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1 Enmilly França – Medicina UniFTC CONVULSÃO OU CRISE CONVULSIVA DEFINIÇÃO A convulsão é uma ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devido à atividade neuronal anormal, excessiva ou síncrona no cérebro. Ela se caracteriza por descargas elétricas súbitas, excessivas e transitórias dos neurônios cerebrais. Manifesta-se clinicamente por uma série de distúrbios, como alteração ou perda de consciência, atividade motora anormal, alterações comportamentais, distúrbios sensoriais ou manifestações autonômicas, de acordo com a área cerebral afetada. CLASSIFICAÇÃO EPILEPSIA Epilepsia é uma doença cerebral definida por uma das seguintes condições: ● Duas ou mais crises não provocadas (ou reflexas) com intervalo acima de 24 horas. OU ● Uma crise não provocada (ou reflexa) e uma probabilidade de crises futuras similar ao risco geral de recorrência de duas crises (maior ou igual 60%) nos próximos 10 anos. OU ● Diagnóstico de síndrome epiléptica. A epilepsia é uma doença crônica, que se manifesta por distúrbios epiléticos recorrentes, e várias apresentações, entre elas, as convulsões. Trata-se, portanto, de um complexo sintomático, sendo a crise um sintoma. As crises podem, inclusive, ocorrer posteriormente ao início das manifestações da síndrome epilética. CONVULSÃO FEBRIL Um distúrbio convulsivo provocado, cuja causa subjacente é um processo febril, recebe a definição de 2 Enmilly França – Medicina UniFTC convulsão febril. Sua maior prevalência é entre 6 meses e 6 anos, com pico entre 12 e 30 meses de vida e, por definição, sem história de distúrbios convulsivos anteriores. Às vezes, ocorrem antes de 6 meses, bem como após os 6 anos. Por definição, caracteriza-se por um episódio de convulsão tônico-clônica generalizada com duração limitada. A incidência que mais se aproxima da realidade brasileira apontou 4% em crianças chilenas. Crises febris simples são convulsões primárias generalizadas que duram até 15 minutos, sem recorrência em 24 horas. As crises febris complicadas (ou complexas) são definidas como focais, prolongadas, (maior ou igual a 15 minutos) e/ou recorrem em menos de 24 horas. Elas também podem apresentar manifestações neurológicas pós-ictais. Cerca de 80% das convulsões febris são simples. O baixo limiar do córtex está relacionado a uma combinação de maior excitação, à inibição reduzida e à menor maturação dos circuitos subcorticais. A fisiopatologia da convulsão febril está relacionada: ao baixo limiar convulsivante do córtex cerebral em desenvolvimento; à suscetibilidade maior da faixa etária para infecções com propensão à febre; ao componente genético relacionado ao limiar para a crise. Presume-se que haja relação entre a febre e o tempo que o cérebro leva para desenvolver os mecanismos de proteção, bem como a normalização metabólica/energética. Não há evidências de que algum tipo ou agente de infecção cause mais ou menos convulsões, ou da relação entre o nível atingido pela temperatura ou o tempo em que a criança permanece com febre, pois a relação é com a febre, e não com a doença subjacente. Não há evidências que apoiem a teoria de que a velocidade de aumento da temperatura estaria relacionada com as convulsões febris. A história familiar para convulsões febris e para epilepsia é um fator de risco comprovado. A história familiar também é preditiva para recorrência de uma segunda convulsão febril. Uma convulsão febril que ocorre em uma temperatura mais baixa está associada a um risco aumentado de recorrência. Um estudo sugere níveis séricos de zinco como predisponentes da crise. ALERTAS VERMELHOS Os alertas vermelhos (red flags) indicam condições potencialmente sérias, como: ● Convulsões (febris ou não) acompanhadas de sinais meníngeos. ● Convulsões e síndromes rapidamente progressivas. ● Convulsões e síndromes com sinais e sintomas neurológicos. ● Epilepsias iniciadas em idosos (lesões vasculares, neoplásicas ou demenciais). ● Epilepsias manifestadas com crises mioclônicas e astáticas (pior prognóstico). ALERTAS AMARELOS Os alertas amarelos (yellow flags) indicam barreiras (especialmente psicossociais) para o tratamento e incluem: ● Convulsões associadas a sintomas constitucionais. ● Convulsões associadas a atraso de desenvolvimento. ● Crises conversivas. ● Adolescentes/adultos/idosos e potenciais riscos na condução de veículos. ● Estigma no convívio com amigos, em especial colegas de escola. O QUE PODE OCASIONAR A crise convulsiva representa a manifestação de uma lesão subjacente, ou seja, é um sintoma objetivo resultante de alguns quadros clínicos. As crises podem ser: provocadas, quando há uma resposta de um cérebro normal a um evento externo; sintomáticas, quando há uma agressão aguda ou remota ao parênquima cerebral; idiopáticas, se não há fator desencadeante e se enquadra em síndromes específicas; criptogênicas, quando não há fator desencadeante ou padrão genético identificável. CONDULTA NA CRISE CONVULSIVA A primeira conduta diante de uma pessoa com quadro convulsivo é o controle imediato da crise. A terapia deve ser iniciada após 5 minutos de atividade epilética contínua, 12 ou mais de uma crise sem recuperação entre elas. 3 Enmilly França – Medicina UniFTC No atendimento do adulto, a sequência de abordagem e tratamento é a seguinte: ● Posicionamento em decúbito lateral direito e afrouxamento das roupas. ● Avaliação neurológica breve buscando identificar tipo de crise e, se possível, sua etiologia. ● Avaliação respiratória: permeabilidade, saturação. Fornecer oxigênio, ventilação mecânica (VM), se necessário. ● Avaliação circulatória: monitorização cardíaca, pressão arterial (PA) e pulso. Providenciar acesso venoso. ● Coletar exames: hemograma, eletrólitos, glicemia, função hepática e exames toxicológicos e nível sérico de medicações antiepilépticas (em casos selecionados). Caso não seja possível, glicemia capilar, ou infusão empírica de 50 mL de soro glicosado hipertônico e 100 mg de tiamina deve ser considerada. Uso de terapia farmacológica em adultos com acesso intravenoso (IV): ● Diazepam: 0,15 mg/kg, até 10 mg/dose. Doses adicionais após 1 minuto, caso seja necessário. Limite: efeitos colaterais. ● Após duas doses de benzodiazepínicos, caso o paciente mantenha a crise, providenciar outro acesso venoso e iniciar fenitoína: 20 mg/kg, infundida em uma velocidade de 25 a 50 mg/min em solução fisiológica (SF). Essa medida tem eficácia em torno de 50% na cessação da crise e visa o controle da sua recorrência. Ácido valproico, 20 a 40 mg/kg, pode ser a opção razoável. ● Se após duas doses de benzodiazepínicos, não houver controle da crise, o paciente deverá receber infusão contínua de midazolam ou propofol. ● Fenobarbital: 20 mg/kg, IV, infundidos em 30 a 50 mg/minuto. Bastante eficaz, porém causa sedação prolongada, maior risco de hipotensão e hipoventilação. Medicação considerada de terceira escolha. Em crianças, exames propedêuticos não são necessários, a não ser na suspeita de etiologia sintomática, menos frequente nessa faixa etária. A opção inicial é pelo diazepam, 0,1 a 0,3 mg/kg, ou midazolam, 0,15 a 0,2 mg/kg (até 3 doses). Caso não haja controle da crise, valproato, levetiracetam e fenobarbital podem ser utilizados como terapia de primeira escolha em estado epiléptico resistente a benzodiazepínicos: ● Valproato, IV, 20 a 40 mg/kg (à taxa de 3-6 mg/kg/min). ● Fenobarbital, IV (à taxa de 50 mg/min), até cessar a crise, ou dose máxima de 20 mg/kg. ● Levetiracetam, IV, para crianças acima de 4 anos e adolescentes com peso inferior a 50 kg: 10 a 30 mg/kg (0,10-0,30 mL/kg), máximo duas vezes por dia. Na ausência de acesso venoso, para adultos e crianças, e na condutapréhospitalar, midazolam intramuscular (IM) ou intranasal (IN) pode ser mais eficaz do que outros benzodiazepínicos venosos para a cessação da convulsão, a frequência de hospitalização e as admissões na unidade de terapia intensiva (UTI), não sendo claro se o risco de recorrência de convulsões difere entre os tratamentos. Isso ocorre provavelmente porque há demora em se obter o acesso venoso em um paciente convulsionando, favorecendo o efeito das medicações IM. ● Midazolam: 10 mg: IM, IN ou bucal para pacientes acima de 40 kg. Nasal ou bucal tem absorção mais rápida. ● Diazepam: 0,2 a 0,5 mg/kg, ou 20 mg, via retal. Se a pessoa é refratária a essas medicações, deve ser tratada em uma UTI antes de atingir os 30 minutos de atividade epilética, devido ao maior risco de lesão neuronal pela perda da autorregulação circulatória cerebral, hipoxemia e/ou alterações metabólicas. As opções se baseiam na sedação do paciente com propofol (não indicado em crianças), midazolam ou tiopental. CLASSIFICAÇÃO - TERMOS ► Crises tônico-clônicas, ou “grande mal”: são contrações tônico-clônicas generalizadas, ou seja, caracterizadas por um período de contração muscular (rigidez) simultânea dos membros e musculatura do tronco (tônus), seguidas de contrações rítmicas, principalmente de membros (clônus) ► Crise generalizada atônica: quadro de perda do tônus e da consciência ► Ausência simples/típica, ou “pequeno mal”: perda súbita de consciência, na forma de breves lapsos, podendo ocorrer fenômenos motores breves ► Crise focal (parcial) motora: há contração de um segmento do corpo ► Crise focal (parcial) sensitiva: ocorrem distúrbios sensitivos localizados ► Crise focal (parcial) complexa: caracterizada por alterações da consciência na presença ou não de alterações cognitivas ou afetivas 4 Enmilly França – Medicina UniFTC ► Crise mioclônica:* caracterizada por contrações musculares não rítmicas, como “choques”, manifestando-se clinicamente como se o corpo se projetasse ao chão ► Crise astática:* caracterizada por uma queda devido à perda da base de sustentação, dando o aspecto de uma “implosão” do corpo *As crises mioclônica e astática são rápidas, porém consideradas como de pior prognóstico devido à verdadeira “devastação do sistema nervoso central”, levando geralmente a um quadro de demência e retardo motor graves. ANAMNESE Após controlar a crise, passa-se à avaliação clínica do indivíduo e de sua doença de base, manifesta clinicamente pela convulsão. Em 80% dos casos, não se pode observar clinicamente uma convulsão, e mesmo profissionais com experiência clínica não caracterizam até 25% das crises quando observadas. Muitas vezes, o auxílio de uma testemunha ocular é importante para que a crise seja descrita em detalhes. A imitação mímica da manifestação da crise pelo informante/acompanhante deve ser estimulada, pois fornece dados relevantes que podem não ser bem relatados pela simples descrição. Quando possível, deve- se encorajar terceiros a filmarem as crises, facilitando diagnóstico, classificação e manejo. Alguns dados da história e do exame clínico reforçam a hipótese de crise convulsiva, como: ● Pródromos. ● Aura. ● Pós-ictal. ● Sintomas motores. ● Sintomas sensoriais. ● Sintomas autonômicos: náusea, vômitos, palidez, cianose, sialorreia, perda de controle de esfíncteres, entre outros. ● Confusão mental matinal sem etiologia subjacente. ● Língua com sinais de mastigação. Os pródromos podem servir de preditores para a crise que está por vir e durar dias (p. ex., irritabilidade, alterações do humor, cefaleia, transtornos de personalidade). 5 Enmilly França – Medicina UniFTC A aura engloba eventos iniciais da crise, um componente dessa, e, geralmente, o último evento do qual o indivíduo se recorda precedendo o distúrbio, por exemplo, distúrbios sensoriais, como percepções visuais ou auditivas, parestesias ou disestesias, podendo chegar a alucinações visuais ou sonoras, “sensações” e outras, dependendo da área cerebral afetada. A existência de aura, bem como as condições que possam ter precipitado a crise devem ser registradas. Existem também fenômenos pós-críticos, como hemiplegia, monoplegia (paralisia de Todd), alterações de comportamento, cefaleia. Na maioria dos casos, o diagnóstico de uma crise epilética pode ser feito clinicamente com a obtenção de dados subjetivos detalhados e objetivos gerais, com ênfase nas áreas neurológica e psíquica. EXAME FÍSICO No exame físico, a busca deve ser direcionada também para a doença subjacente. No caso de convulsão febril, é importante determinar o processo infeccioso ou inflamatório causador da elevação da temperatura, procurando afastar processos infecciosos centrais. Em qualquer tipo de convulsão, o médico deve avaliar o estado mental, a função cardiológica e o nível de desenvolvimento, quando apropriado. É fundamental fazer o diagnóstico diferencial correto com outros distúrbios paroxísticos da consciência, como síncopes e crises não epiléticas psicogênicas. Após diagnosticar a situação clínica como uma crise convulsiva, é hora de classificá-la e, a seguir, o próximo passo depende do tipo e da etiologia da crise. Classificação: Caso a crise seja a manifestação de uma epilepsia, é importante considerar: idade de início, frequência de ocorrência e intervalos mais curtos e mais longos entre as crises, devendo ser caracterizados, muitas vezes, com o auxílio de um diário de crises. Para uma anamnese completa, são fundamentais: história de eventos perinatais, crises no período neonatal, crises febris, qualquer crise não provocada e história de epilepsia na família. Trauma craniano, infecção ou intoxicações prévias também devem ser investigados.
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