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Marina Moura Fé – M7 Fisiopatologia das Diarreias Classificação Geral A classificação das diarreias pode ser feita com base no tempo de duração do sintoma, nas características clínicas e topográficas e na fisiopatologia. Assim, diarreias agudas são aquelas com duração menor que 2, sendo a causa mais comum por infecções. A crônica acima de 4 semanas. Por fim, a diarreia persistente, aquela de duração entre 2 e 4 semanas. Quanto ao mecanismo fisiopatológico, são categorizadas em osmótica, secretória, inflamatória, disabsortiva e funcional, sendo as 4 primeiras diarreias orgânicas e a última não orgânica. Classificação Fisiopatológica Diarreia osmótica Ocorre por acúmulo de solutos osmoticamente ativos não absorvíveis no lúmen intestinal. Assim, ocorre retenção de líquidos intraluminais e consequentemente diarreia. É a partir desse mesmo mecanismo que funcionam os laxativos. Uso de antibióticos também podem causá-la. As características desse tipo de diarreia é o fato de ter gap osmolar alto, melhora em jejum e com suspensão de substâncias osmóticas. Ex.: deficiência de dissacarídeos, alta ingestão de carboidratos pouco absorvíveis (sorbitol, manitol, lactulose), abuso de laxativos. Diarreia secretória Distúrbio no processo hidroeletrolítico pela mucosa intestinal, por meio do aumento de secreção de íons e água para o lúmen ou inibição da absorção, por meio de drogas ou toxinas. Diferentemente da osmótica, tem gap osmolar baixo, não melhora com jejum e é responsável por um grande volume de fezes aquosas. Esse é o tipo de diarreia provocada por E. coli enterotoxigênica, Vibrio cholerae, Salmonella sp. Diarreia inflamatória Como o próprio nome induz, é causada por uma alteração inflamatória, levando a produção de muco, pus e/ ou sangue nas fezes. Pode ter alteração laboratorial da calprotectina ou lactoferrina fecal. Entre as causas, destacam-se a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Diarreia funcional Nesse tipo de diarreia, a absorção e secreção estão normais, porém não há tempo suficiente para ocorrer a absorção desses nutrientes corretamente. É um diagnóstico de exclusão, ou seja, quando ausência de doença orgânica justificável. Ocorre por hipermotilidade intestinal. Exemplos: síndrome do intestino irritável e diarreia diabética (neuropatia autonômica). Diarreia disabsortiva Também conhecido como esteatorreia. A causa dessa diarreia está associada a baixa absorção dos lipídios no intestino delgado, ou seja, pode ser causada também por uma síndrome de má absorção ou por uma síndrome de má digestão. Por exemplo doença celíaca, doença de Crohn, doença de Whipple, giardíase, estrongiloidíase e linfoma intestinal. Marina Moura Fé – M7 Diarreia Aguda Introdução e conceito Diarreia aguda é a eliminação anormal de fezes amolecidas ou líquidas com uma frequência igual ou maior a três vezes por dia e duração de até 14 dias. Entretanto, neonatos e lactentes, em aleitamento materno exclusivo, podem apresentar esse padrão de evacuação sem que seja considerado diarreia aguda. Disenteria é a diarreia com a presença de sangue e/ou leucócitos nas fezes. Denomina-se diarreia persistente quando o quadro diarreico se estende além de 14 dias. Estima-se que, anualmente, ocorram 2,5 bilhões de casos de diarreia entre as crianças menores de 5 anos. Epidemiologia No Brasil, segundo publicação oficial do Datasus, a proporção de óbitos por diarreia aguda em menores de 5 anos caiu de 10,8% em 1990 para 1,6% em 2011. As regiões Norte e Nordeste ainda concentram os maiores índices de mortalidade. Apesar da queda na taxa de mortalidade por doença diarreica aguda entre crianças menores de 5 anos, a morbidade tem se mantido constante nas duas últimas décadas, tanto em países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos, consumindo recursos substanciais da saúde. Etiologia A diarreia aguda pode ter causas infecciosas e não infecciosas. Mundialmente, as causas infecciosas apresentam uma maior prevalência e impacto na saúde das crianças, principalmente nas menores de 5 anos. Alergias, intolerâncias e erros alimentares, além de certos medicamentos, estão entre as causas não infecciosas mais frequentes. As diarreias agudas de origem infecciosa têm como principais agentes os vírus, as bactérias e os protozoários. No mundo inteiro, os vírus são os principais causadores das diarreias infecciosas, sendo os mais prevalentes os rotavírus, os calicivírus, os astrovírus e os adenovírus entéricos. Os vírus são altamente infectantes e necessitam de baixa carga viral para causar doença. Os rotavírus têm ocorrência universal, sendo os principais responsáveis por episódios de diarreia aguda, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento, representando 40% dos casos graves com hospitalização. A infecção por rotavírus é autolimitada, com pico de incidência na faixa etária de 6 a 24 meses. Os norovírus são os principais agentes de surtos epidêmicos de gastroenterites virais transmitidos por água ou alimentos, ocorrendo em todas as faixas etárias. Também podem ser encontrados em quadros esporádicos, e 30% dos casos são assintomáticos. Marina Moura Fé – M7 Os adenovírus causam, com mais frequência, infecção do aparelho respiratório, mas, dependendo do sorotipo, podem causar quadros de gastroenterite. Os astrovírus são menos prevalentes. Apesar de poder ocorrer em adultos e crianças, os lactentes são os mais acometidos. A transmissão é de pessoa a pessoa e geralmente provoca casos de diarreia leve e autolimitada. As diarreias agudas de causa bacteriana e parasitária são mais prevalentes nos países em desenvolvimento e têm pico de incidência nas estações chuvosas e quente Os agentes parasitários mais frequentemente envolvidos na etiologia da diarreia aguda são: Cryptosporidium parvum, Giardia intestinalis, Entamoeba histolytica e Cyclospora cayetanensis. O Cryptosporidium e a Cyclospora são agentes observados em crianças nos países em desenvolvimento e com frequência são assintomáticos. Casos graves de infecção por esses parasitas podem ser encontrados nos pacientes imunodeprimidos. Principais características, quadro clínico e mecanismo de ação dos agentes bacterianos Marina Moura Fé – M7 Via de transmissão do patógeno A transmissão da maioria dos patógenos que causam diarreia é fecal-oral, podendo ocorrer de várias maneiras, como mostrada no esquema a seguir Fisiopatologia e quadro clínico O pH ácido gástrico, a flora bacteriana normal, o peristaltismo intestinal, as mucinas presentes na camada de muco que reveste a superfície luminal dos enterócitos, fatores antimicrobianos como lisozimas e lactoferrina e o sistema imune entérico compõem a barreira de defesa do sistema digestório potencializado em crianças que usam leite materno exclusivo. Para que ocorra diarreia aguda infecciosa, os microrganismos precisam romper essa barreira e aderir à superfície mucosa, mecanismo este comum a todos os patógenos. Depois da aderência à superfície celular, os microrganismos exercem seus fatores de virulência por meio da produção de enterotoxina, citotoxina e lesão da mucosa intestinal de intensidade variada, podendo até determinar em alguns casos infecção generalizada. Dependendo do fator de virulência do microrganismo, podem ocorrer quatro mecanismos fisiopatológicos de diarreia aguda: mecanismo osmótico, secretor, inflamatório e de alteração da motilidade. Em algumas situações, há sobreposição desses mecanismos, podendo a diarreia, nesses casos, apresentar mais de uma forma clínica. A diarreia osmótica predomina nos quadros virais. O rotavírus causa lesões focais, com infecção das células vilositárias apicais, que concentram asdissacaridases, principalmente a enzima lactase. Com a destruição desses enterócitos e a reposição por células imaturas, há diminuição da atividade enzimática, reduzindo a absorção dos carboidratos, com ênfase na lactose. Os açúcares não absorvidos aumentam a pressão osmótica na luz intestinal, o que determina a maior passagem de água e eletrólitos para o espaço intraluminal para manter o equilíbrio osmótico. Esse tipo de diarreia caracteriza-se pela eliminação de fezes líquidas e volumosas, amareladas, com caráter explosivo e com grande perda hidreletrolítica. Os vômitos são frequentes e precoces, em 80 a 90% dos casos, precedendo a diarreia e causando a desidratação, principalmente nos lactentes, faixa etária em que se concentram os quadros mais graves. A febre, geralmente alta, ocorre em aproximadamente metade dos casos. A diarreia secretora caracteriza-se por perda de grande volume de água e de eletrólitos, por ação de enterotoxinas que estimulam os mediadores da secreção, a adenosina monofosfato cíclico (AMPc), guanosina monofosfato cíclico (GMPc) e o cálcio (Ca2+), levando à diminuição da absorção de água e íons e à secreção ativa pela criptas. Marina Moura Fé – M7 Nesse tipo de diarreia, há poucos sintomas sistêmicos, a febre está ausente ou é baixa e os vômitos surgem com a desidratação, que é a principal complicação pela perda rápida e volumosa de água e eletrólitos pelas fezes. A diarreia inflamatória é causada por patógenos que invadem a mucosa do intestino delgado ou grosso, ocasionando resposta inflamatória local ou sistêmica, dependendo da extensão da injúria. O quadro clínico caracteriza-se por febre, mal- estar, vômitos, dor abdominal do tipo cólica e diarreia disentérica, com fezes contendo sangue, muco e leucócitos. Os sintomas sistêmicos serão tão mais intensos quanto maior for o potencial invasivo do patógeno. Em algumas situações, os microrganismos podem atingir a circulação sistêmica, afetando órgãos a distância como articulações, fígado, baço e sistema nervoso central. A principal complicação da diarreia aguda é a desidratação, que nos casos de maior gravidade pode levar a distúrbio hidreletrolítico e acidobásico, choque hipovolêmico e até morte. As crianças menores de 1 ano são as mais vulneráveis. Nas populações mais carentes, a diarreia aguda pode ser um fator determinante ou agravante da desnutrição, que por sua vez aumenta a predisposição à infecção, além de uso prévio recente de antibióticos. Diagnóstico O diagnóstico da diarreia aguda é eminentemente clínico. Por meio de uma história e um exame físico detalhados, é possível levantar hipóteses quanto a determinados agentes etiológicos e orientar as medidas terapêuticas necessárias. Deve constar na anamnese: duração da diarreia, características das fezes, número de evacuações diarreicas por dia, vômitos (número de episódios/dia), febre, diurese (volume, cor e tempo decorrido da última micção), uso de medicamentos, sede, apetite, tipo e quantidade de líquidos e alimentos oferecidos após o início da diarreia, doenças prévias, estado geral, presença de queixas relacionadas a outros sistemas, viagem recente, contato com pessoas com diarreia e ingestão de alimentos suspeitos, além do uso prévio recente de antibióticos. O exame físico deverá ser completo, incluindo avaliação nutricional, pois a desnutrição é fator de risco para quadros mais graves e evolução para diarreia persistente. Deve-se classificar o grau de hidratação do paciente. É importante lembrar também que a diarreia, principalmente no lactente, pode acompanhar quadros de pneumonia, otite média, infecção do trato urinário, meningite e septicemia bacteriana. A solicitação de exames laboratoriais não é necessária rotineiramente para o tratamento da diarreia aguda, habitualmente autolimitada, ficando reservada para os casos de evolução atípica, grave ou arrastada, presença de sangue nas fezes, lactentes menores de 4 meses e para os pacientes imunodeprimidos. O hemograma completo deve ser solicitado para avaliar anemia e padrão leucocitário; ionograma, ureia e creatinina, nos casos com distúrbio hidreletrolítico grave e impacto na função renal. Nas fezes, pH fecal, substâncias redutoras, leucócitos, hemácias, sangue oculto e coprocultura, ELISA para vírus e pesquisa de toxina para Clostridium são os exames mais frequentemente solicitados. O pH fecal igual ou menor de 5,5 e a presença de substâncias redutoras nas fezes indicam intolerância aos carboidratos, normalmente de natureza transitória. Marina Moura Fé – M7 A ausência de leucócitos fecais não exclui a presença de bactéria invasiva, mas a sua presença indica inflamação e organismos que invadem a mucosa intestinal. Tratamento e prevenção Terapia de reidratação oral (TRO) e dieta A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Unicef preconizam o uso da solução de reidratação oral (SRO) hiposmolar, que, comparado com a SRO padrão antigo, mostrou-se mais eficaz, diminuindo os episódios de vômitos, o volume e a duração da diarreia em lactentes e a probabilidade de hipernatremia. A criança com diarreia aguda sem desidratação pode ser tratada no domicílio. Orienta-se aumentar a oferta de líquidos e após cada evacuação diarreica oferecer a SRO, de 50 a 100 mL para menores de 2 anos, 100 a 200 mL para crianças de 2 a 10 anos, e, para aquelas acima de 10 anos, o quanto aceitar. Orientar aos familiares a observação de sinais de desidratação e gravidade. Sucos, refrigerantes, energéticos e outros não substituem a SRO, uma vez que são hiperosmolares. Na criança com diarreia e desidratação leve a moderada (5 a 10% de perda), realiza-se a reposição com 50 a 100 mL/kg em 3 a 4 horas, oferecendo a SRO em pequenos volumes, com copo, com frequência, de modo supervisionado por profissional de saúde. Em casos de vômitos persistentes, deve-se tentar a administração da SRO por sonda nasogástrica (via eficaz), 20 mL/kg/h, durante 4 a 6 horas. Durante o período de reidratação, não alimentar a criança, exceto se estiver em aleitamento materno. A criança com diarreia e desidratação grave (> 10% de perda) necessita de hospitalização e hidratação endovenosa para restabelecer rapidamente a perfusão aos órgãos vitais. Outros critérios para a hidratação venosa são: vômito intratável, falha na TRO por via oral ou sonda nasogástrica, diarreia profusa, íleo paralítico, irritabilidade, sonolência ou ausência de melhora após 24 horas da administração da SRO. Recomenda-se manter a alimentação normal para a idade nos casos sem desidratação e reintroduzi-la de forma gradativa, com refeições frequentes e leves, selecionando alimentos ricos em energia e micronutrientes (grãos, ovos, carnes, frutas e hortaliças), sem a necessidade de diluir o leite ou de substituí-lo por uma fórmula sem lactose. Os lactentes em aleitamento materno devem continuar a ser amamentados, mesmo durante o período de reidratação. Medicações Em 2002, a OMS e o Unicef revisaram suas recomendações para adicionar o zinco de rotina como terapia anexa à reidratação oral para o tratamento da diarreia infantil, independentemente da etiologia. Nas crianças que vivem nos países em desenvolvimento, o uso do zinco oral deve ser recomendado na dose de 20 mg por dia, durante 10 dias; e nos lactentes menores de 2 meses, na dose de 10 mg por dia, também durante 10 dias, para o tratamento da diarreia aguda. Os probióticos podem ser úteis para reduzir a gravidade e a duração da diarreia aguda infecciosa infantil, abreviando em cerca de 1 dia a sua duração, principalmente nas diarreias de etiologia viral. Os antiperistálticos, como a loperamida, não são recomendados para tratar crianças, pois aumentam a gravidade e as complicaçõesda doença, particularmente em crianças com diarreia invasiva. As evidências são maiores com o Sacaromices bulardi e Lactobacillus. Marina Moura Fé – M7 Os quadros de diarreia aguda em geral são autolimitados e, portanto, o uso racional de antibióticos evita o aparecimento de complicações, bem como de resistência bacteriana, sendo excepcionalmente indicados. Os antimicrobianos são indicados para os casos mais graves: na diarreia com sangue, nos pacientes imunodeprimidos e em lactentes jovens, menores de 4 meses; sua escolha deve se basear nos padrões de sensibilidade das cepas dos patógenos presentes na localidade ou região. Os antimicrobianos de escolha para os principais agentes bacterianos e parasitários são: • cólera: azitromicina, ciprofloxacino; • Shigella: azitromicina, ceftriaxona e ácido nalidíxico; • ameba invasiva (presença de hematófago em microscopia de fezes ou disenteria sem outro patógeno): metronidazol seguido do uso da nitazoxanida para a total eliminação dos cistos. A nitazoxanida é um antiparasitário eficaz para o tratamento da diarreia provocada por parasitas como Giardia lamblia, Entamoeba hystolitica e Cryptosporidium parvum. Alguns estudos têm demonstrado a ação da nitazoxanida reduzindo a replicação do rotavírus no hospedeiro; • giardíase: metronidazol, tinidazol, secnidazol; • Campylobacter: azitromicina, ciprofloxacino; • E. coli enteropatogênica, enterotoxigênica e invasiva: ciprofloxacino, ceftriaxona; • Clostridium difficile: metronidazol, vancomicina. Em síntese... A terapia de reidratação oral, a administração de zinco e a manutenção de uma dieta adequada para a idade continuam como as opções terapêuticas mais eficazes. Incentivo ao aleitamento materno, orientação para uma alimentação complementar adequada para cada faixa etária, melhoria nas condições sanitárias, boas práticas de higiene pessoal e alimentar, vacinação contra o rotavírus e o sarampo são os pontos-chave para a prevenção da diarreia aguda Diarreia crônica Definição Quando o processo em curso ultrapassa 14 dias, define-se como diarreia crônica. Alguns autores utilizam o termo “diarreia persistente” quando o processo em questão decorre de etiologia infecciosa, e denominam crônica quando não associada à infecção pregressa. A diarreia crônica é definida como perda entérica fecal de pelo menos 10 g/kg/dia em lactentes e 200 g/dia para crianças maiores, pelo prazo superior a 14 dias de duração. A frequência evacuatória, em geral, é superior a 3 dejeções/dia, sendo o volume fecal difícil de ser mensurado em crianças. Etiologia O espectro etiológico da diarreia crônica é extremamente amplo e variável, dependendo da idade de início, estado nutricional, condições ambientais e doenças associadas. A Tabela a seguir relaciona as principais causas de diarreia crônica. Marina Moura Fé – M7 Fisiopatologia Os mecanismos determinantes de diarreia podem ser osmótico, secretor ou misto. Apresentação clínica Infecções As infecções entéricas estão comumente relacionadas à diarreia crônica nos países em desenvolvimento. A Escherichia coli enteroaderente, variante enteroagregativa e o Criptosporidium parvum são muitas vezes determinantes de diarreia crônica pós-infecção aguda. As enteroparasitoses ainda são responsáveis por processos disabsortivos em crianças que vivem em áreas endêmicas. Protozoários como a Giardia lamblia podem determinar diarreia crônica mesmo em pacientes imunocompetentes, exigindo tratamento específico. Resposta imune anormal A doença celíaca, também conhecida como espru celíaco ou enteropatia sensível ao glúten, é uma enteropatia imunomediada desencadeada pela ingestão de cereais que contêm glúten, como trigo, centeio ou cevada, em pessoas geneticamente predispostas. Em países cujas populações consistem predominantemente em pessoas brancas de ascendência europeia, a doença celíaca é uma doença comum, com prevalência estimada de 0,5- 1%. O principal tratamento para a doença celíaca é a dieta sem glúten. Apesar dos desafios de aderir a essa dieta, ela resulta em melhora sintomática na maioria dos pacientes. Diarreia colerética As denominadas diarreias coleréticas ocorrem nos pacientes com má absorção de ácidos biliares. O íleo terminal apresenta processo inflamatório extenso e grave, ou pode estar com superfície de absorção reduzida, como nos casos de síndrome do intestino curto. Os sais biliares não completamente absorvidos excedem a capacidade absortiva do íleo distal, o que acarreta igualmente diarreia de caráter secretor. Má absorção de carboidrato A má absorção de carboidrato mais comum é a intolerância à lactose decorrente da redução da atividade lactásica nas microvilosidades do epitélio intestinal. A intolerância à lactose (IL) pode ser adquirida, relacionada às lesões da mucosa do intestino delgado, secundárias às gastroenterites aguda e persistente, que determinam lesões ultraestruturais do epitélio intestinal, com redução significativa da concentração de lactase. A lactose não completamente hidrolisada é fermentada pelas bactérias colônicas, resultando em produção de ácidos orgânicos, butirato e gases voláteis. Marina Moura Fé – M7 As fezes são ácidas e provocam em lactentes assaduras de difícil controle. Má absorção proteica intestinal Os sinais e sintomas decorrentes da má absorção de proteínas estão relacionados à hipoalbuminemia e à redução das imunoglobulinas séricas. Nos casos de evolução crônica, o edema clínico pode ocorrer. São comuns perdas proteicas, na doença celíaca, na doença inflamatória crônica intestinal e enteropatias alérgicas. A linfangiectasia primária representa uma causa rara de perda proteica fecal. Má absorção de gordura Fezes volumosas, de aspecto brilhante, odor pútrido e que boiam no vaso sanitário caracterizam a esteatorreia, frequentemente observada na fibrose cística. A má absorção decorre da insuficiência pancreática exócrina. Ao nascimento, o íleo meconial pode ser uma manifestação. Na abetalipoproteinemia, não há formação dos quilomícrons necessários para a absorção das vitaminas lipossolúveis. Sintomas neurológicos podem estar presentes em virtude do déficit de vitamina E. A doença de retenção de quilomícrons acarreta má absorção de gordura, desnutrição e diarreia crônica, geralmente acompanhada de alterações hematológicas nas hemácias, que assumem aspecto espiculado (acantose). Alterações da motilidade A doença de Hirschsprung caracteriza-se fundamentalmente por distensão abdominal e extrema dificuldade evacuatória decorrente da ausência dos gânglios mioentéricos. Nesses pacientes, são comumente observadas crises de distensão abdominal seguidas de diarreias profusas, caracterizando o megacolo tóxico. A diarreia crônica inespecífica é tida como entidade funcional, comum em crianças de baixo grupo etário. A diarreia decorre do aumento da velocidade do trânsito intestinal. Não há processo inflamatório em curso ou déficit de absorção. O apetite está preservado e o estado nutricional é normal. As evacuações são amolecidas, por vezes líquidas e frequentemente contém restos alimentares. Defeitos estruturais dos enterócitos Diarreias osmolares podem ocorrer nos primeiros dias de vida em decorrência de mutações no transportador glicose/ sódio. A diarreia é deflagrada pela ingestão de lactose, glicose ou galactose, cessando quando há interrupção da ingestão desses açúcares na dieta alimentar. Na deficiência congênita sacarase-isomaltase, os lactentes não apresentam diarreia quando ingerem leite humano ou fórmulas lácteas, porém apresentam fezes diarreicas quando da ingestão de alimentos que contenham sacarose. Sinais e sintomas associados Nas intolerânciasalimentares, é comum a ocorrência de vômitos após ingestão da proteína ofensiva ou carboidrato não totalmente digerido. A distensão abdominal gasosa é comum após a ingestão de leite ou derivados nos casos de intolerância a lactose. A assadura perineal, denotando emissão de fezes ácidas, é comum em lactentes com diarreias fermentativas. Artralgias, febre e aftas de repetição podem ser indicativos de doença inflamatória intestinal crônica em crianças maiores e adolescentes. Abordagem terapêutica Em geral, os processos determinantes de diarreia crônica estão associados a grave comprometimento do estado geral e nutricional. Medidas de suporte e recuperação nutricional devem ser rapidamente instituídas. Nas crianças com algum grau de esteatorreia, a dieta enteral deve contemplar gordura composta de triglicérides de cadeia média. Marina Moura Fé – M7 Em relação ao carboidrato, a fórmula deve ser livre de lactose e sacarose, contendo maltodextrina e polímeros de glicose de fácil absorção. A suplementação das vitaminas e oligoelementos deve ser prescrita. O zinco exerce funções importantes que permitem melhorar a absorção de nutrientes, proliferação das células epiteliais e resposta imune. Drogas antimicrobianas podem ser utilizadas no sentido de combater o sobre crescimento bacteriano do delgado e controlar infecções entéricas bacterianas ou parasitárias. Abordagem ao paciente com diarreia aguda Inicialmente, uma anamnese bem feita e um exame físico bem detalhado vão ser imprescindíveis para levantar suspeitas da etiologia da diarreia. Para isso, identificar: • Volume das evacuações • Frequência das evacuações • Sangue, muco ou pus nas fezes • Características das fezes (coloração, odor, consistência) • Presença de febre • Dor abdominal associada, náuseas, vômitos ou outros sintomas • Ausência de melhora após 48h • Surtos na comunidade • Viagens recentes • Uso recente de antibióticos • Idade do indivíduo (> 70 anos) e imunocomprometidos (ambos sinais de alarme Marina Moura Fé – M7 A partir disso, a base para o diagnóstico é a cultura das fezes, para bactérias e vírus, parasitológico de fezes e imunoensaios para toxinas de vírus, bactérias e protozoários. Além disso, solicitação de hemograma, para avaliar leucocitose; bioquímica séria, para avaliar perda de eletrólitos A base do tratamento de diarreias agudas é a hidratação e correção de distúrbios hidroeletrolíticos, realimentação, uso de antibióticos e de probióticos. Pode-se também utilizar agentes antidiarreicos em pacientes sem febre e sem disenteria e agentes probióticos. Reidratação O uso de soluções de reidratação oral (SRO) tem como objetivo reduzir a morbiletalidade por diarreia. Está indicada na prevenção da desidratação e no tratamento das formas leve, moderada, e grave sem choque e na continuidade do tratamento iniciado por via parenteral. Os quadros diarreicos com desidratação grave devem iniciar a reidratação, preferencialmente por via endovenosa, associando depois a reidratação por via oral. No surto de diarreia não se perde apenas água, mas também eletrólitos (sódio, potássio e cloro). Por este motivo a ingestão única de água num episódio diarreico será insuficiente. Deve-se oferecer líquidos constituídos com SRO equilibradas em água e eletrólitos. Os sais de reidratação oral não vão alterar o sintoma diarreia (no início da administração dos sais as perdas fecais até poderão aumentar), mas o seu uso vai prevenir/tratar a desidratação. Protocolo Apenas após a avaliação clínica do paciente, o tratamento adequado deve ser estabelecido, conforme os planos A, B e C descritos abaixo. Plano A O plano A consiste em cinco etapas direcionadas ao paciente HIDRATADO para realizar no domicílio: • Aumento da ingestão de água e outros líquidos incluindo solução de SRO principalmente após cada episódio de diarreia, pois dessa forma evita-se a desidratação; •Manutenção da alimentação habitual; continuidade do aleitamento materno; • Retorno do paciente ao serviço, caso não melhore em 2 dias ou apresente piora da diarreia, vômi tos repetidos, muita sede, recusa de alimentos, sangue nas fezes ou diminuição da diurese; •Orientação do paciente/responsável/acompanhante para reconhecer os sinais de desidratação; preparar adequadamente e administrar a solução de SRO e praticar ações de higiene pessoal e domiciliar (lavagem adequada das mãos, tratamento da água e higienização dos alimentos); • Administração de Zinco uma vez ao dia, durante 10 a 14 dias. Plano B O Plano B consiste em três etapas direcionadas ao paciente COM DESIDRATAÇÃO, porém sem gravidade, com capacidade de ingerir líquidos, que deve ser tratado com SRO na Unidade de Saúde, onde deve permanecer até a reidratação completa. • Ingestão de solução de SRO, inicialmente em pequenos volumes e aumento da oferta e da frequência aos poucos. A quantidade a ser ingerida dependerá da sede do paciente, mas deve ser administrada continuamente até que desapareçam os sinais da desidratação; • Reavaliação do paciente constantemente, pois o Plano B termina quando desaparecem os sinais de desidratação, a partir de quando se deve adotar ou retornar ao Plano A; Marina Moura Fé – M7 •Orientação do paciente/responsável/acompanhante para reconhecer os sinais de desidratação; preparar adequadamente e administrar a solução de SRO e praticar ações de higiene pessoal e domiciliar (lavagem adequada das mãos tratamento da água e higienização dos alimentos); Plano C O Plano C consiste em duas fases de reidratação endovenosa destinada ao paciente COM DESIDRATAÇÃO GRAVE. Nessa situação o paciente deverá ser transferido o mais rapidamente possível. Os primeiros cuidados na unidade de saúde são importantíssimos e já devem ser efetuados à medida que o paciente seja encaminhado ao serviço hospitalar de saúde. •Realizar reidratação endovenosa no serviço saúde (fases rápida e de manutenção); • O paciente deve ser reavaliado após duas horas, se persistirem os sinais de choque, repetir a prescrição; caso contrário, iniciar balanço hídrico com as mesmas soluções preconizadas; • Administrar por via oral a solução de SRO em doses pequenas e frequentes, tão logo o paciente aceite. Isso acelera a sua recuperação e reduz drasticamente o risco de complicações. • Suspender a hidratação endovenosa quando o paciente estiver hidratado, com boa tolerância à solução de SRO e sem vômitos. Marina Moura Fé – M7