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Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Identidade, Língua e Cultura Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Carolina Berbet Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Introdução O indivíduo, desde o seu nascimento, é apresentado e inserido em uma língua, e assim inicia o processo de interação com os seus semelhantes. Dessa forma, seria a língua um instrumento de significação social do sujeito, fazendo-o conhecer ideologias, culturas e identidades? Sabemos que o reconhecimento de um povo pode ocorrer por meio de suas características físicas, linguísticas ou culturais. Será que a cultura, então, juntamente com a manifestação da língua, é capaz de expressar a tradição e a identidade de um povo? Quais são os conceitos de identidade, língua e cultura? Seriam elementos em constante transformação e influência da pós- modernidade? Nesta unidade, compreenderemos o que identidade, língua e cultura significam na sociedade e quais as influências da pós-modernidade sobre esses princípios. Boa leitura! 1. Definições de Identidade, Língua e Cultura A identidade é definida como a qualidade do que é idêntico, ou seja, é formada por características capazes de individualizar uma pessoa e de promover a identificação de um grupo, por meio dos seus elementos unificadores, ou seja, os ritos, crenças, mitos, símbolos, tradições e histórias protagonizadas por esse coletivo. Por outro lado, a língua, que é um instrumento utilizado pelo ser humano para se expor e conectar com o exterior e seus demais semelhantes, faz parte dos elementos característicos de um grupo e pode estar inserida na composição da identificação coletiva. A cultura, por sua vez, pode ser definida como um conjunto de práticas, costumes e comportamentos repassados por gerações de uma sociedade específica. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade 1.1. A língua e seus significados Sausurre, linguista e filósofo suíço, compreende a língua como um fato social, a qual representa uma coletividade e sustenta as interações existentes em uma sociedade. O linguista realiza uma comparação entre língua e sistema financeiro, de modo que, no ambiente das finanças, as notas têm suas importâncias e valores fixados devido à comparação com as demais notas, ou seja, o valor de R$2,00 é perceptível ao compará-lo com R$10,00 e os demais valores existentes. Sendo assim, seguindo a mesma linha de raciocínio, a língua também funcionaria como um sistema, em que cada palavra tem seu valor e atribuição definidos pela atuação em conjunto com os demais vocábulos, de maneira que a significação e o entendimento se dá pela compreensão do conjunto linguístico como um todo. Pela visão de Mário Perini, linguista brasileiro, a língua funciona como um sistema existente em nosso cérebro, que é capaz de formular um código que represente os nossos sentidos e pensamentos. A língua seria o resultado de fatores técnicos, como formação de palavras, regras de pronúncia e significados; fatores léxicos, que compreendem as propriedades gramaticais das palavras; e fatores idiomáticos, que englobam certos ditados e expressões pertinentes a determinada língua. Dessa forma, a língua utilizada pelo indivíduo, representaria seus desejos e expressões, obedecendo a certa sequência lógica e metodológica. A língua é, portanto, considerada um instrumento de pensamento e comunicação, utilizado para que o indivíduo externe suas percepções e seja capaz de construir interações, por meio de um sistema complexo de construção e manifestação lógica do que se deseja expressar. Entretanto, a complicação não se faz perceptível, já que a língua é naturalmente produzida pelo cérebro e pelas relações construídas com os demais sujeitos, o que faz com que o indivíduo, desde o seu nascimento, tenha predisposição a utilizá-la. Ademais, a língua pode ser considerada como uma maneira de exteriorização das expressões de um povo, que utiliza um código em comum para manifestar suas ideologias e reflexões. 1.2. Abordagens sobre cultura ao longo da história Na Grécia Antiga, nos primórdios da Civilização Ocidental, a cultura era conhecida como o cultivo do espírito humano, de modo que era considerada Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade como a manifestação dos valores morais transmitidos por meio da educação, ou seja, os costumes repassados e ensinados pelas gerações a formavam e buscavam a construção da personalidade ideal do homem. Embora a sociedade grega estivesse bastante vinculada a atividades nos campos da filosofia, escultura, artes, jogos e religião, o conceito de cultura era incorporado ao vocábulo “areté”, que tinha que significava virtude. Figura 1 - Grécia Antiga. Fonte: Incrível História. Apesar da antiguidade do termo cultura, o seu estudo passou a ter relevância somente quando a Antropologia obteve status de área do conhecimento, por volta do século XVIII. Nesse período, os antropólogos buscaram compreender e interpretar as ocorrências da cultura. O novo âmbito científico focou suas atuações na análise de temas sociais, como o trabalho, a escola, as relações familiares, a mobilidade social, as atividades desempenhadas nos tempos livres, as festas, os desportos, etc. A antropologia teve como objetivo o estudo dos povos primitivos e seus costumes, engajada em registrar o máximo possível das tradições conhecidas e existentes. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Edward Tylor, um dos pioneiros no campo antropológico, conceitua a cultura como a representação dos hábitos e das capacidades adquiridas por indivíduos durante as suas convivências em sociedade e acreditava em um progresso cultural evolucionista, de maneira que as sociedades primitivas precisariam evoluir culturalmente para chegar ao nível das sociedades civilizadas. Em contrapartida ao evolucionismo defendido por Tylor, o antropólogo americano Franz Boas procura dar outro sentido a cultura, tendo em sua atuação a presença da etnografia, ou seja, da observação direta das sociedades primitivas. Franz apresenta reflexões sobre a diferenciação dos grupos humanos e defende, a partir de suas observações, que as diferenças são causadas por características culturais e não raciais ou físicas, contrariando o pensamento comum. Para ele, não existiria uma cultura universal, que representasse a espécie humana, mas uma pluralidade de culturas, que manifestariam as particularidades de cada povo. Clifford Geertz, por sua vez, apresenta-se como um antropólogo do século XX e visualiza a cultura como uma condição de existência para os seres humanos, de maneira que se manifesta como um procedimento contínuo, capaz de fornecer valor e sentido às ações humanas. Na contemporaneidade, a cultura pode assumir três concepções diversas. Primeiramente, pode ser definida como um sistema de significados produzidos pelo homem, por meio das suas relações sociais, ou seja, sua forma de viver, pensar e agir, manifesta em símbolos, crenças, valores, pensamentos e comportamentos. A segunda visão sobre o termo é mais restritiva, podendo ser chamada de “Economia da Cultura”, pois acredita que a cultura se relaciona com o campo das artes, da atividade intelectual, do entretenimento, estando associada a atividades econômicas. Além das atividades culturais tradicionais, como dança, artes, literatura, teatro, música, artesanato e arquitetura, teríamos também a propaganda, moda, aparelhos eletrônicos, esportes e o turismo. Dessa forma, as produções culturais seguiriam roteiros com pensamentos norteadores e se manifestariam de maneiras específicas, dotadas de planejamentos criados para agradar certo tipo de público. Neste sentido, a cultura auxiliano desenvolvimento dos povos e na geração de emprego e renda para os componentes das sociedades. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Por fim, uma terceira concepção, que estaria vinculada ao desenvolvimento social, de maneira que a cultura atuaria com intuito sócio-educativo. Sendo assim, as atividades culturais estariam voltadas para o desenvolvimento de senso crítico, estimulação da cidadania e da atuação política, incentivo ao interesse nos estudos, descoberta de habilidades e enfrentamento de problemas sociais. Desse modo, a utilização de ferramentas culturais poderia auxiliar até mesmo na ressocialização de pessoas e na ocorrência de doenças, sendo considerada uma técnica para reduzir problemas comuns ao campo social. Como podemos perceber, existem diversas abordagens e não há consenso na definição do termo cultura, o qual possui uma atuação ampla, embora seja comum associá-lo a um modo de vida de um grupo específico, que se manifesta por meio da história, tradição e costume de uma sociedade organizada, que possui crenças, valores, instituições e vivências em comum. 2. Cultura-mundo Na visão do filósofo Gilles Lipovetsky, os tempos atuais está representado por rupturas e reconstruções relacionadas à cultura, de maneira que este complexo humano, em sua visão tradicional, cede lugar a uma “cultura-mundo”, que está em constante expansão. É uma cultura global, que tem modificado a relação da humanidade consigo mesma e com o seu entorno. As estruturas sociais, que existiram por séculos, garantiam uma segurança emocional aos indivíduos, mesmo que reduzissem o espaço das liberdades e atuações individuais, entretanto, atualmente, têm se transformado. As regras atuais são mais flexíveis e dinâmicas, exigindo que o seres humanos se adaptem de forma rápida às mudanças. A cultura-mundo, resultado de um panorama globalizado, com uso da tecnociência, das mídias, do consumo em massa e do excesso de informação, traz novos problemas globais, como preocupações ecológicas, crises econômicas, terrorismos, fenômenos migratórios, além dos distúrbios nos indivíduos, como crises de identidade e de personalidade. 2.1. Unificação e desterritorialização da cultura Desde os primórdios da humanidade, podemos estudar e perceber características específicas das sociedades existentes, por exemplo, aquelas classificadas como extrativistas, agrícolas, caçadoras, guerreiras, comerciantes, Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade colonizadoras. Dessa forma, cada uma dessas sociedades apresentavam uma cultura que se conectava com o seu modo de viver e se comportar perante o mundo. O mundo atual é formado por sociedades com culturas distintas, civilizadas e formadas de diferentes maneiras. O processo de construção de uma civilização é longo e se expressa por meio da conservação das tradições, da transmissão de costumes e conhecimentos e sendo regulado pela própria cultura existente. Entretanto, atualmente, cada vez mais os povos e as culturas têm se aproximado e se assemelhado. O contato entre diferentes culturas e povos, deu-se principalmente após a Segunda Guerra Mundial, em que o mundo estava polarizado e dividido em barreiras nacionais. Nesse período, houve a fomentação da disseminação da informação, buscando romper os entraves anteriormente existentes, principalmente relativos aos campos sociais, políticos, culturais e econômicos. É perceptível que, ao fim da Guerra Fria, os temas culturais, sobre identidade e diferenças sociais tem se tornado presentes em diversos meios, não somente acadêmicos. A globalização ocorrida pós-Guerra Fria representou uma conexão entre os países, evidenciada pelo destaque do capital e do mercado. No setor econômico, houve certa diminuição da supremacia dos estados e da condução que alguns faziam sobre os rumos da economia mundial. Já no âmbito cultural, há certa perda de identidade e anulação de aspectos culturais, visto que indivíduos de diferentes locais têm desenvolvido gostos semelhantes e alcançado os mesmos tipos de produtos e modos de vida. O mundo globalizado pressupõe a falta de fronteiras, produzindo a sensação de desterritorialização, de maneira que os indivíduos perdem as referências nacionais e passam a ter contato com costumes, produtos e estilos de vida internacionais. Dessa maneira, o sujeito perde a noção de pertencimento a um território, em que há um elo de identificação, seja político, social ou cultural e passa a compartilhar com indivíduos de diversos locais as suas crenças, convicções, reflexões, tradições e gostos. A sociedade pós-moderna é marcada pela desterritorialização, evidenciada pela ocorrência da mobilidade, dos amplos fluxos de informação, produtos e pessoas, do incentivo ao livre comércio, da descentralização de empresas, da Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade disseminação de produtos pelo mundo, do desenraizamento nacional dos indivíduos e da junção de diferentes matrizes culturais. O hibridismo cultural é reflexo do diálogo entre culturas, o qual tem as tornado cada vez mais mescladas e heterogêneas. Dessa forma, por meio do encurtamento das distâncias e da difusão dos meios de comunicação em escala global, a conexão entre as pessoas tem se fortificado, além de uma intensa ocorrência da uniformização do consumo. Figura 2 - O fenômeno da globalização. Fonte: Educação Globo. 3. Hipermodernidade O filósofo francês Gilles Lipovetsky criou o termo “hipermodernidade” para se referir ao momento atual da sociedade humana. Para ele, os tempos hipermodernos, em que vivemos, são caracterizados pela radicalização de valores. Em sua visão, o homem hipermoderno vive intensamente o presente, mas possui grande preocupação com o futuro, pois acredita não possuir garantias sobre nada. Portanto, o indivíduo hipermoderno busca atuar em diversas frentes para auxiliar na construção de um bom futuro, o que gera a escassez de tempo para realização de desejos atuais. 3.1. Hipercapitalismo e hipertecnicização Gilles estuda a expansão da cultura ocidental, que, segundo ele, tem significado o fim da heterogeneidade da cultura no mundo. Dessa forma, as Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade culturas têm deixado de ser múltiplas e seguido certos padrões de consumo. O homem tem sido afetado pelas mudanças na cultura, as quais têm influenciado na forma de agir consigo mesmo e com o seu entorno, visto que o indivíduo, atualmente, não consegue se separar do mundo e é frequentemente afetado por ele. O filósofo acredita que a humanidade passou por algumas etapas evolutivas. Inicialmente, as relações sociais estavam restritas à família ou ao grupo social ao qual os indivíduos pertenciam; e essa cultura, repassada de geração em geração, não deixava espaço para o individualismo. Posteriormente, as interações foram maximizadas, por meio do surgimento das democracias modernas, da substituição do lugar de destaque da religião pela ciência e da evidência da racionalidade, além da promoção de artes vistas como “comerciais”, as quais buscavam atender aos interesses do público, destacando certa influência do capitalismo. No período atual, denominado hipermodernidade, há o individualismo exacerbado, com uma constante busca pela liberdade, igualdade, informação e conexão. Entretanto, há também a generalização dos modos de vida. Segundo Gilles, as informações em excesso e as ofertas semelhantes, que podem ser encontradas em todo o mundo, como tipos de comida, música, roupa e acessórios, têm gerado certa desorientação na sociedade. Há pouco controle no mercado atual, o qual é reflexo do hipercapitalismo, marcado pelo livre comércio e pela criação de grandes blocos econômicos, integrando regiões que antigamente nãoeram participantes ativos da economia mundial. Dessa forma, há uma instabilidade financeira que reflete na insegurança pessoal dos indivíduos, os quais perderam os antigos mecanismos regulatórios e de proteção social. O hipercapitalismo, além de influenciar no ambiente econômico, tem atuado livremente no campo cultural, a partir do momento em que o excesso de informação está diretamente conectado ao indivíduo e impacta nas suas visões sobre gostos pessoais, valores, relacionamentos, trabalho, artes, educação, etc. O ambiente econômico tem se apoiado na tecnociência, o qual produz um considerável aumento de riqueza para os países envolvidos, mas também gera novos problemas ao mundo, como a ocorrência do desperdício e de graves mudanças e necessidades ecológicas. O indivíduo que vive na era do individualismo, marcado pela necessidade de satisfação imediata, pelo egoísmo Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade e pela exigência de rapidez não consegue lidar com os novos problemas mundiais, o que gera certa insegurança quanto ao futuro. 3.2. A cultura individualista O individualismo característico do período atual e objeto de estudo do filósofo Gilles, seria resultado de acontecimentos sociais, como duas revoluções individualistas, que moldaram e culminaram no modo de vida que presenciamos no presente. A primeira revolução individualista teria sido fruto do Iluminismo, que é denominado como um movimento cultural, desenvolvido na Inglaterra, Holanda e França, nos séculos XVII e XVIII. Nesse período, ocorreu grande desenvolvimento intelectual, de forma que as reflexões eram difundidas pelos filósofos e economistas, que defendiam conceitos de liberdade política e econômica. Sendo assim, o individualismo foi divulgado por meio dos ideais de liberdade, que pregavam que o homem deveria ser um cidadão livre e autônomo e não apenas parte integrante do todo social. A influência política do Iluminismo, que resultou na Revolução Francesa, a qual consolidou os ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, é um exemplo da construção de um individualismo de singularidade, onde o indivíduo deveria se portar como um ser racional e agir conforme os seus pensamentos e conhecimentos, destoando da política feita à época, em que os eleitores eram manipulados pelos governantes e pelas instituições. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Figura 3 - Iluminismo. Fonte: Colégio Web. A segunda revolução individualista, segundo Gilles, ocorreu por meio do ideário romântico do século XIX. O Romantismo, movimento artístico, político e filosófico surgiu na Europa e se difundiu pelo mundo, atuando de forma contrária a racionalidade do Iluminismo, mas explorando o romantismo, o lirismo, a emoção e a subjetividade. A narrativa romântica era focada no “eu”, de maneira que o indivíduo era o centro das atenções do universo e seus dramas, ideais e desejos eram foco de concentração da época. Neste período, a defesa era de que o indivíduo não deveria focar apenas na sua liberdade, como na primeira revolução, mas na sua unicidade, ou seja, naquilo que o faz ser único, culminando em um individualismo que defende o ser como particular e insubstituível. Devido à ênfase que a arte romântica dava ao imaginário, valorizando a intuição, o instinto e a emoção, o sujeito romântico era altamente subjetivo e pessoal, reforçando a ideia do individualismo. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Figura 4 - "A balsa da Medusa", de Théodore Gericault, representando a ênfase que a arte romântica dava ao imaginário. Fonte: Significados. Já o individualismo contemporâneo, resultado das duas revoluções apresentadas, é representado por um indivíduo focado em si mesmo, na sua própria subjetividade. Dessa forma, segundo Gilles, surgem os tempos hipermodernos e o sujeito hipermoderno, que deseja viver intensamente o presente, alcançando seus objetivos e desejos com muita rapidez, consciente da liberdade e autonomia que possui. Uma das grandes características da hipermodernidade destacada por Gilles é a presença de uma cultura individualista, de maneira que o indivíduo não é orientado e regulado por tradições, mas pode viver da forma que prefere, tendendo ao individualismo. Na sociedade atual, o homem não se sente mais obrigado a integrar um grupo, podendo viver de forma solitária, o que muitas vezes, configura um fardo, pois precisa construir seu caminho sozinho. O filósofo acredita que, quanto mais liberdade o ser humano tem, mais frágeis são suas relações sociais. Nesse sentido, o momento é marcado por excessos e pela busca efêmera de realização dos desejos pessoais, com comportamentos narcisistas. 3.3. O hiperconsumismo Gilles também menciona sobre o hiperconsumismo, que é característico das sociedades hipermodernas. O filósofo acredita que o movimento consumista Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade é resultado de alguns fatores. O primeiro deles seria o individualismo, que faz com que o indivíduo hipermoderno busque incessantemente saciar suas vontades particulares e obter prazeres por meio daquilo que consome. Outro fator influenciador seria a passagem do capitalismo de produção para uma economia de consumo, segundo o filósofo, visto que o consumidor não compra apenas aquilo que precisa, mas o que o atrai e seduz. Cada vez mais, as marcas buscam lançar produtos e experiências que não atendam somente às necessidades humanas, mas que gerem sensações de felicidade aos indivíduos, com impactos positivos, relaxantes, motivadores, afetivos. Tudo isso alinhado a uma comunicação de massa, que influencia no comportamento do consumidor e que faz com que o desejo de obter o produto se amplifique. Gilles acredita que os consumidores hipermodernos não buscam o consumo como forma de sobressair socialmente, ou seja, de destaque frente ao outro, mas como uma maneira de obter uma maior qualidade de vida. Os produtos não são criados para gerar sedução nos consumidores, mas para suprir um desejo de ser seduzido já existente. É a era do consumo individualista. O filósofo menciona também sobre a mudança perceptível na organização da sociedade que, anteriormente, tinha seu comportamento definido por algumas regras sociais, valorizando a disciplina, o que atualmente deu lugar a liberdade e a vontade de usufruir daquilo que está em alta, ou seja, do que tem se tornado “moda”. Você quer ver? O filme “Clube da Luta”, de 1999, dirigido por David Fincher, é aclamado pelos críticos e pelo público. O seu enredo destaca a história de um homem solitário, focado no trabalho, que passa o seu tempo livre consumindo produtos caros, numa tentativa de preencher o vazio que possui. É um exemplo interessante do modo de vida da sociedade hipermoderna. 4. O mundo em rede e a identidade cultural O mundo em rede ou o mundo pós-moderno é marcado por todas as características apresentadas anteriormente: a cultura-mundo, a Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade hipermodernidade, o capitalismo exacerbado, o hiperconsumismo e também por transformações linguísticas e ideológicas, além de debates sobre a existência ou a anulação de identidades culturais. Para Stuart Hall, sociólogo jamaicano, a concepção de um indivíduo dotado de uma identidade fixa e única deu lugar a um sujeito com múltiplas identidades. Embora as culturas nacionais impactem na formação da identidade cultural, o descentramento do modo de viver humano e o hibridismo cultural têm influenciado na formação e no aparecimento de sujeitos com identidades variáveis. 4.1. As três concepções de identidade Stuart Hall, em seus estudos, define três concepções de identidade do ser humano: o sujeito do Iluminismo,o sujeito sociológico e o sujeito pós-moderno. O sujeito do Iluminismo seria o indivíduo dotado de pensamento racional, que foi formado também pelo movimento Humanista, o qual priorizava o caráter individual do ser humano e o colocava como centro do universo, ou seja, valorizava o pensamento antropocêntrico. O sujeito sociológico, que surge na transição para o Renascimento, e a sua identidade é formada a partir da interação do indivíduo com a sociedade, já que o seu núcleo interior passa a sofrer modificações devido ao contato com outros indivíduos e identidades. O sujeito pós-moderno é aquele que passa pelo processo de descentramento do indivíduo, causado pela ocorrência da globalização, que fomentou o fluxo de pessoas, produtos e culturas. Dessa forma, as múltiplas facetas existentes e divulgadas aos indivíduos pelos meios de comunicação globais, além da possibilidade de um contato intenso com outras identidades culturais, permitem que haja maior superficialidade existente no sujeito e que sua identidade seja mais flexível por meio da absorção de outras identidades culturais. O sujeito do iluminismo e o sujeito sociológico possuíam identidades fixas e construídas por meio das culturas e identidades nacionais, as quais não estão amplamente presentes no contexto do sujeito pós-moderno, que não se sente fixado em identidades específicas. Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade A mudança do sujeito sociológico para o pós-moderno é explicitada por Hall, de maneira que o descentramento do sujeito ocorre devido a cinco acontecimentos: as tradições do pensamento marxista, que geram questionamentos sobre a posição do indivíduo na sociedade; o inconsciente descoberto por Freud, o qual defende a mobilidade da identidade através dos processos conscientes e inconscientes; a atuação de Saussure, linguista que defende a teoria de que não somos autores daquilo que afirmamos, mas somos influenciados por tudo aquilo que vem antes e depois das nossas falas e pensamentos; o trabalho de Michel Foucault sobre a importância do poder disciplinar, que influencia no surgimento das instituições coletivas da pós- modernidade; e os movimentos que emergiram nos anos 60, como feminismo, que produz reflexões sobre as questões de gênero. Para Stuart, essas cinco ocorrências influenciaram na descentralização do sujeito e de sua identidade. 4.2. A prática linguístico-cultural O relacionamento estabelecido entre múltiplas identidades, a conexão entre diferentes culturas, o mundo globalizado na economia, tecnologia, cultura, política, que tem aproximado cada vez mais diferentes culturas e línguas culminam na exigência de um novo comportamento do sujeito pós-moderno. Nesse sentido, faz-se necessário assumir a identidade de cidadão mundializado e buscar por novas competências linguísticas para que faça parte do acelerado processo de globalização do conhecimento. Síntese Nesta unidade estudamos e entendemos os conceitos de identidade, língua e cultura e como as mudanças advindas do mundo globalizado, que pode ser chamado também de mundo pós-moderno, têm influenciado nos modos de vida dos sujeitos e de suas culturas e identidades. Percebemos que o mundo pós-moderno tem aproximado indivíduos de diferentes realidades e tem feito com que adquiram costumes em comum, influenciados pelo hipercapitalismo e pela comunicação em massa. Portanto, compreendemos: ● As diferentes concepções sobre o que a cultura representa; Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade ● A existência de uma cultura-mundo que tem se sobreposto às culturas tradicionais; ● Os efeitos da hipermodernidade nos comportamentos e nas relações do sujeito pós-moderno; ● O fenômeno do hiperconsumismo; ● A identidade cultural e suas vertentes, na qual a mais recente tem permitido que o sujeito apresente uma identidade variável. Na próxima unidade estudaremos sobre culturas nacionais, mudanças linguísticas e conexão entre identidade, língua e cultura. Até breve! Bibliografia HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro, Lamparina, 2014. LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MINTZ, Sidney W. Cultura: uma visão antropológica. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/tem/v14n28/a10v1428.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2019. PERINI, Mário A. Sobre Língua, Linguagem e Linguística. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/entrevistas/revel_14_entrevista_perini.pdf>. Acesso em: 05 ago. 2019. RODRIGUES, Rômulo da Silva Vargas. Saussure e a Definição da Língua como Objeto de Estudos. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_esp_2_saussure_e_a_definicao_de_lin gua.pdf>. Acesso em: 04 ago. 2019. Referências imagéticas: Figura 1 - Incrível História. Retrato da cultura da Grécia Antiga. Disponível em: https://incrivelhistoria.com.br/grecia-antiga-resumo/> Acesso em 04/08/2019. https://incrivelhistoria.com.br/grecia-antiga-resumo/ Identidade, Língua e Cultura - Unidade 1 - Conceitos e Pós Modernidade Figura 2 - Globo. O fenômeno da globalização. Disponível em: http://educacao.globo.com/provas/uerj-2-exame-de-qualificacao- 2014/questoes/53.html>. Acesso em 05/08/2019. Figura 3 - Colégio Web. Iluminismo. Disponível em: https://www.colegioweb.com.br/historia/o-que-foi-o-iluminismo.html.> Acesso em 05/08/2019. Figura 4 - Significados. "A balsa da Medusa", de Théodore Gericault, representando a ênfase que a arte romântica dava ao imaginário. Disponível em: https://www.significados.com.br/romantismo/.> Acesso em 06/08/2019. http://educacao.globo.com/provas/uerj-2-exame-de-qualificacao-2014/questoes/53.html http://educacao.globo.com/provas/uerj-2-exame-de-qualificacao-2014/questoes/53.html https://www.colegioweb.com.br/historia/o-que-foi-o-iluminismo.html https://www.significados.com.br/romantismo/
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