Buscar

O DESAFIO DO ESCOMBRO - MOEMA AUGEL - CAP 4

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 51 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

MOEMA PARENTE AUGEL 
O DESAFIO DO ESCOMBRO 
A LITERATURA GUINEENSE E A NARRAÇÃO DA NAÇÃO 
Rio de Janeiro 
2005
AUGEL, Moema Parente. O desafio do escombro: a literatura guineense e a 
narração da nação. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras-UFRJ, 2005. 387 p. (Tese de 
Doutorado em Literatura Portuguesa, na especialidade das Literaturas Africanas de 
Língua Portuguesa). 
Orientadora: Profª Drª. Carmen Lucia Tindó Ribeiro Secco. 
1.Literatura guineense – análise. 2. Literatura africana.
I. Secco, Carmen Lucia Tindó Ribeiro (orientadora) 
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras 
III. Título 
4 PÓS-COLONIALISMO, NEOCOLONIALISMO, ANTICOLONIALISMO 
Os ocidentais podem ter saído fisicamente de 
suas antigas colónias na África e na Ásia, mas 
as conservaram não apenas como mercados, 
mas também como pontos no mapa ideológico 
onde continuaram a exercer domínio moral e 
intelectual.
Edward Said. Cultura e imperialismo 
A literatura que se tem produzido em Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, 
Guiné-Bissau – e não só, se pensarmos em outros países historicamente herdeiros da 
descolonização – é geralmente caracterizada como literatura pós-colonial, o que pressupõe e 
subentende um discurso de resistência às ideologias colonialistas. O pós-colonial é um conceito 
de múltiplas significações, devendo ser entendido aqui como expressão de uma produção tanto 
ficcional ou poética quanto teórica que espelha e questiona essa herança e as relações dentro dos 
binômios colonizador/colonizado, centro/periferia, primeiro/terceiro mundo. Essas dicotomias 
não refletem, porém, nem a interligação nem a dependência mútua nem tampouco as relações de 
poder entre os pólos. Trata-se de uma dialética de exclusão segundo a qual o mundo colonial 
funciona. Pois, como já disse Frantz Fanon, “le monde colonial est un monde coupé en deux. La 
ligne de partage, la frontière en est indiquée par les casernes et les postes de police” (FANON, 
1961, p. 31)123. Essa exclusão se efetiva não apenas na separação física e geográfica, o espaço 
colonial sendo fronteirizado e departamentado, como também no plano dos direitos e dos 
privilégios e, inclusive, no plano das representações e dos valores (ib.). O sujeito colonizado, 
lembra Michael HARDT (2003)124, é concebido no imaginário metropolitano como o “Outro” e, 
como tal, é alijado tanto quanto possível dos princípios que definem os valores da civilização 
123 “O mundo colonial é um mundo cortado em dois. A sua linha divisória, a sua fronteira está indicada por casernas 
e postos policiais”. A tradução é minha. 
124 Michael Hardt é um pensador americano que publicou, entre outros livros e ensaios, em colaboração com o 
filósofo italiano Antonio Negri, o importante Empire (2000), obra que teve grande repercussão internacional. Em 
seu artigo “L’hybridité de l’Empire”, saído na revista Futur Antérieur em 1995, e posto na internet em 2003 (e 
de onde retiro as citações deste capítulo), já estão traçadas muitas das idéias mestras que foram mais tarde 
desenvolvidas em Empire. Hardt e Negri definem com o termo “Império” a nova ordem mundial que está 
surgindo e submetendo todo o planeta a uma globalização com efeitos positivos e negativos, criando um novo 
poder (a “soberania imperial”) que já não se baseia na soberania dos Estados nacionais. Segundo eles, os Estados 
nacionais perderam grande parte de sua influência, pois a competição na luta pela conquista de mercados não se 
faz mais entre Estados. E quando a ideologia do mercado mundial se liberta do contexto nacional, ela abre 
espaço à heterogeneidade, abarcando todas as culturas, religiões, origens étnicas. Todos são benvindos ao 
“Império” desde que aceitem o lugar que lhes é indicado. As empresas “imperiais” fazem da multicultura e da 
multi-etnicidade a chave do sucesso, patenteando a capacidade de apropriação e reapropriação do sistema 
capitalista. Esse Império emergente é fundamentalmente diferente dos imperialismos da dominância européia e 
expansão do capitalismo. Inclui tradições de identidades híbridas e fronteiras em dilatação. 
116
européia. O colonialismo, tal como foi praticado no século XIX e parte do século XX, sob a 
máscara do zelo civilizatório, desprezava e negava a identidade do colonizado. O poder colonial 
funcionava como agente de controle social “produzindo”, por assim dizer, o colonizado. Os 
valores locais, autóctones, relativos ao ambiente não europeu, à cultura, à tradição, às crenças 
eram considerados inferiores e eram mesmo proibidos e combatidos com a patente intenção de 
substituí-los. O que predominava era o princípio dos vasos estanques e incomunicáveis, pois o 
sistema colonial determinava que as identidades fossem demarcadas com uma nítida separação a 
partir das fronteiras entre a metrópole e a colônia, entre o colonizador e o colonizado; eram 
válidas regras que se aplicavam diversamente segundo um lado ou outro da demarcação (ib.). 
“Na álgebra do conquistador, a unidade é a única medida que conta. Um só Deus, um só 
Rei, uma só Língua: o verdadeiro Deus, o verdadeiro Rei, a verdadeira Língua” (SANTIAGO, 
1978, p. 16). O colonizador partia de suas verdades absolutas e da negação absoluta do nativo 
enquanto sujeito. A estratégia era ignorar ou silenciar as culturas dos colonizados. Silenciar é um 
não dizer que pode ter conotação histórica e ideológica, dependendo da posição do sujeito que 
fala. Há um interrelacionamento significativo entre o silenciado, a memória e o esquecimento. 
Através do instrumento do silenciamento, emudece-se a memória do subalterno, procura-se fazer 
esquecer a narração do passado vergonhoso ligado à subserviência, ao acapachamento, ao tráfico 
intercontinental que esvaiu e aviltou todo um continente e, com isso, esvaziam-se as tentativas de 
resistência. Adormecendo uma memória, acorda-se outra. O silêncio permite que o discurso 
etnocêntrico, homogeneizador e monolítico, que se quer único e verdadeiro, grite mais alto. O 
silêncio boicota movimentos que tentam recuperar memórias sufocadas, por exemplo, a história 
da resistência ao jugo colonial, em suas múltiplas facetas125. Muitas formas de dizer o dito 
mascaram o não dito, motivam distorções, estereótipos, camuflam os conflitos entre os senhores 
do poder e os que lutam pela sua visibilidade social (ORLANDI, 1997, p. 14 e ss.). 
A historiografia eurocentrada silenciou a história africana, apropriando-se da cronologia, 
iniciando a contagem da história na África com a chegada dos navegadores europeus. As terras 
foram “descobertas” e a partir de então passaram a existir nos mapas e assim na percepção dos 
ocidentais. Os regimes autoritários, como em um verdadeiro pacto do esquecimento, fizeram 
valer sua visão da história, impuseram uma única memória oficial, a memória e a história dos 
vencedores. No caso específico da Guiné-Bissau, seus escritores, por muitos e diversos 
caminhos, empenham-se em dar voz ao avesso da história. Isso significa levar em consideração 
os interstícios das relações coloniais, as concepções que as dominaram e fizeram com que lutas 
fossem ignoradas e tornadas invisíveis, significa compreender a que interesses essa narrativa 
125 Remeto, mais uma vez, ao livro de Peter Mendy, sobre a tradição da resistência na Guiné-Bissau (1994). 
117
atende, revelando as rupturas e as experiências compartilhadas, os anseios que não se realizaram, 
significa trazer à tona o passado emudecido, praticar o exercício da rememoração. 
Uma obra fundamental que desencadeou uma revisão do modo de embasar as relações 
estabelecidas entre a Europa e o “resto do mundo” é certamente Orientalism, de Edward SAID 
(1978), que empreende uma análise pioneira tanto dos processos de cristalização de estereótipos 
e de juízos de valor que dominam a formação de opinião quanto dos mecanismos pelos quais 
certas idéias se difundem como indiscutíveis e generalizantes. O “Orientalismo” é baseado em 
uma estratégiapolítica e ideológica que possibilita subordinar ao Ocidente, metonimicamente, o 
Oriente cuja representação passa a existir (a “ser”) como uma realidade. Edward Said, mostrando 
uma importante ligação entre o imperialismo e a cultura, ressalta a grande força estratégica que 
significa “o poder de narrar, ou de impedir que se formem ou surjam outras narrativas”, e 
considera a literatura, em especial o romance, a expressão cultural que muito influenciou a 
“formação de atitudes, referências e experiências imperiais” (SAID, 1999, p. 12), enfatizando 
que “as histórias estão no cerne daquilo que dizem os exploradores e os romancistas acerca das 
regiões estranhas do mundo” (ib., p. 13). A literatura colonial é um dos exemplos mais marcantes 
de uma tal afirmação pois, como disse Homi Bhabha, “o discurso colonial produz o colonizado 
como uma realidade social que é ao mesmo tempo um ‘outro’ e ainda assim inteiramente 
apreensível e visível” (BHABHA, 1998, p. 111). 
Começando por exemplos da literatura colonial na Guiné-Bissau, vou proceder a uma 
análise de diferentes manifestações literárias no espaço descolonizado. 
4.1 Inocência versus força bruta 
A literatura colonial articula sempre uma apologia do colonialismo, mas também faz transparecer 
as diversas faces da perfídia do sistema. Denomina-se em geral literatura colonial os textos 
escritos por metropolitanos que, tendo passado algum tempo na África ou em outros espaços 
colonizados, produziram textos em que o olhar etnográfico ressaltava a alteridade e onde a 
descrição dos costumes e do ambiente em que viviam as diferentes “tribos” africanas podia até 
mesmo representar um interesse verdadeiro pelo país e pela gente, ultrapassando o mero pincelar 
da cor local. Sempre, porém, um olhar de fora, onde se mesclavam o fascínio e o repúdio, 
camuflado às vezes em piedade ou paternalismo. 
Apesar de séculos de presença na África, na metrópole prevalecia um grande descaso e 
mesmo desinteresse da população portuguesa pelas colônias, não existindo quase obras literárias 
que tematizassem a vida em “ultramar”. Essa lacuna levou as autoridades competentes a instituírem
um concurso literário, pois
118
um dos melhores meios para despertar o espírito dos portugueses é, sem dúvida, a 
literatura – o romance de assuntos coloniais, a descrição de aventuras de além-mar, a 
novela, o conto, etc. Por isso, a Agência Geral das Colónias, que não se poupa a quaisquer 
esforços na propaganda de Portugal ultramarino, tomou a iniciativa dum concurso de 
Literatura Colonial (POLLACK, 1995, p. 756). 
Foi a partir dessa motivação imediatista que surgiram obras de maior ou menor qualidade e 
aqui só interessa destacar as que tiveram a Guiné-Bissau como palco: entre outras Mariazinha em 
África (1925) e mais tarde O veneno do sol (1928), ambos de Fernanda de Castro; Auá, de Fausto 
Duarte (primeiro prêmio em 1934); África: da vida e do amor na selva, de João Augusto da Silva 
(também primeiro prêmio, em 1936). Os prêmios eram uma soma em Escudos, bastante elevada, 
verdadeiro incentivo para os escritores. Por volta de 1952, torna-se usual a denominação literatura
ultramarina e os prêmios, do ponto de vista financeiro ainda mais convidativos, são diferenciados 
por categoria – poesia, ensaio, novelística e história126.
O escritor mais conhecido desse período é o cabo-verdiano Fausto Duarte (1903-1953)127
que escreveu, entre outros, o romance Auá. Novela negra (1934), um “documentário etnográfico” e 
“também um novo capítulo da psicologia indígena”, segundo suas próprias palavras (ib., p. 31). O 
autor esforça-se em “apresentar o africano e a sua cultura sob uma luz favorável”, diz Russell 
HAMILTON (1984, p. 217), embora esteja “patente o conflito entre as culturas africana e europeia” 
(ROSA, 1993, p. 162). Nesse romance, a trama se desenrola em torno de Malan, jovem fula (etnia 
islâmica) que viveu na capital e que volta, bastante aculturado, à aldeia natal para desposar Auá, sua 
prometida segundo os costumes tradicionais. O contraste entre a vida urbana e a rural se mostra em 
muitas passagens, servindo de ocasião para o louvor à civilização. 
Considero bastante sintomáticas as referências estereotipadas e reducionistas de Fausto 
Duarte às diferentes etnias e passo a dar alguns exemplos. Referindo-se a Malan, que foi “servir 
mais tarde como criado do Administrador de Bissau”, o autor assim o descreve: 
Inteligente e dócil, servia à mesa com aprumo e fidalguia característicos da raça e 
altivez da religião. [...] Amoldara-se, sem se adaptar inteiramente à civilização 
europeia, porque a sua crença islâmica, definida e espiritualista, fôra sempre uma 
barreira insuperável ao domínio dos brancos, que usavam coisas proibidas pelo 
Alcorão. A-pesar-disso, Malan era um criado exemplar que adivinhava os menores 
pensamentos do amo, orgulhoso por servir a maior autoridade de Bissau. [...] Tinha 
apenas um desgosto: não sabia ler, se bem que vagamente conhecesse os caracteres 
árabes. Porém, as garatujas que enchiam os papéis timbrados do Govêrno não as 
compreendia, a-pesar-dos esforços que fizera adquirindo muito em segredo uma 
cartilha maternal por onde começara a aprender (DUARTE, 1934, p. 11-12). 
126 Boletim da Agência Geral das Colónias, nº 7, jan. 1926, p. 9, (apud POLLACK, 1995, p. 756), de onde coligi as 
informações a respeito. 
127 Fausto Duarte escreveu vários romances tendo como cenário a Guiné, onde viveu muitos anos como funcionário da 
administração colonial. É considerado o mais importante representante da literatura de temática guineense. Sobre o 
assunto, cf. entre outros ROSA (1993, p. 162-165); AMADO (1990); GOMES; CAVACAS (1997 a, b). 
119
Sobre os Balanta que, segundo sua descrição, eram sempre alegres e sorridentes, Fausto 
Duarte ressaltou “a expressão das suas feições incorrectas, onde a fiada regular dos dentes brancos 
punha uma nota de satisfação inconsciente, dir-se-ia insensível ao calor que os causticava” (ib., p. 
3). Em relação aos Nalu, descreveu um “rito fúnebre – cerimônia singular duma tribu bárbara”, 
“impressionante”, com “um bailado macabro, sobrevivência dum culto pagão”, com “mulheres 
dançando freneticamente ao som dos tambores”, “bailado sinistro de mulheres habitando um 
continente povoado de tradições quasi inverossímeis!”, cena que fez os dois Fula, Malam e seu pai, 
concluirem que “os nalus eram ainda selvagens” (ib., p. 153-154). 
Sobre as mulheres das diferentes etnias, as descrições são sempre rápidas e 
estereotipadas. As mulheres mandjacas, por exemplo, “provocantes nos seus trajos bizarros, que 
ocultavam a cabeça encarapinhada com lenços de seda multicores. Tinham atitudes duvidosas. 
Olhavam os homens meneando expressivamente o corpo ondulante. Eram as horizontais de 
Bissau” que vendiam aos “brancos por bom preço as hipotéticas primícias duma requintada 
sensualidade” (ib., p. 165). 
Edward Said afirma não acreditar que os escritores fossem “mecanicamente determinados 
pela ideologia, pela classe ou pela história econômica, mas [...] profundamente ligados à história de 
suas sociedades, moldando e moldados por essa história e suas experiências sociais em diferentes 
graus” (SAID, 1999, p. 23). 
Considero essa reflexão sumamente importante para nortear a leitura desses romances 
produzidos sob o “olhar etnográfico” de seus autores. O discurso colonial128, do qual a literatura 
colonial é um dos porta-vozes, como aparato do poder, afirma Homi Bhabha, procura legitimação 
para suas “estratégias pela produção de conhecimentos tanto do colonizador quanto do 
colonizado que se apresentam como estereotipados mas antiteticamente avaliados” (BHABHA, 
1992, p. 184), como é possível constatar nos exemplos acima apresentados. O estereótipo é um 
modo de representação incompleto e fetichista em meio ao próprio campo da identificação: 
circula dentro do discurso colonial como uma forma limitada da alteridade, como uma forma fixa 
da diferença (ib.,p. 196). Tem-se, de um lado, os auto-louvores, as afirmações de 
responsabilidade, um claro triunfalismo; e do outro lado da polarização, o primitivismo, a força 
bruta, a animalidade, o servilismo, a inferiorização a todo custo. 
Fausto Duarte expressa a opinião corrente entre seus iguais: “Uma coisa porém era certa: 
com a presença dos brancos tinha melhorado a vida dos indígenas no seu aspecto social” 
128 “O termo ‘discurso’ refere-se a uma série de afirmações, em qualquer domínio, que fornece uma linguagem para 
se poder falar sobre um assunto e uma forma de produzir um tipo particular de conhecimento. O termo refere-se 
tanto à produção de conhecimento através da linguagem e da representação, quanto ao modo como o 
conhecimento é institucionalizado, modelando práticas sociais e pondo novas práticas em funcionamento”, assim 
se expressou Stuart Hall e é como tal que estou empregando o termo durante este trabalho. Cf. HALL 
(disponível em: http://www.educacaoonline.pro.br/art_a_centralidade_da_cultura.asp.). 
http://www.educacaoonline.pro.br/art_a_centralidade_da_cultura.asp.).
120
(DUARTE, 1945, p. 51). Os autores dessa assim chamada literatura colonial são quase sempre 
funcionários da administração portuguesa, ou militares ou missionários, todos marcados 
logicamente pela convicção da missão civilizatória do branco, como é possível verificar em 
muitas passagens do romance O negro sem alma, de Fausto Duarte, por exemplo, quando o narrador 
onisciente faz conhecer os pensamentos de Henrique, o chefe do posto, o “bom tubabo129, a quem 
todos os negros estimavam” (DUARTE, 1935, p. 176): 
A África era ainda um mundo a explorar, dizia Henrique para consigo. A-pesar-de tudo, 
quantas proezas, quantos esforços dos portugueses de antanho, atestavam tôdas essas 
clareiras, todos êsses pontos ignorados do mato, onde agora viviam numa perene 
tranqüilidade indígenas pacíficos voltados à gleba depois de inutilizadas as armas. 
Henrique sentia-se estimulado por um íntimo orgulho ao vê-los resignados, saüdando 
os europeus respeitosamente porque ainda se encontravam bem impressas nas suas 
almas rudes e nos modos servis, a energia e a coragem dos brancos, agora senhores do 
mato (ib., p. 176-177)130.
Num outro livro do mesmo autor, A revolta (1945), sucedem-se os exemplos dessa 
imagem que se procura sempre de novo transmitir: a do chefe branco justo e magnânimo, 
superiormente dedicado a estabelecer a paz entre os indígenas que barbaramente guerreavam 
entre si: 
Ele bem sabia qual a extensão que poderia adquirir a revolta do ambicioso fula, as suas 
conseqüências entre a população vencida quer dum ou doutro lado, sujeita à crueldade 
do vencedor, aos rancores entre famílias desejosas de um sucesso dêsse gênero para se 
desagravarem. Culturas queimadas, aldeias arrazadas, raptos de mulheres à mão 
armada e sangue de inocentes marcariam a passagem dos rebeldes ou o triunfo dos 
adversários. [...] Antes de ser empossado no cargo de comandante do Posto Militar de 
Geba, de quando em vez era declarado pelo Govêrno o estado de guerra nas regiões 
vizinhas, suspensas as garantias e proibido o comércio, por meio de bando. Tudo isso 
acabara com a sua presença. Os anos da dura escola que é o mato de África, a reflexão 
e o conhecimento directo dos costumes indígenas tinham-lhe dado a necessária 
experiência para agir com eqüidade, obrando com firmeza e prudência (DUARTE, 
1945, p. 83-84). 
A obra de Fernanda de Castro (1900-1994) também conheceu grande repercussão. A 
estória infanto-juvenil Mariazinha em África, publicada pela primeira vez em 1925, teve mais de 
uma dezena de edições, apresentando alterações segundo a direção dos ventos políticos da 
“metrópole”. O longo poema África raiz (1966), tantas vezes citado e integrando manuais 
didáticos até mesmo na Guiné-Bissau, é um protótipo do eurocentrismo131, camuflado em 
arroubos maternalistas/paternalistas. A imagem da África é sempre acompanhada de epítetos 
129 O termo tubabo refere-se ao branco de modo geral. É um termo da língua mandiga e significa o europeu 
(SCANTAMBURLO, 2002, p. 622). 
130 A fixação obsessiva dos portugueses nas lembranças de façanhas marítimas e da colonização, forjando uma 
imagem irreal de si mesmos, foi comentada por Eduardo LOURENÇO em O labirinto da saudade (1999) de 
maneira bastante crítica e aberta, chamando de ficção uma tal idéia de grandeza. 
131 Fernanda de Castro, portuguesa, viveu muitos anos na Guiné. Escreveu romances, sobretudo para a juventude, além 
de poesia. Cf. também ROSA (1993, p. 158-162) e AMADO, 1990. 
121
negativos, fazendo sobressair o fascínio pela alteridade, ao mesmo tempo temida e atraente: 
África
no teu corpo rugem feras, 
uivam fomes e medos ancestrais, 
na tua pele há dardos e punhais. 
[...] E a gente, a gente negra? 
[...] a gente é como nós, 
mais próxima, talvez, 
dos bichos e de Deus. 
De Deus pela inocência, pela alma, 
dos bichos pela carne, 
liberta do pecado 
da ideia do pecado. 
[...] Sua lei é o instinto, a força bruta. 
Alma não tem (CASTRO, ib., p. 9-14). 
Não me posso furtar a um paralelo com a literatura brasileira, lembrando o grande poeta 
afro-brasileiro João da Cruz e Sousa, unanimemente consagrado como o maior representante do 
simbolismo brasileiro132. Seu texto em prosa Emparedado, conservado inédito mesmo depois de sua 
morte, ocorrida em 1898, só foi divulgado com a publicação de suas obras completas (1961). Nesse 
texto, Cruz e Sousa refere-se à África acumulando todos os estereótipos negativos correntes no seu 
tempo (e não só): 
África, [...] tórrida e bárbara, devorada insaciavelmente pelo deserto, tumultuando de matas 
bravias, arrastada sangrando no lodo das civilizações despóticas [...]. A África laocoôntica, 
alma de trevas e de chamas [...]. Longínqua região desolada, criação dolorosa e 
sanguinolenta de Satãs rebelados [...], grotesca e triste, África, gigantescamente medonha, 
absurdamente ululante, pesadelo de sombras (SOUSA, 1961, p. 663). 
Longe de abraçar tal perspectiva, o poeta afro-brasileiro esmera-se, com essas metáforas 
violentas e depreciativas, em mostrar os preconceitos que o etnocentrismo europeu continuava a 
divulgar e a fortalecer, pondo a descoberto com isso o “emparedamento” a que estão condenados 
os descendentes dessa África “medonha” e por Deus castigada, esquecida e desprezada. Mesmo 
sem a exuberância hiperbólica do simbolista santa-catarinense, é fato que a presença colonial na 
África e no “Novo Mundo”, com a imposição de seus próprios valores taxados como superiores, 
contribuiu, de modo negativo e decisivo, para um latente e autocorrosivo complexo de 
inferioridade, empurrando os colonizados ao mimetismo e ao esvaziamento de seus bens 
culturais. Até hoje, o sentimento de desqualificação, de inoperança, de falta de confiança em si 
mesmo e nos seus conterrâneos, efeitos maléficos do colonialismo, não foram ainda 
completamente suplantados. 
 132 João da Cruz e Sousa (1861-1898) deixou entre outras obras Missal, poemas em prosa (1893), Broquéis, poesias 
(1884), Evocações, poemas em prosa (1898), publicação póstuma, onde se encontra Emparedado (p. 646-664, da 
edição da Obra completa, ed. Aguilar, 1961). 
122
4.2 A máquina de fazer o outro133
O discurso colonial tende a “construir” o colonizado, munindo-o de artefatos negativos baseados em 
preconceitos raciais que têm como finalidade justificar a conquista e a ocupação e estabelecer 
sistemas administrativos e culturais em seu próprio benefício (BHABHA, 1992, p. 184). Foi o 
contexto da expansão imperialista e do colonialismo, com sua intrincada rede de interesses, que 
incitou os invasores europeus a identificarem os africanos (e os habitantes das Américas 
igualmente) como adversários que precisam ser subjugados e a englobá-los “nessa apelação 
unificadora e redutora” (GRUZINSKI, apud ABDALA JR., 2003). 
Para submeter o colonizado foi necessário quebrar-lhe a vontade, “coisificá-lo”, 
surrupiar-lhe a língua, ascrenças, as tradições, engabelá-lo com mistificações e roubar-lhe a 
capacidade de escolha própria. Desprestigiar, desconsiderar a cultura autóctone em detrimento da 
cultura imposta, embriagando o colonizado com o elixir da civilização, foi uma estratégia 
recorrente e eficiente. Na literatura guineense, muitos textos aludem ao fascínio que a 
“civilização” despertava nos africanos do meio rural, mas também na capital, provocando 
admiração e cobiça pelos bens de consumo inimagináveis para aquelas sociedades. Ndani, a 
protagonista do romance A última tragédia, de Abdulai SILA (1995)134, enumera algumas das 
comodidades trazidas pelo colonizador, expressando sua satisfação por ter acesso aos benefícios 
da moderna sociedade “dos brancos”. Referindo-se ao djambakus135 de sua aldeia que tinha 
vaticinado que ela não poderia nunca ser feliz, Ndani aponta algumas das diferenças entre a vida 
da tabanca que ele levava e a sua vida na cidade: 
Ele devia ver o que é dormir numa cama de molas e comparar a diferença com um 
colchão de palha com troncos no meio; ele devia saber o que é dormir num quarto sem 
mosquitos a chatear e com ventoinha a soprar fresco toda a noite e comparar isso com o 
martírio de dormir com galinha e cachorro ao lado e dabi no colchão; ele devia 
experimentar para depois explicar às mulheres dele a diferença entre sentar-se de manhã 
a uma mesa e tomar calmamente o mata-bicho e o acordar com o segundo galo e 
começar a pilar arroz, ainda por cima com filho às costas; ele devia ver como é que com 
133 Expressão cunhada por Michael HARDT em L’hybridité de l’Empire, 1995/2003. Cf. bibliografia final. 
134 Abdulai Sila destaca-se na literatura nacional como o pioneiro do romance guineense. Inaugurou suas atividades 
de prosador com Eterna paixão (1994), a que se seguiram A última tragédia (1995) e Mistida (1997), todos 
publicados pela Ku Si Mon Editora, a primeira editora privada do país e da qual ele é um dos três proprietários. 
Nasceu em Catió, em 1º de abril de 1958, é engenheiro eletrotécnico, tendo feito sua formação em Dresden, na 
Alemanha (1979-1985). Em Bissau, foi um dos que constituíram o pequeno núcleo de intelectuais fundadores do 
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, o INEP. É também co-fundador de um centro de computação (SITEC, 
1987), o primeiro do país, e da empresa EGUITEL, desempenhando um papel pioneiro na telecomunicação do 
país e contribuindo com cursos de computação para a formação técnica da juventude guineense. Sila continua 
fazendo cursos de especialização nessa área em diversos centros nos Estados Unidos. No capítulo 7 vou tratar 
com mais pormenores dos três romances de Abdulai Sila. Agradeço ao autor as explicações e esclarecimentos 
que muito me ajudaram na leitura de sua obra. 
135 Indivíduo das comunidades animistas com o dom de prever o futuro e fazer vaticínios, dominando fórmulas 
encantatórias. É o curandeiro ou a curandeira, ou adivinho, vidente com capacidades paranormais, o xamã de
certas etnias. 
123
um simples truque de torcer uma torneira, só com dois dedos, sem o menor esforço, se 
podia obter a quantidade de água que se quisesse e comparar depois esse esforço com a 
canseira das mulheres da tabanca de caminhar distâncias enormes com pote ou balde 
grande na cabeça; ele devia ver a quantidade de carne que o cão daquela casa comia 
todos os dias e comparar com a comida que os meninos tinham na tabanca [...]; ele 
devia ver tudo o que o homem branco tem e ver se encontrava uma forma de convencer 
o Yran a ajudar a encontrar coisas parecidas para o homem preto, em vez de estar só a 
anunciar desgraças e tragédias (SILA, 1995, p. 30)136.
O “Professor”, protagonista do mesmo romance, educado pelos padres, foi o primeiro fruto 
da missão evangelizadora dos colonizadores, assumindo ele próprio o elã missionário que lhe foi 
inculcado (“ele respeitava a tradição, pelo menos enquanto não entrava em contradição com as suas 
convicções religiosas”; ib., p. 88), evoluindo depois para uma independência de pensamento e de 
ação, ousadia que lhe custou o degredo e a morte. Aqui, o autor apresenta, num primeiro momento, 
a figura do africano que se acultura e incorpora os valores do colonizador, transformando-se num 
“bom cristão” e conseqüentemente, abandonando suas próprias tradições. Mas que se distancia da 
postura de benevolente protecionismo própria do agente civilizador. A população estranhou que ele 
não ficasse amigo do Chefe, isto é, o administrador do posto, já que eram “duas pessoas com 
escola”, portanto, “com pensamento parecido” (ib., p. 85). O Professor deveria ter interesse nessa 
amizade, para poder “mostrar aos outros que ele não era um indígena, mas sim um assimilado e 
talvez até um civilizado” (ib.). Agente propagador dos novos tempos, caracterizado pelo autor 
como um homem digno e altivo, o Professor, em contacto com o povo da aldeia, bem depressa 
ultrapassou a estreiteza do pensamento discriminatório dos missionários, reconhecendo os valores 
tradicionais. Seu ideal como mestre não era transmitir aos alunos a cultura do branco, mas 
sobretudo instrumentá-los para enfrentar as mudanças da modernização que não podiam ser mais 
evitadas. 
O administrador não está muito em evidência na trama narrativa, mas seu vulto, como o 
prolongamento da mão autoritária da metrópole, lança sombras e ameaças. O outro lado da medalha 
é o régulo, o grande régulo de Quinhamel137, exemplo da resistência dos Pepel – e não só – contra o 
jugo colonial opressor: 
Se um dia os brancos forem embora, não devia mais haver nem polícia, nem cipaio, nem 
nada parecido. [...] O branco não vai nunca? Aí é que está o problema do preto, não quer 
pensar como é que o branco veio, por isso não sabe que um dia tem que ir. [...] O branco 
veio, tem que ir um dia. Ainda há-de aparecer um preto com coragem para pensar nisso 
(ib., p. 81-82).
136 Alguns enunciados talvez não sejam muito conhecidos: dabi significa percevejo; mata-bicho é a primeira 
refeição do dia, nosso café da manhã; tabanca é a aldeia; Yran (escreve-se geralmente iran ou irã) é o espírito ou 
a divindade protetora. Para maiores esclarecimentos sobre os irans, cf. o capítulo 2.6. 
137 Pequena localidade a oeste de Bissau. 
124
Abdulai Sila traça o perfil do africano mentalmente emancipado, seguro de si, que recusa a 
coisificação. Consciente de sua responsabilidade como chefe da comunidade nativa, dirige com 
sabedoria sua gente e reconhece que muitos males provocados pelo colonizador poderiam ser 
minimizados se o povo tomasse consciência da própria força e capacidade: 
No fundo, este é que era o problema do preto: tem medo de fazer mal ao branco, 
enquanto que o branco faz mal ao preto todos os dias que o sol nasce [...]. O branco está 
a dominar o preto é só porque não há ninguém a pensar. Ninguém diz isto está bom, 
aquilo está mal e depois procura pensar porquê. Tudo o que o branco faz é porque está 
bom. O branco é que estava a pensar no lugar do preto. Mas branco é homem como 
qualquer outro homem! (ib., p. 64). 
Com uma visão ampla e independente, o régulo de Quinhamel respeita por um lado as 
tradições, consultando o djambakus e cumprindo as cerimônias rituais, mas implementa novidades, 
não receando assumir outras posturas que não as ditadas pelos “usos e costumes”. Uma de suas 
transgressões foi nomear conselheiros para o ajudarem nas decisões importantes para a comunidade. 
Apesar de analfabeto, utiliza-se da palavra escrita para fixar para as gerações vindouras seus 
pensamentos e princípios. É através do testamento do Régulo, ditado ao jovem Professor, que 
Abdulai Sila faz transparecer sua mensagem política. As idéias do Régulo Bsum Nanki, bastante 
contundentes, são expostas de forma pitoresca e testemunham, na sua aparente simplicidade, 
independência e orgulho, auto-confiança e destemor: 
Duas cabeças valem mais que uma cabeça só. [...] apesar disso ser uma coisa evidente, 
muitas pessoas se esquecem. Então vivemsem saber [...] que têm que a usar. [...] Um 
régulo tem que ter conselheiro [...]. Quando uma pessoa manda numa terra tem que ter 
bons conselheiros, não precisa de ter polícias. Uma pessoa não pode mandar na base da 
força, força da polícia ou da tropa. [...] Porque quem toma um couro à força, ou pensa que 
pode ficar com ele à força, sempre perde o couro à força138 (ib., p. 92-95). 
O régulo é a antítese da imagem do colonizado dependente e incapaz, contrariando o 
discurso colonial que asfixia o africano dentro dos limites rígidos do estereótipo, reflexo da 
arrogância do dominador que tantas vezes promoveu o silenciamento das culturas nativas pelas 
mais diversas estratégias. A sua anulação leva à desorientação, à internalização do sentimento de 
inferioridade e a uma assimilação acrítica e passiva do modelo imposto, ocorrendo uma 
“epidermização”, para usar uma expressão de Frantz FANON (1952, p. 10). O olhar 
eurocentrado sempre prevaleceu, num juízo de valores dicotomizado, em pares hierárquicos onde 
o conhecido, o familiar, o “mesmo” era privilegiado em detrimento da cultura local, qualificada 
pela ótica do negativo, da barbárie, da carência e da falta, como ficou patente nas passagens dos 
romances de Fausto Duarte, acima referidos. 
138 O termo crioulo couro significa uma boa posição ou cargo. 
125
Nos meios urbanos, onde o contacto entre brancos e negros era constante, os segundos 
quase que sem exceção no papel subalterno e dependentes dos primeiros, a única via possível 
para alcançar um mínimo de ascensão social e de respeitabilidade era a via da assimilação, e 
eram muitos os que ansiavam pelo carimbo de “aculturado” (em oposição ao “indígena”), pelo 
frágil prestígio de ser, pelo menos “um bocadinho português”, como uma estória bem 
humorada de Carlos Lopes tão bem ilustra. Sociólogo e economista do desenvolvimento, 
Carlos Lopes139 é autor de muitas obras e ensaios sobre temas sociológicos, históricos e 
políticos, sendo também um ficcionista de grande talento; escreve crônicas e pequenos 
estórias que por muito tempo eram publicadas regularmente no jornal português Público.
Alguns desses escritos estão reunidos no livro Corte geral (1997), onde o escritor retém, com 
fina ironia, saborosos traços da vida cotidiana guineense, tanto da capital como do interior, tanto 
episódios passados na época colonial da sua infância como no momento presente. 
Em “O sipaio Mendes”, Carlos Lopes reporta-se aos tempos da ocupação portuguesa e 
ridiculariza gostosamente essa inconsciente ou ingênua imitação colonial de que fala BHABHA 
(1998, p. 131). O sipaio Mendes140 viu sua autoridade de capitão do mato ameaçada durante um 
pequeno incidente com o motorista de um caminhão-cisterna que parou indevidamente na rua 
em frente da praça do mercado, enlameando a rua e sujando os passantes. Diante da pergunta 
“Você não sabe que não pode parar?”, o motorista, indignado, mostrou ao representante da 
lei que não aceitava a arrogância por parte de um outro africano, não lhe reconhecendo a 
autoridade –“pensar que és português, ou quê?” (LOPES, 1997, p. 16) – verbalizando o que 
muitos tinham vontade de lançar-lhe ao rosto mas não se atreviam. A estória se desenrola em 
muitas peripécias até que, dando-se novamente a ocasião dos dois se confrontarem, o 
motorista dessa vez seguiu seu caminho, sem parar, isto é, sem desobedecer, não ousando 
provocar novamente o sipaio, o qual concluiu muito satisfeito: “Afinal, sempre sou um 
bocadinho português!” (ib., p. 19). 
Para o bom funcionamento do aparato colonial, era necessária a constituição de uma 
mínima camada que fizesse a ponte entre os dois mundos. A cooptação das elites 
139 Carlos Lopes nasceu em Canchungo em 1960. Doutorou-se em Estudos Africanos pela Universidade de Paris I e 
tem ainda graus acadêmicos em Sociologia, História e Planificação Estratégica. Aos 24 anos foi o primeiro 
diretor do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) e um dos seus fundadores. Exerceu atividades 
acadêmicas em várias universidades, como em Zurique, Uppsala, México, Coimbra. Publicou uma vintena de 
livros e dezenas de artigos no âmbito das ciências políticas e sociais (cf. bibliografia final). Desde 1988 integra o 
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/UNDP), tendo ali ingressado como economista 
do desenvolvimento. Ocupou muitos postos de direção, entre eles o de Residente e Coordenador das Nações 
Unidas em Harare (Zimbábue). De 2003 a 2005 foi o Representante Residente e Coordenador das Nações 
Unidas no Brasil. Deixou o Brasil para exercer o cargo de diretor político da Secretaria Geral das Nações 
Unidas, em Nova Iorque. Apesar de ter escrito sempre crônicas em vários periódicos, sobretudo no Público, de 
Lisboa, apenas em 1997 reuniu-as em parte no livro Corte Geral.
140 Às vezes escreve-se cipaio; é o policial africano a serviço da administração colonial. 
126
tradicionais141 na administração colonial é vista como maneira de domesticar o instinto 
ambicioso dos nativos (BHABHA, 1992, p. 185). A formação de uma elite autóctone, muitas 
vezes mestiça, acenava com a “integração”, o que para os colonizados significava uma 
completa assimilação dos valores brancos, ocidentais, uma identificação com o invasor. 
Amílcar Cabral, o grande mentor intelectual, político e estratégico das lutas de libertação da 
antiga Guiné e do Cabo Verde, em uma das suas falas aos revolucionários142, assim se expressou, 
resumindo a situação desses assimilados que não queriam trocar as vantagens que tinham pelas 
incertezas das lutas libertárias: 
Entre os grupos a que podemos chamar pequeno-burgueses, gente com uma vida certa, 
seja descendentes de guineenses ou de cabo-verdianos, aparecem sempre três grupos de 
pessoas. Um grupo pequenino, mas forte, que é a favor dos colonialistas, que nem 
mesmo querem ouvir falar disso, da luta contra os tugas. Daquelas pessoas que foram a 
minha casa em Pessubé, como gente grande, bem empregada, comendo bem, bebendo 
bem, que vai a férias, etc., sentaram-se e disseram: 
“Bom, queremos conversar contigo. Tu, filho do fulano de tal, nós conhecemos-te bem, 
estás-te a meter em problemas, estás a estragar a tua carreira de engenheiro, nós 
queremos aconselhar-te, porque nós não temos nada que fazer contra os tugas, nós 
todos somos portugueses”. Para esses não há remédio (CABRAL, A.)143.
A escola era um dos meios mais eficazes para uma certa ascenção social. Somente aquele 
que era alfabetizado e comprovava possuir costumes “civilizados” tinha a prerrogativa de 
adquirir o status de aculturado144. Carlos Lopes, numa de suas estórias, escrita na primeira 
pessoa, faz a voz narradora relembrar os tempos da infância, quando os filhos dos “assimilados” 
freqüentavam a melhor escola de Bissau: 
Na Escola Primária Dr. Oliveira Salazar só andavam filhos de gente fina de Bissau. [...] 
De manhãzinha, mal se chegava, fazia-se uma formatura e cantava-se o hino da 
Mocidade Portuguesa. [...] Havia um dia na semana em que tínhamos de ir para a 
formatura com a nossa farda da Mocidade. [...] A compra do fardamento era um acto 
muito importante. [...] O “S” de Salazar [...] ornava a fivela. O “S” do cinto e o 
emblema das quinas na camisola é que davam pinta àquilo tudo. [...] Só falávamos em 
“kriol” no recreio das dez e meia. Os da metrópole faziam queixinhas de nós falarmos 
141 O conceito de elite contém a idéia de concentração do poder nas mãos de um grupo de pessoas que formam uma 
oligarquia que toma a si uma série de tarefas decisivas, sendo constituída pelos indivíduos que ocupam a mais 
elevada posição na escala social (cf. CARDOSO, 2001, p. 232). Esse autor guineense tem trabalhado sobre as 
elites e sua inserção na política da Guiné-Bissau, com vários ensaios sobre o assunto. Cf. bibliografia final. 
142 Para uma biografia (entre muitas) de Amílcar Cabral, cf. CHABAL, 1983; sobre seu assassinato, ainda envolto 
em mistério, cf. CASTANHEDA, 1995; sobre sua (pequena)obra poética, cf. entre outros, artigo de CHABAL, 
1985; ou AUGEL, 1998a (p. 139-145). 
143 Cf. CABRAL, A. “Unidade e luta”. Esse discurso está disponível, como as demais citações deste subcapítulo, no 
site sobre a Guiné Bissau, mantido por Fernando Casimiro (Didinho): http://didinho.no.sapo.pt, e que visitei pela 
última vez em julho de 2005. A fonte parece ser os arquivos da Fundação Mário Soares em Lisboa e os da 
Fundação Amílcar Cabral, na cidade de Praia, Cabo Verde. 
144 Mais uma vez cito de Amílcar Cabral um breve texto sobre o assunto: “Na Guiné, 99% da população não podia ir 
à escola. A escola era só para os assimilados, ou filhos dos assimilados, vocês conhecem a história toda, não vou 
contá-la outra vez. Mas é uma desgraça que o tuga causou na nossa terra, não deixar os nossos filhos avançarem, 
aprender, entender a realidade da nossa vida, da nossa terra, da nossa sociedade, entender a realidade da África, 
do mundo de hoje. Isso é um obstáculo grande, uma dificuldade enorme para o desenvolvimento da nossa luta” 
(CABRAL, A.; disponível no mesmo site acima indicado). 
http://didinho.no.sapo.pt,
127
“kriol” nos recreios. Era proibidíssimo falar “kriol” e isso só aumentava o interesse em 
fazê-lo. Quem não arrisca não petisca. E daí que o “kriol” passasse a ser linha de 
demarcação (LOPES, ib., p. 21-22). 
No mesmo teor, uma outra estória lembra o reduzido número de africanos que tinha o 
privilégio de participar da restrita e seleta elite local: 
Terminei a comunhão solene em tempo recorde, quem sabe se com uma ajudinha do 
padre Cruz, e também fui escolhido para entrar numa peça de Gil Vicente antes de 
completar dez anos. Até o governador da província foi assistir a essa efeméride, se 
calhar a primeira que proeminentemente exibia um mulato no papel de nobre da corte 
(ib., p. 35-36). 
Ainda Carlos Lopes, no seu conto “Fazi sapo”, traça a figura do jovem filho de um rico 
comerciante local que “nunca duvidou que chegaria onde chegou porque era filho de quem era” 
(LOPES, ib., p. 147). A descrição do jovem calha muito bem como exemplo do que acabamos de 
comentar: 
Tinha um bom carro, que comprara há pouco tempo, um BMW último grito, que não 
aguentaria muito nas ruas de Bissau cheias de buracos, mas isso nem entrava em 
linha de conta. [...] Vestia roupas da moda, sapatos de Lisboa, e até tinha introduzido 
um accessório, raro: uns suspensórios que não serviam para agarrar as calças, já que 
tinha engordado um pouco, mas eram óptimos para dar estilo (ib.). 
Como no tempo do colonialismo, o comportamento eurocentrado, que sempre prevaleceu, 
foi sendo assumido pelos nativos, acriticamente, num juízo de valores em dicotomias hierárquicas, 
numa tentativa infrutífera de igualar-se ao usurpador. Trago mais um exemplo tirado de uma fala de 
Amílcar Cabral, onde ele procura fazer uma categorização, de forma bastante didática e simples, 
pois estava falando sobretudo para iletrados, dos diversos tipos de guineenses que aderiam aos 
independentistas: 
Uma grande maioria de pequeno-burgueses [...] está indecisa [...]. Quem mais sofre com os 
tugas são essa gente da cidade, todos os dias os tugas estão em cima deles, a aborrecê-los. 
[...] É gente que sofre directamente com o colonialismo todos os dias, enquanto, por 
exemplo, o homem que vive no mato, lá no fundo do Oio, ou no Foreá, por vezes 
morre sem ter visto um branco. Enquanto que quem vive na cidade vê brancos todos os 
dias. Continuando, esse é um grupo de gente, grande grupo de pequeno-burgueses que 
têm o seu vencimento no fim do mês, e que o seu desejo de facto é que os tugas se vão 
embora, mas têm medo. [...] Perdemos a nossa geleira, o nosso dinheiro no fim do mês, 
o nosso rádio, o nosso sonho de ir a Portugal passar as férias. 
[...] E os nossos trabalhadores assalariados? [...] É que quando um homem que trabalha 
como pedreiro ganha dez, e um branco ganha 80$00, senão 800$00, ele sente uma 
exploração grande pela sua condição de vida. [...] 
Muitos rapazes que não têm emprego certo, sabendo ler e escrever, trabalhando um 
bocado ou outro, vivem muitas vezes à custa do tio que está na cidade, [...] tinham um 
contacto permanente com o colonialismo: jogadores de bola, um tanto entusiasmados 
com o tuga, mas sentiam também um bocado. [...] Essa gente veio para a luta muito 
rapidamente. E desempenharam um papel importante nesta luta, porque, por um lado, 
são da cidade e por outro lado estão muito ligados ao mato. [...] Gente que aprendeu na 
cidade como é bom ter coisas boas, mas que por causa da humilhação que sofre, sente 
que o tuga está a mais. E o Partido ajudou-os a aumentar a sua consciência disso 
(CABRAL, A.)145.
145 Citado de um discurso de Cabral, ”Unidade e luta”, disponível no site acima referido. 
128
4.3 Os espaços do pós-colonial 
Frantz Fanon discorre longamente, no capítulo sobre a violência, em seu livro Les damnés de la 
terre (1961), sobre as complexas implicações da descolonização. Sem transição, “tudo passa a 
ser diferente, tem lugar uma substituição radical, completa, absoluta”, podendo-se considerar que 
uma tabula rasa define o início da descolonização (FANON, ib., p. 29). A necessidade dessa 
mudança existia, em estado latente, impetuoso e impulsionador, na consciência e na vida dos 
homens e das mulheres colonizados (ib.). Não se trata de um passe de mágica, é um processo que 
parte da “desordem absoluta” depois da última “confrontação entre duas forças congenitamente 
antagônicas” (ib., p. 30). 
Na Guiné-Bissau, não se pode, entretanto, falar de tabula rasa. A substituição não foi 
absoluta, faltaram sobretudo quadros qualificados para ocuparem os postos de direção, em todos 
os setores, e isso provocou, de fato, um grande transtorno. Mas as estruturas da governança 
continuaram em parte as mesmas. A ausência de pessoas qualificadas foi, e ainda é, um dos 
grandes problemas do país. Fosse pela precariedade de meios, fosse pela inércia, ou ainda por 
um certo comodismo que é também sinônimo de uma postura pouco politizada, até bem pouco 
tempo as estampilhas para os documentos oficiais ainda eram as da época colonial. Pouco mais 
de trinta anos não se mostraram ainda suficientes para que, depois da descolonização, o país 
enfrentasse os tempos pós-coloniais de forma realmente soberana e independente. No campo da 
literatura, o discurso pós-colonial tem muitas faces, refletidas na tensão entre representações das 
culturas nativas e suas sobrevivências e representações da cultura imposta pelo dominador e que 
hoje em dia, antropofagicamente, faz parte integrante da guineidade146.
O vasto debate sobre o pós-colonialismo tem provocado muitas vezes confusão e 
misturas. Devido às múltiplas perspectivas segundo as quais se enfoca o pós-colonial ou a pós-
colonialidade, tornam-se necessárias uma análise e uma rearticulação do termo, muitas vezes 
utilizado indiscriminadamente tanto para designar uma fase (ou uma situação) sócio-histórica 
ligada à expansão colonial e à descolonização, quanto para referir-se a práticas teóricas e 
acadêmicas nada uniformes. 
SCHULZE-ENGLER (2003, p. 181 e ss.), anglista e africanista alemão, com obras 
publicadas na perspectiva comparatística, sobretudo sobre o pós-colonial e a modernidade não 
européia, arrola, para fins de simplificação, mas também para uma maior clareza quanto à 
conceituação, cinco diferentes concepções (ou variantes, como ele chama) do conceito “pós-
146 A generalização é sempre perigosa. Mas, mesmo se em muitas áreas isoladas do mundo rural a ocidentalização não 
se mostra tão presente (ou quase nada), seus reflexos se fazem sentir. “A fronteira entre o urbano e o rural, num país 
como o meu, é sentida dentro das pessoas: não há ninguém completamente urbano ou completamente rural”, disse 
Mia Couto numa entrevista (CHAVES, 1998). Na Guiné-Bissau, creio, é semelhante. 
129
colonial”. Para ele, o “pós-colonial” pode ser tratado como uma teoria (variante 1), como uma 
denominação geográfica(variante 2), como um termo político (variante 3), como uma nova 
disciplina científica (variante 4) e, finalmente, como um termo pragmático, um simples adjetivo 
(variante 5). 
Explicitando melhor, o termo “pós-colonial” se refere, como teoria, na primeira variante, 
a uma direção teórica específica que se caracteriza, sobretudo, por tratar de diferentes conceitos 
teóricos pós-modernos e pós-estruturalistas para literaturas, culturas e sociedades nas regiões que 
foram colonizadas – mas também para as culturas das “diásporas” ou culturas de migrantes nos 
antigos centros coloniais. O adjetivo “pós-colonial” aparece, normalmente, em combinação com 
enunciados como “teoria pós-colonial” e tem suas bases nas obras de três grandes pensadores 
contemporâneos: Edward Said, Homi Bhabha e Gayatri Spivak. Aqui, é essa variante que 
interessa à nossa perspectiva, mais estreitamente ligada à teoria literária, tal como é apresentada 
na obra pioneira The Empire Writes Back, publicada em 1989, de Bill Ashcroft, Gareth Griffiths 
e Helen Tiffin. “Pós-colonial” marca, com isso, uma direção teórica específica que encontrou 
grande aceitação justamente na teoria e crítica literárias e nas ciências da cultura, estando no 
mesmo nível de categorias como teoria ou crítica literária marxista ou feminista ou ainda pós-
estruturalista. 
Enquanto na primeira variante o termo é definido na sua essência teórica, a segunda 
variante tem a ver banalmente com o aspecto espacial, isto é, com certas regiões geográficas. O 
termo aparece, por exemplo, em combinações como “literatura pós-colonial”, “sociedades pós-
coloniais”, “culturas pós-coloniais”, e mesmo “mundo pós-colonial”, referente aos países saídos 
da situação colonial. Nesses contextos, “pós-colonial” se refere ao “mundo real” e não a certas 
direções teóricas e com esse significado substitui categorias como “Commonwealth” ou 
“Terceiro Mundo”. Apesar de os termos pós-colonial (1) e (2) não serem de forma alguma 
associáveis, ou seja, como categorias não se pode estabelecer uma correspondência entre uma e 
outra, no uso comum elas são vulgarmente confundidas entre si. 
Uma terceira variante tem a ver com um determinado comportamento político e 
ideológico. “Pós-colonial”, nesse sentido, é aplicado para marcar um largo espectro de correntes 
anticoloniais, nacionalistas, anti-imperialistas e anti-capitalistas que estão em maior ou menor 
escala ligadas à idéia básica de “libertação do Terceiro Mundo”. Como os protagonistas de 
diferentes movimentos políticos e sociais nos países da África, Ásia e América Latina, afirma 
Schulze-Engler, não se tenham mostrado até agora inclinados a se definirem a si mesmos como 
“pós-coloniais”, o termo (na acepção 3) continua sendo um constructo acadêmico, também 
mesmo quando, ocasionalmente, se tenta definir o “pós-colonial” como uma forma de ativismo 
político.
130
Continuando a classificação de Schulze-Engler, a variante número 4 refere-se a uma nova 
disciplina científica e é usada, por exemplo, na designação “postcolonial studies”, “estudos pós-
colonais”. “Pós-colonial” designa, assim, uma área acadêmica de estudos interdisciplinares cujo 
núcleo se situa nos estudos de teoria literária e da ciência das culturas e que se ocupam tanto com 
as sociedades e as culturas das regiões geopolíticas e dos países ex-colônias – no sentido da 
variante 2 – como com as incontáveis teorias pós-coloniais no sentido da variante 1. Como essa 
nova disciplina ainda se está estruturando, uma grande parte dos estudos de temas “pós-
coloniais”, tanto na pesquisa como no ensino, está ancorada em disciplinas já consagradas e 
reconhecidas. Nos últimos anos, diz o autor, cursos de “postcolonial studies” se vêm 
estabelecendo em diversas universidades européias e americanas (e, acrescento eu, também 
brasileiras e latino-americanas). 
A última variante (5), sempre seguindo a classificação de Schulze-Engler, é 
compreendida como o termo tem sido vulgarmente utilizado na linguagem cotidiana comum, um 
adjetivo com um sentido meramente pragmático, empregado quando se trata dos assim chamados 
países, literaturas e culturas “pós-coloniais”, ou quando há referência a alguma teoria pós-
colonial. Fala-se tanto de escritores ou críticos que são originários de países “pós-coloniais” ou 
que estão de algum modo a eles relacionados, como de perspectivas políticas mais ou menos 
radicais relativas ao “Terceiro Mundo”. 
As literaturas chamadas de “pós-coloniais” são, em geral, caracterizadas pela sua relação 
ambígua com a literatura do país europeu colonizador, oscilando entre o mimetismo e o repúdio. 
Assim terá de fato acontecido nos primeiros tempos pós-independência. A literatura não escapou 
do amplo espectro de questionamentos e ajustes de contas com a antiga metrópole. Entre, de um 
lado, a rejeição e a negação e, do outro, a continuidade das relações historicamente constituídas, 
uma necessária catarse se realizou (e se vem realizando) em quase todos os países que se 
encontram a escanteio do centro hegemônico na era da globalização. 
A descolonização é sempre um longo processo e não apenas um ato político e pontual. 
Não é possível, simplificadamente, e muito menos generalizadamente, falar-se de “pós-
colonização”, sem situar espácio-temporalmente essas referências. A catarse acontece, está 
acontecendo, mas também os países africanos se estão confrontando com novas formas de 
dependência e de influências. Os analistas não africanos nem sempre estão atentos à 
complexidade de atitudes, momentos, transformações, regressões, reações que envolvem a 
descolonização, tendo herdado um par de antolhos conceituais (a expressão é de APPIAH, 1997, p. 
22), fruto do etnocentrismo. E muitos autores, sobretudo africanos, ocupam-se em rever o olhar 
eurocentrado, etnográfico, sobre a África, tendo em vista o que vem acontecendo, no plano 
político e sócio-econômico, desde bem antes da virada do milênio, na maior parte dos países 
131
daquele continente. Niyi Osundare, autor nigeriano, poeta e crítico literário, resume assim suas 
críticas: 
The tag “postcolonial” is more useful for those who invented it than for those who are 
supposed to wear it, its passive signifies [...] a project which sounds “post-colonialist” 
in intent may turn out to be “neo-colonialist”, even “re-colonialist” in practice147.
SCHULZE-ENGLER (2003, p. 188), na mesma linha, escudado inclusive em outros 
analistas, mostra que as literaturas africanas contemporâneas têm hoje outras preocupações e 
outras motivações que não a de se confrontarem com as ex-metrópoles, não lhes interessando 
mais tanto uma acareação com a história colonial européia. Insistir na mesma tecla seria 
bagatelizar outras formas de exploração política, continua o autor, como a má governação, a 
corrupção ou ainda os genocídios, ou a violência do Estado em relação aos ‘inimigos internos’. 
Tudo isso tem hoje em dia uma grande importância para os africanos posicionados criticamente, 
constituindo um tema recorrente em escritores de todo o continente. Esses aspectos têm sido 
teoricamente também discutidos por muitos cientistas sociais africanos e não só. Quanto à 
Guiné-Bissau, veremos nos próximos capítulos deste trabalho exemplos da nova literatura que se 
está fazendo desde a segunda metade dos anos noventa e que segue essa postura de autocrítica. 
Nessas obras, o foco de interesse se desloca justamente para uma nova reterritorialização 
desconstrutiva do status quo e se empenha em ultrapassar ou contestar o discurso hegemônico 
vigente, ensaiando uma nova narração da nação. 
No artigo “La razón postcolonial. Herencias coloniales y teorías postcoloniales”, Walter 
Mignolo também problematiza os muitos usos do termo “pós-colonial”, lembrando ser “uma 
expressão ambígua, algumas vezes perigosa, outras vezes confusa, e geralmente limitada e 
empregada de forma inconsciente (MIGNOLO, 1996, p. 8). Ressaltando que existe umadiferença entre, por um lado, as situações pós-coloniais e, do outro, os discursos e as teorias pós-
coloniais (ib., p. 13), defende a posição de que deva ser “a razão pós-colonial entendida como 
um grupo diverso de práticas teóricas que se manifestam na raiz das heranças coloniais, na 
interseção da história moderna européia com as histórias contramodernas coloniais” (ib., p. 9)148.
147 Apud SCHULZE-ENGLER, 2003, p. 188, nota 5. “O rótulo ‘pós-colonial’ serve mais para os que a inventaram 
do que a aqueles aos quais ela é atribuída. [...] um propósito que soa ‘pós-colonialista’ na intenção pode acabar 
tornando-se neo-colonialista e na prática até ‘re-colonialista’”. A tradução é minha. 
148 O mesmo autor chama a atenção também para a necessidade de não se perder de vista a existência de três planos 
de raciocínio e análise: o primeiro abarcaria as situações e condições pós-coloniais (que apresentam muitas 
diferenças entre elas); o segundo plano seria constituído pelos discursos (políticos, históricos, literários, 
jurídicos) e finalmente o terceiro pelas teorias pós-coloniais – que seriam teorizações eruditas conectadas aos 
estudos acadêmicos, por sua vez submetidos a regras institucionais e disciplinárias. Trata-se, segundo Mignolo, 
como já vimos em exercício de raciocínio semelhante em Schulze-Engler, de marcos conceituais bem distintos, 
se bem que imbricados. Considerando ainda ser menos a condição histórica pós-colonial o que lhe interessa, mas 
sim os loci de enunciação do pós-colonial, o autor americano externa a opinião de que “a teorização pós-colonial 
luta por um deslocamento do locus de enunciação do Primeiro para o Terceiro Mundo” (ib., p. 16) e ressalta que 
“se pode conjecturar que uma característica substancial do pós-colonial constitua na emergência de loci de 
enunciação de ações sociais que surgem dos países do Terceiro Mundo, e que invertem a imagem contrária 
produzida e sustentada por uma longa tradição a partir da herança colonial (ib., p. 17). 
132
Considero importante destacar o aspecto, assinalado por Mignolo, de que os discursos e 
teorias pós-coloniais começaram a desafiar a construção hegemônica da modernidade conectada 
com a expansão européia, idéia que foi bastante poderosa para perdurar por quase quinhentos 
anos. O primeiro mundo foi sempre visto como o locus de enunciação que, em nome do 
racionalismo, da ciência e da filosofia, afirmou seu próprio privilégio intelectual (e não só), em 
detrimento de outras formas de pensamento. Os discursos e teorias pós-modernas estariam 
construindo uma razão pós-colonial como um locus de enunciação diferencial (ib., p. 19), 
priorizando, ou pelo menos dando relevo, aos substratos subalternos (SPIVAK), marginais, até 
então desprezados ou silenciados.
Na perspectiva do meu presente estudo, interessa-me a teoria crítica pós-colonial 
(Postcolonial Critique) por estar estreitamente imbricada com o campo dos Estudos Culturais, 
desenvolvidos, como já me referi, primeiramente por acadêmicos ingleses e americanos, 
ocupando ali um lugar central. O deslocamento da perspectiva da análise constitui o pano de 
fundo do desenvolvimento dos estudos pós-coloniais, passando para um segundo plano a análise 
de processos e das relações sociais de produção, priorizando uma abordagem discursiva, política 
e cultural na qual a literatura e a análise de texto passam a ser elementos de suma relevância. A 
reflexão sobre as conexões entre o saber e o poder adquire maior peso do que o estudo das 
condições materiais da existência social dos indivíduos e seus condicionamentos econômicos. 
Como Gayatri Spivak formulou: “no contexto pós-colonial global atual, nosso modelo deve ser o 
de uma crítica da cultura política, do culturalismo político, cujo veículo é a escritura de histórias 
legíveis, seja do discurso dominante, seja das histórias alternativas” (SPIVAK, 1994, p. 189). 
A exposição de diferentes aspectos da problemática pós-colonial pareceu-me importante 
para me situar tanto criticamente como receptora da literatura africana, ou melhor, guineense, 
quanto para orientar minha interpretação, sem perder de vista minha proposta teórica do estudo 
da nação a partir do discurso literário e que passarei a desenvolver nos capítulos seguintes. 
Considero que todas essas questões estão intimamente interligadas e a própria idéia de nação, 
fruto da modernidade ocidental, vem sendo desconstruída, rearticulada, reorganizada, recriada 
justamente a partir da implosão da descolonização, da queda dos impérios ultramarinos, com o 
surgimento dos Estados soberanos africanos que lutam pela integração nacional. 
Manuel Castells defende um posicionamento bastante diverso, taxando como 
eurocêntrica a idéia de que as nações se moldam à imagem e semelhança do modelo europeu 
surgido desde a Revolução Francesa. Critica, igualmente, considerando como uma atitude de 
excessivo desconstrutivismo, reduzir-se a simples produto ideológico ou mesmo artificial o 
sentimento ligado à nacionalidade (CASTELLS, 2002, p. 45-46). Das idéias de Castells voltarei 
a tratar no capítulo 7. Passarei agora a abordar um aspecto que tem ocupado muito tanto teóricos 
133
e ensaistas como vem refletindo também nas obras literárias, que é a questão das modernas 
formas de interação e de recuperação de influências por parte dos países centrais face aos países 
satélites. 
4.4 O neocolonialismo e a “lógica imperial”149
Quem primeiro cunhou a expressão “neocolonialismo” foi Kwame Nkrumah (1909-1972), o 
primeiro presidente de Gana, depois da independência (1957). Ele mesmo membro da elite 
burguesa, defendeu a opinião que a soberania nacional dos países africanos, adquirida com a 
independência, não passava de fato de uma formalidade e que na verdade não tinha havido 
grandes modificações no relacionamento assimétrico entre os poderes coloniais e os povos 
colonizados, permanecendo uma relação de dependência e exploração, sendo assim o 
neocolonialismo a pior forma de imperialismo (NKRUMAH, 1965). 
Em plena época da expansão econômica da Europa e sobretudo dos Estados Unidos, na 
busca de novos mercados, na euforia capitalista de multiplicação de lucros e de poder, 
desenvolveu-se a idéia da necessidade de modernização, constatando-se a dificuldade de países 
saídos da colonização de se pautarem pelos princípios tais como eram demarcados pelo 
Ocidente, segundo os quais o desenvolvimento é linearmente definido por parâmetros do 
crescimento econômico. Foi quando surgiu o binarismo reducionista que dividia os países entre o 
“primeiro” e o “terceiro” mundo. Os países do “primeiro mundo” etiquetavam o atraso do 
“terceiro mundo” pelo atraso econômico devido à não industrialização, sendo necessária uma 
modernização fomentada a partir de fora, com uma “ajuda ao desenvolvimento”, palavra de 
ordem que permitiu justamente um novo surto de camuflada colonização. Sendo assim, os países 
descolonizados não tiveram outra saída do que fazerem parte desse sistema, naturalmente como 
subalternos, continuando vítimas da exploração e da dependência. Como disse G. Spivak, “o 
neocolonialismo é uma repetição deslocada de muitas das velhas linhas traçadas pelo 
colonialismo” (SPIVAK, 1994, p. 192). 
O conceito de neocolonialismo está estreitamente ligado à teoria da dependência, enfoque 
de grande relevância a partir da década de sessenta, com base em estudos sobretudo latino-
americanos. Os estudiosos da teoria da dependência consideravam que as razões do atraso dos 
nossos países, latino-americanos e africanos, estavam nas estruturas da economia mundial e 
eram devidas à perpetuação da subordinação e suas conseqüências que bloqueavam a auto-
iniciativa e as tentativas de produção econômica autônoma dos assim chamados países 
149 Conceito cunhado por Michael HARDT, 1995. Cf. nota 124. 
134
subdesenvolvidos. O subdesenvolvimento estaria estreitamente conectado com a expansão 
capitalista dos países industriais, sendoque o desenvolvimento e o subdesenvolvimento não 
seriam senão dois aspectos diferentes do mesmo processo global150.
Edward Said comenta que, apesar de emancipadas, as nações descolonizadas continuam, 
sob muitos aspectos, “tão dominadas e tão dependentes quanto o eram na época em que viviam 
governadas diretamente pelas potências européias. [...] E assim, no final do século XX, o ciclo 
imperial do século passado parece se repetir em alguns aspectos” (SAID, 1999, p. 51). 
O neocolonialismo não tem a ver tanto com instrumentos formais de controle, tais como a 
implementação de estruturas administrativas, o estacionamento de forças militares nem tampouco 
com a incorporação ou submissão das populações nativas ao controle de um governo metropolitano, 
de um poder exógeno. Refere-se, muito mais, a uma forma indireta de domínio através de uma 
dependência cultural e sobretudo econômica. O neocolonialismo reflete um tipo de controle mais 
sutil das antigas colônias, processado pela continuada cooptação das elites nativas e do poder 
hegemônico local, cúmplices das potências neocoloniais em detrimento dos interesses do povo. É 
mantida a dependência, tanto no que se relaciona com o trabalho como no plano do subconsciente, 
das populações exploradas, submetidas a uma sujeição psicológica e mental que as leva a querer 
satisfazer suas necessidades tanto culturais quanto materiais a partir dos bens e valores etiquetados 
como imprescindíveis por parte desse mundo primeiro e perfeito. 
A dependência não constitui apenas um fenômeno de ordem externa, pois se manifesta 
também através de muitos fatores interligados e infiltrados na estrutura interna de um país. A 
cooptação das elites periféricas, assumindo os padrões de consumo dos países centrais, principais 
usufruidoras dos benefícios dos avanços tecnológicos, distanciou cada vez mais a classe 
dirigente, concentrada na renda e no proveito próprio, do povo, herdeiro dos malefícios não 
ultrapassados da colonização, disfarçada sob a máscara neocolonial e neoliberal. A aceitação, e 
até o encorajamento, por parte das antigas metrópoles, da política levada a efeito por um sem 
número de ditadores e caudilhos africanos, asiáticos, latino-americanos têm sua justificativa ou 
explicação evidente, pois essa relação assimétrica e abstrusa tem trazido muitas vantagens para o 
“Centro”. Ao discurso imperialista nada importa, nem os abusos de autoridade, nem a 
brutalidade da repressão das revoltas populares, nem o fato de os direitos humanos ficarem 
submetidos aos interesses do mercado e da economia internacionais. 
150 Levaria longe demais discorrer sobre esse assunto que apaixonou sociólogos latino-americanos e de outras 
regiões afetadas pelas conseqüências da expansão capitalista. Uma revisão das discussões da década de sessenta 
centradas no binômio centro-periferia, com um balanço dos caminhos da teoria da dependência, pode ser 
encontrada, por exemplo, em SANTOS, Theotônio dos. Evolução histórica do Brasil. Da Colônia à crise da “Nova 
República”. Petrópolis: Vozes, 1995. 
135
Nas estórias de Carlos Lopes que aqui apresentei, no caso de “O sipaio Mendes”, por 
exemplo, tratava-se de um simples e ignorante policial; igualmente, em “Fazi sapo” (LOPES, 
1997), a personagem principal era um jovem fanfarrão e irresponsável. Triste e inquietador 
quando, no mundo real, são membros da camada dirigente que dão altas demonstrações dessa 
assimilação ditada pelo oportunismo, resultando numa verdadeira colonização interna, a mais 
perigosa de todas elas151.
Como já afirmara Frantz Fanon, “o opressor, pelo carácter global e terrível da sua 
autoridade, chega a impor ao autóctone novas maneiras de ver e, de uma forma singular, um 
juízo pejorativo acerca das suas formas originais de existir” (FANON, 1980, p. 42). Essa 
“imposição” é assimilada, deglutida, e a ideologia capitalista se inocula no pós-colonizado, 
condicionando seu comportamento e sua maneira de pensar. Tão criminosa mutilação foi uma 
forma da qual os poderes hegemônicos exógenos se serviram para reduzir ainda mais a 
autenticidade, o próprio” de cada cultura, de cada grupo étnico: despossuindo-os de seus próprios 
valores, de seus bens simbólicos, de seus hábitos característicos para, esvaziando-os, preenchê-
los e satisfazê-los com os valores e produtos primeiro do mercado colonial, depois das transações 
do mundo industrial e moderno e desenvolvido (SEABROOK, 2001).
Os movimentos de independência recuperaram, pelo menos em parte, as expressões 
culturais tradicionais, revalorizando-as e procurando devolver aos povos suas identidades. Se 
essas identidades culturais não foram totalmente extirpadas, elas foram grandemente reduzidas, 
postas em dúvida, enfraquecidas em suas raízes. Tem sido lento e cheio de percalços o processo 
de reinstauração das identidades fragmentadas, da auto-estima abalada e da luta contra a 
descrença nos próprios valores.
No romance Kikia Matcho (1997)152, Filinto de Barros apresenta António Benaf, o sobrinho 
“doutor” que tinha estudado na Europa e, voltando para a terra natal, foi obrigado a reconhecer que 
seu título acadêmico não lhe trazia nenhuma vantagem. Depois de meses tentando a sorte, 
continuava desempregado e sem ver chegar a grande oportunidade de tornar-se rico e poderoso, 
fantasiosa ambição que o havia impelido a regressar. Obrigado a estar presente no enterro do tio, 
151 A colonização interna ou autocolonização abrange um processo que acontece sobretudo dentro do sujeito quando 
ele assume cegamente os interesses (econômicos, políticos) de um poder de fora assim como sua forma de viver 
e de pensar (cf. p. ex. ALLERKAMP, 1991, p. 1). 
152 Filinto de Barros nasceu a 28 de dezembro de 1942 em Bissau. Entrou para as fileiras do PAIGC em 1963, na Zona 
Zero, isto é, em Bissau. Durante as lutas de libertação, desenvolveu atividades em Bissau e em Lisboa, onde estudou 
engenharia e foi dirigente daquele partido na clandestinidade. Proclamada a independência, foi durante mais de uma 
década ativo participante dos destinos políticos do país: foi membro do Comité Organizador do Partido e do Comité 
do Sector Autónomo de Bissau; foi também Secretário Geral e Secretário de Estado da Presidência. Foi Embaixador 
da Guiné-Bissau em Portugal, Ministro de Informação e Cultura, Ministro dos Recursos Naturais e Indústria, 
Ministro da Justiça e Ministro das Finanças. Desde 1994, com as eleições multipartidárias e o início de uma nova era 
na história política do país, Filinto de Barros retirou-se da vida pública. Tem exercido em Bissau cargos de 
conselheiro técnico em entidades estrangeiras de cooperação. Autor de ensaios de ordem política e técnica, Filinto de 
Barros surpreendeu com a publicação do romance Kikia Matcho do qual tratarei alargadamente no capítulo 7. 
136
enquanto muitos dos conhecidos apareciam apenas para dar as condolências e iam embora, Benaf 
tinha que permanecer toda a noite na vigília do velório, dever de família, tendo assim tempo para 
refletir sobre o mundo de contradições em que vivia metido: os anos de estudo na Europa haviam 
feito dele um materialista, “interessado nos sucessos pessoais” (ib., p. 21). Cínico e decidido a usar 
da bajulação e do oportunismo para conseguir um posto vantajoso, viveu na ilusão de que, sendo os 
diplomados ainda pouco numerosos no país, as oportunidades não lhe poderiam faltar. Mas estava 
amargando a decepção de não ter seus planos realizados: 
O lema é comer e deixar os outros comerem! [...] Desde que chegou das europas, que tem 
visto os adaptados a saírem-se muito bem, com boas casas, boas mulheres e segundo lhe 
disseram, com contas no estrangeiro. Era isso que ele pretendia e quanto antes melhor! 
(ib., p. 154). 
Benaf despreza as crenças e os rituais, se bem que não deixe de ser tomado pelo terror 
ante a ameaça clara da presença do kikia matcho, a coruja azíaga pousada em sua janela, e da 
cena de transe e incorporação a que assistiu,quando o defunto exigia, incorporado na pessoa da 
jovem Ofitchar, que fossem feitas cerimônias rituais para redimir os muitos pecados e erros 
cometidos durante as lutas libertárias, não só por ele, mas por tantos outros combatentes. 
A análise dos efeitos da colonização sobre o colonizado é atravessada por muitos 
conceitos como o do hibridismo cultural (Homi Bhabha), o da identidade rizomática das origens 
(Deleuze e Guattari), entre outras, das quais não cabe, no momento, tratar. Para o colonizado, o 
caminho para alcançar um equilíbrio passa por muitas curvas e desvios, tropeços e retrocessos 
até se chegar à nova personalidade do sujeito cultural africano, dialogando com seus dois “eu”, 
entre duas temporalidades: o presente africano-ocidental e um passado nativo que ainda se 
mantém vivo, apesar de todas as pressões (REIS, 1999, p. 33). Ambigüidades e incoerências 
fazem parte do processo, como Carlos Lopes ilustra em várias de suas estórias. Por exemplo, em 
“Indigenização”: 
O orador, conhecida figura pública, proprietário com o alvará de uma casa comercial, à 
qual juntou também, com pompa, a denominação de industrial, falava sem parar: é 
preciso mostrar ao Governo que não há progresso só porque se tem uma bandeira e os 
ministros são pretos. O verdadeiro poder é económico e esse obtém-se com a 
consolidação dos comerciantes da terra. [...] A economia continua nas mãos deles e nós 
ficamos a ver navios. [...] O orador era imparável na sua retórica, agora apelidada de 
novo nacionalismo africano, ou de luta pela independência económica. 
O interesse neste discurso é que ele é protagonizado por gente que só veste camisas de 
seda, passeia de Mercedes, tem os filhos a estudar nas melhores universidades 
ocidentais e vive em palácios decorados com gosto de novo-rico (LOPES, 1997, p. 51-
52). 
137
Armando Gnisci, na sua obra Via della decolonizzazione europea (GNISCI, apud
FONTES, 2003)153, argumentando que o “pós” não pode significar “após a colonização” como se 
essa já tivesse terminado, mostra-se particularmente empenhado em que a Europa se 
descolonize, abandone seu eurocentrismo e reconheça os crimes praticados. Para o comparatista 
italiano, como para tantos outros autores, o mundo atual está confrontado com uma contínua 
colonização, ampliada e agravada pela globalização neoliberal, controladora e determinante dos 
destinos individuais e das massas e do seu imaginário. Para avançar na via da descolonização um 
caminho seria através da literatura. Porque a literatura é um “diálogo com autores e com textos” 
– e esses textos são fontes de experiência e de mudanças, oferecendo oportunidade de formação, 
de educação. Para Gnisci, enfim, “la letteratura è produzione di realità” (ib.), constituindo a via 
de diálogo mais intenso entre as culturas, pois permite estabelecer uma poética e uma política de 
relações, a partir de uma determinada location, isto é, do lugar de onde se fala, de seu enunciado 
(ib.).
Segundo o pensador ganês Kwame Anthony Appiah, o que ocorreu em grande parte da 
África foi devido ao fato de que o Estado que surge após a independência passou a apresentar os 
mesmos vícios e vivenciar as mesmas conjunturas do Estado colonial, em suma, perpetuando 
muitos aspectos carcomidos do sistema econômico colonial, além de serem escamoteadas ou 
ignoradas as diferenças étnicas, muitas vezes encobertas pelo discurso nacionalista no que diz 
respeito à junção dos povos no processo de independência. As conseqüências dessa perpetuação 
e a crença em uma igualdade étnica que de certa forma não existia (no caso da “Guiné” foi obra 
de anos de empenho e obstinação de Amílcar Cabral) foram claras: um Estado independente que 
nascia para gerar condições para o desenvolvimento e criação de infra-estrutura não poderia 
jamais apoiar-se nas bases de um Estado que visava de certo modo à manutenção da ordem 
hegemônica vigente. Aconteceu que os governantes pós-coloniais, afirma Appiah, assumindo as 
rédeas do poder resgatadas do domínio colonial, não souberam reconhecer os limites desse 
poder, “não repararam, no princípio, que elas não estavam ligadas a um bocal de freio” 
(APPIAH, 1997, p. 230). 
Anthony Appiah demonstra, em várias passagens de seu livro Na casa de meu pai, a 
inviabilidade da idéia européia de nação no contexto pós-colonial africano. A idéia de nação 
como resultado de um contrato social, como uma associação livre de cidadãos, para muitos 
autores uma criação do Iluminismo europeu, é inapropriada para o contexto africano, pois não se 
153 Maria Aparecida Ribeiro Fontes agradece a Armando Gnisci por lhe ter cedido o manuscrito do livro mesmo 
antes da publicação, ocorrida somente em 2004. Como em geral nos artigos que cito a partir da rede eletrônica, 
não me é possível indicar as páginas consultadas. Gnisci já tinha desenvolvido reflexões semelhantes em outros 
trabalhos, como “A descolonização que não passa”, artigo que pode ser encontrado no site:
http://www.unigranrio.com.br/letras/revista/textoarmando.html.
http://www.unigranrio.com.br/letras/revista/textoarmando.html.
138
pode perder nunca de vista o fato dos Estados africanos terem surgido como conseqüência da 
política imperialista européia. A identidade cultural entre os grupos étnicos não foi levada em 
conta para a formação (arbitrária) das colônias, não tendo igualmente sido fundamental na 
manutenção dos novos países. Muito mais relevante foi o esforço para conseguir a unidade 
política dentro do espaço geográfico pré-traçado pela conjuntura imperial, apesar das 
heterogeneidades culturais. Aos novos países africanos, tal como se passou na América Latina, 
“tratava-se de vertebrar as nações que padeciam as indefinições próprias do império” (AINSA, 
1986, p. 126). Como disse Eliana Reis, referindo-se às idéias de Anthony Appiah e de Wole 
Soyinka, não cabia estimular a criação de uma identidade nacional ou étnica dentro de ambientes 
caracterizados pela multiplicidade, postura “difícil ou mesmo imprudente”, haja visto o 
exacerbamento de emoções desencadeadas por rivalidades étnicas (dentro ou além fronteiras) que as 
políticas nacionalistas puseram e ainda põem em prática e que tantas e tão trágicas conseqüências 
têm trazido, acendendo rivalidades e etnocentrismos (REIS, 1999, p. 123-124). 
É justamente devido a certos excessos perpetrados em nome do bem comum nacional que 
Ernest Gellner chega mesmo a comparar o tribalismo com o nacionalismo que, por algum acaso, 
conseguiu, sob condições modernas, constituir-se como potência capaz de exercer o poder. Os 
movimentos nacionalistas inventam, diz Gellner, num processo de racionalização dos interesses 
de uma elite, idéias que a propaganda política usa para sensibilizar as massas, em nome de uma 
determinada identidade nacional a ser defendida ou a ser conquistada, mas, em caso de sucesso, 
é apenas uma minoria que tem acesso aos benefícios. Dentro da sua crítica veemente aos 
nacionalismos, aponta, já antes do advento das independências dos Estados africanos, para as 
conseqüências que de fato sempre se repetem: 
Em geral, tanto a intelligentsia quanto o proletariado são solicitados para um 
movimento nacional efetivo. Seus destinos divergem depois de conseguirem a 
independência nacional. Para os intelectuais, a independência significa uma vantagem 
imediata e enorme: empregos, e empregos muito bons… Para os do proletariado, por 
outro lado, a independência só pode, a curto prazo, trazer desilusões. As dificuldades 
não são eliminadas, elas provavelmente aumentam no afã de um desenvolvimento 
rápido e pelo fato que o governo nacional às vezes consegue ser mais duro do que um 
governo estrangeiro (GELLNER, 1964, p. 169; minha tradução). 
A concessão de vantagens políticas e econômicas às ex-colônias se torna para o “Centro” 
cada vez menos atraente, dada a mudança do foco de interesses e prioridades por parte dos países 
doadores e das organizações internacionais, privadas e públicas.

Outros materiais