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SÍNDROME METABÓLICA

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SÍNDROME METABÓLICA
A prevalência da obesidade tem aumentado entre crianças e adolescentes e as complicações associadas tornam-se cada vez mais comuns. Assim como no adulto, a obesidade infantil leva ao aparecimento de doenças como diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia, que conferem aumento do risco de eventos cardiovasculares. A síndrome metabólica (SM) é definida pelo conjunto de alterações metabólicas que aumentam o risco de desenvolvimento de doença cardiovascular. A síndrome é caracterizada por fatores de risco cardiovascular que já podem estar presentes nas crianças e nos adolescentes e culminar, em época posterior, em eventos deletérios com alta morbimortalidade. Entre os fatores incluídos na SM estão a obesidade visceral, a dislipidemia aterogênica, a hipertensão e a resistência à insulina, mas outras comorbidades, como doença hepática gordurosa não alcoólica e apneia obstrutiva do sono também estão comumente associadas. Até o momento, mais de 40 definições para a SM pediátrica foram propostas, a maior parte como adaptações dos critérios utilizados para adultos. Dependendo do critério utilizado, a prevalência varia de 2,2 a 52,1% na população pediátrica.
Fisiopatologia: Embora o mecanismo fisiopatológico de base da SM seja controverso, a hipótese etiológica identifica a resistência à insulina e a produção excessiva de ácidos graxos como os componentes-chave dessa doença. Na população pediátrica, os eventos intrauterinos que levam à restrição de crescimento intrauterino e baixo pessoa nascer, bem como as condições de ganho de peso excessivo nos primeiros 6 meses de vida, assumem importância na patogênese da SM, criando uma “memória metabólica” que levará o indivíduo a apresentar resistência à insulina, DM2, obesidade e hipertensão arterial em fases posteriores da vida.
A resistência insulínica (RI) e a obesidade têm um papel importante na fisiopatologia da SM e do DM2. A gordura visceral intra-abdominal está ligada à RI. Alguns autores defendem a hipótese de que a RI, juntamente com outras disfunções metabólicas, se iniciem no adipócito. Durante a alimentação, o adipócito estoca triglicérides (TG) e, no jejum, hidrolisa-os a ácidos graxos livres (AGL) e glicerol, para que sejam captados e oxidados pelos tecidos periféricos. Existe um equilíbrio dinâmico entre a liberação dos TG na circulação e a utilização pelos tecidos periféricos. 
A insulina liga-se a um receptor de membrana desencadeando os seus efeitos intracelulares. Os efeitos metabólicos imediatos da insulina incluem: aumento da captação da glicose (especialmente pelo músculo e tecido adiposo), aumento da síntese de proteínas e ácidos graxos, bloqueio da produção hepática de glicose, proteólise e lipólise. 
Os adipócitos grandes e hipertrofiados, presentes no tecido visceral e omental, parecem ser uma fonte específica de aumento dos AGL, pois secretam grandes quantidades de fator de necrose tumoral alfa (TNF-alfa) e estimulam a atividade de enzimas que rompem as gotículas de gordura intracelulares (caspases), acentuando a lipólise. Desse modo, a RI parece ser um fenômeno secundário à gordura visceral, uma vez que o aumento dos AGL na circulação diminui a sinalização insulínica, ao ativar serina-quinases, levando à fosforilação em serina dos substratos do receptor de insulina (IRS)1 e 2. Isso reduz a expressão gênica do GLUT 4 no músculo esquelético e o transporte de glicose no músculo, assim como a síntese hepática e muscular de glicogênio.
A oferta maior de lipídios aos tecidos periféricos também acarreta complicações crônicas, como a esteatose tecidual (em fígado, músculos e pâncreas), em virtude do acúmulo de ácidos graxos de cadeia longa, acetil-coenzima A e ceramidas nos tecidos, fenômeno conhecido como lipotoxicidade. Nos indivíduos 
geneticamente predispostos, a esteatose dasilhotas pancreáticas acarreta a apoptose das células beta, compromete a secreção de insulina, levando ao DM2 ao longo dos anos.
Recentemente, uma nova hipótese surgiu, ligando a microbiota intestinal a obesidade, DM2 e RI. A dieta rica em gorduras saturadas muda a composição da flora intestinal, favorecendo a proliferação de bactérias que apresentam mais lipopolissacárides na sua membrana. Essas substâncias podem desencadear um processo inflamatório, estimulando os receptores do sistema imune inato toll like receptors(TLR), presentes na mucosa intestinal. Em camundongos, foi demonstrado que induzem a expressão de citocinas inflamatórias (TNF-alfa e IL-6) e a RI, além de alterar o metabolismo dos AGL, causando lipotoxicidade e esteatose tecidual (fígado, pâncreas e músculo esquelético).
Quanto à dislipidemia, diante do excesso de triglicerídeos (TG) circulante, seja pelo aumento da ingesta calórica ou pela resistência insulínica, há um estímulo à síntese hepática de lipoproteínas ricas em TG, como as LDL pequenas, densas, e as HDL ricas em TG, que são disfuncionais, sendo excretadas pelos rins. Esses eventos causam hipertrigliceridemia, aumento de LDL e redução das concentrações do HDL, caracterizando a dislipidemia aterogênica.
Na obesidade, há ainda a redução da secreção de adiponectina e aumento de resistina, IL-6, angiotensina I e II, TNF-alfa e aumento do tônus simpático, eventos que também interferem na sinalização insulínica e elevam a pressão arterial. A hiperinsulinemia compensatória à RI contribui para a retenção renal de água e sódio e hipertensão diastólica, proliferação da camada médio-intimal das artérias e alterações proinflamatórias e protrombóticas, com aumento de secreção de PAI-I e fibrinogênio. Outro fator que contribui para elevar a PA é a apneia obstrutiva do sono, decorrente da hipóxia do sistema nervoso central (SNC).
Diagnóstico: A obesidade é o fator de risco mais importante para o desencadeamento da SM. Crianças e adolescentes obesos, especialmente pacientes com acantose nigricans, achado clínico característico da resistência insulínica, devem ser avaliados quanto à presença de SM.
Na Tabela 1, são apresentados os critérios diagnósticos para SM em crianças, de acordo com três importantes entidades médicas: International Diabetes Federation (IDF), National Cholesterol Education Program/Adult Trial Panel III (NCEP-ATP III) e American Heart Association (AHA).
•NCEP-ATP III: 3 dos 5 critérios
•AHA: obesidade central (cintura abdominal aumentada) + 2 critérios no mínimo
•IDF: obesidade central (cintura abdominal aumentada) + 2 critérios no mínimo
o Não recomenda que se diagnostique SM em menores de 10 anos
	Parâmetros
	Critérios diagnósticos para síndrome metabólica em crianças
	
	NCEP-ATP III
	IDF
	IDF
	AHA
	Idade
	12 a 19 anos
	10 a 16 anos
	>16 anos
	12 a 19 anos
	Cintura
	≥ P90 para idade e sexo
	> P90
	≥ 150 mg/dL ou em tratamento específico para esta anormalidade
	≥P90 para idade, sexo e etnia
	Triglicérides
	> 110 mg/dL
	≥ 150 mg/dL
	< 40 mg/dL em homens e < 50 mg/dLem mulheres ou tratamento específico para esta anormalidade
	>110 mg/dL
	HDL-colesterol
	< 40 mg/dL
	< 40 mg/dL
	> 100 mg/dL ou DM2 conhecido
	≤ P10 para raça e sexo
	Glicemia jejum
	> 110 mg/dL
	> 100 mg/dL
	> 100 mg/dL ou DM2 conhecido
	≥100 mg/dL
	PA 
	Sistólica ou diastólica > P90 (específica para idade, sexo e altura)
	Pressão sistólica ≥ 130 ou diastólica ≥ 85 mmHg
	Sistólica ≥ 130 ou diastólica ≥ 85 mmHg ou tratamento de HAS previamente diagnosticada
	≥ P90para idade, sexo e altura
Peso, altura, IMC, circunferência abdominal e pressão arterial devem ser avaliados na consulta. Dosagem de glicemia, colesterol total/frações e TG são necessários para o diagnóstico.
Tratamento: O tratamento deve abordar os componentes da síndrome. A RI pode ser tratada com metformina, mas a perda de peso em crianças e adolescentes obesos ou com sobrepeso é a melhor opção terapêutica. Sibutramina e o Orlistat as únicas drogas aceitas para tratamento da obesidade em adolescentes, embora no Brasil estejam liberadas apenas para adultos. A perda de peso melhora a dislipidemia, bem como a hipertensão arterial e o risco cardiometabólico. Dieta adequada, estímulo à atividade física e perda de peso em pacientes obesos, bem como o diagnóstico precoce da dislipidemia, devem ser os objetivos para evitar a aterosclerose e suas complicações na idade adulta.
As diretrizes oferecem recomendações amplas para avaliação e tratamento das dislipidemias, que se iniciam com mudança de estilo de vida por 6 meses. Se, apesar das modificações de estilo de vida, o LDL-colesterol permanece ≥ 130 mg/dL na presença de diabetes mellitus tipo 2 ou ≥ 160 mg/dL na presença de fatores de risco adicionais, deve-se considerar farmacoterapia. Elevação persistente de LDL-colesterol > 190 mg/dL sugere etiologia genética, e as estatinas são recomendadas. As recomendações para reduzir triglicérides são, primariamente, alimentação e modificação de estilo de vida. Os guias de tratamento pediátricos focam em prevenção de pancreatite, e a medicação é indicada atualmente apenas para os casos graves de hipertrigliceridemia (> 1000 mg/dL).
	Parâmetros
	Aceitável (mg/dL)
	Limítrofe (mg/dL)
	Anormal (mg/dL)
	Colesterol total
	< 170
	170 A 199
	≥200
	LDL-colesterol
	< 110
	110 A 129
	≥130
	Não HDL-colesterol
	< 120
	120 a 144
	>145
	HDL-colesterol
	> 45
	40 a 45
	<40
	Triglicérides
	
	0 a 9 anos
	< 75
	75 a 99
	≥100
	10 a 19 anos
	<90
	90 a 199
	≥130

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