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Direito desportivo
Aula 3: A ordem jurídica estabelecida pela Lex Sportiva
Apresentação
Nesta aula, estudaremos o fenômeno da desterritorialização das relações jurídicas estabelecidas pelas regras
internacionais aplicadas ao desporto. Falaremos sobre a importância do movimento olímpico, que, por meio da Carta
Olímpica, fez transcender as normas de cada uma das modalidades para todo o território onde ele é praticado,
independentemente de sua nacionalidade.
Objetivos
Analisar as bases das relações jurídicas aplicadas ao desporto;
Identi�car de que maneira o fenômeno da desterritorialização foi desenvolvido pelas regras internacionais do
desporto.
Neste módulo, trabalharemos alguns conceitos importantes para aprofundarmos o estudo sobre o Direito Desportivo. Dentre
eles, derivada principalmente pelas explanações da última aula sobre as manifestações do Desporto, surge a Lex Sportiva.
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Lex Sportiva | Conceitos
Para Nafziger (2006), Lex Sportiva é a produção decisória da Corte Arbitral do Esporte/Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS), a
partir da aplicação de princípios do Direito Internacional e da prática costumeira.
Já Panagiotopoulos (2012) de�ne a Lex Sportiva como uma nova espécie de Direito, uma síntese de características do Direito
Internacional e do Direito Nacional, quais sejam:
1
Internacional
Os sujeitos, a jurisdição, o conteúdo das regulações.
2
Nacional
Os mecanismos de aplicação efetivos, os efeitos verticais de
suas regras, a compulsória e exclusiva jurisdição de seus
órgãos judiciais.
Com o intuito de facilitar o entendimento do aluno, Foster (2017) apresenta a Lex Sportiva como um direito esportivo global,
não estando, portanto, na área do Direito Internacional.
Para isso, Foster (2017) diz que a Lex Sportiva:
1. Não se enquadra no Direito Internacional, mas, sim, no Direito Transnacional;
2. É um exemplo de pluralismo jurídico global;
3. Possui certo grau de autonomia;
4. Suas normas e regramentos derivam das federações esportivas internacionais e da Agência Mundial Antidoping (Wada);
5. Desloca os con�itos para campos de resolução que não são os tribunais estatais.
Por �m, Neves esclarece de forma interessante que a Lex Sportiva é:
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"Uma ordem jurídica construída em conexão com o esporte
como sistema funcional da sociedade mundial, mediante as
associações esportivas transnacionais."
Neves (2009, p. 197)
Isso signi�ca que a Lex Sportiva pode ser veri�cada como uma ordem jurídica transnacional, quer dizer, vai além do âmbito
estatal estrito e percorre um caminho internacional (CALIXTO, 2017).
Diante disso, e com base nos Arts. 92 ao 126 da Constituição Federal de 1988 (CF/1988), importa dizer ao aluno que, na
Justiça brasileira – seja ela comum, seja especializada –, há uma organização do Poder Judiciário. Os diversos órgãos que
compõem o sistema estão divididos por área de atuação:
Justiça Comum; 
Justiça do Trabalho;
Justiça Eleitoral;
Justiça Militar.
A estrutura de todas elas é composta por dois graus de jurisdição, conforme veremos no Grá�co a seguir:
1
https://portaldoaluno.webaula.com.br/cursos_graduacao/go0165/aula3.html
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 A estrutura da Justiça brasileira e seus diferentes campos de atuação. (Fonte: Conselho Nacional de justiça)
Veri�camos, portanto, que a última instância do Poder Judiciário brasileiro
seria o Supremo Tribunal Federal.
E onde está a Justiça Desportiva? Podemos dizer que a última instância é mesmo o
Supremo Tribunal Federal?
Para elucidar essa questão, a estrutura da Justiça Desportiva pode ser vista, em tese, conforme a Figura a seguir:
 A estrutura da Justiça Desportiva no Brasil. (Fonte: Conselho Nacional de Justiça)
Comentário
Em breve veremos de que maneira o TAS/CAS se enquadra nessa estrutura, mas, antes disso, importa dizer: de fato, aquele
que de alguma forma se sentir lesado ou prejudicado no que tange ao campo dos Direitos pode e deve direcionar-se ao Poder
Judiciário, com base no Art. 5º, XXXV, da CF/1988, um princípio constitucional intitulado Direito de Ação.
Contudo, no que diz respeito ao Direito Desportivo, nas palavras de Andreotti:
"Tal princípio �ca relativizado, ao menos temporariamente,
nos casos de con�itos relacionados a matérias disciplinares
desportivas e de competição."
(Andreotti, 2014)
Vejamos, portanto, os §§ 1º e 2º do Art. 217 da CF/1988.
"§ 1º – O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à
disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se
as instâncias da Justiça Desportiva, regulada em lei. 
 
§ 2º – A Justiça Desportiva terá o prazo máximo de sessenta
dias, contados da instauração do processo, para proferir
decisão �nal."
(BRASIL, 1988)
Assim sendo, a Justiça Desportiva é a competente para lidar com todas essas questões disciplinares, podendo o Judiciário
intervir somente após 60 dias contados da instauração do processo.
 Estudo de Caso
 Clique no botão acima.
Estudo de Caso
Em 2013, o Treze Futebol Clube (PB) tentou, por meio de medidas judiciais, a vaga do time Rio Branco Football Club
(AC) para disputar a Série C do Campeonato Brasileiro. Isso ocorreu porque a equipe acreana, após ter o seu estádio
interditado pelo Ministério Público, acionou a Justiça Comum e acabou desclassi�cada da competição. Contudo, após
um acordo posterior com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), o clube retornou à competição, e a
desclassi�cação foi afastada.
Segundo reportagem veiculada no sítio eletrônico do globoesporte.com:
O Treze (PB) �cou na quinta colocação da Série D, e, diante do fato ocorrido, o mesmo se sentiu
prejudicado, e, portanto, ingressou com uma ação pedindo a vaga junto ao STJD [Superior Tribunal de
Justiça Desportiva], onde foi derrotado por unanimidade. Sem saída, o alvinegro paraibano “apelou”
para a Justiça Comum e conseguiu uma liminar, expedida pela juíza da 1ª Vara Cível de Campina
Grande, Ritaura Rodrigues, para disputar o campeonato. A liminar em seguida foi mantida pelo
desembargador Genésio Gomes Pereira Filho, do TJ da Paraíba.
Depois disto, o Rio Branco ingressou com recursos no Tribunal de Justiça da Paraíba tentando cassar
a liminar, mas o desembargador Genésio Gomes Pereira Filho a manteve em segunda instância.
Paralelamente a isto, o Estado do Acre ingressou com uma ação contra a CBF em Rio Branco, e o juiz
Anastácio Lima de Menezes Filho emitiu liminar em favor do clube local.
Depois, foi a vez do Araguaína (TO) entrar na briga. O clube alega que, como �cou em último lugar no
Grupo do Rio Branco na Série C do ano passado, e como apenas um caía em cada grupo, seria dele a
vaga na competição em caso de exclusão do Rio Branco. Também conseguiu liminar em seu favor,
expedida pelo juiz Sérgio Aparecido Paio.
O Brasil de Pelotas (RS) é outro time que tenta vaga na Série C. O clube perdeu seis pontos na Série C
do ano passado e, por isso, �cou em último lugar e acabou rebaixado. O clube entrou com ação na
Justiça Comum querendo reaver os pontos e assim se livrar do rebaixamento. Se isto acontecesse,
quem cairia seria o Santo André (SP). As duas ações acabaram por provocar a suspensão das séries
C e D.
As ações de Brasil de Pelotas (RS) e de Treze (PB) na Justiça Comum, inclusive, provocaram a reação
da CBF, que por meio de nota informou que a Conmebol já estuda punir as duas agremiações,
tomando como base o Estatuto da FIFA, que proíbe que clubes a ela �liados ingressem na Justiça
Comum”. (GLOBOESPORTE.COM, 2012 – grifo nosso.)
Nesse sentido, algumas questões �cam evidentes para o aluno na prática. Os §§ 1º e 2º do Art. 217 da Constituição
Federal de 1988 não foram aplicados no caso concreto. Contudo há uma conformidade com o Estatuto da FIFA
(Federação Internacional de Futebol), que diz em seu Art. 61, §§ 1º e 2º:
1. As confederações, membros e ligas devem concordar em reconhecer a CAS como uma autoridade
judicial independente e paragarantir que seus membros, jogadores a�liados e funcionários cumpram
as decisões aprovadas pela CAS. A mesma obrigação aplica-se aos agentes licenciados de partida e
de jogadores.
2. O recurso aos tribunais ordinários é proibido a menos que especi�camente previsto nos
regulamentos da FIFA. (BRASIL, 1988.)
Então prevalece a norma estabelecida pela FIFA? Como �ca a norma
constitucional?
Para entendermos, de maneira introdutória, tal questão pode ser solucionada com a aplicação do previsto na Lei nº
9.615, de 1998, conhecida como a Lei Pelé.
Vimos, na última aula, o funcionamento e a existência da referida Lei, que, em seu Art. 1º, § 3º, diz que os direitos e as
garantias encontrados nela e na própria Constituição de 1988 não excluem outros oriundos de acordos e tratados
internacionais �rmados pelo Brasil. Com isso, de acordo com Andreotti (2014), a Lei Pelé, uma Lei federal, admite a
possibilidade de a CBF, no caso do Futebol, aceitar as normas emanadas pela FIFA.
Assim sendo, Leite diz que a determinação apresentada no Art. 61 do Estatuto da FIFA se encontra em �agrante
descompasso com a Constituição, em especial com o Art. 5º, XXXV. Contudo, o referido autor comenta que
“Não se veri�ca a aplicação prática desta imposição da norma constitucional, justamente pelo receio
dos �liados da FIFA de sofrerem sanções previstas no Estatuto da FIFA; por isso, em linhas gerais, os
�liados a entidade não levam as questões ao Poder Judiciário”. LEITE (2008)
Nesse sentido, observe que os Arts. 66 e 67 do Estatuto da FIFA são claros em reconhecer o TAS/CAS como instância
da Justiça Desportiva e, ao fazer isso para eventuais “apelações” contra decisões das Associações Nacionais, o
aspecto transnacional da Lex Sportiva �ca ainda mais evidente. Portanto, Andreotti (2014) a�rma que o TAS/CAS é
uma instância da Justiça Desportiva e deve ser acionado antes de qualquer recurso ao Judiciário.
Assim sendo, segundo Fida (2014):
O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS, em sua sigla em francês) foi planejado com o intuito de criar um
foro especializado na resolução de con�itos desportivos, de modo que disputas pudessem ser
resolvidas de forma privada, célere, a custos acessíveis e con�gurando uma opção aos tribunais
nacionais.
Operando como uma câmara de arbitragem internacional desde sua criação, o TAS vem adquirindo
reconhecimento e a con�ança da comunidade desportiva internacional, consagrando-se como a corte
suprema para diversas disputas jusdesportivas, incluindo-se, mas não se limitando a infrações
disciplinares, violações antidopagem, bem como quebras contratuais no geral. Além disso, dado o
prestígio da instituição, o TAS garante a resolução de�nitiva de con�itos a diversos atletas, clubes,
agentes, empresas ligadas aos esportes, federações, confederações e comitês olímpicos ao redor do
mundo. (FIDA, 2014.)
Podemos dizer, portanto, que tal corte arbitral se apresenta como última instância da Justiça Desportiva.
Calixto (2017, p. 41) comenta que a Lex Sportiva está dentro dos processos de fragmentação de aldeias jurídicas
globais, sendo parte de diversos discursos jurídicos que, ao aliar as formas do Direito Internacional e Interno aos
modelos de governança privada, constituem ações e estruturas da vida social na sociedade global (TEUBNER 1997, p.
4 – 10).
Com isso, re�ita as relações aparentes entre a Lex Sportiva e o direito internacional, transnacional em relação com o mundo
globalizado. Pensar o Esporte e seu campo normativo nesse cenário de redes é importante para o desenvolvimento da área do
Direito Desportivo.
Atividade
1. Diante do que foi apresentado na aula, o que signi�ca Lex Sportiva utilizando três doutrinadores e expondo suas impressões.
2. O que é o TAS/CAS e qual a sua importância para a Lex Sportiva?
3. Comente sobre o caso do Treze (PB) com base no Art. 61 do Estatuto da FIFA.
4. Qual é a estrutura da Justiça Desportiva?
5. De que forma a Lei Pelé permite, ou não, o regramento internacional no Direito Desportivo brasileiro?
Notas
Justiça Comum 1
Tanto estadual quanto federal.Referências
ANDREOTTI, Leonardo. Seria o TAS/CAS a última instância da Justiça Desportiva? 2014. Disponível em:
http://ibdd.com.br/seria-o-tascas-a-ultima-instancia-da-justica-desportiva/. Acesso em: 25 de abril de 2019.
CALIXTO, Vinícius. Lex Sportiva e Direitos Humanos: entrelaçamentos transconstitucionais e aprendizados recíprocos. Belo
Horizonte: D Plácido, 2017, p. 53.
FIDA, Pedro. O Tribunal Arbitral do Esporte (TAS): um breve guia para advogados. 2014. Disponível em:
http://www.bicharaemotta.com.br/Art.s/tas_um_breve_guia_para_advogados_pedro_�da/#_ftn1. Acesso em: 25 de abril de
2019.
NAFZIGER, James. The future of International Sports Law. Willamette Law Review, v. 42, p. 861-876, 2006.
NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 197.
PANAGIOTOPOULOS, Dimitrios; XIAOPING, Wang (Orgs). Sports Law: structures, pratices and justices. 18 IASL Congress,
Beijing, 2012, p. 31.
TEUBNER, Gunther. Global Law without a State. Aldershot: Dartmouth, 1997, p.4-10.
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Próxima aula
Os princípios do direito desportivo e da Justiça Desportiva que já pertencem a ordenamento jurídico de modo geral, e
outros que são exclusivos desta disciplina.
Explore mais
CAMARGOS, Wladimyr. O tripé em que se baseia a Lex Sportiva. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/o-tripe-em-que-
se-baseia-a-lex-sportiva/. Acesso em: 25 de abril de 2019.
GLOBO. Treze explica que só acionou Justiça Comum após 'orientação' do STJD. Disponível em:
http://globoesporte.globo.com/pb/noticia/2012/06/treze-explica-que-so-acionou-justica-comum-apos-orientacao-do-
stjd.html. Acesso em: 10 de maio 2019.
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