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AULA 1 TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Profª Rossana Ghilardi 2 TEMA 1 – PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES Assim como os demais transtornos, o do Espectro Autista tem múltiplos olhares, abordagens e interesses, incluindo controversas intrigantes, sendo que algumas delas serão abordadas nas aulas. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem caminhos de análise na área da saúde, de políticas públicas, da família, da neurociência e outras tantas. No entanto, para a disciplina Transtorno do Espectro Autista que iniciamos agora, a intenção é estudar elementos que possam atender à demanda da escola de Educação Básica, envolvendo os alunos com TEA e seus familiares, assim como seus pares nas classes, os colegas, os docentes e a equipe pedagógica. Naturalmente, para dar conta deste objetivo, beberemos em diversas fontes, trazendo alguns dos olhares já listados e informações, que nos parecem mais impactam no cotidiano escolar de convivência com pessoas com TEA. Assim, temos a proposta de apresentar aspectos gerais deste transtorno do neurodesenvolvimento, desde o histórico de estudos e definições, passando pelas polícias públicas, principalmente aquelas com impactos na área educacional, trazendo elementos diagnósticos e de intervenção nos quais educadores e familiares tenham maior envolvimento. Como a intenção da disciplina é desenvolver panorama do TEA, não há como fugir dos aspectos históricos, até porque eles esclarecem muitos dos mitos que circulam no senso comum. Descartamos a revisão histórica exaustiva, nossa estratégia é desvendar alguns mitos para apresentar a evolução do entendimento do autismo ao longo do tempo. Você sabe, por exemplo, como surgiu a ideia da “mãe geladeira”? Ou o mito de que as vacinas infantis são provocadoras do autismo? As respostas são encontradas mergulhando no histórico, associada à evolução dos conceitos e tratamentos. 1.1 Primeiras Pesquisas sobre Autismo Em muitos momentos das aulas, utilizaremos indistintamente o termo autista nos referindo ao Transtorno do Espectro Autista (TEA), mas, especificamente nesta aula, verificaremos a aplicação do verbete e mudanças do seu significado com o tempo. 3 Na etimologia, autismo vem do grego – autós –, que significa algo como por si só. Segundo Stelzer (2010), tem como correspondente no latim o verbete “idiotia”, que significa viver no seu próprio mundo. Foi empregada pela primeira vez se referindo a crianças (3 a 4 anos) com quadro clínico estranho pelo educador austríaco Theodore Heller, isso em 1908. Inclusive, anos mais tarde, Piaget (1896-1980) chegou a utilizar a palavra autismo para designar a primeira etapa do desenvolvimento do pensamento infantil típico, anterior à fase egocêntrica. Na psiquiatria, os primeiros registros de patologias infantil com sintomas que hoje são relacionadas ao autismo estão em capítulo de livro publicado em 1867, escrito pelo psiquiatra Henry Maudsley (1835-1918) (Stelzer, 2010) sobre um tipo de insanidade na tenra idade. Compreensível essa demora em dar atenção a comportamentos diferenciados de crianças, uma vez que a infância e a adolescência também foram sendo constituídas ao longo da história da humanidade de maneira diferente nas culturas. Mesmo no período da Revolução Industrial (1760-1840), as crianças eram entendidas como mini-adultos, trabalhando nas indústrias europeias com o mesmo regime de tempo e condições dos adultos. Costumo citar a Sociologia da Infância como exemplo da demora da sociedade ocidental entender a criança, que se consolida apenas na década de 1990. Mesmo os estudos de Piaget sobre o desenvolvimento cognitivo infantil, malmente completam um século. Vários pesquisadores descreveram comportamentos hoje atribuídos ao TEA, ou utilizaram o termo autismo em seus relatos. Como o italiano DeSanctis, no início do Século XX, estudando a demência precoce. Em 1911, a médica Eugen Bleuder (1857-1939) desenvolve relatos sobre "pessoas que tinham grande dificuldade para interagir com as demais e com muita tendência ao isolamento" (Stelzer, 2010), utiliza o termo autismo para determinado sinal, dentre outros, atribuído à esquizofrenia infantil. TEMA 2 – MÃE GELADEIRA!? Para perceber como o entendimento sobre o TEA evoluiu, mostraremos como alguns mitos e ideias distorcidas foram construídos. Começamos com o mito da mãe geladeira. 4 2.1 O começo de tudo – Leo Kanner Marcos para o autismo, como conhecemos hoje, foram principalmente dois trabalhos. O primeiro é o do psiquiatra infantil Leo Kanner (1894-1981), que acompanhou onze casos de crianças que demonstravam "uma incapacidade importante de se relacionar com as demais pessoas, iniciando-se nos primeiros anos de vida" (Stelzer, 2010). Em 1943, Kanner identifica sinais clínicos distintos da esquizofrenia infantil, que se manifesta desde o nascimento e com caráter inato, são eles: "o extremo isolamento, a necessidade de imobilidade, as estereotipias gestuais e os distúrbios da linguagem (ou a criança não fala ou emite um jargão desprovido de significação)" (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012, p. 79). No ano seguinte, denominou de síndrome do autismo infantil precoce. Em seus estudos, Kanner analisa também os pais das crianças. Percebe- se os pais como intelectuais, dentre outros aspectos, mas também descreve-os como frios e distantes. Assim, desenvolveu a ideia de que o autismo poderia ter uma causa relacional, associada a pais que não conseguem estabelecer vínculos emocionalmente adequados com seus filhos. De certa maneira, suas interpretações são embrião à ideia da mãe geladeira. De acordo com Ribeiro, Martinho e Miranda (2012), no período de quase 30 anos de produção, Kanner oscilou entre abordagem psicanalítica (de Margaret Mahler), atribuindo sintomas do autismo à relação mãe-filho; explicações comportamentalistas; e, finalmente, fixando-se em causas orgânicas. De certa maneira, o vai e vem do autor ajuda a estabelecer a discussão que está presente até a atualidade sobre as causas do autismo, se tem bases inatas ou adquiridas. 2.2 Hans Asperger Outro trabalho contemporâneo ao de Kanner contribuiu muito para estabelecer o TEA, do médico austríaco Hans Asperger (1906-1980), que, em 1944, publicou o artigo Psicopatologia Autística da Infância (Stelzer, 2010). No entanto, muitos anos se passaram até a divulgação mais ampla de seu trabalho, fato atribuído à demora em traduzir esse artigo, originalmente escrito em alemão. Apesar de também ser austríaco, Kanner era radicado nos EUA, onde trabalhou e publicou seus trabalhos que repercutiram muito no país. 5 Asperger estudou meninos com nível cognitivo variado, “com inteligência preservada e com desenvolvimento de linguagem normal, mas que apresentavam comportamento autista e comprometimento importante de habilidades sociais e de comunicação" (Stelzer, 2010). Outros sintomas descritos pelo pesquisador foram os interesses restritos e repetitivos, rotinas rígidas, fixação em determinados objetos, aparente inteligência, mas dificuldade na aprendizagem em geral, mesmo com capacidade viso-especial e memória desenvolvida. Percebeu-se a similaridade dos sintomas descritos pelos dois autores, mas havia algumas distinções, dentre elas a idade em que os sintomas se manifestam, enquanto Kanner percebe os sinais desde o nascimento, Asperger relata que aparecem entre os 4 e 5 anos. Mas Síndrome de Asperger, denominação bem conhecida por aqueles que lidam com autismo, foi utilizada primeiramente em 1963 por Van Krevele, segundo Stelzer (2010), e consolidada por Lorna Wing, em 1981 (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012). Outros estudos aconteceram na sequência, como de Hilde Mosse (1958), buscando diferenciar autismo de psicose e esquizofrenia. Também Andreas Rett, neuropediatra estudou 22 meninas com “atrofia cerebral progressiva, com movimentosestereotipados das mãos, demência, alalia, apraxia de marcha e tendência a apresentar crises epilépticas” (Stelzer, 2010, p. 14). O termo atípico surgiu nos anos de 1950, para abranger casos diversos de crianças com ego fragmentado associado à psicopatia materna. Com os estudos de Kanner, supondo-se que os problemas apresentados pelas crianças eram resultantes da falta de afetividade dos pais, deduz-se imprescindível tratá-los. As terapias psicanalíticas foram o caminho para atender estes pais em longos processos terapêuticos. Isso nos leva a outro nome relevante na história do autismo – Bruno Bettelheim. 2.3 Bruno Bettelheim Em meados do século passado, também os filhos, as crianças autistas, são tratadas com base nos conceitos psicanalíticos. O maior exemplo da aplicação da psicanálise para crianças autistas está em Bruno Bettelheim (1903-1990), que cria um programa para a Escola Ortogênica de Chicago, entendendo o autismo "como 6 reação de defesa a uma situação extrema, que implicava para a criança uma ameaça de destruição" (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012, p. 81). Como o livro best seler A fortaleza vazia (1967), no qual atribui o desenvolvimento dos sintomas do autismo ao afastamento emocional da mãe, que não consegue entender e atender às demandas do seu bebê. O autor consolida a crença da mãe geladeira. Assim, afastar a criança da família seria uma solução e a Escola Ontogênica seria a instituição a atendê-las. A atividade de Bettelheim levou ao desenvolvimento e implementação de algumas técnicas que se sedimentaram, como a aplicação da ludoterapia para crianças autistas, proposta de Axline e Zelan. Além de outros trabalhos com base na psicanálise, como Frances Tustin (1913-1994), que após retornar dos Estados Unidos implementou em Londres técnicas de tratamento para autistas, tendo como referência a psicanálise infantil de Melanie Klein (1882-1960). No livro A concha protetora, descreve a proteção criada pelos autistas para diminuir sua vulnerabilidade e identifica nas mães diminuição de atenção aos filhos em consequência de depressão, e não da ausência prévia de afetividade. Portanto, o atendimento psicoterápico pode ser essencial para pais de pessoas com TEA (Ribeiro; Martinho; Miranda, 2012). Com o tempo, os métodos de Beltelheim foram contestados, mas o autor já havia se tornado um ícone na área e suas publicações saíram do campo da ciência, alcançando a população em geral, assim, seus conceitos ajudaram a formar a visão popular do autismo, de suas causas e seus tratamentos. Por algumas décadas, a psicanálise se estabelece como a principal opção de tratamento do autismo nos EUA, mas para alguns pesquisadores esse tipo de intervenção não apresentou resultados consistentes. Uma parte da responsabilidade pela adoção de novos caminhos está nas famílias e mães que por anos foram responsabilizadas pela sintomatologia dos filhos. Os familiares destacam a inconsistência de algumas colocações que não correspondem à vivência cotidiana deles com seus filhos autistas. Os rumos também mudaram porque, nos anos de 1960, estudando gêmeos idênticos, comparando a gêmeos fraternos, percebe-se existirem fatores genéticos envolvidos no autismo. Desde então, muitas pesquisas foram e estão sendo realizadas para identificar características e fatores causais. Mais adiante em nossas aulas, detalharemos um pouco o resultado dessas investigações. 7 Um exemplo de pais em busca de novos rumos para entender o autismo está em Bernard Rimland (1928-2006), psicólogo americano e pai de autista, passou a investigar a condição e propõe como origem alteração na função da formação reticular ativadora (Stelzer, 2010). O sistema ativador reticular é responsável pela ativação do córtex cerebral, que garante estado de vigília. Rimland é um dos fundadores do Autism Society of America – Sociedade Americana de Autismo (ASA, em inglês). TEMA 3 – EPIDEMIA DE AUTISMO?! CULPA DAS VACINAS INFANTIS?! Assim como Rimland, outros pesquisadores, pais ou não de autistas, agregaram muito conhecimento acerca do tema, no entanto, pela complexidade e diversidade de sintomatologia, sabemos que a caminhada ainda está no início. Os rumos vão mudando, assim como autismo se destacou da psicose e esquizofrenia infantil, síndromes como a de Asperger, que foi descrita em separado do autismo, atualmente compõe o quadro do TEA. Discute-se ainda as causas ambientais e/ ou genéticas, e novidades surgirão a cada momento com desenvolvimento da genética, da neurociência e outras áreas afins. Já havia passado quase 40 anos de estudos científicos sistemáticos sobre o autismo quando finalmente foi incluído no DSM, em sua terceira versão (1980). DSM é Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM – sigla da denominação em inglês Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), desenvolvido pela Associação Americana de Psiquiatria. Quando incluído no DSM, a descrição do autismo tinha a intenção primeira de diferenciá-lo da psicose e esquizofrenia infantil, considerado um passo importante para consolidar as pesquisas na área, embora ainda descrito de forma embrionária. No DSM-III, o autismo aparecia como quadro precoce de transtorno invasivo do desenvolvimento, como uma forma grave de psicopatia, associada a comprometimento da linguagem e da comunicação, assim com comprometimento nas habilidades sociais e cognitivas (Stelzer, 2010). O quadro diagnóstico apresentado foi criticado pelos pesquisadores por apresentar sintomas muito restritivos, provocando revisão da descrição do autismo em versão complementar, denominada DSM-III-R, que novamente não atendeu às expectativas dos interessados no tema, desta vez pela abrangência exagerada (Stelzer, 2010). 8 Outra referência diagnóstica é a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), que também incluiu o autismo em sua nona versão, de 1984. Somente na quarta versão do DSM (1994) e décima do CID aconteceu a aproximação da descrição dos sintomas e classificação do autismo, o que facilitou sobremaneira o diagnóstico (Stelzer, 2010). Neste caso, o autismo é apresentado como relacionado a três fatores básicos: o comprometimento qualitativo da interação social; o comprometimento da comunicação; e padrão restrito, repetitivo e estereotipado de comportamento, interesse e de atividades (Stelzer, 2010, p. 27). Descrição mais precisa das alterações e sintomatologia do autismo resulta em mais precisão no diagnóstico. Nas últimas décadas, com a massificação do uso DSM, também promove a avaliação diagnóstica mais generalizada. Lembramos que o DSM tem sua quinta versão em 2014, que estudaremos um pouco mais adiante, na qual se estabelece o Transtorno do Espectro Autista. O CID apresenta a décima primeira versão no primeiro semestre de 2022. Fato é que, nos anos de 1990, acontece significativo aumento no diagnóstico de autismo nos Estados Unidos da América. De uma prevalência em torno de 4 a 10 casos para 10.000 crianças relatados na década anterior, passou para 30 a 50 por 10.000. Tente calcular: quanto isso representaria na população Brasileira? Se minhas contas estão corretas, teríamos entre 600 mil e um milhão de pessoas com TEA, considerando a população do Brasil dos nossos dias. Mas, o que justificaria esse aumento constatado dos casos no final do século passado e que continua até os nossos dias? Já se encontra consolidada a relação do autismo infantil como disfunção neurológica, não psicogênica e com provocador genético significativo, portanto, alterações no comportamento social não interfeririam significativamente na quantidade de casos. São várias as possibilidades levantadas. Uma delas está relacionada justamente a maior precisão diagnóstica, uma vez que manuais de referência da área da saúde apresentam clarezae sinergia na descrição dos sintomas. Também pode-se atribuir a facilidade na divulgação da informação nas últimas décadas, além do aumento de pesquisas na área, tornando o autismo mais visível e compreensível. Outro motivo pode ser a inclusão pelo DSM-V da Síndrome de Asperger e do transtorno global do desenvolvimento não especificados no campo de autismo (Stelzer, 2010). 9 No entanto, nos anos de 1990, alguns pais organizados em associações pela causa do autismo levantaram outra hipótese, relacionavam o aumento de casos à ampliação da vacinação infantil. Não se referiam a vacinas específicas, mas a componentes conservantes destas que tinham mercúrio na composição, metal pesado, altamente tóxico ao meio ambiente e ao organismo, que se acreditava também se tratar de um agente neurotóxico (Stelzer, 2010). Em consequência a esse movimento, o componente com mercúrio foi retirado das vacinas. No entanto, o que se observou passados mais de 30 anos foi ainda o aumento da prevalência do autismo. Sabe-se hoje que os sintomas relacionados à intoxicação por mercúrio não têm nenhuma relação com aqueles observados no autismo. Recentemente, discussões sobre vacinas voltaram à tona pelo aumento de casos de doenças consideradas erradicadas e controladas, assim como em consequência da Pandemia do Coronavírus. Percebe-se que uma parte da população ainda desconfia das vacinas. Os cálculos atuais mostram ainda mais casos. Até o momento, o país que mais estudou a prevalência do autismo é os EUA e recentemente calcula existir um caso a cada 59 nascimentos. Veja, na imagem a seguir, elaborada pela Revista Autismo, a evolução dos registros desde 2004: Gráfico 1 – Aumento de 15% entre os dados de 2016 e 2018. A ONU (Organização das Nações Unidas) considera que os autistas representam 1% da população mundial e a Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta uma a cada 160 crianças no mundo como autistas. Considerando alguns destes dados, a população de autistas no Brasil pode estar entre 2 e 3 10 milhões de pessoas. Estas são apenas estimativas, uma vez que a maioria dos países não tem dados relevantes, levantamentos específicos e confiáveis. Mais adiante, veremos que há possibilidade de o Brasil ter investigação no censo sobre incidência de autismo (Paiva Jr., 2018). TEMA 4 – SUPLEMENTO ALIMENTAR E MEDICAMENTOS NO TRATAMENTO DO AUTISMO?! Caminhando na cronologia dos tratamentos do autismo, observam-se divergências e curiosidades. Nos primeiros anos de definição do quadro, já vimos que terapias psicanalíticas eram recomendadas para as crianças e seus pais. Outros sintomas levaram ao emprego de métodos considerados atualmente como inaceitáveis. Exemplo disso é o eletrochoque e lobotomia, técnicas empregadas para diversos distúrbios psíquicos até os anos de 1970 (Fleischer, 2012), para diminuir convulsões frequentes, sintoma de alguns casos graves de autismo. Soluções medicamentosas também surgiram. Stelzer (2010) cita o uso nos anos de 1960 do ácido D-lisérgico, conhecido popularmente por LSD. O autor comenta que as crianças apresentavam algumas melhoras na percepção do ambiente e no sono. Mas, os efeitos colaterais eram devastadores, além de mais adiante acontecer a proibição da comercialização do LSD. É preciso entender que essa droga foi desenvolvida para tratamento psiquiátrico, justificando a utilização na época, no entanto, provocava reações indesejáveis, como depressão e quadros psicóticos, além do uso recreativo indiscriminado, que provocaram a proibição. Atualmente, alguns fármacos são utilizados para o TEA, geralmente para controle da agitação e agressividade, comportamentos colaterais considerados inadequados socialmente. Outro sintoma muito presente no autismo e que impacta na vida social das crianças e familiares são as disfunções gastrointestinais. Os familiares buscam desesperadamente alternativas para essa irritabilidade intestinal, e a alteração da dieta alimentar parece trazer conforto, diminuindo os sintomas. Assim, ao longo do tempo, dietas e suplementos aparecem como alternativa de custo baixo para promover qualidade de vida. São principalmente "dieta sem glúten e/ou sem caseína, suplementação vitamínica, suplementação de magnésio e utilização de ácidos graxos" (Chaves Dias et al., 2018). 11 Chaves Dias et al. (2018) realizaram investigação sistemática de pesquisas publicadas sobre a utilização de dietas sem glúten e caseína no TEA. Há variação nos resultados nas diferentes investigações, embora a maioria dos artigos mostre correlação entre a dieta livre de glúten/ caseína em população de autistas e diminuição de sintomas, os autores consideram os resultados inconclusos. Justificam a conclusão, pois nas pesquisas estudadas as populações são muito heterogêneas; os métodos de análise dos dados são variados, dificultando comparação entre eles. Além disso, os trabalhos mais delineados (especificados) demonstraram a não associação das dietas com sintomatologia. Identificam também que A percepção dos pais sobre o efeito da dieta nos filhos com TEA pode induzir viés de observação, uma vez que os pais por saberem que os filhos estão sob algum tratamento já criam expectativa de melhora, ou observam mais intensamente a variabilidade cognitiva do filho e isso pode acarretar maior percepção de melhora quando, na verdade pode não ter havido alteração. (Chaves Dias et al., 2018) Os autores não encontram evidências científicas que justifiquem empregar a dieta livre de glúten e /ou caseína para TEA, ainda, são necessários mais estudos e mais bem delineados para confirmar a relação, embora nada impeça os pais de adotarem essas dietas. Mas, temos pesquisas bem significativas na atualidade sobre medicamentos para combater sintomas do autismo. Um exemplo é o IGF-1 (hormônio do crescimento), testado para uso na Síndrome de Rett (que já tem mapeamento genético) e possivelmente para outras manifestações do autismo idiopático (sem conhecimento de causa), já na última fase de experimentação (Pini et al., 2012). Também há pesquisas bem desenvolvidas com uso de derivados da Canabis (canabidiol ou outra similar), que detalharemos em outra aula. Outro fármaco muito comemorado atua na produção do hormônio vasopressina, promovendo o aumento de habilidades sociais e diminuição de comportamentos repetitivos, sintomas nucleares do TEA, é o Balovaptan, da farmacêutica Roche (Martins; Melo, 2020). TEMA 5 – AUTISMO OU TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA?! Como percebemos, a definição e entendimento do autismo mudou ao longo do tempo, mas mantendo o cerne descrito por Kanner de comprometimento 12 precoce no relacionamento pessoal, também de comunicação e comportamentos repetitivos e estereotipados. Alteração significativa que transformou inclusive a denominação do autismo está no DSM-V. Vamos tentar entender o que mudou entre a quarta e quinta versões do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. O DSM – IV incluía nos Transtornos Globais do Desenvolvimento o Autismo, Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e outros. A denominação Transtorno de Espectro Autista (TEA) foi oficializada no DSM-V (2014). Está incluído como um dos Transtornos do neurodesenvolvimento, juntamente com: deficiências intelectuais; transtornos de comunicação; transtorno de deficit de atenção/ hiperatividade; transtorno específico de aprendizagem; transtornos motores; outros transtornos do neurodesenvolvimento. Na versão V do manual são integrados ao transtorno autista o transtorno de Asperger e o transtorno global de desenvolvimento, justificado pela percepção de se tratar de um mesmo quadro caracterizado por um contínuo de sintomas, de mais leves a mais graves, com a mesma perspectiva, isto é, relacionados à comunicação social e comportamentosrestritivos e repetitivos, que provocam prejuízos variados na rotina do sujeito. A aglutinação dos transtornos tem intenção de “melhorar a sensibilidade e a especificidade dos critérios para o diagnóstico de transtorno do espectro autista e para identificar alvos mais focados de tratamento para os prejuízos específicos observados” (DSM-V, 2014, p. XlII, Prefácio). Assim, surge o Transtorno do Espectro Autista (TEA), como denominamos atualmente. Um transtorno do neurodesenvolvimento com alterações principalmente na comunicação e interação social e desenvolvimento de padrões restritos e repetitivos de comportamento. Importante dizer que se trata de um acometimento sem cura. Aqui, temos mais um mito a vencer: dizer que não tem cura não é condenação, pois o TEA tem tratamento, que, se bem aplicado e quando iniciado precocemente, diminui os sintomas e prejuízos, em alguns casos substancialmente. Também é importante destacar que as causas do TEA são múltiplas e a maioria ainda não identificada plenamente. Outra consideração importante quanto ao TEA são os impactos econômicos e emocionais que provoca na família, o que será detalhado mais adiante nas aulas. Mas, o que é um transtorno? 13 Exatamente o que se entende do verbete fora do autismo, transtorno é uma desorganização, uma bagunça, uma perturbação. Outra palavra compondo a denominação é espectro, que remete a multiplicidade e variedade de sintomas, provocados por diversas causas distintas. A complexidade e variedade que caracterizam o TEA têm algumas implicações necessárias, mas difíceis de ser conduzidas, pelo custo e pelo envolvimento de múltiplos profissionais. No caso do TEA, participam diretamente dos tratamentos psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicopedagogos e outros profissionais da saúde. Naturalmente, também envolve os familiares e a escola, uma vez que os tratamentos mais efetivos estão associados à reprogramação comportamental. Assunto este para um pouco mais adiante nas aulas. Como trouxemos aqui mitos sobre o autismo, muitas vezes provocados por distorções, julgamos fundamental apresentar a transcrição literal do DSM-V, descrevendo as Características Diagnósticas do TEA. A leitura atenta e a compreensão das características é importante para diminuir equívocos de interpretação. Características Diagnósticas As características essenciais do transtorno do espectro autista são prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social (Critério A) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (Critério B). Esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário (Critérios C e D). O estágio em que o prejuízo funcional fica evidente irá variar de acordo com características do indivíduo e seu ambiente. Características diagnósticas nucleares estão evidentes no período do desenvolvimento, mas intervenções, compensações e apoio atual podem mascarar as dificuldades, pelo menos em alguns contextos. Manifestações do transtorno também variam muito dependendo da gravidade da condição autista, do nível de desenvolvimento e da idade cronológica; daí o uso do termo espectro. O transtorno do espectro autista engloba transtornos antes chamados de autismo infantil precoce, autismo infantil, autismo de Kanner, autismo de alto funcionamento, autismo atípico, transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, transtorno desintegrativo da infância e transtorno de Asperger. (Fonte: DSM-V, 2014) 14 Naturalmente, o diagnóstico do TEA está a cargo de profissionais da área da saúde. No entanto, conhecer as características do Transtorno de Espectro Autista é importante para aqueles que acompanham pessoas com TEA. Reforçando, temos como características: A) Comunicação social comprometida, interferindo na interação com os outros; B) Comportamentos, interesses e atividades seguem padrões restritos e repetitivos; C) Sintomas presentes desde o início da infância; D) Sintomas trazem prejuízos no dia a dia do sujeito. Estes são os sintomas nucleares, mas existem outros tantos e que variam de pessoa a pessoa, alguns deles com maior prejuízo social, como a agitação, as agressões a si próprio e aos outros. Outros são bem significativos nas atividades escolares, como aqueles que envolvem a linguagem e a cognição. O diagnóstico costuma ser clínico, isto é, baseado em observações, entrevistas, e informações de maior número de fontes. Muitas vezes, existem deficit verbais e não verbais de comunicação como expressões faciais rígidas, por exemplo. Podem desenvolver gestos funcionais, mas seu repertório costuma ser menor do que a população típica. Há também pouca espontaneidade no gestual, sem conseguir provocar efeito desejado. Observa-se comprometimento na linguagem; bem comum é a ecolalia, ou fala em eco e outros comprometimentos. Mas, os casos leves têm a linguagem oral preservada. Alguns sujeitos têm preferência por atividades individuais, outros têm extrema dificuldade em iniciar qualquer tipo de interação. Não há necessidade de citarmos todos os sintomas secundários, importante é entendermos que cada caso é um e tanto para o tratamento quanto para o acompanhamento serão implementadas ações distintas. 15 REFERÊNCIAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-IV. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4. ed. Porto Alegre: ARTMED, 2002. _____. DSM-V. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre: ARTMED, 2014. Disponível em: <http://www.niip.com.br/wp- content/uploads/2018/06/Manual-Diagnosico-e-Estatistico-de-Transtornos- Mentais-DSM-5-1-pdf.pdf>. Acesso em: 01 abr. 2021. CHAVES DIAS, E., SOUSA ROCHA, J.; BEMFICA FERREIRA, G.; das GRAÇAS PENA G. Dieta isenta de glúten e caseína no transtorno do espectro autista: uma revisão sistemática. Rev Cuid [Internet]. 1 jan. 2018. Disponível em: <https://revistacuidarte.udes.edu.co/index.php/cuidarte/article/view/485>. Acesso em: 01 abr. 2021. FLEISCHER, Soraya. Autismo: um mundo obscuro e conturbado. Mana, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, abr. 2012, p. 231-235. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 93132012000100011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 01 abr. 2021. MARTINS, A.; MELO, E. O autismo e o potencial uso de inibidores do receptor tipo 1A de Vasopressina para seu tratamento. Brazilian Journal of Health Review, mar. 2020. Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/340031871_O_autismo_e_o_potencia l_uso_de_inibidores_do_receptor_tipo_1A_de_Vasopressina_para_seu_tratame nto_Autism_and_the_potential_use_of_Vasopressin_type_1A_receptor_inhibitor s_for_your_treatment>. Acesso em: 01 abr. 2021. PAIVA JR., F. Quantos autistas há no Brasil? Revista autismo, 01 mar. 2019. Disponível em: <https://www.revistaautismo.com.br/geral/quantos-autistas-ha-no- brasil/>. Acesso em: 01 abr. 2021. PINI, G. et al. IGF1 as a Potential Treatment for Rett Syndrome: Safety Assessment in Six Rett Patients. Autism Research and treatment, 13 jun. 2012. Disponível em: <https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3420537/>. Acesso em: 01 abr. 2021. RIBEIRO, M. A. C.; MARTINHO, M. H.; MIRANDA, E. da R. O sujeito autista e seus objetos. Revista A peste, São Paulo, v. 4, n. 2, jul./dez. 2012, p. 77-89. 16 Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/apeste/article/download/22116/16225>. Acesso em: 01 abr. 2021. STELZER, F. G. Uma pequena história do autismo. São Leopoldo/RS: Pandorga, 2010. Disponível em: <https://docplayer.com.br/6834601-Uma- pequena-historia-do-autismo.html>. Acesso em: 01 abr. 2021.
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