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Curso de Medicina Veterinária Relato de Caso INTOXICAÇÃO POR ALDICARB (CHUMBINHO) EM UM CÃO ALDICARB INTOXICATION IN A DOG Simone da Motta Calazans 1 , Mirna Ribeiro Porto 2 1 Aluna do Curso de Medicina Veterinária 2 Professora Mestre do Curso de Medicina Veterinária Resumo O aldicarb é um praguicida do grupo dos carbamatos com ação anticolinesterásica e responsável por grande número de intoxicações e óbitos tanto em seres humanos como em animais, principalmente cães e gatos. No Brasil ele é vulgarmente conhecido por “chumbinho” e tem sido usado, ilegalmente, como agente tóxico intencional. Desta forma, o presente trabalho relata o caso de intoxicação criminosa por aldicarb em uma cadela que evoluiu a óbito momentos depois da ingestão. Além de descrever com detalhes os achados necroscópicos, histopatológicos e análise toxicológica, também são abordados os aspectos ligados à toxicocinética, à toxicodinâmica e ao risco fatal do aldicarb. Palavras-Chave: aldicarb; carbamato; intoxicação; necropsia; hipoxia; cães. Abstract The pesticide aldicarb is a group of carbamates with anticholinesterase action and responsible for a large number of poisonings and deaths in both humans and animals, especially dogs and cats. In Brazil it is commonly known as "chumbinho" and has been illegally used as intentional toxic agent. Thus, the present study reports the case of criminal poisoning aldicarb in a bitch who evolved to death moments after ingestion. In addition to describing in detail the autopsy, histological and toxicological analysis findings, it is also covered aspects related to toxicokinetics, toxicodynamics and the fatal risk of aldicarb. Keywords: aldicarb; carbamates; poisoning; necropsy; hypoxia; dogs. Contato: mirna.porto@unicesp.edu.br Introdução O aldicarb é um dos praguicidas carbamatos mais tóxicos disponível comercialmente (Xavier et al., 2007). No Brasil, no ano de 2003, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (SINITOX), os praguicidas, em geral, foram responsáveis por quase 15% dos casos de intoxicação no homem, e mais de 40% em animais (Azeredo et al., 2005; Xavier et al., 2007). Um estudo realizado na região sudeste do Brasil, avaliou a casuística das intoxicações em cães e gatos, e mostrou que o aldicarb foi responsável por 89% das intoxicações em cães, e 94,4% em gatos, devido à facilidade de acesso, baixo custo e alta toxicidade (Xavier & Spinosa, 2005; Xavier et al., 2007). Seu uso é restrito como inseticida, acaricida e nematocida em algumas culturas agrícolas, porém tem sido usado ilegalmente como raticida doméstico no Brasil e no extermínio de animais de companhia. Sua comercialização mobiliza milhões de reais, podendo ser comparado ao tráfico de drogas no RJ (Xavier et al., 2007). Os carbamatos são derivados do ácido carbâmico, sendo empregados na veterinária como pulicidas, carrapaticidas (compostos a base de Carbaril), anti-helmínticos (compostos mebendazólicos), e purgativos para grandes animais. Servem ainda como domissanitários no combate às moscas, baratas e mosquitos e são empregados na medicina humana como sedativos fracos, hipnóticos e relaxante muscular (etinamato e eretana) (Xavier et al., 2004). A intoxicação pode ocorrer por via digestiva, respiratória ou cutânea. A ação do veneno se dá pela inibição da enzima acetilcolinesterase, levando a sintomas muscarínicos, nicotínicos e neurológicos. Com a inibição da enzima há acúmulo da acetilcolina nas sinapses nervosas, causando estímulo e contração muscular persistente (Bersano & Almeida, 2013). Dentre os efeitos muscarínicos encontramos anorexia, náuseas, vômitos, cólicas abdominais, hipermotilidade gástrica, diarreia, bradicardia, bradpneia, broncorreia, edema pulmonar, sibilos, cianose, incontinência urinaria e fecal, miose, ptialismo intenso, sudorese e lacrimejamento (Leite et al., 2008). Nos efeitos nicotínicos podemos notar câimbras, tremores e rigidez muscular, paralisias e paresias dos músculos esqueléticos. Os efeitos neurológicos podem ocorrer se o tóxico atingir sistema nervoso central, provocando cefaleia, tontura, inquietação, tremores generalizados, ataxia e perda de reflexos (Leite et al., 2008). A principal causa de morte é por hipóxia devido ao edema pulmonar, à parada dos músculos respiratórios e/ ou à inibição do centro respiratório. Outra causa de óbito é parada cardíaca consequente da hipercalemia. (Bersano & Almeida, 2013). Quanto à farmacocinética do aldicarb, temos absorção por todas as vias, inclusive cutânea e ocular, ampla distribuição pelo corpo, metabolização hepática e renal e excreção renal e fecal. Além de poder atravessar a barreira hematoencefálica e transplacentária (Nogueira & Andrade, 2011). Quando absorvido no estômago inicia sinais de intoxicação cinco minutos após a ingesta. É distribuído por vários tecidos, mas não há evidências de acúmulo em nenhum tecido após 5 dias da exposição. Sua meia vida é curta, sendo eliminado por via urinária após 24 horas do contato, em cerca de 90%, na forma de aldicarb sulfóxido e oxima sulfóxido seus metabólitos ativos (Xavier et al., 2007). Em relação à farmacodinâmica, age inibindo a acetilcolinesterase nas sinapses nervosas, levando ao acúmulo de acetilcolina, que se liga principalmente aos receptores muscarínicos, mas também aos nicotínicos em menor escala. Como a ligação é instável e reversível, os sintomas sofrem flutuação, ou seja, são intermitentes. Por isso, mesmo após o tratamento, esse tipo de intoxicação deve ter grande vigilância, pois num período de 2 horas ou mais, pode haver reinibição da enzima, reaparecendo os sintomas (Bersano & Almeida, 2013; Xavier, et al., 2007). O aldicarb pode, ainda, ter efeitos sub- clínicos por ação no sistema endócrino e no equilíbrio eletrolítico. Dentre esses, encontramos ação quelante sobre o cálcio provocando hipocalcemia, além de hipercalemia, pela liberação de potássio, e hipernatremia, podendo levar a parada cardíaca. Podemos ter ainda efeitos locais, como hiperemia, quando há contato direto do principio ativo com a pele e mucosas, e ainda miose e aumento da pressão intra-ocular (Bersano & Almeida, 2013). Na necropsia as alterações mais frequentes são hemorragia, edema e congestão nos pulmões, congestão em fígado, rins e cérebro. Além grânulos de coloração enegrecida no conteúdo estomacal (Xavier et al., 2007). Nos exames laboratoriais observam-se aumento do teor de alfa-naftil na urina. A dosagem de acetilcolinesterase sérica poderá ser normal, devido à ligação entre o aldicarb e a enzima ser instável (Nogueira & Andrade, 2011). A análise do conteúdo estomacal é o melhor método diagnóstico, identificando a presença do tóxico. Existem várias provas laboratoriais para identificar o aldicarb em amostra de alimentos ou conteúdo gástrico, tais como, cromatografia em camada delgada, cromatografia líquida de alta eficiência e quantificação do aldicarb em amostras biológicas (Xavier et al., 2004; Xavier et al., 2007). O tratamento é de suporte, pois não existe antídoto para o carbamato, utilizando-se atropina em doses suficientes para controle dos efeitos muscarínicos. A atropina é um parassimpatolítico que inibe a produção excessiva de secreções e bloqueia, por competição pelo receptor, os efeitos muscarínicos da droga (Xavier et al., 2007; Bersano & Almeida, 2013). Também é indicado o esvaziamento gástrico até 4 horas após a ingesta através de lavagem ou provocando vômito, e administração oral de carvão ativado por pelo menos dois dias para neutralizar a ação do tóxico e acelerar sua excreção fecal. Fluidoterapia venosa e furosemida para estimular a diurese e excreção renal e reduzir o edema de pulmão. O gluconato de cálcio é utilizado para estabilizar membrana, evitando a hiperpolarização, visto que pode ocorrer hipercalemia e hipocalcemia (Nogueira& Andrade, 2011; Bersano & Almeida, 2013). Recomenda-se ainda uso de hepatoprotetor para minimizar agressão hepática, de benzodiazepínicos em caso de convulsão, de oxigenioterapia e de suporte ventilatório de acordo com a evolução do edema pulmonar (Bersano & Almeida, 2013). Descrição Foi realizada necropsia de uma cadela de 2 anos e 8 meses de idade, raça West Highland Terrier de cor branca (Figura 1) com suspeita de intoxicação criminosa. Segundo informações prestadas o animal foi encontrado morto às 17:30h do dia 16/04/15. Havia vômito e fragmentos de presunto com grânulos pequenos enegrecidos próximo ao animal. Ele foi levado ao veterinário, mas já estava em parada cardiorrespiratória e veio óbito. Figura 1. Animal necropsiado. A carcaça apresentava bom estado nutricional. As mucosas ocular e oral estavam discretamente hiperêmicas com halo cianótico na mucosa gengival ao redor dos dentes (halo endotoxêmico). Ao abrir a cavidade abdominal observou-se hepatomegalia e vesícula biliar distendida. Na traqueia havia quantidade acentuada de conteúdo espumoso avermelhado (congestão pulmonar) (Figura 2A). Os pulmões estavam congestos com áreas multifocais de hemorragia. No pulmão direito, acometendo principalmente os lobos médio e ventral, havia área extensa de necrose (Figura 2B). No estômago foi encontrado grande quantidade de grânulos enegrecidos (Figura 3), semelhantes aos do vômito. O cérebro estava extremamente congesto. Demais órgão sem alteração digna de nota. Figura 2. Congestão (A) e necrose (B) pulmonar. As principais lesões microscópicas foram observadas nos pulmões, fígado e cérebro. No pulmão os vasos estavam repletos de sangue (congestão), os alvéolos com conteúdo protéico (edema) e, por vezes, com o epitélio rompido e grande quantidade de sangue (hemorragia e enfisema). O fígado apresentava os vasos do interstício repletos de hemácias, chegando a comprimir os hepatócitos (congestão); no citoplasma hepatocelular havia presença variada de vacuolização, sem deslocamento nuclear (degeneração hidrópica). Os vasos meningoencefálicos e cerebrais estavam com grande quantidade de hemácias (congestão) e havia áreas extensas de hemorragias nas leptomeninges. Com os achados macro e microscópicos pode-se sugerir intoxicação por Aldicarb como causa mortis do animal em questão, devido à presença de grânulos enegrecidos no conteúdo estomacal. O Aldicarb, vulgarmente conhecido por “chumbinho” exerce sua toxicidade por meio da inibição da atividade da acetilcolinesterase (carbamilação) e, consequentemente, da estimulação excessiva dos receptores nicotínicos e muscarínicos, causando edema, congestão e degeneração hidrópica, principalmente, em pulmões e fígado. Na intoxicação por aldicarb, a inibição da acetilcolinesterase é dose-dependente, podendo haver sintomatologia severa e morte rápida. É necessário exame toxicológico qualitativo para fechar o diagnóstico etiológico. Discussão O caso descrito relata uma provável intoxicação criminosa por aldicarb em uma cadela de 2 anos e 8 meses encontrada morta em casa após ingestão de um pedaço de presunto recheado com grânulos enegrecidos. O fato de o animal acometido ter sido um cão e da isca ter sido um pedaço de presunto corroboram com os relatos do uso de alimentos palatáveis, principalmente carne e derivados (Xavier, 2004). Extrapolando a importância de crime letal contra animais, outra preocupação com a comercialização e o uso ilegal de aldicarb é com a saúde humana. Em hospitais há casuística de ingesta intencional ou acidental de chumbinho por adultos e crianças respectivamente (Vieira et al., 2004) . A necropsia realizada revelou achados macroscópicos compatíveis e muito indicativos da suspeita. Os achados necroscópicos frequentes são congestão, edema e hemorragia em pulmões, fígado e cérebro e, o mais importante, a presença de grânulos enegrecidos em conteúdo estomacal. (Xavier, 2004, Xavier et al., 2007). No presente relato foi observada necrose pulmonar que possivelmente está relacionada à hipoxia pela congestão. A confirmação da suspeita é através do exame toxicológico qualitativo do conteúdo estomacal, não realizado nesse trabalho, e de suma importância para fins jurídicos (Xavier, 2004; Bulcão et al., 2010). Concluimos que pelo histórico e pelos achados de necropsia, temos um caso de intoxicação criminosa por aldicarb, necessitando do exame toxicológico qualitativo para afirmação diagnóstica. Figura 3: Grânulos enegrecidos no conteúdo estomacal. Agradecimentos: Agradeço ao M.V. Dr. Emanuel Rocha pela disponibilidade e co-orientação. A B Referências: 1 - AZEREDO, Flaubertt Santana de; CUNHA, Luis Carlos; BARROSO, Ana Valéria Santos; MORATO, Adelvanio Francisco; COSTA, G.N.F.; NICOLUCCI, A.C.; OLIVEIRA, José Lino; ARRUDA, João Sanderson. Intoxicação por “Chumbinho” (aldicarb) Provocada por Detentos em Agência Prisional (GO) para Tentativa de Fuga. 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