 
Simplificando em muito a discussão, dois fatores distinguiriam o capi-
talismo da escravidão. Por um lado, o trabalho livre e assalariado seria 
superior ao trabalho escravo em termos de produtividade. Por outro, 
também a mentalidade mais racional, mercadológica,2 objetivando o lu-
cro dos empresários capitalistas, seria mais eficaz do que a mentalidade 
patriarcal dos senhores de escravos, focada principalmente na busca de 
status e poder. Tal mentalidade, advinda das relações sociais escravistas, 
os impediria de optar racionalmente pela exploração dos trabalhadores 
livres, que lhes seria, em tese, mais vantajosa (Genovese, 1976 [1967]). 
Essas ideias foram atacadas por estudos cliométricos, que busca-
ram demonstrar que o trabalho escravo era tão ou mais produtivo do que 
o trabalho assalariado livre da época. Portanto, a opção econômica pela 
escravidão era altamente lucrativa e, assim, racional e capitalista. Nessa 
interpretação, até mesmo a superioridade dos padrões de vida dos traba-
lhadores livres em relação aos escravos era colocada em questão (Fogel; 
Engerman, 1995 [1974]). Outros historiadores, sem corroborar essa últi-
ma conclusão, viram os senhores sulistas como verdadeiros capitalistas, 
que exploravam os trabalhadores escravos assentando essa exploração 
em uma dominação racial (Oakes, 1998 [1982]). Em livro posterior, escri-
to a quatro mãos, Genovese e sua esposa, Elizabeth Fox-Genovese, reco-
nheceram que os senhores de escravos sulistas, ao lado de sua mentali-
1 Essa primeira versão apareceu na Comparative Studies in Society and History, v. 23, n. 4, p. 
620-655, out. 1981. Uma versão em português, sob o título Escravidão e desenvolvimento 
econômico: Brasil e Estados Unidos no século XIX, apareceu em 1983, na Estudos Econômicos, 
São Paulo, v. 13, n. 1, p. 223-257. 
2 Empregarei a palavra mercadológica no sentido de atividade voltada para o mercado com 
fim de obtenção de lucro, sem o sentido usual relativo ao marketing, enquanto conjunto de 
práticas e saberes específicos relativos ao mercado. 
29
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
dade patriarcal e paternalista, tinham uma forte propensão para o lucro 
e para o mercado. No entanto, mantiveram a caracterização do Sul como 
uma sociedade e uma economia escravistas e pré-capitalistas, e continua-
ram a considerar as relações de trabalho e de propriedade como critérios 
fundamentais para definir a natureza das sociedades. Nesse sentido, a 
característica distintiva do capitalismo seria a transformação da força de 
trabalho em uma mercadoria que pode ser comercializada no mercado, 
o que só passou a acontecer plenamente com o advento da indústria 
moderna. No Sul, ao contrário, prevaleciam as relações de trabalho e de 
propriedade escravistas (Fox-Genovese; Genovese, 1983). 
Graham concordava com essa definição, mas advertia que isso 
não deveria se transformar em uma tautologia, que visse nas relações 
de trabalho assalariadas a própria causa do surgimento do capitalismo 
(Graham, 1990, p. 98). Outros fatores, de ordem cultural, teriam de ser 
levados em consideração para explicar o surgimento desse sistema e 
responderiam pelas distintas formas de desenvolvimento entre as so-
ciedades, inclusive entre aquelas com relações de trabalho da mesma 
natureza. A comparação entre o Sul dos Estados Unidos e o Império do 
Brasil, ao salientar a profunda defasagem, em termos de desenvolvimen-
to econômico, entre as duas sociedades igualmente escravistas, atestava 
este fato. O exercício de comparação permitia ainda que os historiadores 
pudessem “se livrar da falácia simplista de concluir que o que aconteceutinha que acontecer” (Graham, 1990, p. 97). 
Capitalismo e escravidão no debate teórico-histórico
O perigo da tautologia apontado por Graham está sempre pre-
sente no trabalho do historiador. No caso das relações entre capitalismo 
e escravidão, não apenas em relação ao primeiro termo, mas também em 
relação ao segundo, ainda que, na maioria das vezes, de maneira desper-
cebida. Analisar as relações entre capitalismo e escravidão remete sem-
pre, implícita ou explicitamente, a uma discussão sobre o que venha a ser 
capitalismo, mas não do que estamos falando quando utilizamos o termo 
escravidão. Os sentidos dicionarizados dessas palavras deixam isso claro. 
Para capitalismo, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa traz duas acep-
ções principais. Em Economia, trata-se de “sistema econômico baseado 
na legitimidade dos bens privados e na irrestrita liberdade de comércio e 
indústria, com o principal objetivo de obter lucro”. Em Sociologia, é um 
“sistema social em que o capital está em mãos de empresas privadas ou 
30
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
indivíduos que contratam mão de obra em troca de salário”.3 Ambos os 
aspectos dicionarizados, o econômico e o sociológico, são conceituais. 
Dizem respeito a um sistema, econômico ou social, e estão contidos e 
se combinam em quase todas as definições teóricas e interpretações his-
tóricas mais aprofundadas do que foi e do que tem sido o capitalismo. 
Sem aprofundar uma discussão conceitual mais elaborada, pode-se dizer 
que há duas grandes tendências teórico-historiográficas a esse respeito. 
Uma primeira tendência assinala, como aspecto fundamental do capita-
lismo, a propriedade privada e a produção voltada para o mercado, para 
o lucro e para a acumulação pela acumulação. Ainda que na definição 
dicionarizada não haja menção a qualquer forma de trabalho, no campo 
teórico e historiográfico essa tendência assume que o assalariamento 
seria a principal, mas não exclusiva, forma de trabalho do capitalismo, 
podendo conviver em determinadas fases e situações, por exemplo, na 
Época Moderna, e/ou em determinadas zonas, nas periferias, com outras 
formas de trabalho, como o escravo, o servil, o forçado, o familiar. 
A segunda tendência, na linha daquela esposada por Graham, se-
guindo os Genovese, e aqui defendida, vê na generalização das relações 
de trabalho assalariado o aspecto central e distintivo do capitalismo. 
Dessas relações, decorre um regime específico de propriedade privada 
em que os trabalhadores são desprovidos de seus meios de trabalho e 
subsistência, mas gozam de direitos sobre si mesmos e da propriedade 
sobre sua força de trabalho, sem o que esta não poderia ser vendida e 
comprada no mercado. 
Esse sistema não nasceu pronto. Foi fruto de um longo processo 
de transformações históricas, desencadeadas em determinadas regiões 
da Europa Ocidental, a partir dos séculos XV e XVI, estendendo sua domi-
nação em escala planetária, principalmente pelo mundo atlântico. Essas 
transformações envolveram, por um lado, a expropriação dos trabalha-
dores de seus meios de subsistência, isto é, dos seus meios de produção, 
obrigando-os a vender sua força de trabalho no mercado. Por outro, im-
plicaram a acumulação de capital nas mãos de uma classe, a burguesia, 
com disposição e meios para comprar essa força de trabalho em troca de 
salários. 
Mais especificamente, tudo isso se deu com a desapropriação 
dos camponeses de suas terras e/ou das terras comunais; a revitalização 
do comércio e das finanças; a penetração do capital na organização e, a 
partir do século XVIII, principalmente, no controle da produção artesanal 
3 Dicionário Houaiss da língua portuguesa online. Disponível em: https://houaiss.uol.com.br/
pub/apps/www/v3-3/html/index.php#3. Acesso em 25 mai. 2018. 
https://houaiss.uol.com.br/
31
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
com as manufaturas domésticas e coletivas. Em escala atlântica, envol-
vendo a América e a África, e secundariamente outras regiões do mundo, 
acarretou a exploração colonial, a escravização de africanos, o trabalho 
forçado de trabalhadores americanos, o extermínio de populações intei-
ras, pirataria e guerras. 
A partir de fins do século XVIII, até a primeira metade do XIX, 
em determinadas áreas da Europa Ocidental, notadamente na Inglaterra, 
e mesmo no Norte dos Estados Unidos, o capital penetrou no interior 
do próprio processo de trabalho com o advento da indústria moderna 
e a subordinação completa do trabalho ao capital. Na fábrica moderna, 
o trabalhador individual, já despossuído de seus meios de subsistência, 
deixou de contar com sua destreza individual, tornando-se parte de um 
corpo mais amplo, o trabalhador coletivo, inteiramente subsumido ao 
capital-máquina. Foi nesse momento que o capital no processo produti-
vo, mas também se estendendo por todas as esferas da vida econômica, 
passou a se acumular em ritmo e escala nunca antes experimentados, em 
um processo de ação ampliada, de forma aparentemente espontânea, 
através do livre jogo do mercado de compra e venda de mercadorias, 
inclusive de força de trabalho. É possível que isso ocorra porque toda 
forma econômica depende de aparatos político-jurídicos, assim como de 
práticas, crenças e concepções culturais que garantam suas condições 
de reprodução. O fato de que, no capitalismo, esses nexos não sejam 
imediatamente percebidos não os torna menos reais, nem menos efe-
tivos.4 Somente nesse momento, em que se consolida como tendência 
dominante na primeira metade do século XIX, é que se pode falar de ca-
pitalismo enquanto um sistema socioeconômico propriamente dito. Não 
por acaso, foi nessa altura que o neologismo foi cunhado e passou a ser 
empregado nas línguas das principais regiões em que essa nova forma de 
produção se desenvolvia: inglês, francês e alemão.5 
A contraposição entre essas duas tendências na discussão sobre 
a natureza do capitalismo reflete e, ao mesmo tempo, implica diferentes 
interpretações do processo histórico e de eventos específicos. Não se 
trata de uma sequência lógica imediata, do tipo se esta concepção teórica, 
4 Sobre processo histórico de formação do capitalismo e a subordinação completa do trabalho 
ao capital, O Capital e os Grundrisse, assim como seus muitos comentaristas, permanecem 
como primeira referência (Marx, 1971; 2011).Ver também Harvey (2013). Sobre o debate a 
respeito do capitalismo, ver Hilton; Dobb; Sweezy et al. (1977), Aston; Philpin (1987) e Wood 
(2017). 
5 Raymond Williams rastreou também as palavras capital e capitalista na língua inglesa (Wil-
liams, 2007 [1983], p. 70-72). Fernand Braudel o fez com ênfase no francês (Braudel, 1996 
[1979], p. 201-216). 
32
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
logo aquela análise historiográfica, mas de uma correspondência não linear, 
entre teoria e interpretação historiográfica. Entre o constante ir e vir da 
teoria à historiografia, há espaço para contradições, hiatos, omissões, 
correções. A correspondência entre historiografia e teoria é sempre im-
perfeita e inconclusa. Refazer e aclarar os nexos dessa correspondência 
deve servir para enriquecer o conhecimento historiográfico e também o 
teórico. Se levada ao extremo teórico-abstrato, a discussão torna-se fala-
ciosa, nominativa, formalista, irredutível e bizantina. Cai-se, facilmente, 
na tautologia assinalada acima, que Graham apontou em suas considera-
ções. Varrer o debate para debaixo do tapete em nome da superioridade 
da análise empírica e daquilo que os documentos dizem, por sua vez, não 
resolve o problema. É um retorno, muitas vezes disfarçado, ou mal dis-
farçado, em técnicas e metodologias de pesquisa sofisticadas, à falácia da 
História metódica, dita positivista, do século XIX. É uma forma de natura-
lizar conceitos e noções, implícitas ou ditas de passagem, que informam 
e informaram a imaginação dos historiadores, dosagentes históricos e 
de seus tempos. 
Isso pode ser constatado quando verificamos a falta de penetra-
ção de uma discussão teórica e historiográfica na definição dicionarizada 
do vocábulo escravidão. Segundo o Houaiss, escravidão é a “condição de 
escravo”, sendo que escravo é “... aquele que, privado da liberdade, está 
submetido à vontade absoluta de um senhor, a quem pertence como 
propriedade”. O antônimo de escravidão é liberdade. Há ainda uma se-
gunda definição, segundo a qual a escravidão é um “sistema socioeco-
nômico baseado na escravização das pessoas; escravismo, escravagismo, 
escravatura”.6 
Liberdade, propriedade e escravidão, no entanto, nem sempre 
tiveram o mesmo conteúdo no processo histórico. Deixando de lado a 
Antiguidade, pode-se dizer, simplificadamente, que essa constelação se-
mântica foi uma, no período colonial, marcado pelo Antigo Regime e pela 
sujeição à Metrópole; e outra, no século XIX, marcado pela ascensão dos 
Estados nacionais, do liberalismo, do abolicionismo e pela inserção das 
economias escravistas na economia-mundo dominantemente capitalista. 
No primeiro caso, a liberdade, além de antônimo da escravidão, era tam-
bém, em larga medida e entre outras coisas, a liberdade de escravizar e 
ter escravos. Não qualquer um, nem em qualquer lugar, mas africanos ne-
6 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa online, ibidem. Não deixa de ser significativo, para 
os propósitos deste texto, que o neologismo escravismo não exista na língua inglesa. Signi-
ficativo também é o fato de que, ainda segundo o Houaiss, sua aparição dicionarizada em 
português, de 1885, anteceda a de capitalismo, que é de 1899.
33
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
gros e seus descendentes, na África e na América. No século XIX, quando 
a liberdade ganhou o sentido de antônimo da escravidão, inclusive com 
sua extensão para o campo moral e político, essa constelação semântica 
foi se desfazendo com a deslegitimação, primeiro, do direito de escra-
vizar, e, segundo, da própria propriedade escrava. Essas mudanças se-
mântico-conceituais não aconteceram em um vazio, mas acompanharam 
transformações e incidiram sobre as economias e sociedades escravistas. 
Numa primeira leitura, tais mudanças e transformações pareceram ter 
um sentido linear, da escravidão ao capitalismo, e da escravidão à liber-
dade, acarretando ou acompanhando seu desaparecimento. Entretanto, 
no Sul dos Estados Unidos, no Brasil e em Cuba, a escravidão do século 
XIX esteve longe de ser apenas uma herança evanescente do passado 
colonial. Nessas regiões, conheceu um dinamismo e uma dimensão nun-
ca antes experimentada no período colonial. Mais do que isso, vemos 
a escravidão como a principal base material para a construção desses 
Estados nacionais liberais e do Segundo Império Espanhol. 
A segunda escravidão 
Percebendo essas diferenças significativas entre a escravidão 
colonial e a escravidão do século XIX, principalmente no plano econô-
mico, e antevendo suas consequências mais amplas, o historiador nor-
te-americano Dale Tomich formulou, em 1988, o conceito de “segunda 
escravidão”. O conceito, revisado em capítulo de livro de 2004 (Tomich, 
2011 [2004]), tem ganhado crescente aceitação entre os historiadores 
da escravidão afro-americana do século XIX, tanto nos Estados Unidos 
quanto no Brasil. Numa leitura pontual, indica quatro especificidades his-
tórico-estruturais da escravidão afro-americana que seriam próprias do 
século XIX no Sul dos Estados Unidos, no Brasil, particularmente no Vale 
do Paraíba e suas zonas adjacentes, e em Cuba. 
Em primeiro lugar, enquanto declinava ou entrava em processo 
de abolição em outras regiões das Américas, a escravidão afro-americana 
renovou-se e se expandiu, em escala inédita nessas áreas. Em segundo 
lugar, isso ocorreu em íntima conexão com o desenvolvimento do capita-
lismo industrial e a consolidação da hegemonia internacional britânica, 
fatores que, direta ou indiretamente, contribuíam para o declínio e a 
abolição da escravidão no restante das Américas. Em terceiro lugar, a se-
gunda escravidão fez parte e nutriu-se do mesmo processo de expansão 
do mercado internacional correlato ao desenvolvimento do capitalismo 
34
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
industrial. Finalmente, as zonas produtivas da segunda escravidão ca-
racterizaram-se pelo emprego de modernas tecnologias, tanto no que 
diz respeito ao aspecto técnico e à organização do processo de traba-
lho e produção, quanto no que concerne aos meios de transporte e aos 
mecanismos de comercialização e financiamento, em escala nacional e 
internacional. 
Ao salientar esses elementos, Tomich explicitamente diferencia-
va sua interpretação de três concepções que, até então, haviam tratado 
da escravidão moderna em suas relações com o desenvolvimento do ca-
pitalismo: a concepção da New Economic History norte-americana, exem-
plificada no livro de William Fogel e Stanley Engerman, Time on the cross 
(Fogel; Engerman,1974); a marxista, personificada por Eugene Genovese, 
em The political economy of slavery (Genovese, 1976 [1967]); e a do “mo-
derno sistema-mundo”, de Immanuel Wallerstein, então consubstanciada 
nos três volumes de The modern world-system (Wallerstein, 2011 [1974], 
2011 [1979] e 2011 [1980]).7 Segundo Tomich, a New Economic History ge-
neralizava e utilizava indiscriminadamente categorias econômicas aplicá-
veis ao capitalismo como fatores universais, mas válidos e encontráveis 
também na economia escravista. Assim, deixava de lado as particularida-
des históricas das relações sociais escravistas. 
Genovese, ao contrário, veria escravidão e capitalismo como sis-
temas incompatíveis, este mais moderno, fundado na generalização das 
relações sociais baseadas na exploração do trabalho livre e assalariado, e 
aquele como pré-capitalista e atrasado. A escravidão moderna havia sido 
uma fase necessária no processo histórico de acumulação primitiva de 
capitais, condição necessária para o surgimento do capitalismo, equipa-
rado à universalização das relações de trabalho assalariado como forma 
de produzir mais valor. Mas, a partir de fins do século XVIII, pela natureza 
mesma de suas relações de trabalho escravistas, com suas implicações 
sociais, políticas e culturais, havia se tornado um obstáculo à formação 
e à expansão do capitalismo, enquanto modo de produção pleno. A es-
cravidão no Sul dos Estados Unidos, desenvolvendo-se como um sistema 
social e econômico integrado, com a generalização, a centralidade e a 
reprodução em escala ampliada das relações de propriedade e trabalho 
escravistas, havia gestado uma classe dominante peculiar, com sua pró-
pria visão de mundo, na qual o ruralismo e o patriarcalismo desempe-
nhavam papel central. Tudo isso entrava em choque com o capitalismo, 
com sua busca do lucro e da acumulação pela acumulação, e seus valores 
7 Um quarto volume, sobre o século XIX, principalmente em seus aspectos políticos, apareceu 
em 2011 (Wallerstein, 2011). 
35
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
do individualismo, do imperativo e da superioridade do trabalho livre e 
assalariado. 
Finalmente, Wallerstein veria o “moderno sistema-mundo” como 
uma só estrutura histórica empírica internacional, capitalista, vigente 
desde o século XVI. Ainda que passando por transformações internas, a 
característica central dessa estrutura era sua divisão em zonas centrais, 
semiperiféricas e periféricas. A cada uma dessas zonas, corresponderia 
uma forma específica de trabalho: livres, no centro, formas de parceria, 
na semiperiferia, e coercitivas, incluindo a escravidão, na periferia. O sis-
tema como um todo, através da integração dessas diferentes zonas e 
suas formas de trabalho, estaria voltado para a produção dirigida ao mer-
cado mundial e para a realização do lucro. Classes e nações hegemônicas 
seriamaquelas que dominariam os circuitos desse mercado mundial, fi-
cando, assim, com a maior parte do sobretrabalho produzido e realizado 
no sistema. Nesse sentido, a escravidão não apenas seria compatível com 
o capitalismo, mas estaria mesmo em sua essência enquanto um modo 
de produção periférico. 
Por razões que não cabe aqui analisar, o conceito de segunda 
escravidão hibernou entre sua primeira formulação, de 1988, e sua cres-
cente utilização por estudiosos da escravidão afro-americana do século 
XIX a partir de fins da primeira década do século XXI.8 Nos Estados Uni-
dos, Christopher Schmidt-Nowara, pioneira e isoladamente, o utilizou, 
em 1999, em concomitância com a ideia de “segundo império”, para dar 
conta da vitalidade e das novas condições da escravidão cubana e por-
to-riquenha no Novo Império Colonial Espanhol do século XIX (Schmidt-
-Nowara, 1999). 
No Brasil, a penetração do conceito de segunda escravidão no 
meio acadêmico experimentou um percurso algo distinto. Em 2004, Ra-
fael Marquese o empregou, em Feitores do corpo, missionários da mente, 
para dar conta das especificidades da administração dos escravos no Bra-
sil, nos Estados Unidos e em Cuba no século XIX (Marquese, 2004). Em E 
o Vale era o escravo, de 2008, analisei a escravidão de Vassouras e, por ex-
tensão, do Vale do Paraíba, como segunda escravidão (Salles, 2008). Me-
nos do que acentuar o papel da escravidão no desenvolvimento de uma 
economia capitalista nessas regiões, até porque tal desenvolvimento não 
ocorrera em Cuba e no Brasil, tratava-se de salientar o caráter moderno, 
não arcaico, dessa escravidão. Em texto de cunho teórico-historiográfico 
de 2013, Marquese retomou e aprofundou o tema, ainda que sem empre-
8 Para uma discussão sobre o assunto, ver Marquese; Salles (2016). 
36
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
gar o conceito de segunda escravidão, e tratando da escravidão também 
no século XVIII e não apenas no XIX. Considerou que o abandono do 
conceito de capitalismo por correntes historiográficas predominantes na 
análise da escravidão brasileira do XIX – grosso modo a historiografia do 
sentido arcaico da escravidão brasileira e a historiografia com ênfase na 
agência escrava – conduziu a um descaso com os processos históricos 
de longa duração e com os quadros globais do capitalismo histórico, nos 
quais se inscreveu o sistema escravista brasileiro. Perdia-se assim a rique-
za do acúmulo intelectual produzido anteriormente, na qual a discussão 
da relação entre escravidão e desenvolvimento capitalista dependente, 
periférico e excludente no país representava aspecto central (Marquese, 
2013a). 
Três grandes vertentes interpretativas nessa tradição assinalaram 
lugares distintos para a escravidão na história brasileira. A primeira a viu 
como momento na formação de uma sociedade e uma economia colo-
niais, depois semicoloniais e semifeudais. A segunda analisou a escravi-
dão como um dos mecanismos de integração dependente da economia 
colonial no sistema capitalista dominado pelo mercantil internacional. 
Finalmente, a terceira e mais recente interpretação a considerou como 
elemento definidor de um modo de produção próprio, o escravista co-
lonial. Em todos esses casos, a escravidão foi vista como um óbice ao 
desenvolvimento de um capitalismo robusto e autônomo, nos moldes 
do capitalismo estadunidense.9 A comparação com os Estados Unidos, 
explícita ou implicitamente, fazia sentido na medida em que ambas as 
sociedades tinham um passado colonial, abrangiam territórios de dimen-
sões continentais e, principalmente, traziam a marca da escravidão afro-
-americana em sua formação. 
Tal debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão teve 
sua contraparte norte-americana. Neste país, também, escravidão foi 
considerada um obstáculo ao desenvolvimento capitalista, que teria sido 
uma decorrência da economia livre e não escravista do Norte. Na visão 
do historiador marxista Eugene Genovese, que teve grande influência 
na historiografia brasileira e a quem retornarei adiante, a economia e 
a sociedade do Velho Sul haviam constituído uma civilização em sua in-
tegralidade, pré-capitalista, paternalista e patriarcal, ancorada na escra-
vidão. Como tal, havia sido um entrave, que necessariamente teve de 
ser superado para o desenvolvimento do capitalismo (Genovese, 1976 
[1967]). Na década de 1970, no entanto, houve quem salientasse o ca-
9 Como representantes dessas vertentes, ver, respectivamente, Sodré (1964 [1962]), Prado Jr. 
(1973 [1942]) e Gorender (1978). 
37
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
ráter capitalista, quer dizer, racional, voltado para o mercado, lucrativo, 
altamente rentável e tecnológico, da escravidão sulista (Fogel; Engerman, 
1995 [1974]). Outros contestaram ainda que a escravidão sulista estives-
se ancorada em uma sociedade de natureza pré-capitalista, patriarcal e 
paternalista, como queria Genovese (Oakes, 1998 [1982]). 
O capitalismo da escravidão
O debate sobre capitalismo e escravidão atingiu seu auge exa-
tamente nos anos de 1980, ao final dos quais, lembremos, Dale Tomich 
forjou a noção de segunda escravidão.10 Em seguida, a discussão hiber-
nou, sufocada por sucessivas viradas que dominaram as historiografias 
norte-americana e atlântica da escravidão moderna nas últimas décadas: 
virada cultural, micro-histórica, narrativa e da agência, especialmente da 
agência escrava. Hoje, ao que parece, numa nova virada, a da História 
Global, a questão é retomada, ainda que se querendo nova em folha. 
Essa nova interpretação historiográfica é expressa no volume coletivo 
organizado por Sven Beckert e Seth Rockman, intitulado Capitalismo da 
escravidão, e sintetizada na introdução por eles redigida, que sumarizo e 
comento a seguir (Beckert; Rockman 2016, p. 1-27). 
De acordo com essa perspectiva, a economia escravista do Sul 
teria desempenhado um papel crucial no deslanche do desenvolvimento 
capitalista estadunidense. Reconhecer esse fato desafiaria um dos mitos 
mais persistentes na história americana, que vê a escravidão como uma 
instituição meramente regional, certamente indispensável para a com-
preensão do Sul, mas de importância insignificante para a nação como 
um todo (Beckert; Rockman, 2016, p. 6). A plantation e a fábrica compu-
nham uma mesma e coerente economia nacional, avaliação que, segundo 
esses autores, era menos controversa, há 175 anos, do que é hoje. O 
capitalismo estadunidense não teria decolado superando a escravidão, 
um obstáculo a seu desenvolvimento, como na versão até então predo-
minante, mas teve, na escravidão, a raiz de sua pujança. 
Esta centralidade da escravidão na economia nacional pode ser 
demonstrada por alguns fatos: até 1860, o algodão foi o principal produto 
de exportação do país; o capital representado pelo estoque de escravos 
era maior do que aquele representado por todas as ferrovias e fábricas nor-
te-americanas; capitais estrangeiros garantiam a expansão territorial das 
plantations pela Luisiana e pelo Mississipi; a maior concentração de energia 
10 Para um sumário do debate, ver Smith (1998).
38
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
a vapor do país encontrava-se ao longo do Rio Mississipi e não do Merri-
mack (Beckert; Rockman, 2016, p. 1-2). A massa de capitais concentrados 
em mãos de plantadores sulistas era gigantesca. Eram comerciantes e ban-
queiros nortistas, em grande parte, que comercializavam e financiavam a 
produção sulista, auferindo com isso grandes lucros. Na administração de 
seus negócios, os plantadores escravistas visavam o lucro e a acumulação. 
Sua mentalidade era similar à de seus congêneres capitalistas do Norte. As 
plantations e a economia do Sul eram tecnologicamente avançadas, empre-
gando máquinas e métodos modernos de gerenciamento do trabalho e de 
contabilidade. Toda a região contava com uma sofisticada infraestrutura 
de transportes.Numa palavra, o Sul era tão moderno quanto o Norte. As 
pretensões de patriarcalismo e paternalismo dos plantadores caminhavam 
junto com as práticas de busca da maximização dos lucros e com a sacra-
mentalização da propriedade privada, “tornando cada vez mais infrutíferas 
as rotulações dos senhores de escravos como pre, proto ou quasi-capitalis-
tas” (Beckert; Rockman, 2016, p. 14).
Tudo isso foi obliterado pela percepção de que a escravidão era 
uma forma ineficiente de organização do trabalho e um obstáculo para 
o desenvolvimento econômico. Tal percepção remontava ao século XVIII 
e se tornou senso comum quando da vitória do Norte industrializado 
sobre o Sul escravista, na Guerra da Secessão. Senhores de escravos 
como John Calhoun declararam-se explicitamente anticapitalistas. Tudo 
isso impregnou a visão dos historiadores, que excluíram o Sul da assim 
chamada “transição para o capitalismo” (aspas no original). Para Beckert 
e Rockman, essa visão baseou-se em uma hipótese contrafactual de que 
as formas de empreendedorismo, inovação e competição no mercado, 
características do desenvolvimento do Norte, poderiam ter acontecido 
sem a escravidão. Entretanto, não aconteceram. Tampouco, seria válida 
a argumentação de que outras sociedades capitalistas desenvolveram-se 
sem a escravidão e que outras sociedades escravistas possuíam poucas 
características capitalistas (2016, p. 3). Em contraposição, tópicos polí-
ticos atuais, como a questão das reparações, mesmo controversos, susci-
tam ricas investigações sobre o papel da escravidão como base material 
das desigualdades econômicas norte-americanas, passadas e atuais. Mo-
vimentos sociais contemporâneos, como a luta global contra o tráfico de 
seres humanos, por sua vez, demonstram que as economias capitalistas 
modernas não abrigariam qualquer oposição inerente ao trabalho coerci-
tivo (Beckert; Rockman, 2016, p. 7).
Os capítulos de Slavery’s capitalism “não fornecem uma teorização 
explícita da relação entre capitalismo e escravidão”, mas sim salientam 
39
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
seu papel central e constitutivo em determinado momento da história do 
capitalismo (Beckert; Rockman, 2016, p. 10). Uma das características do 
campo de estudos do “capitalismo da escravidão” seria exatamente a de 
se afastar das formulações marxistas que “separavam escravidão e capi-
talismo em modos de produção antitéticos” (p. 9). Segundo os autores, 
não se trata de saber “se a escravidão em si era ou não capitalista (uma 
velha questão), mas sim da impossibilidade de se entender o espetacular 
padrão de desenvolvimento da nação sem situar a escravidão na primeira 
linha e em seu centro” (Beckert; Rockman, 2016, p. 27). 
Velhas questões são duras de matar
O antigo debate sobre as relações entre capitalismo e escravidão, 
com frequência, caiu em discussões estéreis e excessivamente abstratas, 
nas quais, com facilidade se perdia o nexo entre a teoria e o desenrolar 
do processo histórico efetivo. O novo debate, como proposto em Sla-
very’s capitalism, não contém uma gota desse proselitismo. Mas é farto 
em julgamentos apressados, como o que decreta, entre parêntesis, que 
saber se a escravidão era capitalista ou não é uma “velha questão”, infe-
rindo-se que, por ser velha, seja ultrapassada. E, talvez por conta disso, 
deixa de lado importantes problemas de interpretação histórica. Nos li-
mites deste ensaio, ressaltarei dois pontos em que isso fica evidente. O 
primeiro é a explicação sobre as razões da Guerra da Secessão e suas 
consequências para a história posterior dos Estados Unidos. O segundo, 
mais diretamente relacionado à história brasileira, trata da relação entre 
escravidão moderna e desenvolvimento econômico capitalista. 
No primeiro caso, trata-se de um evento singular – uma guerra 
–, cujo desenrolar esteve sujeito a decisões, indecisões e ações de in-
divíduos, grupos e coletividades delimitados. Um evento marcado por 
acasos e vicissitudes. Já no segundo, temos um processo histórico geral, 
impessoal, com abrangência e desenvolvimento disseminados, em que 
as ações de agentes históricos específicos não aparecem ou não ocupam 
lugar central. O xis da questão é que a guerra não pode ser explicada sem 
o processo e este tomou o curso que tomou, da forma que tomou, em 
larga medida, por consequência da guerra. Vejamos.
A Guerra da Secessão foi um conflito de vida ou morte, uma guer-
ra total – a primeira do mundo contemporâneo em que duas sociedades 
engajaram-se integralmente no conflito, que só terminou com a rendição 
incondicional e a destruição de um dos contendores. Na verdade, foi 
40
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
uma guerra de vida e morte para o Sul, que não apenas perdeu seu status 
político anterior, no interior da nação, como também teve seu modo de 
vida, se não completamente destruído, quebrado e transformado para 
sempre. E quando falamos do Sul, falamos principalmente de sua classe 
dominante de senhores de escravos e de seu mundo. Hoje há poucas 
dúvidas que a Guerra da Secessão foi uma guerra em defesa da escravi-
dão. Como qualquer guerra, a da Secessão poderia não ter acontecido. 
Nenhuma força irresistível obrigou a elite política da Carolina do Sul a 
tomar a decisão de se separar da União. Tampouco obrigou os demais 
estados do Sul mais profundo e, em seguida, os demais estados do Velho 
Sul, a seguirem seu exemplo. O Norte, por seu lado, poderia ter aceitado 
a secessão, negociado a paz numa composição com a Confederação e, 
assim, até mesmo, conseguir o reestabelecimento da União em novas 
bases. Nada disso aconteceu. Por quê?11 
A questão se torna ainda mais relevante e paradoxal, se aceitarmos 
a linha interpretativa proposta em Slavery’s capitalism e em análises simila-
res de que a escravidão desempenhou papel essencial no desenvolvimento 
do capitalismo norte-americano. Se é verdade que a escravidão esteve na 
ponta, ou ao menos teve uma grande relevância para o desenvolvimento 
econômico norte-americano, isso não se aplica quando consideramos o 
grande salto da economia, já então capitalista e em rápida transição para 
o capitalismo industrial, que a região dos Grandes Lagos, no noroeste do 
país, experimentou, a partir da década de 1840 (Egnal, 2009). No final da 
década de 1850, aqueles que tinham suas bases políticas no Norte e, prin-
cipalmente, no noroeste capitalista, os republicanos, apostaram que o de-
senvolvimento dessa economia não só prescindia do aporte trazido pela 
economia escravista do Sul, como também requeria, de imediato, seu con-
finamento no território por ela já ocupado e, a longo prazo, sua abolição 
(Oakes, 2014). A história provou que estavam mais certos do que pensa-
vam. O que aconteceu, tanto em termos da guerra quanto em termos de 
suas consequências, não estava nas previsões dos republicanos. 
11 Sem ter espaço para desenvolver o ponto, descarto a explicação de que foi a incapacidade 
das lideranças políticas, de um lado e de outro, em lidar com suas divergências de forma pa-
cífica, que teria levado ao conflito. Trata-se de uma explicação circular, que toma como causa 
aquilo que tem de ser explicado: exatamente por que essas lideranças erraram tanto e levaram 
seus erros às últimas consequências. Uma segunda explicação, também descartada, coloca no 
centro das divergências as concepções distintas sobre o alcance e o papel do Governo Central 
na federação e na vida dos estados. Resta explicar, contudo, o porquê de todos os estados 
escravistas terem aderido à Confederação, e todos sem escravidão, à União. Os três estados 
na divisa do Sul com o Norte, onde a escravidão era legal, mas residual, e que tinham suas 
economias dependentes do Norte, sintomaticamente, aderiram à União. Sobre o assunto, ver 
Ashworth (1995, 2007 e 2012) e Egnal (2009).
41
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografiaAté fins de 1862, a disposição inicial da ala dominante do Par-
tido, agrupada em torno do presidente Lincoln, foi de firme defesa da 
União, mas com abertura para aceitar a escravidão como instituição con-
finada aos limites do Sul. Apenas no final daquele ano, as circunstâncias 
da guerra levaram-nos a radicalizar e decretar a abolição em todos os 
Estados Confederados, e somente em 1865, depois da vitória, a abolição 
universal foi decretada. Sem que pudessem prever, essa disposição de 
conduzir a guerra até suas últimas consequências e a qualquer custo, 
dadas as condições demográficas, sociais e, principalmente, econômicas 
do Norte, longe de levá-lo à exaustão, catapultou seu desenvolvimento 
capitalista (Egnal, 2009). 
Isso aconteceu porque, desde 1840, o ritmo do crescimento eco-
nômico e demográfico do eixo noroeste-norte tornou-se cada vez mais 
acelerado do que o do Sul. A economia da região, a partir da década de 
1850, passou a se desenvolver de modo independente da escravidão, 
crescentemente, em competição por recursos nacionais e em oposição 
a ela. Um claro sinal do desenvolvimento desse capitalismo é o fato de 
que, em 1850, o número de trabalhadores assalariados nos Estados Uni-
dos já era maior que aquele de escravizados. Uma década mais tarde, ele 
ultrapassava também o número de trabalhadores por conta própria, que, 
até então, representavam a base da economia do Norte, do Noroeste e da 
zona de fronteira no Oeste. Boa parte desses trabalhadores concentrava-
-se nas cidades, nas nascentes manufaturas, e na construção de canais e 
ferrovias, na região (Foner, 1995, p. XV-XVI). 
É verdade que a economia sulista era tecnologicamente avança-
da, lucrativa e capitalizada, mas, mesmo assim, não podia competir com 
o capitalismo nascente do Norte. O capital escravista tinha peculiaridades 
que o colocavam em desvantagem se comparado com o capital indus-
trial, capitalista, do Norte.12 A maior parte dos capitais sulistas estava 
empatada em escravos, fato que Beckert e Rockman (2016) veem como 
12 Segundo Marx, o capital preexistiu ao sistema capitalista nas formas de capital mercantil e 
capital usurário. Nessa condição, apropriava-se de parte do mais valor gerado na produção, de 
maneira independente das formas dessa produção (modos de produção). O capital industrial, 
ainda segundo Marx, seria a única forma de capital produtivo que cria riqueza, e não apenas 
se apropria dela. Sobre essa concepção e sua relação com o que denominam capital escravis-
ta-mercantil, ver Pires; Costa (2000). Esses autores corroboram a visão de Marx e cunham o 
conceito de capital escravista-mercantil para dar conta das economias escravistas modernas. 
Ligado ao modo de produção específico da moderna escravidão, por sua natureza, exportador 
de mercadorias, e subordinado ao sistema capitalista internacional, o capital mercantil-escra-
vista seria uma terceira forma de capital não produtivo. A concepção aqui exposta é distinta. 
Considero o capital-escravista – sem o complemento mercantil, visto como tautológico, uma 
vez que todo capital é mercadoria – como uma segunda forma de capital produtivo, caracte-
rístico, como o capital industrial, da modernidade. 
42
A Segunda Escravidão e o Império do Brasil em Perspectiva Histórica
sinal de potência. Isso, entretanto, era indicativo, na verdade, de uma 
debilidade, uma vez que esses capitais não tinham flexibilidade para se 
deslocarem para áreas de investimento que, porventura, se mostrassem 
mais lucrativas. Nesse sentido, a imensa reserva de valor representada 
pelos escravos estava sempre sujeita a experimentar um processo de 
desvalorização, caso novos arranjos políticos nacionais apontassem para 
uma abolição gradual. Finalmente, deve-se notar que parte significativa 
dos capitais que financiavam a economia sulista era proveniente de ban-
queiros e empresários do Norte que, cada vez mais, eram atraídos por 
negócios mais rentáveis da economia do noroeste. Em 1860, já podiam 
prescindir e prescindiram do Sul em seus investimentos. A própria guer-
ra em si, aliás, foi uma excelente oportunidade nesse sentido (Beckert; 
Rockman, 2016). 
Os estados escravistas da zona limítrofe com o Norte, com suas 
economias mais ligadas ao Norte e onde a escravidão era secundária, 
compreenderam e aceitaram essa situação. Por isso, alinharam-se com a 
União. Os estados do Sul profundo, que tinham a escravidão no coração 
de suas economias e seu modo de vida, responderam a essa perspecti-
va de futuro de forma diametralmente oposta. Separaram-se da União 
e constituíram os Estados Confederados da América. Foram seguidos, 
mesmo que relutantemente, pelos estados do Velho Sul, que alinhavam 
com eles sua economia e seu modo de vida. Apostaram no King Cotton, 
isto é, no fato de que seu algodão, como mercadoria fundamental para 
indústria que se desenvolvia na Grã-Bretanha e mesmo no Norte dos Es-
tados Unidos, traria o apoio da primeira e forçaria o segundo a um com-
promisso. No âmbito político e ideológico, os plantadores e as elites 
intelectuais sulistas sentiam-se confortáveis com o ideário do liberalismo 
e com suas noções mais caras, como mercado, propriedade privada, lu-
cro, capital, indivíduo. Tais noções, basilares da modernidade europeia, 
normalmente assimiladas ao desenvolvimento do capitalismo, à ascen-
são da burguesia, não podem ser separadas da experiência da escravidão 
e da exploração colonial, e, no século XIX, da segunda escravidão. Essa 
contemporaneidade da escravidão entre os séculos XVI e XVII e, espe-
cialmente, no século XIX, é uma das razões que torna tão difícil sepa-
rar escravidão e capitalismo na experiência moderna.13 Por tudo isso, as 
elites políticas e os plantadores escravistas do Sul acreditaram na força 
13 A escravidão moderna, tanto em sua faceta colonial, quanto como segunda escravidão, fugiria 
assim da noção de “contemporaneidade do não contemporâneo”, apresentada por Reinhart 
Koselleck em sua interpretação da modernidade, sendo, rigorosamente, tão contemporânea 
quanto o capitalismo. Cf. (Koselleck, 2006).
43
A segunda escravidão e o debate sobre a relação entre capitalismo e escravidão. Ensaio de historiografia
duradoura, no dinamismo e na modernidade da escravidão. Senhores 
de escravos do Sul, a escravidão e seu mundo não se encontravam em 
retirada, como muitas das velhas classes agrárias europeias no mesmo 
período. Pelo contrário, estavam em expansão. Mas, equivocaram-se. O 
desenvolvimento demográfico e econômico do norte-noroeste demons-
trou, na prática, sua superioridade.
Uma das condições do desenvolvimento capitalista do Norte foi a 
expansão da pequena propriedade, produzindo alimentos e demandando 
implementos agrícolas. Outra foi a existência de uma massa de trabalha-
dores livres à procura de empregos em troca de salários. Investimentos em 
infraestrutura de transportes e comercialização, assim como nas manufa-
turas e indústrias nascentes, passaram a atrair o interesse de banqueiros e 
empresários capitalistas. O tecido social que se urdiu, dessa maneira, pro-
piciou e demandou a abertura de espaços para o homem comum através 
de uma política de massas marcada por concessões democráticas. 
Nesse ambiente, germinou a ideologia que via no indivíduo li-
vre e sua família, inclusive no homem comum, o núcleo do trabalho, 
do espírito empreendedor e da vida social. Ricos senhores de escravos, 
com seus ideais aristocráticos e seu poder sobre homens, coisas e sobre 
a própria República, eram a antítese dessa visão, que passou a consi-
derar a escravidão como degradação. Como um fator que, justamente, 
obstruía o aperfeiçoamento moral dos indivíduos, das famílias e da so-
ciedade como um todo. Seu estancamento e futura abolição passaram 
a compor o horizonte de desenvolvimento da nação. Os abolicionistas, 
uma minoria, que, no entanto, crescia, queriam-na já e eram, cada vez 
mais, ouvidos no Norte. A implosão do segundo sistema partidário, com 
o virtual desaparecimento dos whigs, o maior alinhamento

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