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1 Os sofistas e Sócrates 1 – Contexto histórico O período áureo de Atenas Em 490 a.C., o imperador persa Dario exigiu a submissão dos gregos. Começou aí uma guerra que envolveu praticamente todas as cidades-Estado gregas e provocou uma grande mudança em toda a Hélade. Para enfrentar os persas, as cidades-Estado gregas se uniram sob a liderança de Atenas e criaram a Confederação de Delos, que recolhia tributos de cada pólis para custear as despesas militares. Após a vitória sobre os persas, Atenas, sob o comando de Péricles, se aproveitou da Confederação para continuar exercendo seu domínio sobre as outras cidades- Estado e utilizou a riqueza acumulada durante a guerra para a construção de obras públicas monumentais. Péricles (495–429 a.C.) foi eleito diversas vezes para o cargo de general-chefe. Exercendo ao mesmo tempo o comando civil e militar da cidade, levou Atenas à maior projeção política, econômica e cultural alcançada em toda a sua história. Sua importância na história grega é tão grande que o século V a.C. é conhecido como “O Século de Péricles”. Entre os século V e IV a.C., Atenas passa a ser o centro cultural da Grécia antiga, atraindo comerciantes, artífices, pensadores, etc. Isto se dá particularmente em função da vitória grega sobre os Persas, da liderança ateniense na Liga de Delos (477 a.C.) e da reconstrução de Atenas, sobre o comando de Péricles e sua expansão comercial, que possibilitou a ascensão de uma classe mercantil. Além disto, atividades de manufatura – como cerâmica, escultura, construção civil entre outras –, também possibilitaram o enriquecimento – tanto econômico como político-social – de membros da sociedade ateniense. Estes passaram a reivindicar um espaço na pólis. Nesse ambiente de esplendor econômico e cultural de Atenas, surge uma nova classe de intelectuais: os sofistas. Surge também uma nova filosofia, com algumas diferenças em relação àquela que havia se desenvolvido nas colônias gregas da Ásia Menor e da Itália. É sobre esses temas que você estudará nas próximas seções. 2 – Os sofistas A origem dos sofistas Quando Atenas se tornou no mais importante centro econômico, político e cultural da época, após a vitória sobre os persas, um grande número de nobres de outras partes da Grécia buscam a cidade a procura de sua intensa vida cultural. Entre os estrangeiros que se instalam na cidade-Estado de Atenas, alguns passam a se oferecer para atuar como mestres na educação dos jovens pertencentes à elite local. Alguns deles ganham fama e se destacam nessa nova função e passam a ser chamados de sofistas (sábios). Alguns os consideram os primeiros pedagogos, os iniciadores do ensino privado, pois como eram estrangeiros e não podiam ter propriedade em Atenas, cobravam por seus ensinamentos. São grandes mestres de Retórica e Oratória. Atenção! A palavra “sofista” (sophistés) inicialmente significa “aquele que é excelente numa arte ou técnica, aquele que é hábil, sensato e prudente.” (CHAUI, 1994, p. 359). Mais tarde, em função da imagem deixada por Sócrates, Platão e Aristóteles, que os viam como demagogos e falsos filósofos, a palavra “sofista” foi usada pejorativamente. Mas essa imagem negativa vem sendo criticada ultimamente. Texto adaptado da obra: SELL, Sérgio. História da Filosofia Antiga. Palhoça: UnisulVirtual, 2008. 2 É certo que os sofistas tiveram um grande papel no contexto das novas idéias difundidas neste ambiente. Juntamente com Sócrates, embora com posições divergentes, inauguram a temática antropológica: passando do problema da physis, central no pensamento dos pré-socráticos, ao da ética, da política e da teoria do conhecimento. Os sofistas destacam que as filosofias anteriores não conseguiram chegar a nenhum resultado sólido. Ao contrário, os filósofos se contradizem mutuamente, o que parece ser uma boa prova de que não é possível conhecer nada de forma definitiva e que o máximo que podemos fazer é formular uma opinião (doxa) sobre a realidade. Sendo assim, a “verdade” nada mais é do que aquilo que alguém conseguiu fazer com que todos acreditassem ser real. O sábio, portanto, não é aquele que conhece a verdade e sim aquele que desenvolve a habilidade de provar suas próprias convicções. Os sofistas mais famosos foram Protágoras de Abdera (480–410 a.C.) e Górgias de Leontini (484–375 a.C.). Outros sofistas importantes foram: Pródicos de Ceos, Hípias de Elis, Licofron, Trasímaco e Isócrates. Humanismo e relativismo Na sofística encontramos dois grandes princípios: o humanismo e o relativismo. O primeiro coloca o homem no centro de tudo. O segundo se refere à impossibilidade de se alcançar qualquer verdade absoluta ou que não dependa de uma interpretação pessoal. Um fragmento do sofista Protágoras de Abdera sintetiza esses dois princípios de forma exemplar: “O homem é a medida de todas as coisas; das que são, enquanto são, e das que não são, enquanto não são”. Veja o que diz Marcondes sobre a tese de Protágoras. Protágoras parece assim valorizar um tipo de explicação do real a partir de seus aspectos fenomenais apenas, sem apelo a nenhum elemento externo ou transcendente. Isto é, as coisas são como nos parecem ser, como se mostram à nossa percepção sensorial, e não temos nenhum outro critério para decidir essa questão. Portanto, nosso conhecimento depende sempre das circunstâncias em que nos encontramos e pode, por isso mesmo, variar de acordo com a situação. (MARCONDES, 2001, p. 43). Ou seja, para Protágoras, cada opinião nada mais é que a avaliação que cada um faz de sua própria experiência. Por isso, nenhuma opinião pessoal pode ser colocada como mais correta que a opinião de qualquer outra pessoa. A impossibilidade do conhecimento Outro sofista de peso é Górgias de Leontini. Seu fragmento mais conhecido diz: “Nada existe que possa ser conhecido; se pudesse ser conhecido não poderia ser comunicado; se pudesse ser comunicado não poderia ser compreendido”. Complicado? Então, tomemos, novamente, as palavras de Marcondes (2001, p. 44) que indica ser Górgias um crítico da possibilidade do conhecimento em sentido absoluto: Górgias dá grande importância ao logos enquanto discurso argumentativo, e em seu Elogio a Helena faz a famosa afirmação: “O logos é um grande senhor.” Entretanto, de certa maneira o logos é sempre visto como enganoso, já que não podemos ter acesso à natureza das coisas, mas tudo de que dispomos é o discurso, como fica claro no fragmento citado acima. O logos, contudo, pode ser persuasivo, e Górgias chega mesmo a sustentar que mais importante do que o verdadeiro é o que pode ser provado ou defendido. Os sofistas se vangloriavam de que seus alunos aprendiam defender de forma convincente tanto uma tese quanto a sua antítese; ou seja, podiam tanto argumentar em favor de uma opinião quanto em favor da opinião contrária, provando a correção tanto de uma quanto de outra. Essa arte de vencer o adversário num debate sem se preocupar com a verdade é a erística. Ela é interessante na medida em que, numa disputa com as palavras, devemos estar preparados Protágoras 3 para as contraposições do adversário. A prática nos mostra o quanto a disputa política democrática depende disso. A importância da linguagem! Se nem a percepção da realidade através dos nossos sentidos nem a razão são capazes de nos propiciar conhecimentos seguros, e se a verdade é uma questão de opinião e de persuasão, é preciso valer-se de um outro instrumento para que o homem se relacione com a realidade e com os outros seres humanos. Esse instrumento, segundo os sofistas, é a linguagem. O sábio é aquele que, compreendendo os mecanismos e os recursos da linguagem, domina as multidões através do discurso. kósmos X nómos Em sua nova forma de compreender a realidade, os sofistas produzem uma grande cisão entre kósmos e nómos. As duaspalavras originalmente estavam diretamente ligadas na língua grega. O termo kósmos significa o bom ordenamento de pessoas e coisas, boa ordem, organização do Estado, ordem estabelecida, ação dos seres em conformidade com um comportamento estabelecido. Já a palavra Nómos, que literalmente significa regra, lei ou norma, também pode ser usada no sentido de costume. Os sofistas, no entanto, destacam que é um erro comparar as leis que regem os fenômenos naturais com aquelas que norteiam a vida humana em sociedade. Para eles, o universo ético, político e social, ou seja, tudo aquilo que é especificamente humano, não é determinado pelas mesmas leis de regularidade encontradas na natureza (physis). Cada povo e cada época dispõem de seus próprios modos de ser, costumes e regras, sem que, no fundo, qualquer forma de organização cultural possa ser colocada como mais correta ou como sendo a detentora da verdade definitiva. A natureza possui uma ordem (kósmos) que não depende de uma escolha do ser humano. Mas a pólis é regida por leis (nómos) que são convenções humanas. No direito, na política e na ética, portanto, não existem princípios necessários nem regras que sejam universalmente válidas. Toda norma é humana e, justamente por isso, é transitória. A importância dos sofistas Conforme salienta Jaeger, em sua obra Paidéia, o novo sistema político, baseado na igualdade do discurso que, por sua vez, necessita da persuasão e do convencimento, muda o foco do agon – luta, disputa, embate – e, conseqüentemente, da areté. A força física e a destreza no campo bélico – as bases da areté homérica –, aos poucos são substituídas pela habilidade discursiva. Ou seja, da luta corporal passamos ao embate discursivo, algo que cedo as classes mais privilegiadas perceberam. Os velhos aristocratas e, principalmente, os novos comerciantes passaram então a contratar os sofistas, mestres de retórica e de oratória, para ensinar essa nova habilidade a seus filhos. Se para a democracia cada opinião vale igualmente e, desta forma, não há uma verdade absoluta, tal posição pode ser corroborada por aquilo de defendiam os sofistas. É por isso que, embora estrangeiros, os sofistas são muito importantes para a democracia ateniense. Não se pode, ainda, deixar de destacar a grande contribuição dos sofistas para a pedagogia. Foram eles que, pela primeira vez, sistematizam o ensino teórico na Grécia e formulam um currículo de estudos, contemplando a gramática, a retórica e a dialética e incluindo também a aritmética, a geometria, a astrologia e a música. Tais disciplinas, que mais tarde serão conhecidas como as sete artes liberais, serão retomadas na Idade Média e constituirão os chamados trivim e quadrivim. 4 SEÇÃO 3 – Sócrates Sócrates é a principal referência na história da Filosofia, a qual basicamente se divide em “antes dele” e “depois dele”. Contemporâneo dos sofistas, ele desloca o foco da reflexão filosófica da realidade natural para a realidade humana, funda a ética e propõe um novo objetivo para a prática da Filosofia. Vamos conhecê-lo um pouquinho melhor? Quem foi Sócrates? A imagem que hoje temos de Sócrates é a de um homem que nunca saiu de sua cidade, Atenas, mal transpôs os muros de sua pólis; andava a questionar os transeuntes na praça pública (agorá); justo e corajoso; enfim, a figura do filósofo mordaz e que morreu por defender seus próprios princípios. “Um herói revolucionário” − diriam alguns. Mas tudo isto é uma construção feita, particularmente, por seu maior discípulo: Platão. Sendo assim, o primeiro problema a ser tratado por quem quiser de fato conhecer Sócrates é a dificuldade em distinguir o homem real da imagem construída por Platão. Sócrates não era uma pessoa que pudesse ser considerada exemplo do ideal grego de beleza. Segundo relatos, era calvo, de olhos fundos e arregalados, tinha o nariz largo e achatado, era baixinho e barrigudo. Além disso, Sócrates costumava andar sempre com a mesma túnica, já gasta pelo uso. Apesar disso, era um grande sedutor. Você sabe qual é a obra mais famosa de Sócrates? Essa é uma pergunta capciosa (ou seja, essa pergunta é uma “pegadinha”), pois Sócrates não escreveu livro nenhum. No entanto, embora não tenha escrito nenhuma obra, Sócrates deixou uma herança marcante para a cultura ocidental através da influência que exerceu sobre toda uma geração de intelectuais. Entre os seus muitos seguidores, merecem ser citados o historiador Xenofonte e o filósofo Platão. Sócrates não escreveu nada, pois acreditava que o debate discursivo oral era mais adequado à busca do verdadeiro conhecimento. Através do diálogo, ele procurava recuperar no espírito de seu interlocutor o significado daquilo que deveria ser o essencial para o ser humano. Sócrates e a defesa da possibilidade do conhecimento Em oposição ao relativismo dos sofistas, Sócrates afirmava que a verdade pode ser conhecida e que ela não depende do contexto nem da subjetividade humana. É possível conhecer a verdade, desde que afastemos as ilusões dos sentidos e das opiniões preconcebidas e, principalmente, tomemos cuidado com as armadilhas da linguagem. O conhecimento é possível quando usamos a razão. A Razão, segundo Sócrates, “é a capacidade para chegar aos conceitos pela distinção entre aparência sensível e realidade, entre opinião e verdade, entre imagem e conceito, acidente e essência. A razão é o poder da alma para conhecer as essências das coisas” (CHAUI, 1994, p. 154). Sócrates 5 Conhecer é definir Para Sócrates, conhecer é uma operação intelectual que consiste na elaboração de definições universalmente válidas. Definir é marcar limites, é identificar a essência, é dizer o que uma coisa é. O verdadeiro conhecimento não vem da percepção através dos cinco sentidos, não vem da experiência. Nossa percepção da realidade é limitada e nos permite apenas conhecer aparências. Temos, assim, um conhecimento ilusório, que se manifesta na forma de opinião (doxa). No entanto, ao percebermos que nossa opinião entra em contradição com outras opiniões, temos duas saídas: tentar impor a nossa opinião aos demais ou tentar descobrir qual é a verdade. A primeira opção é a que é defendida pelos sofistas. A segunda, proposta por Sócrates, conduz a uma tentativa de se encontrar uma definição mais precisa e mais universal usando a razão. Ao conseguirmos definir um conceito universal alcançamos a ciência (episteme), o verdadeiro conhecimento. O método socrático Sócrates dizia que só é possível filosofar a partir do momento em que reconhecemos nossa própria ignorância. Por isso, ele desenvolveu um método de busca do conhecimento composto por duas etapas: a ironia e a maiêutica. Na primeira etapa, a ironia (do grego eiróneia, perguntar), Sócrates solicita ao seu interlocutor que lhe esclareça sobre um determinado tema. A partir daí, interroga-o alegando não ter conhecimento suficiente sobre o tema em questão. No entanto, na medida em que o interlocutor vai dando esclarecimentos sobre o assunto, Sócrates vai formulando perguntas cada vez mais perspicazes, de forma que o interlocutor acaba se dando conta de que aquilo que ele mesmo defendia a pouco agora parece ser contraditório. Atônito, o interlocutor acaba reconhecendo que aquele conhecimento que ele julgava possuir era, no fundo, uma idéia sem sentido. A segunda etapa do método socrático é a maiêutica, ou parto das idéias. Assim como na primeira etapa, Sócrates apenas faz perguntas ao seu interlocutor. Mas agora são perguntas que o forçam a buscar em sua própria inteligência uma saída para as contradições em que ele mesmo se enredou. Com perguntas bem elaboradas, feitas no momento apropriado, Sócrates ajuda o seu interlocutor a descobrir por si mesmo a verdade. Esse processo é chamado de maiêutica (do grego maieutiké, técnica de realizar um parto)porque é semelhante a um parto: não é a parteira quem gera o bebê, ela apenas auxilia aquelas que já o trazem dentro de si e precisam de ajuda para fazê-lo vir à luz. (Vale a pena lembrar que a mãe de Sócrates era parteira; ao que parece, ele herdou um pouco da sua arte). Filosofia como busca da felicidade Você acha que a Filosofia é só teoria? Para Sócrates, a Filosofia tem um objetivo prático: a conquista da felicidade. Por isso, ele se distancia dos filósofos pré-socráticos e inaugura um novo foco para a investigação filosófica: mais importante do que investigar a natureza é descobrir o que podemos fazer para sermos felizes. Enquanto a filosofia pré-socrática tinha como objeto de investigação a physis e o kósmos, Sócrates, aqui concordando com os sofistas, volta seu interesse para o homem e a pólis. Essa atitude acaba levando Sócrates a se perguntar: o que é o homem? Embora não tenha dado uma resposta conclusiva para essa pergunta por achar que ela era a mais profunda de todas, Sócrates chega a uma definição razoavelmente precisa: o homem é a sua alma. Atenção! Sócrates usa a palavra alma (psyché) num sentido diferente daquele que é dado pela religião. Para Sócrates a alma é a consciência que cada um tem de si mesmo, é a personalidade intelectual e moral, é a razão. É o poder intelectual que cada um tem para descobrir em si mesmo e por si mesmo a verdade. É a capacidade de descobrir por si mesmo as regras da vida virtuosa. 6 O pai da ética Sócrates é considerado por muitos como fundador da reflexão racional, sistemática e crítica sobre a ação humana virtuosa. “O que é a virtude?”− pergunta Sócrates em diversas situações e às mais diversas pessoas. A virtude (areté) é a ação correta, excelente, meritória. Mas como saber se uma ação é correta? Aliás, correta para quem? O que é correto para um pode não ser para outro? Pelo que já estudamos até aqui, já é possível deduzir as respostas que Sócrates dá a essas perguntas. Acompanhe o seguinte raciocínio: A ação correta para o ser humano é aquela que condiz com sua essência. A essência do homem é a razão. Portanto, areté consiste em agir de acordo com a razão. É um raciocínio simples – mas não simplório. E para podermos compreendê-lo melhor é preciso desenvolver três idéias que estão implícitas nele: a idéia de autonomia, a tese de que virtude é conhecimento e a tese de que ninguém é mau por livre escolha. Veja: Autonomia – se a essência do homem é a razão, então é em si mesmo que cada um deve buscar orientação para agir corretamente. Foi nesse sentido que Sócrates tomou para si um lema inscrito num templo em Delfos: “conhece a ti mesmo”. A virtude moral não consiste em seguir os costumes nem em fazer aquilo que a maioria aprova e nem mesmo em obedecer preceitos religiosos. A virtude está em obedecer a própria essência. A areté humana é o conhecimento – a essência do homem é a razão, que consiste na capacidade de conhecer a essência das coisas. O conhecimento da essência das coisas é o verdadeiro conhecimento, é a ciência (episteme). O homem excelente é aquele em que sua essência se manifesta plenamente; portanto, a excelência humana corresponde à plenitude da ciência (episteme). Ninguém é mau por livre escolha – todo ser humano busca aquilo que acredita que lhe trará a felicidade. No entanto, na maioria das vezes, confiamos nas nossas sensações, na nossa experiência, nas nossas próprias opiniões e também nas opiniões de outras pessoas. Ou seja, na maioria das vezes nos deixamos levar por falsos conhecimentos, por ilusões e, por isso, acabamos agindo de forma incorreta. Mas a ação incorreta gera a infelicidade. Como ninguém deseja a própria infelicidade, fica claro que só quando agimos sem conhecimento, só quando estamos presos à ignorância, é que agimos de forma incorreta. Ninguém é perfeito A frase mais famosa de Sócrates é: “sei que nada sei”. O que ele quer dizer com isso? Embora defenda a possibilidade de se superar a doxa e de se alcançar a episteme, Sócrates rejeita ser chamado de sábio. Acredita que ninguém, nem mesmo ele, é sábio. Considera-se apenas um filósofo – alguém que busca a sabedoria. Certa vez, um amigo de Sócrates foi a Delfos, cidade em que havia um famoso templo no qual a pitonisa (a sacerdotisa desse templo) trazia oráculos (mensagens dos deuses aos humanos) aos que a procuravam. E os deuses proferiram “Sócrates é o mais sábio dos atenienses”. Ao saber do oráculo recebido por seu amigo foi que Sócrates formulou seu dito mais conhecido: “só sei que nada sei”. Justificou-se argumentando que sua sabedoria só poderia residir na consciência que tinha do fato de que nada sabia. Ter consciência do quanto ainda precisamos aprender é o primeiro passo para desejar o aprendizado. O sábio é o eterno aprendiz. 7 A Morte de Sócrates, de Jacques-Louis David (1748-1825) A morte de Sócrates Embora tenha exercido com dedicação as funções públicas para as quais foi convocado pela pólis (como soldado e, mais tarde, como magistrado), sempre que pôde Sócrates se manteve afastado das questões administrativas e da luta pelo poder. Acreditava que sua missão era servir a pólis através das suas atitudes, vivendo de forma justa e colaborando para formar cidadãos sábios, honestos, moderados. Sócrates era adorado por seus alunos. Vivia rodeado de jovens que se encantavam ao vê-lo falar. No entanto, ao assumir uma postura crítica diante da democracia ateniense e dos ensinamentos dos sofistas, Sócrates também ganhou inimigos. E quanto maior era o seu sucesso, maior era o incômodo das elites dominantes e dos sofistas que com ele disputavam a atenção dos que buscavam aprimorar-se intelectualmente. Quando esse incômodo tornou-se grande demais, Sócrates foi acusado de corromper os jovens, de não adorar os deuses de sua própria pólis e de introduzir o culto a novos deuses e, assim, foi levado a julgamento. Considerado culpado pela assembléia, o filósofo foi condenado à morte. Um mês mais tarde, após ter se recusado a fugir da prisão sob a proteção de alguns amigos influentes, Sócrates morre bebendo um veneno chamado cicuta, rodeado por seus melhores amigos. Referências: CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. São Paulo: Brasiliense, 1994. GUTHRIE, W. K. C. Os sofistas. São Paulo: Paulus, 1997. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2001. PLATÃO; XENOFONTE; ARISTÓFANES. Sócrates. [Os pensadores], São Paulo: Nova Cultural, 1996. REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. Volume I: Antigüidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.
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