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CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO E APRENDIZAGEM MOTORA Patrick Gonçalves Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir crescimento corporal. � Identificar desenvolvimento. � Analisar maturação. Introdução Embora sejam comumente confundidos, crescimento, desenvolvimento e maturação são processos distintos. De modo geral, todos os seres hu- manos crescem, se desenvolvem e amadurecem à medida que o tempo passa. No entanto, cada indivíduo e cada fase da vida podem apresentar peculiaridades significativas. Como profissional de educação física, você deve estar atento a esses fatores. Como você vai ver, é por meio de avanços físicos, cognitivos, afetivos e sociais que o ser humano se desenvolve e atinge a sua plenitude na idade adulta. Neste capítulo, você vai estudar o crescimento corporal, o desenvolvimento humano e a maturação. Crescimento corporal Como você sabe, os organismos nascem, crescem e morrem. É assim que normalmente ocorre no ciclo de todos os animais, inclusive no dos seres humanos. Logo, o termo “crescer” está associado ao tamanho que os corpos dos organismos vivos atingem ao longo de suas existências. O crescimento corporal humano, então, são as alterações que o corpo humano sofre quanto ao seu tamanho. Tais alterações ocorrem basicamente pela multiplicação das células (GUEDES, 1997; TANI et al, 1988). Arruda (1993) explica que o cres- cimento é uma variável que pode ser mensurada por instrumentos e protocolos de avaliação, que conferem aos indivíduos medidas quantitativas. Há, por exemplo, instrumentos que verificam as medidas antropométricas de estatura, de massa corporal, de dobras cutâneas, de circunferências e de diâmetros. Nesse mesmo sentido, Machado (2007) atribui ao crescimento a perspectiva de ganhos de massa corporal e estatura em relação às medidas de tempo. Ou seja, o crescimento tem relação com quantas gramas um indivíduo adquire e com quantos centímetros ele cresce ao longo de dias, meses ou anos. Esses processos de ganhos ao longo do tempo ocorrem devido às mudanças estru- turais das células que compõem o corpo humano. Malina e Bouchard (2002) explicam que esse fenômeno de aumento corporal ocorre a partir de três processos distintos, como você pode ver a seguir. � Hiperplasia: aumento de células a partir das divisões celulares. Ocorre predominantemente nos processos de aumento de tecido adiposo. � Hipertrofia: aumento dos tamanhos celulares a partir dos processos de elevação funcional que ocorrem geralmente a partir das proteínas e dos substratos. Como exemplo, você pode considerar os ganhos de massa dos músculos esqueléticos que ocorrem após sessões de treinamento físico sistematizado em fibras do tipo II. � Agregação: aumento das substâncias intercelulares orgânicas e inor- gânicas que agregam e agrupam as células. Por exemplo, a formação de tendões e de ossos necessita de muitas dessas substâncias que ligam uma célula a outra, geralmente fibras de colágeno. É importante você notar que esses três fenômenos, apesar de serem fun- damentais para o crescimento, variam de acordo com o tecido envolvido. Por exemplo, o tecido adiposo apresenta uma hiperplasia maior em relação ao tecido muscular. Este último está mais ligado aos processos de hipertrofia. Além disso, Malina e Bouchard (2002) ainda atentam para um quarto processo de crescimento, que ocorre a partir da destruição celular. O corpo humano apresenta tanto processos em que células são geradas e/ou aumentam de ta- manho quanto processos em que células morrem e/ou diminuem de tamanho. Quando há equilíbrio entre os ganhos e as perdas celulares, o que acontece geralmente na fase adulta, ocorre o crescimento estável. Quando ocorre um desequilíbrio que pende para uma perda celular em demasia sobre os ganhos Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação2 celulares, ocorre o crescimento negativo. Este último fenômeno normalmente se origina de processos patológicos ou se relaciona ao envelhecimento. Muitos aspectos relativos ao crescimento dependem do potencial genético de cada indivíduo. Assim, cada sujeito apresenta um potencial de crescimento con- forme seus condicionantes hereditários. No entanto, estudos apontam que tais potenciais encontram impedimentos e possibilidades de se concretizarem em algumas variáveis ambientais (GLANER, 2005; GUEDES, S. P.; GUEDES, J., 1995). Isto é, o crescimento pode ser influenciado pelas qualidades sociais, econômicas e políticas do contexto no qual um indivíduo vive. Glaner (2005) e Nahas et al (1992) ainda apontam que medidas como peso e estatura, basilares para se verificar o crescimento corporal, são utilizadas como indicadores de qualidade do bem-estar social de muitos países. É o caso dos instrumentos destinados a aferir as condições nutricionais de crianças, por exemplo. O crescimento, além de ter características hereditárias, também é influenciado por fatores ambientais, nutricionais e hormonais, que se relacionam ao sexo e às patologias, como você pode ver na Figura 1, a seguir. Esses fatores ainda influenciam os processos de desenvolvimento e maturação, que você vai estudar ao longo deste capítulo. Hereditários Nutricionais Ambientais Neuroendócrinos Endógeno Etnia Sexo Doença Exógeno Crescimento, desenvolvimento e maturação Figura 1. Fatores que influenciam o crescimento, o desenvolvimento e a maturação. Fonte: Adaptada de Fundação Vale (2013, p. 14). 3Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação Fases e tipos de crescimento O crescimento se caracteriza pelo aumento de massa ou pela divisão celular. Ele pode ser mensurado quantitativamente, como em centímetros e quilo- gramas, por exemplo. O crescimento humano ocorre com muita ênfase nos primeiros anos de vida, em especial até cada indivíduo atingir a fase adulta. No entanto, ele não acontece de maneira uniforme. Assim, Moreira (2011) identifica quatro fases nitidamente distintas no crescimento humano, como você pode ver a seguir. � Primeira fase: ocorre da concepção até o nascimento. Nesse período, a divisão celular é bastante potente, caracterizando os órgãos internos, formando as estruturas corporais e dando início ao crescimento cerebral. As influências ambientais, ou seja, aquelas alheias ao organismo do embrião ou do feto, são bastante significativas. � Segunda fase: também denominada primeira infância ou fase do lac- tente. Inicia-se no nascimento e se estende até os dois anos, aproxima- damente. No primeiro ano de vida, as crianças crescem, em média, 25 cm ao ano. No ano seguinte, essa média diminui para 15 cm. A desaceleração vai ocorrendo gradualmente, até que o crescimento atinja de 4 a 6 cm ao ano. � Terceira fase: também denominada segunda infância, fase da infância intermediária ou fase pré-puberal. Nessa fase, que se estende do terceiro ano de vida até os 11 anos de idade, o crescimento apresenta certo equilíbrio e certa uniformidade. A criança adquire cerca de 5 cm ao ano e o peso tende a acompanhar a sua estatura. � Quarta fase: mais conhecida como adolescência, mas também referida como fase puberal. Nesse período, ocorre nova aceleração do cresci- mento, que dura até os 15 anos de idade e ocorre devido às secreções dos hormônios sexuais e do hormônio do crescimento (somatotrofina). Após, ocorre uma rápida desaceleração até aproximadamente os 18 anos de idade, quando a fase se encerra com a fusão das epífises. Como você viu, o crescimento é desigual mesmo naqueles indivíduos que possuem semelhanças genéticas e ambientais. Com isso, as idades de início e término das fases podem ser distintas para cada ser humano. Ao longo da vida de cada indivíduo, ocorrem fases que são denominadas saltos de crescimento ou estirões do crescimento. São períodos em que o crescimento é mais evidente. Na primeira infância, por exemplo, ocorrem Conceitosde crescimento, desenvolvimento e maturação4 vários saltos de crescimento. Neles, em um período que costuma durar de 1 a 6 semanas, as crianças apresentam crescimento acima da média. Geralmente, os saltos de crescimento da infância não têm grandes distinções entre indivíduos de sexos diferentes. As diferenças mais notáveis que ocorrem quanto ao sexo se dão predominantemente no início da adolescência. A velocidade e o ritmo do crescimento entre meninas e meninos começam a se diferenciar na puberdade, quando o salto de crescimento varia entre 8 e 14 cm por ano. Comumente, a estatura de meninas avança mais cedo, entre 9 e 14,5 anos de idade, durando cerca de 2 a 3 anos. Em meninos, esse fenômeno demora um pouco mais, ocorrendo geralmente entre os 11 e os 16 anos de idade, durando o mesmo período. O fenômeno que marca o crescimento ace- lerado durante o início da adolescência é chamado de surto do crescimento adolescente (GALLAHUE; OZMUN, 2013; PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2013). Logo, não é incomum que crianças com 12 anos de idade, por exemplo, tenham diferentes estaturas e que, passados alguns anos, essas diferenças se atenuem. As diferenças de crescimento durante a puberdade são cruciais para as habilidades motoras. No início do surto do crescimento adolescente, é comum haver pouco ou nenhum avanço na aquisição de habilidades motoras, o que está ligado ao pouco domínio de um corpo que se mostra cada vez maior em comprimento e peso. Assim, é fundamental o profissional de educação física motivar e encorajar os adolescentes até a sua adaptação às novas proporções corporais. Além de ter diferentes fases, o crescimento corporal pode ser classificado quanto às mudanças específicas que ocorrem em cada célula, cada órgão e cada tecido do organismo. Nesse sentido, Moreira (2011) identifica quatro tipos de crescimento que ocorrem conforme cada estrutura corpórea. Veja a seguir. � Crescimento geral somático: é a totalidade do crescimento corporal humano, incluindo os ganhos em tecido muscular e ósseo, volume sanguíneo, órgãos dos aparelhos respiratório, circulatório e digestivo, rim e baço. É representado por uma curva crescente, mas de velocida- 5Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação des diferentes devido às acelerações do crescimento que ocorrem na primeira infância e na adolescência. � Crescimento neural: apresenta maior velocidade nos primeiros anos de vida, quando o crescimento do cérebro, do cerebelo e de estruturas afins, como o aparelho ocular e o perímetro cefálico, é mais evidente. � Crescimento linfoide: marcado pelo crescimento de estruturas como o timo, os gânglios linfáticos, as amídalas, as adenoides e os folículos linfoides intestinais. Geralmente, ocorre mais entre os 8 e os 10 anos de idade. � Crescimento genital: engloba o crescimento de estruturas como tes- tículos, ovários, epidídimo, vesículas seminais, próstata, útero e seus anexos. Nos primeiros 8 a 10 anos de vida, o crescimento dessas es- truturas é bastante lento. Na chegada da puberdade, elas acompanham a aceleração que marca essa fase. Como você viu, o crescimento diz respeito às alterações pelas quais o corpo humano passa ao longo dos anos. Essas modificações resultam de alterações celulares e de substâncias que as agregam, podendo ser classificadas conforme as fases em que ocorrem mudanças mais evidentes ou quanto aos tipos de células, tecidos e órgãos envolvidos. Além disso, é importante você lembrar- -se de que tais modificações não são uniformes em todos os indivíduos. Elas podem ser influenciadas por fatores hereditários, pelo sexo, pelos contextos ambientais (tais como os nutricionais, econômicos e sociais) e, ainda, por patologias genéticas ou adquiridas. Desenvolvimento humano O desenvolvimento humano, além de ocorrer de acordo com o crescimento corporal, ainda engloba as dimensões físicas, cognitivas, comportamentais, afetivas e sociais. Desse modo, o ser humano apresenta características de desenvolvimento específicas em cada fase da vida. Da mesma forma como ocorre com o crescimento, o desenvolvimento é distinto para cada indivíduo. Ou seja, se você comparar crianças em estágios de crescimento iguais, por exemplo, tanto pode perceber diferenças significativas quanto ao seu desen- volvimento quanto notar características muito semelhantes. As mudanças nas diversas dimensões humanas envolvem novas possibili- dades de relacionamento dos sujeitos consigo próprios e com o meio em que estão inseridos. Gallahue e Ozmun (2013, p. 469) destacam que o desenvolvi- Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação6 mento diz respeito às “mudanças no nível de funcionamento do indivíduo ao longo do tempo”. O desenvolvimento humano, portanto, trata das mudanças funcionais pelas quais os indivíduos passam ao longo dos anos, que podem ser aferidas por métodos quantitativos e qualitativos. Em determinados aspectos, o desenvolvimento pode apresentar avanços durante todo o ciclo da vida. Mesmo em condições de envelhecimento, em que os aspectos físicos podem enfrentar um rápido declínio, outras aptidões, como aquelas referentes ao vocabulário, podem continuar se desenvolvendo. Os estudos do desenvolvimento humano começaram entre o final do século XIX e o início do século XX. Nesse período, alguns teóricos romperam com a ideia de que as crianças seriam adultos em potencial, adquirindo ao longo da vida apenas ganhos corporais e a habilidade de usar as novas estruturas que se formavam. Assim, surgiram várias teorias sobre o desenvolvimento humano, com perspectivas dimensionais específicas, que variam conforme os conhe- cimentos e interesses de seus criadores. Por exemplo, a teoria psicanalítica, criada por Sigmund Freud em meados do século XX, busca compreender o desenvolvimento humano a partir de questões relativas à personalidade e ao funcionamento psíquico considerado anormal. Abordagens conceituais A partir dos diferentes estudos sobre o desenvolvimento humano, surgiram alguns conceitos importantes. Para Malina e Bouchard (2002), o desenvol- vimento se caracteriza pelas alterações adaptativas que proporcionam deter- minadas habilidades. Malina, Bouchard e Bar-or (2004) evidenciam que o desenvolvimento ocorre a partir de processos de alteração e especialização de células, tecidos e órgãos. Para Guedes, S. P. e Guedes, J. (1995), esse é um processo que envolve a maturação e as experiências proporcionadas e vivenciadas por cada indivíduo, se estendendo da concepção até a morte. Baxter-Jones e Maffuli (2002) explicam que o desenvolvimento se materializa à medida que os sujeitos adquirem habilidades motoras e as utilizam com 7Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação base em competências. Palafox (2009) compreende que o desenvolvimento depende dos comportamentos perceptivo-motores, que ocorrem por meio de condicionantes como a exploração lúdica, o controle motor, a noção corporal, espacial e temporal, entre outros fatores. Evidentemente, há diferentes perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento humano. No entanto, existem várias semelhanças entre essas perspectivas. É possível, então, agrupar as diferentes teorias do desenvolvimento em abor- dagens conceituais. No Quadro 1, a seguir, você pode ver as abordagens conceituais a partir das teorias que ganharam maior notoriedade no meio científico ao longo dos anos. Abordagem conceitual Teóricos representativos Foco de pesquisa Teoria das fases/ estágios Sigmund Freud Estudo do desenvolvimento psicossexual desde o nascimento até o final da infância. Erik Erikson Estudo do desenvolvimento psicossocial ao longo da vida. Arnold Gesell Estudo dos processos de maturação no desenvolvimento do sistema nervoso central desde o nascimento até o final da infância (“a ontogenia recapitula a filogenia”). Teoria da tarefa desenvolvimental Robert Havighurst Estudo da interação entre biologia e sociedade na maturidade desenvolvimental desde ainfância até o fim da vida. Teoria dos marcos desenvolvimentais Jean Piaget Estudo do desenvolvimento cognitivo como um processo interativo entre biologia e ambiente desde a época de bebê até o final da infância. Teoria ecológica (ramo dos sistemas dinâmicos) Nicholas Bernstein; Kugler, Kelso e Turvey Estudo do desenvolvimento como um processo transacional descontínuo e auto-organizado entre a tarefa, o indivíduo e o ambiente ao longo de toda a vida. Quadro 1. Abordagens conceituais ao desenvolvimento (Continua) Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação8 Fonte: Adaptado de Gallahue e Ozmun (2013, p. 45). Quadro 1. Abordagens conceituais ao desenvolvimento Abordagem conceitual Teóricos representativos Foco de pesquisa Teoria ecológica (ramo do ambiente comportamental) Roger Barker; Urie Bronfenbrenner Estudo do desenvolvimento como função da interpretação individual de condições ambientais específicas em transação com o momento sociocultural e histórico. Teoria do processamento de informações Schmidt e Lee; Kephart Estudo do desenvolvimento como um processo perceptivo- motor e dos eventos que ocorrem internamente entre o input sensorial e o output motor. (Continuação) A partir das diferentes abordagens teóricas, você pode perceber que, tal qual o crescimento, o desenvolvimento pode ocorrer ao longo da vida de cada indivíduo. Muitas teorias enfatizam as interações entre o organismo biológico e o ambiente no qual cada sujeito se encontra. Ou seja, as condições culturais, sociais e econômicas são fundamentais no desenvolvimento. Ainda que crescimento e desenvolvimento sejam processos distintos, eles se relacionam à medida que ocorrem as alterações celulares e de outras substâncias inorgânicas e orgânicas que compõem o corpo humano. O desenvolvimento, portanto, assume diferentes perspectivas dependendo da dimensão humana considerada. Ele é um processo que muitas vezes envolve parâmetros não numéricos, elaborados a partir de critérios qualitativos. O desenvolvimento se modifica com o passar dos anos, especialmente na adolescência, quando se intensificam os processos de maturação, que você vai ver na próxima seção. Maturação Além do crescimento e do desenvolvimento, um terceiro conceito é essencial aqui: a maturação. Para Gallahue e Ozmun (2013, p. 474), a maturação é o “processo de mudança desenvolvimental caracterizado por uma ordem fixa de progressão, em que o ritmo pode variar, mas a sequência de surgimento das 9Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação características é a mesma”. O amadurecimento, então, está ligado aos processos de crescimento e desenvolvimento biológicos e também é, em síntese, muito influenciado por características inatas. Nesse mesmo sentido, Baxter-Jones, Eisenman e Sherar (2005) apontam que esse processo não está relacionado ao tempo em um sentido cronológico. Isto é, ainda que a ordem de maturação seja a mesma para muitos indivíduos, ela pode se apresentar em momentos cronológicos diferentes. Por exemplo, se você comparar o processo de maturação de diferenças crianças de 10 anos, vai ver que determinadas estruturas corporais estão em um processo maturacional mais avançado em alguns indivíduos. Assim, os mesmos autores afirmam que há dois componentes a serem considerados durante o processo de maturação: o tempo e o timing. O tempo diz respeito às velocidades em que cada indivíduo progride para o estágio maduro. O timing diz respeito aos exatos momentos em que os eventos demarcatórios da maturação acontecem, como a idade em que a menarca é atingida. Logo, embora a maturação seja abordada qualitativamente, os eventos que marcam o amadurecimento do corpo humano ocorrem a partir de fenômenos visíveis. Para verificar mudanças, geralmente são utilizados os indicadores de maturação, que consideram diversas partes corporais. Os indicadores mais utilizados são a avaliação da idade esquelética, das características se- xuais secundárias, do status menarquiano e/ou das características somáticas (BAXTER-JONES; EISENMAN; SHERAR, 2005). Idade morfológica A idade morfológica diz respeito à comparação entre o crescimento em altura e peso. Esses índices são avaliados por padrões normativos. O primeiro deles, explicam Gallahue e Ozmun (2013), surgiu em 1948, é chamado de escala de Wetzel e foi usado por algumas décadas por pediatras mundiais. Atualmente, a escala de Wetzel é pouco utilizada devido às mudanças morfológicas popu- lacionais que ocorreram ao longo dos anos. Atualmente, é muito comum os pediatras utilizarem os gráficos de desen- volvimento físico construídos em 2006 pela Organização Mundial de Saúde (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2006). Essa representação gráfica apresenta curvas em que os percentuais de idade classificam os indivíduos dentro ou fora da média geral da população. Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação10 As cadernetas da criança e do adolescente contêm inúme- ras informações relacionadas ao crescimento, ao desen- volvimento e à maturação, além de dados referentes aos controles patológicos e epidemiológicos. No link ou código a seguir, você pode realizar o download desses materiais. https://goo.gl/o18qoC Idade esquelética A idade esquelética, ou idade óssea, fornece informações que possibilitam identificar a idade biológica do esqueleto. Geralmente, ela é calculada por meio de radiografias dos ossos carpais que integram a articulação do pulso. Em termos de maturação biológica, esse método fornece informações bastante acuradas (GALLAHUE; OZMUN, 2013). Contudo, por necessitar de equipamentos laboratoriais, o acesso a essas medidas é mais escasso. Além disso, a exposição constante à radiação pode ser agressiva à saúde. Portanto, a mensuração da idade esquelética é pouco utilizada devido à necessidade de um laboratório, aos custos que envolvem tal exame, à inconveniência de deslocamento até os locais com os equipamentos necessários e aos efeitos cumulativos da radiação. Características sexuais secundárias As características sexuais podem ser descritas como primárias e secundárias. As características primárias são aquelas relacionadas aos órgãos sexuais e definem a sexualidade biológica (em masculino e feminino). As características sexuais secundárias são as alterações corporais — mais comuns na puberdade — que acentuam as particularidades masculinas e femininas, como os pelos faciais, os pelos auxiliares e o agravamento da voz (GALLAHUE; OZMIUN, 2013). Assim, o surgimento e o amadurecimento de características sexuais secundárias, tam- bém denominado idade sexual, é outro método de aferir a maturação biológica. O método mais comum de avaliar a idade sexual é a escala da maturidade de Tanner, desenvolvida em 1962. Esse método consiste em avaliar o cresci- 11Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação https://goo.gl/o18qoC mento dos órgãos genitais e das características sexuais secundárias por meio de uma análise comparativa. Como tal método sugere que as partes íntimas sejam vistas, o que põe em cena alguns dilemas culturais e sociais, é comum que profissionais não se disponham a realizá-lo. No entanto, essa avaliação pode ser feita sem a visualização direta do avaliador. É possível solicitar que o indivíduo avaliado aponte a imagem que mais se aproxima de suas carac- terísticas corporais. No entanto, ainda que essa forma seja mais confortável tanto para o avaliado quanto para o avaliador, ela pode gerar erros. Afinal, a inexperiência do avaliado ou a timidez em apontar um estágio pouco desen- volvido pode fazê-lo indicar um nível de maturação que não condiz com o seu. Para avaliar a maturação sexual de um menino, por exemplo, o avaliador deve ter o consentimento institucional e dos responsáveis do sujeito avaliado. Respeitando todos os aspectos éticos, ele apresenta as figuras a seguir e solicita que o menino aponte aquela que melhor representa o seu estado maturacional (Figura2). G1 G2 G3 G4 G5 Pênis, testículos e escroto de tamanho e proporção infantis. Aumento inicial do volume testicular (>4ml). Pele escrotal muda de textura e torna-se avermelhada. Aumento do pênis mínimo ou ausente. Crescimento peniano, principalmente em compri- mento. Maior crescimento dos testículos e escroto. Continua o crescimento peniano, agora principalmen- te diâmetro, e o maior desenvolvimento da glande. Maior crescimento dos testículos e do escroto, cuja pele se torna mais pigmentada. Desenvolvimento completo da genitária. Figura 2. Desenvolvimento da genitália masculina segundo a classificação de Tanner. Fonte: Fernandes (2015, p. 13). Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação12 Outras características maturacionais Além da idade morfológica, da idade esquelética e do aparecimento das carac- terísticas sexuais secundárias, outros fenômenos podem ser considerados para se definir a maturação de determinados indivíduos. Entre esses fenômenos, está a classificação das idades emocional, mental, autoconceitual e perceptiva (GALLAHUE; OZMUN, 2013). A idade emocional refere-se à medida da socialização e da habilidade para se adequar e se desenvolver em um meio social. A idade mental é uma medida atribuída ao potencial mental que determinado sujeito possui para as funções referentes ao aprendizado. A idade do autoconceito remete ao valor e à dignidade que um sujeito atribui a si mesmo. A idade perceptiva é a avaliação do desenvolvimento perceptivo, ou seja, a capacidade que um indivíduo tem de identificar e dar significados aos estímulos recebidos pelos sentidos visuais, auditivos, olfativos, gustativos, táteis e cinestésicos — por exemplo, identificar o rosto da mãe, uma palavra, um alimento e um movimento esportivo. Como você pode notar, todas as possibilidades de avaliar a maturação são variáveis. Ou seja, ainda que estejam relacionadas à idade cronológica, não dependem estritamente dela. Nesse sentido, a classificação por faixa etária cronológica nem sempre é a melhor opção, devido às variáveis que os diferentes aspectos maturacionais podem oferecer. Ao longo deste capítulo, você viu que existem diferenças entre o cresci- mento, o desenvolvimento e a maturação. Compreender isso é fundamental para profissionais que lidam com seres humanos. Cada indivíduo cresce, amadurece e se desenvolve de forma específica. Ainda assim, para entender melhor a complexidade do corpo humano, é necessário relacionar os ga- nhos em tamanho e número de células, as substâncias corporais, os níveis de funcionamento das estruturas e o aparecimento de caraterísticas sexuais às diferentes idades e sexos dos indivíduos. ARRUDA, M. Factores del crecimiento físico y aptitud física en pre-escolares. Revista de Ciencias de la Actividad Física, v. 1, n. 1, p. 73-82, 1993. BAXTER-JONES, A.; EISENMAN, J.; SHERAR, L. Controlling for maturation in pediatric exercise science. Pediatric Exercise Science, v. 17, p. 18-30, 2005. 13Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação BAXTER-JONES, A. D. G.; MAFFULLI, N. Intensive training in elite young female athletes. 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Porto Alegre: Artmed, 2016. 15Conceitos de crescimento, desenvolvimento e maturação Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo:
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