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CURSO DE PEDAGOGIA A DISTÂNCIA D ire ito s H um an os e Po lít ic as P úb lic as CEAD/UDESC/UAB CE A D /U D ES C/ U A B IG U A LD A D E igualdade direitos civis e políticos direitos civis e políticos direitos civis e políticos direitos civis e políticos direitos humanos universais direitos individuais e coletivos direitos individuais e coletivos direitos individuais e coletivos identidades culturais identidades culturais defesa do consumidor defesa do consumidor movimentos sociais movimentos sociais movimentos sociais sustentabilidade sustentabilidade sustentabilidade constituição constituição constituição igualdade igualdade igualdade direitos sexuais direitos sexuais CRIANÇA CRIANÇA adolescente ADOLESCENTE IDOSO ID O SO MULHER M U LH ER HOMEMHOMEM O novo sujeito é social O novo sujeito é social O n ov o su jei to é so cia l Cidadania CIDADANIA CIDADANIA FRATERNIDADE liberdade LIBERDADE EDUCAÇÃO educaçãorac ia l ra cia l ra cia l sociais direitos individuais e coletivos identidades culturais Direitos POLÍTICAS eHumanos PÚBLICAS Centro de Educação a Distância Universidade do Estado de Santa Catarina Universidade Aberta do Brasil FLORIANÓPOLIS CEAD/UDESC/UAB Direitos_Humanos.indb 1 14/12/2018 15:22:11 Governo Federal Governo do Estado de Santa Catarina UDESC Centro de Educação a Distância (CEAD/UAB) Presidente da República | Dilma Rousseff Ministro de Educação | Aloizio Mercadante Oliva Secretário de Regulação e Supervisão da Educação Superior | Jorge Rodrigo Araújo Messias Diretor de Regulação e Supervisão em Educação a Distância | Hélio Chaves Filho Presidente da CAPES | Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES/MEC | João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador | João Raimundo Colombo Secretário da Educação | Eduardo Deschamps Reitor | Antonio Heronaldo de Sousa Vice-Reitor | Marcus Tomasi Pró-Reitor de Ensino de Graduação | Luciano Hack Pró-Reitor de Extensão, Cultura e Comunidade | Mayco Morais Nunes Pró-Reitor de Administração | Vinícius A. Perucci Pró-Reitor de Planejamento | Gerson Volney Lagemann Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação | Leo Rufato Diretor Geral | Marcus Tomasi Diretora de Ensino de Graduação | Fabíola Sucupira Ferreira Sell Diretora de Pesquisa e Pós-Graduação | Lucilene Lisboa de Liz Diretora de Extensão | Vera Márcia Marques Santos Diretor de Administração | Ivair de Lucca Chefe de Departamento de Pedagogia a Distância CEAD/UDESC | Isabel Cristina da Cunha Subchefe de Departamento de Pedagogia a Distância CEAD/UDESC | Vera Márcia Marques Santos Secretária de Ensino de Graduação | Rosane Maria Mota Coordenadora de Estágio | Vera Márcia Marques Santos Coordenador UDESC Virtual | Luiz Fabiano da Silva Coordenador Geral UAB | Estevão Roberto Ribeiro Coordenadora Adjunta UAB | Gabriela Maria Dutra de Carvalho Coordenadora de Curso UAB | Carmen Maria Cipriani Pandini Coordenadora de Tutoria UAB | Ana Paula Carneiro Secretaria de Curso UAB | Elizabeth Maes Savas Jacques 1ª edição - Caderno Pedagógico Direitos Humanos e Políticas Públicas Copyright © UDESC/CEAD/UAB <2012> Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição. Direitos_Humanos.indb 2 14/12/2018 15:22:12 Inês Soares Nunes Poggio Lidnei Ventura Valdenésio Aduci Mendes Vera Márcia Marques Santos Caderno Pedagógico 1ª edição Florianópolis Diretoria da Imprensa Oficial e Editora de Santa Catarina 2012 Direitos_Humanos.indb 3 14/12/2018 15:22:12 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da UDESC D598 Direitos humanos e políticas públicas : caderno pedagógico / Inês Soares Nunes Poggio, Lidnei Ventura, Valdenésio Aduci Mendes, Vera Márcia Marques Santos ; [designer instrucional Daniela Viviani] – 1. ed. – Florianópolis : DIOESC : UDESC/CEAD/ UAB, 2012. 94 p. : il. ; 28 cm Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-64210-59-2 1.Direitos humanos – 2. Políticas Públicas – I. Poggio, Inês Soares Nunes. CDD:341.2 Professores autores Inês Soares Nunes Poggio Lidnei Ventura Valdenésio Aduci Mendes Vera Márcia Marques Santos Design instrucional Daniela Viviani Professora parecerista Marilise Luiza Martins dos Reis Projeto instrucional Ana Cláudia Taú Carla Peres Souza Carmen Maria Pandini Cipriani Daniela Viviani Melina de la Barrera Ayres Roberta de Fátima Martins Projeto gráfico e capa Elisa Conceição da Silva Rosa Sabrina Bleicher Diagramação Albert F. Gunther Elisa Conceição da Silva Rosa Revisão de texto Roberta de Fátima Martins Direitos_Humanos.indb 4 14/12/2018 15:22:12 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Programando os estudos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 CAPÍTULO 1 Direitos Humanos e Cidadania: Entre o Moderno e o Pós-Moderno . 15 Seção 1 - Direitos humanos, Estado, cidadania e sociedade . . . . . . . . . . . . . 16 Seção 2 - As novas identidades culturais e suas implicações para a educação e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 CAPÍTULO 2 Movimentos Sociais na Gestão de Políticas Públicas . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Seção 1 - A participação dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Seção 2 - As políticas afirmativas: direitos humanos e cidadania . . . . . . . . 49 CAPÍTULO 3 Políticas Públicas para a Educação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Seção 1 - Plano Nacional de Educação e políticas públicas . . . . . . . . . . . . . 62 Seção 2 - A produção de políticas públicas educacionais contemporâneas: em foco o Projeto de Lei do novo Plano Nacional de Educação 69 Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Conhecendo os professores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 Comentários das atividades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 Referências das figuras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93 Sumário Direitos_Humanos.indb 5 14/12/2018 15:22:12 Direitos_Humanos.indb 6 14/12/2018 15:22:12 Apresentação Prezado(a) estudante, Você está recebendo o Caderno Pedagógico da disciplina de Direitos Humanos e Políticas Públicas . Ele foi organizado, didaticamente, a partir da ementa e objetivos que constam no Projeto Pedagógico do seu Curso de Pedagogia a Distância da UDESC . Esse material foi elaborado com base na característica da modalidade de ensino que você optou para realizar o seu percurso formativo – o ensino a distância . É um recurso didático fundamental na realização de seus estudos; organiza os saberes e conteúdosde modo que você possa estabelecer relações e construir conceitos e competências necessárias e fundamentais a sua formação . Esse Caderno, ao primar por uma linguagem dialogada, busca problematizar a realidade aproximando a teoria e prática, a ciência e os conteúdos escolares, por meio do que se chama de transposição didática - que é o mecanismo de transformar o conhecimento científico em saber escolar a ser ensinado e aprendido . Receba-o como mais um recurso para a sua aprendizagem, realize seus estudos de modo orientado e sistemático, dedicando um tempo diário à leitura . Anote e problematize o conteúdo com sua prática e com as demais disciplinas que irá cursar . Faça leituras complementares, conforme sugestões e realize as atividades propostas . Lembre-se que na educação a distância muitos são os recursos e estratégias de ensino e aprendizagem, use sua autonomia para avançar na construção de conhecimento, dedicando-se a cada disciplina com todo o esforço necessário . Bons estudos! Equipe CEAD\UDESC\UAB Direitos_Humanos.indb 7 14/12/2018 15:22:12 Direitos_Humanos.indb 8 14/12/2018 15:22:12 Introdução O Caderno Pedagógico de Direitos Humanos e Políticas Públicas, do Curso de Pedagogia a Distância do CEAD, traz para discussão a emergência de novas identidades, atores, organizações e instituições na constituição de políticas públicas ligadas ao exercício da cidadania e respeito aos direitos humanos na contemporaneidade . Este estudo parte do princípio de que o direito à educação é também direito humano fundamental, tendo em vista a importância da universalização dos processos educativos, em instituições formais e não formais, para a formação humana crítica e comprometida com as transformações sociais . Portanto, ao longo da Disciplina, você terá oportunidade de estudar assuntos como: a origem do Estado de Direito e do cidadão, na Modernidade; a noção dos direitos humanos universais e suas gerações; a participação dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos; as políticas públicas voltadas à educação, entre outros . Neste contexto, cada capítulo do Caderno aborda um aspecto central da temática e aponta uma direção de compreensão dos impactos dos direitos humanos e políticas públicas para a educação e suas implicações mútuas . A intenção é que o texto provoque reflexões e instigue o aprofundamento de temática tão ampla e cara aos educadores, da qual foram apresentados apenas alguns aspectos centrais . Além disso, nosso desejo é que os assuntos abordados nesta disciplina contribuam com a formação inicial e continuada de educadores comprometidos com a implementação de políticas públicas que projetam os direitos humanos de todos os cidadãos, sobretudo aqueles em situações sociais mais vulneráveis . Bons estudos! Os autores Direitos_Humanos.indb 9 14/12/2018 15:22:12 Direitos_Humanos.indb 10 14/12/2018 15:22:12 Programando os estudos Estudar a distância requer organização e disciplina; assim como estudos diários e programados para que você possa obter sucesso na sua caminhada acadêmica . Portanto, procure estar atento aos cronogramas do seu curso e disciplina para não perder nenhum prazo ou atividade, dos quais depende seu desempenho . As características mais evidenciadas na EaD são o estudo autônomo, a flexibilidade de horário e a organização pessoal . Faça sua própria organização e agende as atividades de estudo semanais . Para o desenvolvimento desta Disciplina você possui a sua disposição um conjunto de elementos metodológicos que constituem o sistema de ensino, que são: » Recursos didáticos, entre eles o Caderno Pedagógico . » O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) . » O Sistema de Avaliação: avaliações a distância, presenciais e de autoavaliação . » O Sistema Tutorial: coordenadores, professores e tutores . Ementa Noções de direito, democracia, ética, cidadania e direitos humanos . Fundamentação e gerações dos direitos humanos . Declaração Universal dos Direitos Humanos . Direitos da criança e do adolescente . Programa nacional de Direitos Humanos . Estado, Sociedade e Políticas Públicas . Movimentos sociais: atores sociais, participação e governabilidade . Elementos éticos e políticos para análise e intervenção nas práticas educativas . Direitos_Humanos.indb 11 14/12/2018 15:22:12 12 Objetivos de aprendizagem Geral Analisar e compreender o movimento histórico-social que deu origem à modernidade e a emergência dos direitos universais do ser humano e do cidadão e implicações para a constituição da sociedade atual, sobretudo em processos e sistemas educativos . Específicos » Identificar o contexto histórico-social que deu origem à Modernidade, ao cidadão e os direitos humanos, diferenciando as demandas por cidadania da Modernidade e da Pós-Modernidade . » Conhecer as diferentes formas de organização social no mundo contemporâneo e a importância dos movimentos sociais para gestão de políticas públicas . » Conhecer as políticas públicas voltadas para a educação brasileira . » Identificar os condicionantes histórico-sociais na produção de políticas públicas educacionais contemporâneas . Carga horária 36 horas/aula Direitos_Humanos.indb 12 14/12/2018 15:22:12 13 Anote as datas importantes das atividades na disciplina, conforme sua agenda de estudos: DATA ATIVIDADE Conteúdo da disciplina Veja, a seguir, a organização didática da disciplina, distribuída em capítulos os quais são subdivididos em seções, com seus respectivos objetivos de aprendizagem . Leia-os com atenção, pois correspondem ao conteúdo que deve ser apropriado por você e faz parte do seu processo formativo . Capítulo 1 – Nesse capítulo, será discutida a origem do Estado de Direito e do cidadão, na Modernidade, e a noção de direitos humanos universais e suas gerações . Posteriormente, aprofundar-se-á a discussão acerca da emergência de novas identidades culturais, em uma perspectiva de direitos humanos que parte das diferenças dos sujeitos e grupos sociais que se apresentam à multiplicidade sócio- histórica Pós-Moderna, além de apresentar as principais diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos . Direitos_Humanos.indb 13 14/12/2018 15:22:12 14 Capítulo 2 – No capítulo 2, se discutirá a participação dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos, compreendendo que no âmbito da luta social, travada por seus diversos segmentos, classes e grupos, é que são produzidas as políticas ligadas à cidadania . Ainda, serão apresentadas políticas afirmativas e sua importância na proteção dos direitos humanos de segmentos sociais minoritários e socialmente desprotegidos . Capítulo 3 – Este capítulo focará nas políticas públicas voltadas à educação, destacando do Plano Nacional de Educação e os dispositivos ligados aos direitos humanos, sobretudo o direito à educação . O texto avança, na tensa relação entre os compromissos assumidos no “documento base” da Conferência Nacional de Educação – CONAE/ 2010, produzido pela sociedade, e o novo projeto de lei do Plano Nacional de Educação 2010-2021 (PL nº 8035/2010) elaborado pelo Governo Federal e que está em vias de aprovação no Congresso Nacional . Passemos, agora, ao estudo dos capítulos! Direitos_Humanos.indb 14 14/12/2018 15:22:12 Direitos Humanos e Cidadania: Entre o Moderno e o Pós-Moderno Objetivo geral de aprendizagem » Conhecer e identificar as transformações histórico- sociais que deram origem ao Estado Moderno e suas implicações para emergência da cidadania e dos direitos humanos, percebendo seus reflexos no campo educacional contemporâneo. Seções de estudo Seção 1 – Direitos humanos, Estado, cidadania e sociedade Seção 2 – As novas identidades culturais e suas implicações para a educação e direitos humanos Neste capítulo, a questão dos direitos humanos será contextualizadaa partir do surgimento da Modernidade, sua cultura e instituições. Será contextualizada também no contexto da vida contemporânea, chamada de Pós-Moderna, quando emergem novas identidades culturais e suas demandas por políticas públicas em direitos humanos. 1 Direitos_Humanos.indb 15 14/12/2018 15:22:12 16 CA PÍ TU LO 1 A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada pela Assembleia Nacional Constituinte da França, em 1789, a qual foi inspirada nas ideias dos iluministas, bem como nos princípios da revolução americana (1776) . Apoiada nas teses dos direitos naturais, a Declaração dos Direitos Humanos é um documento que define os direitos individuais e coletivos como universais, pois seriam válidos para qualquer tempo e lugar . Estes mesmos direitos inspiraram a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, pela Organização das nações Unidas (ONU) . O Brasil, assim como a maioria dos países democráticos surgidos a partir da década de 1950, adotou na constituição de 1988 as linhas mestras de tais declarações . A questão das novas identidades parece estar desvinculada da questão dos Direitos Humanos, mas você perceberá que não é bem assim, visto que o reconhecimento às diferenças depende dos novos movimentos sociais, como, por exemplo, atores que lutam pela efetivação de direitos trabalhistas; estes que foram conquistados no século XX, por trabalhadores de todo o mundo, e que hoje estão reduzidos em função das políticas neoliberais e globalizantes . Você perceberá também, que as escolas no Brasil estão inseridas no contexto sociopolítico de globalização e de pós-modernidade, e que o grande desafio das mesmas é o exercício da cidadania na perspectiva do reconhecimento das diferenças e da diversidade, tendo em vista a efetivação de direitos já conquistados e a ampliação de tais direitos para parcelas da população até então excluídas no nosso país . Seção 1 Direitos humanos, Estado, cidadania e sociedade Objetivos de aprendizagem » Conhecer o contexto histórico-social que deu origem à Modernidade, ao cidadão e aos direitos humanos . » Identificar aspectos democráticos do programa nacional de direitos humanos . Para que se possa discutir a emergência dos direitos humanos na Modernidade, também chamada pelo filósofo e jurista italiano Norberto Bobbio de “Era dos Direitos”, é preciso compreender o fenômeno sócio- histórico da emergência da Modernidade não como um fato, mas como um Direitos_Humanos.indb 16 14/12/2018 15:22:12 17 CA PÍTU LO 1processo, um amplo movimento de transformações no modo de produção e circulação de mercadorias, na cultura, no conhecimento, enfim, na organização social como um todo, ocorridas a partir do século XVII até os nossos dias . Apesar da discussão sobre estarmos vivendo atualmente na Modernidade ou Pós-Modernidade, a verdade é que alguns fundamentos gerais da Era Moderna, tais como: a emergência do Estado de Direito (Estado Nação), do cidadão e do capitalismo, são realidades bem contemporâneas . Por outro lado, se admitirmos, como Norberto Bobbio (1992), que a Modernidade é uma era de conquista de direitos, ainda há um longo e árduo caminho a ser percorrido para se garantir de fato direitos humanos universais e básicos para toda humanidade, principalmente, nesses tempos de globalização e exclusão social . Neste sentido, a Modernidade é bastante atual e suas preocupações são legítimas e urgentes . Mas, a propósito, o que é a Modernidade? E como surgiu esse estilo de vida a que chamamos de moderno? Você já deve ter percebido que modernidade é uma palavra valorizada socialmente . Sim, porque as pessoas e as instituições se dizem modernas . Na verdade, ninguém quer ser não moderno, justamente pelo fato da Modernidade ter cristalizado alguns mitos como “progresso”, “evolução”, “tecnologia” etc . e não ser moderno significa ser démodé ou atrasado . Isso se torna cristalino quando, por exemplo, algum estilista se vangloria em dizer que o estilo de tal modelo por ele criado é moderno; assim também ocorre com o vendedor que, no afã de valorizar um produto, diz que ele é a “última palavra em modernidade” . Neste sentido, ser moderno é um estilo de vida . Portanto, o moderno está ligado à novidade, termo que parece ser outra palavra típica desses novos tempos . Veja alguns exemplos: Alguns historiadores preferem não demarcar data e atribuir ao Renascimento a origem da Modernidade. O termo criado pelo filósofo e político inglês Francis Bacon para denominar o método científico empirista criado por ele foi “Novo Órganum” . Galileu Galilei, um dos principais representantes da ciência moderna, em 1638, publicou sua obra principal com o título de “Diálogo sobre as duas novas ciências” . No final do verso 3, do Canto I, de Os Lusíadas (1572), ainda no século XVI, Camões anuncia o novo, a modernidade, rompendo com os antigos dizendo: “Cesse tudo o que a Musa antígua canta,/Que outro valor mais alto se alevanta .” Direitos_Humanos.indb 17 14/12/2018 15:22:12 18 CA PÍ TU LO 1 Dessa perspectiva, o moderno de contrapõe ao antigo e a Era Moderna inaugura um novo modo de vida e uma nova visão de mundo, que em diversas áreas da atividade humana se opõe aos fundamentos da vida medieval . Na questão dos direitos humanos, esse pressuposto também fica claro, pois a emergência de direitos para o cidadão comum implica em confrontar essa situação de ausência de direitos, tanto de cidadania quanto humanos, no chamado Ancien Régime (Antigo Regime), derrubado politicamente com revoluções liberais, principalmente pela Revolução Inglesa (Revolução Puritana – 1640 e Revolução Gloriosa - 1688), Revolução Francesa (1789) e Revolução Americana (1776) . No Antigo Regime, o direito estava ligado à condição de nascimento, sendo, portanto, um direito natural, fundamentado sobretudo pela Teologia Medieval . Então, no Período Medieval, o nascimento condicionava o direito do sujeito . O fato de ser plebeu ou nobre, sua condição natural, determinava seu lugar na estática estrutura de classe feudal . Entretanto, as revoluções liberais e demais lutas contra o Absolutismo, espalharam por diversas partes do mundo uma nova ordem política social e cultural, calcada em um modelo de Estado Republicano de diversos tipos, mas com a característica central de divisão de poderes e consequente limitação da autoridade monárquica . É dessa descentralização do poder político que emerge a principal condição dos direitos humanos, em geral, e da pessoa, em particular . Somente para lembrar, no Antigo Regime o poder estava centralizado no monarca que ia se espalhando pelo tecido social até chegar ao servo, que não tinha quaisquer status de cidadania, como ironiza Bertold Brecht (1982, p . 28) em um trecho do poema “Galileu”: Em torno do Papa giravam os cardeais. Em torno dos cardeais giravam os bispos. Em torno dos bispos giravam os vigários. Em torno dos vigários giravam os sacristãos. Em torno dos sacristãos giravam os artífices. Em torno dos artífices giravam os criados. Em torno dos criados giravam os cachorros, as galinhas e os mendigos. Eis, boa gente, a Grande Ordem, ordo ordinum, como dizem os teólogos, a regra das regras, regula aeternis. Direitos_Humanos.indb 18 14/12/2018 15:22:12 19 CA PÍTU LO 1Os súditos, que Brecht representa como criados, não têm quaisquer direitos políticos ou sociais, são também propriedade do monarca e, seja na gleba ou no palácio, vivem sob os caprichos da realeza feudal . Foi somente com as revoluções burguesas, que traziam no seu bojo teorias de limitação dos poderes dos soberanos, principalmente a teoria da tripartição dos poderes, que o antigo súdito se transformou em cidadão, tendo seus direitos ordenados por uma constituição ou, como foi chamada na Revolução Francesa, uma Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) . A “Teoria da Tripartição dos Poderes”, elaborada pelosIluministas, principalmente por Montesquieu, e que representava a síntese de uma conturbada época de transformações e lutas político-sociais, assinalou o fim do poder absoluto da monarquia decadente . O antigo adágio do rei Luis XIV, “L’Étá c’est moi” (“O Estado sou eu”), já não valeria mais; o poder do Estado, agora, deveria ser separado, conforme o modelo proposto por Montesquieu no livro “O espírito das leis”, publicado originalmente em 1748 . Sua teoria foi resumida assim por esse pensador e jurista: Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo . Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador . Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor . Tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes: o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as querelas entre os particulares . (2001, p .75) Decorre desses princípios a emergência dos direitos humanos, afirmado pelas principais Declarações e Constituições da Era Moderna . Note que a Constituição ou Declaração de Direitos está para o Estado Republicano assim como o direito divino está para a Monarquia . Na primeira forma, o Figura 1.1 – Frontispício da declaração de direitos do homem e do cidadão, França, 1789 Direitos_Humanos.indb 19 14/12/2018 15:22:12 20 CA PÍ TU LO 1 direito inalienável é dado pelas leis e suas circunstâncias contraditórias de produção, em meio às lutas e reclames sociais; na outra, o direito é condição natural, como se fosse uma concessão divina, vem daí a teoria do “direito divino dos reis”, elaborada a mando do Rei Jaime I, da Inglaterra . Mesmo passados tantos anos de superação histórica da ideia de que os direitos não são concessões divinas ou dos governos, mas sim conquistas da sociedade civil, na sociedade brasileira esse mito ainda persiste, sobretudo, como ferramenta de ilusão nas mãos de políticos e governantes inescrupulosos que compram votos ou manipulam a população com subornos e benefícios pessoais . É imperioso compreender que o exercício de mandatos republicanos implica na melhor realização dos interesses públicos, logo, os serviços prestados à população se constituem como obrigação e não benesses dos agentes públicos, quer sejam da esfera pública federal, estadual ou municipal . Nas constituições modernas, os princípios da teoria de Montesquieu estão presentes, assim como os princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, que inspiraram as revoluções liberais contra o Antigo Regime . Neste contexto, observe na constituição americana e na brasileira quais concepções de direitos humanos estão presentes, começando pela ideia de limitação do poder . Para Norberto Bobbio, o estado de direito só pode afirmar-se pelo controle mútuo dos poderes do Estado, o que estabelece um limite constitucional das ações governamentais, de modo que nenhum poder sobressaia aos outros . E para que isso ocorra, segundo esse autor, é preciso haver quatro condições: 1) o controle do Poder Executivo pelo Legislativo; 2) o eventual controle do parlamento no exercício do Poder Legislativo ordinário por parte de uma corte jurisdicional, a quem se pede a averiguação da constitucionalidade das leis; 3) uma relativa autonomia do governo local em todas as suas formas e graus, com respeito ao governo central; 4, uma magistratura independente do poder político . (BOBBIO, 1994, p . 19 apud OLIVEIRA, 2007, p . 363) . E essa condição de liberdade dos poderes constitucionais aparece pela primeira vez na constituição americana, cujos três primeiros artigos estabelecem justamente as funções e prerrogativas dos três poderes republicanos: legislativo, executivo e judiciário . Esse também é um Direitos_Humanos.indb 20 14/12/2018 15:22:12 21 CA PÍTU LO 1pressuposto da República Francesa de 1789, que estabelece no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que “Toda a sociedade na qual a garantia dos direitos não é assegurada e nem a separação dos poderes determinada não tem Constituição .” [grifo nosso] . Também na Constituição da República Brasileira o modelo de repartição dos poderes montesquiano é seguido à risca e o Título IV Da organização dos poderes delimita o raio de ação e a função de cada poder republicano . Note que o estabelecimento da divisão dos poderes já é por si um direito humano, pois todos os homens, mulheres e crianças de um país têm o direito de viver em uma república, podem e devem recorrer aos poderes constitucionais sempre que seus direitos forem usurpados . Desse modo, a organização do Estado passa de um modelo autoritário para outro, democrático, cuja razão de ser é a vontade popular . Vem daí a ênfase que Bobbio dá à democracia, compreendendo-a não como um estado, mas como um amplo movimento de interação e interdependência mútua entre direitos individuais e paz social . Diz ele: Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos . Em outras palavras, a democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhe são reconhecidos alguns direitos fundamentais [ . . .] . (BOBBIO, 1992, p . 02) . Como você pode perceber, somente em um sistema democrático é que pode emergir a ideia de direitos humanos, justamente porque a questão principal é a garantia de direitos da sociedade civil . Por outro lado, o Estado moderno emerge como instituição responsável pela implementação das condições humanas essenciais para a uma vida digna . Desde a Declaração dos Direitos da Virgínia (1776), carta que inspirou a constituição americana, a preocupação consiste em estabelecer os direitos humanos fundamentais . Segundo seu primeiro artigo, Todos os homens nascem igualmente livres e independentes, têm direitos certos, essenciais e naturais dos quais não podem, por nenhum contrato, privar nem despojar sua posteridade: tais são o direito de gozar a vida e a liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, de procurar obter a felicidade e a segurança . Direitos_Humanos.indb 21 14/12/2018 15:22:12 22 CA PÍ TU LO 1 Nessa mesma linha, segue a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 . O primeiro artigo diz: “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos . As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum” . Embora temporalmente bem posterior e em um contexto histórico bem diferenciado, na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pelas Nações Unidas, a preocupação é de reafirmar os princípios de liberdade e dignidades humanas como condição essencial para a vida social . Por outro lado, a Declaração Universal, sobretudo em função das atrocidades cometidas na Primeira e Segunda Guerra Mundial, marcadas pelo genocídio em massa e pelo holocausto, avança em diversos aspectos . Perceba os dispositivos dos cinco primeiros artigos: A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição . Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos . Dotados de razão e de consciência,devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade . Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação . Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania . Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal . Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos . Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes . Fonte: ONU, 1948 . ARTIGO 1º ARTIGO 2º ARTIGO 3º ARTIGO 4º ARTIGO 5º Direitos_Humanos.indb 22 14/12/2018 15:22:12 23 CA PÍTU LO 1 A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efetivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição . Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos . Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade . Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação . Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania . Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal . Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos . Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes . Fonte: ONU, 1948 . Observe que a intenção inicial da Carta das Nações Unidas é reafirmar a inalienável condição de liberdade e dignidade dos indivíduos para todos os países signatários da declaração, inclusive o Brasil . Esse documento, que suplanta as fronteiras nacionais e se tornou internacional, inclusive inspirando diversas cartas constitucionais nacionais, incorpora os chamados direitos humanos de primeira geração, ou seja, aqueles ligados aos direitos civis e políticos, cuja ênfase é a liberdade . Mas, avança e prescreve os chamados direitos humanos de segunda geração, que estão ligados mais às garantias coletivas, tais como os direitos econômicos, sociais e culturais, estando sua ênfase no princípio de igualdade . Enquanto a primeira geração parte do direito como inerente à condição humana, a segunda geração parte da necessidade de políticas públicas para que sejam implementados, ou seja, são direitos de proteção social, tais como os direitos previdenciários e trabalhistas . E, ainda, se analisarmos bem, a Declaração da ONU também prevê direitos de terceira geração, aqueles ligados não aos indivíduos isoladamente, mas direitos que afetam a todos indistintamente e, por isso, difusos por todo conjunto social, tal como o direito de se viver em um meio ambiente saudável . Essa geração de direitos enfatiza a dimensão da fraternidade e, para Norberto Bobbio, diante dos difusos direitos de terceira geração “o mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos, o direito a viver em meio ambiente não poluído” . (1992, p . 06) . Todavia, é preciso ter cuidado para não se pensar que todos os direitos de primeira e segunda geração já foram superados, pois dependendo da situação, os direitos humanos mais elementares ainda não foram conquistados, principalmente no Brasil . Mesmo porque o anúncio de um direito humano na lei não significa sua realização, justamente porque essa não é apenas uma questão teórica ou legal e, sim uma questão prática, que se realiza no âmbito das lutas sociais entre os grupos, as classes, as organizações e instituições que disputam a hegemonia social . Para que um direito se afirme, é preciso infraestrutura de combate às condições de discriminação, humilhação e pobreza reinantes na sociedade brasileira e mundial . Sobre essa questão, a introdução da primeira versão (1996) do Programa Nacional de Direitos Humanos (BRASIL, 1998, p . 66) diz que: Numa sociedade injusta como é a do Brasil, com graves desigualdades de renda, promover os direitos humanos tornar-se-á mais factível se o equacionamento dos problemas estruturais – como aqueles . . . os chamados direitos humanos de primeira geração, ou seja, aqueles ligados aos direitos civis e políticos, cuja ênfase é a LIBERDADE . . . . os chamados direitos humanos de segunda geração, que estão ligados mais às garantias coletivas . . . , estando sua ênfase no princípio de IGUALDADE . . . . direitos de terceira geração, aqueles ligados não aos indivíduos isoladamente . . . enfatiza a dimensão da FRATERNIDADE. Direitos_Humanos.indb 23 14/12/2018 15:22:12 24 CA PÍ TU LO 1 provocados pelo desemprego, fome, dificuldades do acesso à terra, à saúde, à educação, concentração de renda – for objeto de políticas governamentais . Daí a intenção do Programa em reafirmar as três gerações de direitos humanos, já que no caso do Brasil, há ainda um longo caminho a ser percorrido para a criação de uma “cultura de direitos humanos”, corroborando com pactos internacionais e a Carta das Nações Unidas . Partindo das três gerações dos direitos humanos no mundo, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) foi revisado e aprimorado nas versões de 2002 e 2009 . A versão do PNDH de 2009 virou texto legal pela publicação do Decreto Nº 7 .037, de 21 de dezembro de 2009 e, está estruturado em seis eixos fundamentais: É importante destacar que, na compreensão do PNDH, a educação se constitui como direito humano fundamental e que é por meio do acesso qualificado a ela que as desigualdades sociais podem ser combatidas . E essa previsão é estrategicamente importante, pois coloca em pauta a questão de políticas públicas governamentais que enfatizem a construção de uma educação nacional voltada para os direitos humanos e ações afirmativas de grupos sociais historicamente desprotegidos, discriminados e marginalizados . A importância social da educação é tamanha que foi criado, em 2003, pelo Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, que apresenta assim suas finalidades: O PNEDH, na condição de política pública, apresenta-se como um instrumento orientador e fomentador de ações educativas, no campo da educação formal e não-formal, nas esferas pública e Eixo Orientador I: Interação democrática entre Estado e sociedade civil Eixo Orientador II: Desenvolvimento e Direitos Humanos Eixo Orientador III: Universalizar Direitos em um Contexto de Desigualdades Eixo Orientador IV: Segurança Pública, Acesso à Justiça e Combate à Violência Eixo Orientador V: Educação e Cultura em Direitos Humanos Eixo Orientador VI: Direito à Memória e à Verdade . (BRASIL, 2010) . Direitos_Humanos.indb 24 14/12/2018 15:22:1225 CA PÍTU LO 1privada . O PNEDH reflete as ações que estão em desenvolvimento no país, envolvendo iniciativas de instituições públicas, organizações da sociedade civil e contribuições recebidas por meio de consulta pública e das recomendações do documento da UNESCO que estabelece a Década das Nações Unidas para a Educação em Direitos Humanos e para uma Cultura de Paz . (BRASIL, 2003, p . 11) . Nesse ponto da discussão, já entramos em questões de direitos humanos que se inscrevem na pauta da chamada Pós-Modernidade . Como você viu, a Modernidade tratou de assentar as bases dos direitos humanos universais, principalmente a partir do princípio de igualdade indiscriminada entre os humanos . Mas, de imediato, se percebe que essa concepção apresenta problemas histórico-culturais de peso, pois todos os seres humanos são substancialmente diferentes uns dos outros, assim como os segmentos sociais . Por isso, logo de partida, é preciso enfrentar a complexa questão da diversidade sócio-histórica na produção de políticas públicas e princípios de direitos humanos . E essa é uma discussão para a nossa segunda seção, que tratará da noção de identidades culturais, sua emergência na Sociedade Contemporânea ou Pós-Moderna, e suas inevitáveis implicações para os direitos humanos . Seção 2 As novas identidades culturais e suas implicações para a educação e direitos humanos Objetivo de aprendizagem » Identificar a formação das novas identidades culturais no contexto da Pós-Modernidade, e entender suas implicações no campo da educação e dos direitos humanos . Vamos dar início a esta seção, com o seguinte questionamento: É possível conciliar direitos humanos universais com pluralidade cultural? Direitos_Humanos.indb 25 14/12/2018 15:22:12 26 CA PÍ TU LO 1 Na seção anterior, você estudou as características da Modernidade tendo em vista o sujeito centrado e universal, forjado nesta época, a partir da luta pela conquista e ampliação de direitos . Nesta seção, você perceberá que o sujeito universal, unificado e estável da Modernidade, passa a ser entendido como híbrido, tendo em vista o contexto da Pós-Modernidade e da globalização . Segundo Stuart Hall (2006), a Modernidade produziu dois tipos de sujeito: o sujeito do Iluminismo e o sujeito sociológico, cujas características podem ser descritas no quadro a seguir: Na Europa, a construção da identidade está intimamente associada ao surgimento das nações e dos novos Estados a partir do século XVII . Tal como esclarece Zygmunt Bauman (2005, p . 26), a construção da identidade nacional ou de criação dos Estados-nações, foi desde o início, e continuou sendo por muito tempo, “uma noção agonística e um grito de guerra” . Neste caso, um grito de guerra lançado pelas nações contra o reconhecimento das diferenças culturais herdadas do passado e que continuavam vivas sob muitos aspectos, nas sociedades ditas modernas . A Modernidade, ancorada SUJEITO DO ILUMINISMO Baseado na concepção da pessoa humana como indivíduo centrado, autônomo, unificado e autossuficiente . Dotado de capacidade racional instrumental, de consciência e de ação . Inspira-se na ideia de sujeito cartesiano (cogito ergo sun) . A identidade é forjada na solidão da consciência e da vida privada . SUJEITO SOCIOLÓGICO Reflete a crescente complexidade do mundo moderno . A identidade se constrói na interação entre o eu e a sociedade, entre o mundo privado e público, em um processo intersubjetivo . Sujeito e estrutura dão o formato à identidade fixa, essencial e permanente . Fonte: Adaptado de HALL, 2006, p. 10-12. Direitos_Humanos.indb 26 14/12/2018 15:22:12 27 CA PÍTU LO 1no ideário do projeto iluminista impunha como meta, deixar para trás quaisquer vestígios das sociedades tradicionais . Como uma espécie de guarda-chuva que tentava cobrir a todos, o Estado- nação forjou a construção das identidades nacionais, à medida que traçava a fronteira entre “nós” e “eles” . De um lado está o “nós”, delimitado e configurado por um território, um idioma e uma cultura homogênea, e de outro estão os “outros”: aqueles que não falam meu idioma e que não pertencem ao território onde vivo . Em outras palavras, a cultura nacional passou a desempenhar o papel de identidade comunitária, que até então estava reservado às sociedades tradicionais e pré-modernas . Lenta e gradualmente, todas as diferenças regionais e locais foram sendo amalgamadas e colocadas debaixo desse teto comum do Estado-nação, procurando tornar homogêneas as diversidades culturais e unificando as múltiplas identidades . Pode-se afirmar, que o Estado de Direito, tal como são definidos os Estados atuais, é a expressão desse processo de construção de identidade nacional e da construção dos sujeitos que reivindicam o direito a terem direitos, ou seja, no campo político, o Estado de Direito seria o ápice desse longo processo chamado modernidade . O fato é que este tipo de sujeito centrado, unificado e estável, amparado pelo Estado de Direito, está se tornando fragmentado: “composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não resolvidas” . (HALL, 2006, p . 13) . Na perspectiva de Hall, este é o sujeito da Pós-Modernidade, em cujo contexto todos nós nos encontramos inseridos, de uma forma ou de outra . Em entrevista concedida em 2008, o antropólogo Constantin Von Barloewen descreve a “era das identidades múltiplas” nos seguintes termos: Um habitante da Indonésia, por exemplo, pode ser ao mesmo tempo muçulmano, cidadão indonésio e amante da música clássica ocidental . Um japonês pode facilmente amar os filmes neo-realistas italianos . Na civilização atual, temos automaticamente várias identidades . Este é o ponto: a identidade intercultural é sempre mais do que uma ou outra identidade . Ela é um terceiro fator, algo novo muito mais abrangente, porque abarca em si várias identidades e tradições culturais distintas . (BARLOEWEN, 2008) . Direitos_Humanos.indb 27 14/12/2018 15:22:12 28 CA PÍ TU LO 1 Portanto, a identidade se vê descentrada e fragmentada diante da complexidade da sociedade atual, e das profundas mudanças estruturais e institucionais em curso . Para Hall, no contexto de Pós-Modernismo, “as identidades são formadas e transformadas continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpretados nos sistemas culturais que nos rodeiam” . (HALL, 2006, p . 13) . Múltiplos fatores atuaram no sentido de promover as mudanças de uma época à outra, mas há que esclarecer que importantes teóricos, filósofos e pesquisadores deram uma importante contribuição para questionar o sujeito centrado do projeto da modernidade, entre eles: Nietzsche, Marx, Freud, Saussure e Michel Foucault . Com o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, por exemplo, a crítica ao projeto da modernidade se traduz na crítica da razão ocidental, vislumbrada como o logos pelos filósofos da Grécia Antiga . Na visão de Freud, por sua vez, a construção da identidade centrada única e exclusivamente em processos racionais de pensamento não revelava a complexidade da personalidade humana, camuflando, dessa forma, aspectos importantes na formação dos sujeitos, tais como as pulsões, os desejos e a libido (ID) . Michel Foucault, outro importante teórico contemporâneo, também deu uma importante contribuição para entendermos o sujeito pós-moderno . Para Foucault, o sujeito é uma construção e está entrelaçado à ordem do discurso e das relações dos micropoderes disciplinares, presentes nas instituições de determinadas sociedades . Assim, instituições como os quartéis, as escolas, as prisões, os hospitais e clínicas etc ., compõem o rol das instituições modernas que procuram docilizar os corpos e individualizá-los . Na realidade, culturas nacionais unificadas tem sido o alvo perseguido pelo projeto da Modernidade, mas a realidade efetiva das coisas mostra que este tem sido um projeto cheio de contradiçõese antagonismos, já que as nações existentes nunca conseguiram eliminar as diferenças sociais, homogeneizar diferentes grupos étnicos, de gênero e religiosos . O fato é que ao longo dos séculos, a construção da identidade nacional vem se dando por meio de um processo civilizatório não tão pacífico assim, e está respaldado pelo dispositivo do discurso da igualdade e da representação, no sentido de que somos todos membros de um determinado “povo” . As análises de Hall nos levam a pensar que na Europa Ocidental não existe nação composta de apenas um único povo, uma única cultura ou etnia, mas ao contrário, “as nações modernas são, todas, híbridas culturais” . (HALL, 2006, p . 62, grifo do autor) . Direitos_Humanos.indb 28 14/12/2018 15:22:12 29 CA PÍTU LO 1 Esse hibridismo ou essa descrição da fragmentação do sujeito moderno vem à tona com a presença e contribuição dos novos movimentos sociais no cenário da política contemporânea . Quando se trata da desconstrução de uma identidade nacional homogênea, não se pode negar o papel exercido pelo movimento feminista e pelos variados movimentos estudantis, contraculturais, movimentos de lutas por direitos civis e movimentos revolucionários, que surgiram partir da década de 1960 . Em síntese, cada movimento desses apela para a identidade social de seus apoiadores e sustentadores . Assim, o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelicista aos pacifistas, e assim por diante . Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecida como a política de identidade – uma identidade para cada movimento . (HALL, 2006, p . 45, grifo do autor) . Há um claro sinal de crise de identidades nesse novo contexto sociopolítico e histórico, o que tem levado, segundo Kathrin Woodward (2000, p . 36 apud Mercer, 1992, p . 424), os novos movimentos sociais a colocarem em xeque “as estruturas tradicionais de pertencimento, baseadas nas relações de classe, no partido e na nação-estado” . As lutas e as resistências das novas identidades ocorrerão nas mais diversas frentes, desde os direitos econômicos, sociais e culturais, até os direitos ambientais, possibilitando, dessa forma, o surgimento dos novos movimentos sociais, tendendo à diversificação e complexidade, se comparados com os movimentos sociais tradicionais das décadas de 1970 e 1980 . O surgimento desses novos movimentos, que lutam pelo reconhecimento das diferenças, revelam, em primeiro lugar, a falácia de uma identidade cultural unificada e, em segundo lugar, que a construção dessas mesmas identidades nacionais se dá em um plano de disputas de poder e de contradições internas, inerentes a cada nação . A ideia de “hibridismo cultural”, detectada por Stuart Hall, indica que as identidades culturais nacionais estão sendo deslocadas no fim do século XX . Para o autor, “globalização” é o termo que sintetiza esse complexo de processos e forças de mudanças . Tal processo trouxe como consequência: a desintegração das identidades nacionais, resultantes do crescimento de homogeneização cultural; as identidades nacionais e locais estão sendo reforçadas pela resistência à globalização; as novas identidades assumem a forma híbrida na tentativa de preencher o vazio deixado pelo declínio das identidades nacionais . (HALL, 2006) . A conclusão de Hall é de que a Direitos_Humanos.indb 29 14/12/2018 15:22:12 30 CA PÍ TU LO 1 globalização trouxe aspectos positivos na medida em que possibilitou a contestação das identidades centradas da cultura nacional, promovendo a diversidade e a pluralidade de novas identidades . Entretanto, adverte o autor, o efeito geral do processo da globalização permanece contraditório . Por sua vez, Zygmunt Bauman (2005, p . 82-91) afirma que “o campo de batalha é o lar natural da identidade”, e que a construção da mesma “assumiu a forma de uma experimentação infindável”, promovendo, muitas vezes, em diferentes latitudes do planeta, fenômenos como o nacionalismo, o fascismo, o totalitarismo e o populismo . Até aqui procuramos descrever o processo de construção de identidades nacionais e seu franco deslocamento com a presença do processo de globalização das últimas décadas . Por outro lado, é necessário esclarecer que as contradições da globalização estão associadas ao neoliberalismo, cuja característica básica é a flexibilidade de entraves que emperram a livre circulação de mercadorias por todo o mundo . Na perspectiva do neoliberalismo, o estado deve intervir o menos possível no mercado e deve procurar enxugar gastos em áreas estratégicas que atendam a população de maneira geral . A retomada dos velhos ideários do liberalismo desde a década de 1980 significou, na prática, a perda de muitos direitos, de certa forma, consagrados nos Estados de Direito ou do Estado de bem-estar social, implantado nos Estados Unidos e na Europa a partir da grande depressão de 1929 . O princípio da igualdade parece ter sido o baluarte para entendermos a luta da modernidade pelos direitos humanos . Tal como viemos esclarecendo até aqui e, sem deixar de lado este importante princípio constitutivo dos direitos humanos, a Pós-Modernidade procura colocar em evidência o tema da diferença . (CANDAU, 2008) . É o que constata Pierucci (1999, p . 7) na obra Ciladas das diferenças, Somos todos iguais ou somos todos diferentes? Queremos ser iguais ou queremos ser diferentes? Houve um tempo que a resposta se abrigava segura de si no primeiro termo da disjuntiva . Já faz um quarto de século, porém, que a resposta se deslocou . A começar da segunda metade dos anos 70, passamos a nos ver envoltos numa atmosfera cultural e ideológica inteiramente nova, na qual parece generalizar-se, em ritmo acelerado e perturbador, a consciência de que nós, os humanos somos diferentes de fato [ . . .], mas somos também diferentes de direito . É o chamado “direito à diferença”, o direito à diferença cultural, o direito a ser, sendo diferente . Até o momento, você pode identificar a formação das novas identidades culturais no contexto da Pós-Modernidade . A partir de agora, você terá Direitos_Humanos.indb 30 14/12/2018 15:22:13 31 CA PÍTU LO 1oportunidade de entender como ocorreu o processo da construção da identidade no Brasil e a questão dos direitos humanos, inserido no contexto da globalização e das lutas pelo reconhecimento da igualdade na diferença, bem como suas implicações para o campo da educação . Em 1950, o sociólogo britânico Thomas Humprey Marshall publicou a obra Cidadania e Classe Social, fruto de conferências proferidas no ano anterior à publicação . Essa obra passaria a ser referência para muitos pensadores de diversas áreas que tinham a preocupação de entender o processo de construção da cidadania em distintos países . Resumidamente, a obra de Marshall procura descrever como a cidadania se desenvolveu na Inglaterra, tendo em vista o desenvolvimento dos direitos civis, seguidos dos direitos políticos e dos direitos sociais, nos séculos XVIII, XIX e XX respectivamente . Para o sociólogo, a cidadania não seria completa se não estivesse acompanhada dos três tipos de direitos mencionados . Concebidos em forma de pirâmide, os direitos civis estariam na base da mesma, os direitos políticos no meio e os direitos sociais no cume . O renomado historiador brasileiro José Murilo de Carvalho, ao reconhecer as ideias mestras da obra de Marshall, procura descrever o longo caminho que teria percorrido a cidadania no Brasil, desdobrando a cidadania nas mesmas dimensões expostas por Marshall . A tese básica de Murilo de Carvalho é a de que no Brasil houve a inversão da pirâmide dos direitos, tal como descritos por Marshall na Inglaterra . A conclusão de Murilo de Carvalho é a de que no Brasil temos uma cidadania inconclusa, sobretudo porque inverteu-se a lógica da pirâmide dos direitos, porque aqui, primeiro vem os direitos sociaisem detrimento dos direitos políticos e civis nos anos 1930, no governo de Getúlio Vargas, e que se estende até o fim da década de 1980 . Por exemplo, na Inglaterra, enquanto os direitos civis e políticos teriam sido conquistados, aqui no Brasil, são resultantes de uma suposta doação por parte do Estado, em uma espécie de paternalismo social, situação esta que começa a mudar a partir da década 90 com o processo de redemocratização do país . CIVIS POLÍTICOS SOCIAIS POLÍTICOS SOCIAIS CIVIS Direitos_Humanos.indb 31 14/12/2018 15:22:13 32 CA PÍ TU LO 1 Isso significa que ao lançarmos um olhar sobre o passado, a História mostra o quão difícil e contraditório foi o processo da construção da cidadania e do reconhecimento das diferenças no Brasil . A construção de uma identidade nacional esteve presente desde a chegada dos portugueses, a partir do século XV, mas foi a partir da criação da República, no fim do século XVIII e início do século XIX, que o debate ganhou força, pois a presença de aspectos da cultura indígena e do negro não podia ser desconsiderada tão facilmente pela elite brasileira, quando o assunto era a construção da identidade nacional . Não foram poucas as intenções de eliminar as diferenças étnicas, culturais e religiosas, de negar a diversidade, de estigmatizá-la como um fenômeno que poderia colocar em risco um projeto de sociedade homogênea e unitária de acordo com a perspectiva da elite brasileira . A História do Brasil, assim como a da maioria dos países latino-americanos revela a incapacidade tanto de portugueses como de espanhóis para conviver com o outro, não reconhecendo aspectos de outras culturas que a deles mesmos . Na prática, o não reconhecimento do outro, por parte dos dominadores, os levou a suprimirem a diversidade, as quais têm estado acompanhadas, durante séculos, de violações severas à dignidade humana e aos direitos humanos . No caso específico do Brasil, seja no Período Colonial ou Republicano, teóricos e políticos se viam defrontados e acossados com o problema da identidade nacional a ser construída . Afinal, o que nos identificaria como brasileiros tendo em vista a diversidade étnica, religiosa, idiomática, geográfica, culturais, sociais e de gênero que se manifestavam nas variadas regiões do país? Figura 1.2 – Operários - Tarsila do Amaral, Brasil, 1933 Direitos_Humanos.indb 32 14/12/2018 15:22:13 33 CA PÍTU LO 1Da mesma forma que em toda a Europa, a construção da nação e da identidade brasileira se deu com base nos elementos do idioma e do território, em um processo de homogeneização da diversidade cultural . Nesse sentido, além de outras instituições, as escolas, mediante a seleção de conteúdos, têm exercido um papel primordial na construção dessa suposta identidade nacional, que veio a ganhar contornos bem definidos nos currículos nacionais estabelecidos pela Ditadura Militar até o fim da década de 1980 . Em um período em que o direito à liberdade de expressão esteve negado à população, a escola, de certa forma, reproduzia os conteúdos do currículo estabelecidos pela conjuntura do regime militar . A abertura democrática no Brasil, fortemente influenciada pela presença dos novos movimentos sociais e pela luta em prol dos direitos humanos, em meados da década de 80, permitiu a elaboração de uma nova constituição, a qual no art . 210º ressalta que deva fixar “conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” . (BRASIL, 1988) . A partir da década de 90, os movimentos feministas, movimento negro, movimentos pelos direitos das pessoas com deficiência, o movimento pelos direitos das crianças, dos adolescentes e dos idosos, o movimento de gays, lésbicas, travestis, transexuais e bissexuais vão influenciar a luta dos trabalhadores da educação, que começa a voltar-se para a reconstrução da função social da escola, permitindo, dessa forma, refletir a preocupação com o significado social e político da Educação . São todos estes movimentos que, de certa forma, irão influenciar as diretrizes do Plano Nacional de Educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB nº 9394/96 e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) . A presença de tais grupos e movimentos no Brasil reflete as novas identidades e o hibridismo cultural identificado por Stuart Hall, conforme comentado anteriormente . No contexto da Pós-Modernidade globalizada, a linguagem dos direitos humanos passou a ser ambivalente, pois a possibilidade de sobrevivência do mercado dependia do descompromisso do Estado em relação a diversos direitos já conquistados e consagrados . Em outras palavras, a concretização do ideário neoliberal tem representado a violação de direitos humanos e passou a ser uma constante a partir da década de 90, uma vez que a presença do Estado em setores estratégicos para a população tendeu a diminuir . Por outro lado, os direitos humanos, desde sempre, foram declarados em uma linguagem universal, não levando em conta aspectos da particularidade das regiões ou localidades onde deveriam efetivar-se, trazendo à tona o conflito entre o universal e o particular, o universal e o relativo . (CANDAU, 2008) . De modo que não é incorreto afirmarmos que a luta por direitos humanos no Brasil trouxe como consequência uma série de conquistas do ponto de Direitos_Humanos.indb 33 14/12/2018 15:22:13 34 CA PÍ TU LO 1 vista legal . Entretanto, uma coisa são os aspectos legais amparados por mecanismos do direito internacional, bastante avançados para a realidade de nosso país, e outra é a efetivação desses mesmos direitos na realidade cotidiana de cada cidadão, muitas vezes, insuficientes para alterar a realidade de discriminação e de preconceitos, construídos ao longo de décadas, disseminados culturalmente e presentes também no dia a dia das escolas . Importantes teóricos críticos e pós-críticos do currículo evidenciaram o caráter não neutro da educação que de uma forma ou de outra, acabam selecionando conteúdos que estão vinculados à construção de identidades e de homogeneização cultural, em detrimento à manifestação das diferenças e das diversidades . Se quisermos tomar a questão de gênero como parâmetro de análise do que estamos falando, a compreensão dessas relações pela escola “corre o risco de permanecer velada, uma vez que as políticas públicas não as mencionam e, quando o fazem, não exploram em todos os itens curriculares os antagonismos de gênero presentes na organização do ensino e no cotidiano escolar” . (UNBEHAUM; VIANNA, 2004, p . 101) . Na realidade, essas diferenças sempre estiveram presentes na escola brasileira, sejam elas públicas ou particulares . O que ocorre é que tais diferenças sociais e culturais tendem a aflorar em um contexto em que os novos movimentos sociais exercem pressão na sociedade no sentido de ampliar a participação política e de exigirem a efetivação de direitos . De certa forma, a escola se sente incapaz de dar conta do “inevitável caráter multicultural das sociedades contemporâneas, nem respondem às contradições e às demandas provocadas pelos processos de globalização econômica e de mundialização da cultura” . (CANDAU; MOREIRA, 2007, p . 37-38) . O grande desafio da escola no século XXI é, portanto, não só o de trabalhar na perspectiva do reconhecimento da diferença e do inalienável direito à diferença, mas também o de se inserir em um contexto de lutas em prol de políticas de igualdade, em um contexto de transversalidade de direitos . Em suas análises mais recentes, os teóricos pós-críticos do currículo detectam uma tensão no âmbito escolar e nas propostas curriculares atuais, no sentido de que o direito a ser diferente requer condições de igualdade política, econômica e social . Por isso, a construção do currículo deve levar em conta esta tensão, e tratando-se de um país como o Brasil,o campo pedagógico requer do professor “nova postura, novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação” . (CANDAU; MOREIRA, 2007, p . 39) . Em outras palavras, uma política das diferenças (FLEURI, 2006) requer como compromisso ir além dos estereótipos . Direitos_Humanos.indb 34 14/12/2018 15:22:13 35 CA PÍTU LO 1 Por um lado se luta pelo reconhecimento à diferença, e por outro, como se sabe, as desigualdades sociais, culturais, econômicas e raciais estão refletidas em cada escola do sistema educacional brasileiro . Não haveria porque seguir pensando a escola como uma instituição neutra e imparcial, depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo . Ao contrário, a escola é uma instituição produzida pela sociedade e, como tantas outras instituições, pode reproduzir e reforçar as desigualdades e a exclusão, assim como pode ser uma ferramenta de promoção de cidadania, pautadas no reconhecimento das diferenças e da diversidade . Ocorre que se disseminou no Brasil uma concepção de cultura uniforme, sem fissuras e diferenças . Aprendemos, ao longo de décadas nos bancos das escolas, que o brasileiro é resultante de três raças: o índio, o branco e o negro, naturalizando dessa forma, as diferenças culturais em nome da construção de um projeto de identidade nacional . Em síntese, até meados do século XX, a Modernidade esteve fortemente influenciada pelo ideal de construção de identidades nacionais, cujos resultados negativos, como vimos na seção anterior, foram anunciados em várias partes do planeta: discriminação, perseguição e crimes cometidos contra minorias, que do ponto de vista da Modernidade representava o “atraso” ou a “tradição” . De modo que as ditaduras que surgiram a partir dessa época, tanto do lado ocidental como do lado oriental do planeta, tinham o objetivo de perseguir “inimigos”, não reconhecendo as diferenças e impondo a homogeneidade social e cultural a seus membros . O movimento estudantil de maio de 1968, em Paris, as lutas pós-colonialistas e contra as ditaduras, a queda do muro de Berlin, os novos movimentos sociais feministas, pacifistas e ambientalistas das décadas de 80 e 90 sinalizaram o fim de um projeto de modernidade, pautado nos princípios da razão instrumental, concebida para dominar e controlar a natureza e os seres humanos . Um dos efeitos não desejáveis desse projeto, talvez tenha sido o fato de que a ciência tenha se tornado instrumento de dominação e não de emancipação, tão amplamente criticada pela Escola de Frankfurt . Nesse sentido, e diante dessas novas realidades sociais e políticas, a Pós- Modernidade coloca em questão o projeto da Modernidade de construção da identidade nacional, pautado em práticas discriminatórias . Teorias democráticas participativas no contexto da Pós-Modernidade advogam a ideia de que uma sociedade possa se autodefinir com base nos princípios da autonomia, da inclusão política e do reconhecimento das particularidades Direitos_Humanos.indb 35 14/12/2018 15:22:13 36 CA PÍ TU LO 1 e das diferenças . Isto significa, que a Pós-Modernidade ainda terá que lidar, por um longo tempo, com a questão da construção da identidade nacional . No próximo capítulo, você terá a oportunidade de adentrar em questões mais específicas para identificar as diferentes formas de organização social no mundo contemporâneo, assim como identificar a importância dos movimentos sociais para a gestão de políticas públicas, sobretudo as políticas afirmativas voltadas ao atendimento de demandas de minorias sociais . » A primeira seção tratou dos Direitos Humanos, Estado, cidadania e sociedade, apresentando temas referentes à teoria da separação dos poderes, direitos humanos de primeira, segunda e terceira geração, e lhe oportunizou a reflexão sobre a evolução dos direitos humanos no contexto do Pós-Guerra Mundial, os quais são amparados e defendidos pela Organização das Nações Unidas em 1948 (ONU) . » Você percebeu também que o Brasil ratificou na constituição de 1988, os princípios da declaração Universal dos Direitos Humanos . Mas chama-se a atenção para o fato de que a ratificação de direitos não garante por si só a vigência de direitos, pois requer de parte do Estado, a implantação de políticas públicas efetivas . Além do que, a efetivação e garantia de direitos pressupõe a existência de organizações e movimentos sociais que lutam por direitos em espaços democráticos . Nesse contexto, o grande desafio para as escolas do século XXI e, por extensão, das escolas brasileiras será o de exercer a sua função social tendo em vista que nesse universo estão refletidas todas as diferenças e diversidades da sociedade brasileira, cabendo à escola, a importante tarefa de mediar conteúdos, mas tendo claro que os valores da democracia ainda são a melhor ferramenta que a escola dispõe para educar para a (e na) diversidade . Fig ur a 1 .3 Diversidade na Escola Síntese do capítulo Direitos_Humanos.indb 36 14/12/2018 15:22:13 37 CA PÍTU LO 1 » Nesse sentido, em 1996, foi criado no Brasil, o Programa Nacional de Direitos Humanos, com o objetivo de reafirmar as três gerações de direitos, com ênfase na proteção do Direito à Vida; Proteção do Direito a tratamento igualitário perante a lei; Educação e Cidadania: bases para uma cultura de direitos humanos; Ações internacionais para a proteção e promoção dos direitos humanos . » E tendo em vista a importância da Educação como direito humano fundamental, foi criado em 2003, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, visando o refletir as ações que estão em desenvolvimento no país, envolvendo os diversos atores sociais em prol de um sistema de ensino pautado na diversidade . » A segunda Seção apresentou as novas identidades culturais e suas implicações para a Educação e direitos humanos . Na Pós- Modernidade, o sujeito é o reflexo da crescente complexidade do mundo atual, e emerge em contraposição ao sujeito moderno centrado, autônomo, unificado e autossuficiente . De tal maneira, que o sujeito unificado e universal, amparado pelo Estado de Direito, está se tornando fragmentado, composto de várias identidades, diante das profundas mudanças estruturais e institucionais em curso . » O surgimento dos novos movimentos sociais no cenário mundial a partir da década de 60 colocam em xeque as estruturas tradicionais de pertencimento . A ideia de “hibridismo cultural”, detectada por Stuart Hall, indica que as identidades culturais nacionais estão sendo deslocadas no fim do século XX . » Você percebeu que no contexto da globalização, a Pós- Modernidade procura colocar em evidência o tema da diferença e que os novos movimentos sociais exercem um papel fundamental em termos de conquistas e garantia de novos direitos . » No caso específico do Brasil, você pode perceber que a escola está inserida em um contexto de redemocratização do país e que, portanto, tem diante de si, o desafio de exercer sua função social de construção de identidades, tendo em vista o reconhecimento das diferenças em ambientes democráticos . Você pode anotar a síntese do seu processo de estudo nas linhas a seguir: Direitos_Humanos.indb 37 14/12/2018 15:22:13 38 CA PÍ TU LO 1 1 . A primeira Seção do capítulo 1 fez uma reflexão sobre o surgimento dos Direitos Humanos no século XVIII e sua evolução no século XX, a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgados pela ONU em 1948 . O Brasil ratificou na constituição de 1988 os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos e de outros tratados internacionais, criando em 1996 o Programa Nacional de Direitos Humanos . Tendo em vista a realidade política, social e econômica do município onde você vive e trabalha, faça uma reflexão, perguntando-se sobre a efetivação ou não dos direitos humanos fundamentais em sua localidade e escreva suas conclusões . Atividades de aprendizagem Direitos_Humanos.indb38 14/12/2018 15:22:13 39 CA PÍTU LO 1 2 . A segunda Seção do capítulo 1 apresentou a questão dos Direitos Humanos inseridos no contexto de Pós-Modernidade e de globalização . Em outras palavras, esse é um contexto de diluição de identidades e de lutas por reconhecimento das diferenças . Diante deste contexto, você pensa que ainda há sentido em falarmos de ampliação dos direitos humanos? Justifique sua resposta . Direitos_Humanos.indb 39 14/12/2018 15:22:13 40 CA PÍ TU LO 1 Sugerimos essas referências para você aprofundar seus estudos sobre os conteúdos abordados nesse capítulo . ANDREOPOULOS, George J .; CLAUDE, Richard Pierre . Educação em direitos humanos para o Século XXI . São Paulo: EDUSP, 2007 . BRASIL . Presidência da República . Secretaria Especial dos Direitos Humanos . Brasil Direitos Humanos, 2008: A realidade do país aos 60 anos da Declaração Universal . Brasília: SEDH, c 2008 . BRASIL . Presidência da República . Direitos humanos: percepções da opinião pública: análises de pesquisa nacional/organização Gustavo Venturi . – Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, 2010 . CANDAU, Vera Maria; SACAVINO, Susana . Educar em direitos humanos: construir democracia . Rio de Janeiro: DP&A, 2000 . GARCÍA CANCLINI, Néstor . Culturas hibridas: estratégias para entrar e sair da modernidade . 4 ed . São Paulo: EDUSP, 2003 . MOSCA, Juan José; PÉREZ AGUIRRE, Luis . Direitos humanos: pautas para uma educação libertadora . Petrópolis: Vozes, 1990 . SANTOS, Boaventura de Sousa . Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade . 12 ed . São Paulo: Cortez, 2008 . Aprenda mais... Direitos_Humanos.indb 40 14/12/2018 15:22:13 Movimentos Sociais na Gestão de Políticas Públicas Objetivo geral de aprendizagem » Identificar a importância dos movimentos sociais para a gestão de políticas públicas, bem como, conhecer documentos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, idosos, e outros documentos oficiais que possam garantir direitos e deveres de cidadãos e cidadãs, na perspectiva deste tipo de política. Seções de estudo Seção 1 – A participação dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos. Seção 2 – As políticas afirmativas: direitos humanos e cidadania. Neste capítulo, você conhecerá as diferentes formas de organização social no mundo contemporâneo e identificará a importância dos movimentos sociais para a gestão de políticas públicas. Você também está convidado(a) a compreender as políticas afirmativas voltadas às minorias sociais e, ainda, terá contato com os documentos de proteção aos direitos das crianças e adolescentes, idosos, mulheres bem como outros documentos oficiais, que possam garantir direitos e deveres de cidadãos e cidadãs, na perspectiva deste tipo de política. 2 Direitos_Humanos.indb 41 14/12/2018 15:22:13 42 CA PÍ TU LO 2 No capítulo anterior, você pode perceber a contextualização dos direitos humanos, a partir do surgimento da Modernidade, conhecendo e identificando as transformações histórico-sociais que deram origem ao Estado Moderno e suas implicações para emergência da cidadania e dos direitos humanos, percebendo seus reflexos no campo educacional contemporâneo . Neste capítulo, você estudará as diferentes formas de organização social no mundo contemporâneo, identificando a importância dos movimentos sociais para a gestão de políticas públicas . E, ainda, terá oportunidade de compreender as políticas afirmativas voltadas às minorias sociais e conhecer documentos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes, idosos, bem como outros documentos oficiais que permeiam direitos e deveres de cidadãos e cidadãs, na perspectiva deste tipo de política . Seção 1 A participação dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos Objetivos de aprendizagem » Refletir sobre o conceito de cidadania . » Conceituar movimentos sociais . » Identificar a importância dos movimentos sociais para a gestão de políticas públicas para a Educação e direitos humanos . Para dar início à trajetória do que temos pela frente, você será convidado a adotar uma postura reflexiva, onde possa perceber a dinâmica que envolve a contribuição dos movimentos sociais na gestão de políticas públicas para a educação e direitos humanos; assim como, perceber as políticas afirmativas como espaço de conquista de direitos humanos e cidadania . Podendo se tornar, assim, um(a) profissional consciente da prerrogativa de cidadania . Mas, afinal, o que é cidadania? Este conceito o acompanhará ao longo deste estudo . Para tanto, dialogaremos com Sérgio Pedro Herbert, a partir do Dicionário Paulo Freire, organizado por Danilo R . Streck, Euclides Redin e Jaime José Zitkoski, em 2008 . Sérgio Pedro Herbert apresenta este conceito dialogando com Paulo Freire através de textos Direitos_Humanos.indb 42 14/12/2018 15:22:13 43 CA PÍTU LO 2como Pedagogia da Autonomia, Pedagogia da Esperança, Pedagogia do Oprimido, Política da Educação e Educação para um novo contrato social, dentre outros . Perceba que pelos textos utilizados, o autor apresenta momentos de reflexão que podem contribuir para refletir sobre como compreendemos e vivenciamos a nossa cidadania . CIDADANIA Sérgio Pedro Herbert A educação com vistas à cidadania é o objetivo de Freire desde o começo de sua atuação como educador. A cidadania em Freire é compreendida como apropriação da realidade para nela atuar, participando consciente em favor da emancipação. Para Freire cidadão pode ser e deve ser o lavrador, a faxineira, o assalariado, as mulheres do campo, da faxina, as que vivem do salário, as funcionárias públicas. Todo ser humano pode e necessita ser consciente de sua cidadania. É necessário que seja consciente de sua situação e de seus direitos e deveres como pessoa humana. O humanismo progressista está associado à vivência da cidadania em uma realidade e com a qual o sujeito se encontra. Em Política e Educação, Freire estabelece uma relação estreita entre alfabetização e cidadania. Desta forma se expressa: “Seria mais forte ainda se disséssemos: a alfabetização como formação da cidadania ou a alfabetização como formadora da cidadania” (2000, p.45). Alfabetizar o sujeito para que exerça com melhor qualidade a sua cidadania. Alfabetizar conforme Freire necessita ser um ato político, e só então conduz à cidadania. Está além do aprender as letras, é uma leitura do mundo para operar transformação com vistas à vivência da cidadania. O exercício da cidadania do educador é compreendido pela luta por melhores condições de trabalho. Luta em defesa de seus direitos e de sua dignidade como momento da prática docente como prática ética. “Não é algo que vem de fora da atividade docente, mas algo que dela faz parte. O combate em favor da dignidade da prática docente é tão parte dela mesmo quanto dela faz parte o respeito que o professor deve ter à identidade do educando, à sua pessoa, a seu direito de ser” (FREIRE, 2001, p74). Não há distinção entre prática docente e cidadania. É prática docente com cidadania no respeito ao educando recriando significados por meio do conteúdo programático em debate. A opção pelo conteúdo e pela forma de apropriação dos conhecimentos necessita estar em conformidade com a realidade vivida pelos educandos. A cidadania será exercida a partir da, e na realidade onde acontece o debate reflexivo. A cidadania, em Freire, tem características de coletividade. Como “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 1981, p. 27); da mesma Direitos_Humanos.indb 43 14/12/2018 15:22:13 44 CA PÍ TU LO 2 O texto objetiva ser reflexivo, mas também provocativo, pois como tratar de Direitos Humanos e Políticas Públicas sem passar pela compreensão que temos de cidadania? Use-o para refletir como tem sido a sua compreensão, as suas vivências, quando
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