Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 1 �o ' Vitamina K* J o h n W. S utti e Estrutura química e nomenclatura . . . . . . . . . . . • . . . . . 305 Fontes e utilização da vitamina K . . . . . . . . . . . . . . . . . 306 Análise, composição dos alimentos e biodisponibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 306 Absorção e transporte da vitamina K . . . . . . . . . . . . . . . . 307 Utilização de menaquinonas originárias do intestino grosso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307 Proteínas dependentes de vitamina K . . . . . . . . . . . . . . 308 Proteínas plasmáticas envolvidas na hemostasia . . . . . . . 308 Proteínas encontradas em tecidos calcificados . . . . . . . . . 308 Outras proteínas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 309 Função bioquímica da vitamina K . . . . . . . . . . . . . . . . . 309 Carboxilase dependente de vitamina K . . . . . . . . . . . . . . 309 Vitamina K epóxido redutase . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 1 Síntese e função da menaquinona-4 . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 2 Consequências da deficiência d e vitamina K . . . . . . . . . 312 Terapia anticoagulante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 2 Doença hemorrágica do recém-nascido . . . . . . . . . . . . . . 3 1 3 Deficiências em adultos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 3 Função n a saúde do esqueleto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 3 Proteína Gla d a matriz e calcificação vascular . . . . . . . 3 1 4 Necessidades nutricionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 1 4 A vitamina K foi descoberta em 1929, por Henrik Dam, l quando ele notou que pintinhos que ingeriam dietas cujo colesterol havia sido extraído por solventes não polares desenvolveram hemorragias subdural ou muscular e que o sangue retirado desses animais havia se coagulado lentamen te. Outros pesquisadores também conduziram estudos sobre episódios hemorrágicos em experimentos em animais2 com dietas alteradas no conteúdo de lipídeo e, em 1935, Dam3 propôs a existência de um novo fator lipossolúvel, a vitami na K. Durante o final da década de 1930, os pesquisadores determinaram que a menadiona, 2-metil-1,4-naftoquinona. *Abreviaturas: AI, ingestão adequada; ApoE, apolipoproteína; DRI, ingestão dietética de referência; EAR, necessidade média estimada; Gla, ácido y-carboxiglutâmico; GRP, proteína rica em Gla; HCo3-, bicarbonato; INR, razão normalizada internacional; K"" constante de Michaelis-Menten; MGP, proteína Gla da matriz; MK: menaquinona; OC, osteocalcina; PT, tempo de protrombina; RDA, ingestão dietética recomendada; ucOC, osteocalcina pouco y-carboxilada; VKDB, sangramento por deficiência de vitamina K; VKORCI, subunidade I do complexo ep6xi-redutase de vitamina K-. tinha atividade de vitamina K, e a vitamina foi isolada da alfafa na forma de um óleo amarelo. Essa fórmula, vitamina Ki. foi caracterizada como 2-metil-3-fitil-l,4-naftoquinona4 e foi sintetizada pelo grupo de Doisy na Universidade de St. Louis. O grupo de Doisy também isolou uma forma da vita mina a partir de alimento à base de peixe pútrido, chamada vitamina Kz e que continha uma cadeia lateral de poliprenil insaturado na posição 3 do anel naftoquinona. Os primeiros pesquisadores reconheceram que a atividade da vitamina K de algumas fontes de vitamina, como o alimento à base de peixe pútrido, resultava da síntese bacteriana, e também nota ram que vários vitâmeros diferentes da série K2 tinham cadeia do grupo poliprenil de diferentes comprimentos na posição 3. No momento em que a vitamina K foi isolada e caracteri zada, as únicas proteínas plasmáticas conhecidas envolvidas na coagulação do sangue eram a protrombina e o fibrinogênio. Dam et al.5 isolaram uma fração de protrombina bruta a par tir do plasma de frango e demonstraram que a sua atividade diminuía quando a fração era obtida de frangos com deficiência de vitamina K. A condição hemorrágica resultante da icterícia obstrutiva ou de problemas biliares também mostrou ser decor rente da má utilização de vitamina K, sendo que esses episódios de sangramento eram, no início, especificamente atribuídos à falta de protrombina Um entendimento real da formação do trombo e dos vários fatores solúveis e celulares envolvidos na regulação da geração de trombina a partir da protrombina não começou até meados da década de 1950. Assim que os fatores VIl, IX e X foram descobertos, por meio dos estudos de pacien tes com distúrbios de coagulação, mostrou-se a dependência de vitamina K para a sua síntese. Por um tempo considerável, esses três fatores e a protrombina eram as únicas proteínas cuja necessidade de vitamina K para a sua síntese era conhecida. Estrutura química e nomenclatura O termo vitamina K é utilizado como uma descrição gené rica de 2-metil-1,4-naftoquinona (menadiona ou vitamina K3), e todos os derivados deste composto que exibem ati vidade anti-hemorrágica em animais que são nutridos com uma dieta deficiente em vitamina K (Fig. 20.1). A princi pal fonte dietética de vitamina K são os vegetais, em geral chamados de vitamina K i. preferencialmente chamados de filoquinona (USP fitonadiona). O composto 2-metil-3-far nesilgeranilgeranil-1,4-naftoquinona, isolado pela primeira vez a partir de alimento à base de peixe pútrido, é um em 305 306 Pa rte 1 • Componentes específicos da d ieta o o o Filoquinona o Menaquinona-9 Figura 20.1 Estruturas dos compos tos ativos da vitamina K. A filoquino na (vitamina K1) sintetizada em plan tas é a forma dietética principal de vitamina K. A menaquinona-9 é uma forma proeminente de uma série de menaquinonas (vitamina K2). produzi da por bactérias intestinais, e a mena diona (vitamina K3) é um composto sintético que pode ser convertido em menaquinona-4 pelos tecidos animais. o o O) o Menaquinona-4 Menadiona uma série de compostos da vitamina K com cadeias laterais insaturadas chamadas multiprenilmenaquinonas, as quais são produzidas por um pequeno número de bactérias anaeróbias e estão presentes em grandes quantidades no intestino gros so. Essa menaquinona (MK) em particular tem sete unida des isoprenoides, ou 35 carbonos na cadeia lateral, e já foi denominada vitamina K2, porém este termo atualmente é utilizado para descrever qualquer vitâmero com uma cadeia lateral insaturada, e esse composto seria identificado como MK-7. Vitaminas da série MK com até 13 grupos prenil têm sido identificadas, mas as formas predominantes encontradas no intestino são MK-7 até MK-9. O MK-4 (2-metil-3-gera nilgeranil-1,4-naftoquinona) pode ser formado em tecidos animais por alquilação da menadiona6 e é a forma tecidual biologicamente ativa da vitamina, utilizada quando a mena diona é empregada como a forma dietética da vitamina K Fontes e utilização da vitamina K Análise, composição dos alimentos e biodisponibilidade Procedimentos padronizados adequados para a análise do conteúdo de vitamina K dos alimentos estão disponíveis no momento,7 e têm sido obtidos valores suficientes para fornecer uma estimativa razoável da ingestão dietética da vitamina (Tab. 20.1 ). Em geral, os alimentos com alto conteúdo de filoquinona são os vegetais folhosos verdes. Aqueles que fornecem quan tidades substanciais da vitamina para a maioria da população são espinafre {380 µ.g/100 g), brócolis (180 µ.g/100 g) e alface americana (35 µ.g/100 g). Gorduras e óleos também contri buem para a ingestão diária de vitamina K de muitas pessoas. O conteúdo de filoquinona dos óleos varia consideravel mente, sendo o óleo de soja (190 µ.g/100 g) e o de canola (130 µ.g/100 g) fontes muito ricas e o óleo de milho (3 µ.g/100 g), uma muito pobre. A fonte de gordura ou óleo tem impor tante influência no conteúdo de vitamina K de margarinas e de alimentos preparados com um alto conteúdo de gordura. O processo de hidrogenação para conversão de óleo vegetal emmargarina sólida ou manteiga converte algumas das filo quinonas a 2:3' -di-hidrofiloquinona com uma cadeia lateral - Concentrações de filoquinona de alimentos comunsª Item alimentar 119/100 g Item alimentar Vegetais Gorduras e óleos Couve 440 óleo de soja Espinafre 380 Óleo de canola Saladas verdes 315 Óleo de semente de algodão Brócolis 180 Azeite Couve-de-bruxelas 1n Margarina Repolho 145 Manteiga Alface repolhuda 122 Óleo de milho Aspargo 60 Quiabo 40 Alface americana 35 Alimentos preparados Vagem 33 Molhos para salada Ervilha 24 Salada de repolho cru Pepino 20 Maionese Couve-flor 20 Macarrão com came Cenouras 10 Muffins Tomates 6 Rosquinhas Batatas Batata chips Torta de maçã Fontes de proteína Batatas fritas Soja seca 47 Macarrão com queijo Lentilha seca 22 Lasanha Fígado 5 Pizza Ovos 2 Hambúrguer Carne fresca < 1 Cachorro-quente Peixe fresco < 1 Feijão cozido Leite integral < 1 Pão "Valores médios. IJg/100 g 193 127 60 55 42 7 3 100 80 41 31 25 10 15 11 5 5 5 4 4 3 3 3 Modificado de Food and Nutrition Board, lnstitute oi Medicine. Dietary Reference lntakes for Vitamin A. Vitamin K. Arsenic, Boron, Chromium, Copper. lodine, lron, Manganese, Molybdenum, Nickel, Silicon, Vanadium, and Zinc. Washington DC: National Academy Press, 2001. completamente saturada. A atividade biológica desta forma da vitamina é menor do que aquela da filoquinona, mas não foi determinada exatamente. Pesquisadores encontraram que a ingestão desta forma da vitamina pela população dos Estados Unidos é de 20 a 25% da ingestão de filoquinona.8 A biodisponibilidade da filoquinona de vários alimentos em humanos tem sido difícil de avaliar. Estudos iniciais com pararam o aumento da filoquinona no plasma a partir do con- sumo de vegetais verdes com filoquinona pura. Esses estudos limitados sugeriram que a biodisponibilidade de filoquinona proveniente de várias fontes vegetais não deve ser considerada maior que 15 a 20% daquela filoquinona consumida como suplemento. A disponibilidade de filoquinona a partir de óleos vegetais adicionada ao óleo de milho era cerca de duas vezes maior do que a de brócolis. O uso de isótopos estáveis clas sificados por filoquinona deveria resultar em medições mais precisas de bioatividade.9-11 Esses achados demonstram que a composição da refeição é um fator importante.12 Alguns alimentos, especialmente queijos, contêm uma quantidade significativa (50 a 70 µg/100 g) de MK de cadeia longa, e um produto da soja fermentada, nato, que é consu mido principalmente no mercado japonês, com aproximada mente 1.000 µg/100 g de MK-7. Alguns dados indicam que a absorção de MK de cadeia longa pode ser substancialmente superior à de filoquinona a partir de vegetais verdes.13 Absorção e transporte da vitamina K A filoquinona, forma dietética predominante da vitamina, é absorvida do intestino por meio do sistema linfático, I4 e a absorção é reduzida em pacientes com insuficiência biliar ou em várias síndromes de má absorção. A filoquinona no plasma é predominantemente carregada pela fração de lipoproteína rica em triglicérides que tem lipoproteínas de densidade muito baixa e remanescentes de quilomícrons, embora quantidades significativas estejam localizadas em frações de lipoproteína de alta e baixa densidades.Is Demonstrou-se que a concentração de filoquinona plasmática em uma população fisiologicamente normal tem uma média de cerca de 1,0 nmoVL (-0,45 ng/mL), com uma ampla variação nos valores de 0,3 a 2,6 nmoVL. I6 Como era de se esperar dessa via de transporte, as concentra ções de filoquinona plasmática são fortemente correlacionadas com os rúveis de lipídeos plasmáticos.17 A principal via de entrada da ftloquinona nos tecidos parece ser por meio da depuração dos remanescentes de quilomícrons pelos receptores de apolipoproteína E (ApoE). Descobriu-se que o polimorfismo da ApoE influencia as concentrações de ftloquinona plasmática no jejum. Esta resposta está correlacionada com a depuração hepática dos remanescentes de quilomícron da circulação, com o ApoE2 apresentando a taxa de remoção mais devagar. Is A secreção de ftloquinona pelo fígado e o processo do movimento da vitamina nos órgãos ainda não foram compreendidos. O estoque total de filoquinona do corpo humano é muito pequeno, e a renovação é rápida. Um pico de circulação de concentração de filoquinona após absorção tem mostrado ser rapidamente diminuída (meia-vida - 15 minutos), seguido por uma diminuição mais lenta (meia-vida - 2,5 horas).10 Embora a quantia total de vitamina K seja relativamente alta, MK de cadeia longa, mais do que a filoquinona, são a maior fonte de vitamina no fígado.2 Dados baseados nas biópsias do fígado de pacientes alimentados com dieta pobre em vitamina K antes da cirurgia indicaram que cerca de dois terços da filoquinona hepática foram perdidos em 3 dias.I9 Essas descobertas são consistentes com um pequeno estoque Capítulo 20 • Vitamina K 307 de filoquinona que se renova muito rapidamente. A grande quantidade de MK no fígado, entretanto, se renova em uma velocidade muito mais baixa. As fezes são a principal via de excreção dos metabólitos de filoquinona, e muito pouca vitamina não metabolizada é excretada. Atualmente, faltam muitos detalhes sobre a trans formação metabólica da vitamina; no entanto, pesquisado res mostraram que as cadeias laterais da ftloquinona e da MK-4 foram reduzidas a sete ou cinco átomos, produzindo um grupo ácido carboxílico na extremidade.14,20. Esses 5C e 7 C-agliconas, que são os principais metabólitos da filoquino na, são excretados pela urina em concentrações que são rela cionadas à ingestão da vitarnina.21 Estudos também mostram que os glucorinídeos de menadiona são excretados na urina em uma quantidade positivamente relacionada à filoquino na. 22 O mecanismo pelo qual a menadiona é elevada a partir de várias fontes de vitamina K ou seus metabólitos é des conhecido. Evidências indicam que existem inúmeros meta bólitos não identificados, e o tratamento de pacientes com anticoagulante oral varfarina, que resulta em uma conversão substancial do estoque corporal de filoquinona a filoquinona -2,3-epóxido, também leva à geração de novos metabólitos. Utilização de menaquinonas originárias do intestino grosso Sabe-se há muito tempo que o intestino humano contém quantidades substanciais de vitamina K na forma de cadeias longas de MK. Relativamente poucas das bactérias que com preendem a flora intestinal normal são os principais produtores de MK. No entanto, as anaeróbias obrigatórias do grupo das Bacteroides fragilis, Eubacterium, Propionibacterium e Arachnia são produtoras, assim como os organismos anaeróbios faculta tivos, tais como Escherichia coli. A quantidade de vitamina K no intestino pode ser relativamente grande, e as quantidades encontradas no conteúdo total do trato intestinal provenientes de cinco pacientes submetidos à colonoscopia variaram de 0,3 a 5,1 mg,23 sendo MK-9 e MK-10 os principais contribuintes. Essas quantidades são consideravelmente maiores do que a necessidade dietética diária da vitamina, que corresponde a menos de 100 µg/dia. As MK de cadeia longa, principalmente MK-6, MK-7, MK-10 e MK-11, estão presentes em níveis muito baixos no plasma, mas foram encontradas no fígado humano em níveis que excedem a concentração de filoquinona. 24 Uma principal questão ainda permanece sobre como esses compostos muito lipofílicos, que estão presentes como consti tuintes das membranas bacterianas, são absorvidos pelo intes tino grosso. Poucas evidências a respeito da via de absorção e transporte dessas vitaminas para o fígado estão disporúveis. A deficiência de vitamina K em seres humanos adultos, caracterizada por hipoprotrombinemia responsiva à vitami na K, é uma condição muito rara, e vários relatos de casos de hipoprotrombinemia induzida por antibióticos são cita dos como evidência daimportância das MK bacterianas. Historicamente, admitiu-se que essas hipoprotrombinemias induzidas por antibióticos resultam da redução na síntese de MK por organismos do intestino,25 com a suposição fun- 308 P a rte 1 • Compon entes espe cífi cos da d ieta damental de que as MK são importantes para satisfazer pelo menos uma porção da necessidade humana normal de vita mina K. Entretanto, em quase todos esses relatos de casos, faltam evidências da redução da síntese de MK na presença de tratamento por antibióticos, e as próprias drogas podem ter influenciado no controle hemostático. A dificuldade em produzir uma deficiência clinicamente significativa (aumento do tempo de protrombina - PT), por restrição dietética em seres humanos, e a conhecida e rápida renovação do esto que corporal de filoquinona sugerem fortemente que as MK contribuem para uma manutenção do estado de vitamina K adequado, 24 porém a magnitude da contribuição não pode ser determinada com os dados disponíveis. Proteínas dependentes de vitamina K Proteínas plasmáticas envolvidas na hemostasia A protrombina, que é o zimogênio circulante da trombina pró-coagulante, foi a primeira proteína cuja dependência de vitamina K para sua síntese foi demonstrada. Ela também foi a primeira proteína que mostrou conter resíduos de ácido 'Y-carboxiglutâmico (Gla). Os fatores de coagulação plasmá ticos VII, IX e X foram todos, no início, identificados, porque suas atividades estavam reduzidas no plasma de um paciente com um distúrbio hemorrágico hereditário26 e, posterior mente, apresentou-se que esses fatores dependem da vita mina K1 para a sua síntese. Até a metade da década de 1970, esses quatro "fatores de coagulação dependentes de vitamina K" eram as únicas proteínas conhecidas por precisarem dessa vitamina para a sua síntese. Uma série complexa de eventos (Fig. 20.2), que leva à geração de trombina por ativação proteolítica de zimogênios de protease,27•28 é essencial para homeostasia. Os fatores de coagulação dependentes de vitamina K estão envolvidos nes ses eventos de ativação e propagação por meio de complexos associados à membrana, uns com os outros e com proteínas acessórias. Todas essas proteínas incluem alguns resíduos de Gla e seu domínio Gla de amina terminal é muito homólogo, com 10 a 13 resíduos em cada, essencialmente na mesma posição como na protrombina. Além das proteínas dependentes de vitamina K clássicas, mais três proteínas plasmáticas contendo Gla com homologia similar foram descobertas. As proteínas C e S estão envolvi das na inativação do fator V iniciada por trombina e, portan - to, têm um papel mais anticoagulante do que pró-coagulante na hemostasia normal.29 Além dos aproximados 40 resíduos do domínio Gla, as proteínas dependentes de vitamina K têm outras características comuns. O domínio Gla da protrom bina é seguido por dois domínios "kringle': que são também encontrados no plasminogênio, e um domínio de serina protease. Os fatores VII, IX e X e a proteína C contêm dois domínios de fator de crescimento epiderma! e um de serina protease, enquanto a proteína S possui quatro domínios de fator de crescimento epiderma!, mas não é uma serina pro tease. A função da sétima proteína plasmática contendo Gla (proteína Z), que não é um zimogênio protease, demonstrou Fator tecidual PL Ca2+ Ca2+ Fibrinogênio --- Flbrlna � � Figura 20.2 Fatores de coagulação dependentes de vitamina K envol vidos na coagulação sanguínea. Os pró-coagulantes dependentes de vitamina K (protrombina, fatores VII, IX, X) circulam como zimogênios da serina protease até serem convertidos em suas formas ativas ("a" subscrito). A iniciação desse processo ocorre quando um dano vascular expõe o fator tecidual ao sangue (via extrínseca). O produto da ativa ção de um fator pode ativar um segundo zimogênio, e esse efeito cascata resulta em uma rápida ativação da protrombina em trombina e a posterior conversão de fibrinogênio solúvel em coágulo de fibrina insolúvel. Alguns dos passos nessa ativação envolvem uma protease ativa, um segundo substrato de proteína dependente de vitamina K e um cofator de proteína plasmática (clrculos) adicional para formar uma associação mediada por cálcio (Ca2+) com uma superfície de fosfolipí dio (PL). A formação do fator X ativado também pode ocorrer por meio de ativação da trombina do fator XI e, posteriormente, do fator IX (via intrínseca). As duas outras proteínas dependentes de vitamina K parti cipam no controle hemostático como anticoagulantes, e não como pró-coagulantes. A proteína C é ativada pela trombina (fator lla) na presença de uma proteína da célula endotelial chamada trombomodu lina (TM). A proteína e ativada funciona em um complexo com a pro teína S para inativar Va e Vllla e limitar a formação de coágulo. ter uma função anticoagulante sob algumas condições.30 Por ter um papel crítico na hemostasia, essas proteínas têm sido estudadas extensivamente. O cDNA e a organização genô mica de cada uma delas estão bem documentados, e muitas variantes genéticas dessas proteínas têm sido identificadas como fatores de risco em distúrbios de coagulação.31 Proteínas encontradas em tecidos calcificados A primeira proteína dependente de vitamina K contendo Gla, que não estava localizada no plasma, foi isolada do osso.32.33 Essa proteína de 49 resíduos com três resíduos de Gla foi chamada de osteocalcina (OC) ou proteína Gla do osso (BGP), e tinha pouca homologia estrutural com as proteínas plasmáticas dependentes de vitamina K Embora a OC seja a segunda proteína mais abun dante no osso, sua função ainda não foi claramente definida. Ratos mantidos em um protocolo de tratamento anticoagulan te e administração de vitamina K para prevenir problemas de sangramento desenvolveram fusão da placa de crescimento da t:füia proximal. 34 Por isso, a OC parece estar envolvida de algu ma forma no controle da mineralização tecidual ou renovação esquelética, mas foi mostrado que camundongos de gene OC knockout produzem preferencialmente ossos mais densos do que um defeito na formação dos ossos.35 A OC produzida no osso aparece no plasma em concen trações altas em crianças e aproxima-se dos níveis adultos na puberdade. As concentrações de OC são mais altas na doença de Paget e em outras condições de rápida renovação do osso. O osso também possui uma segunda proteína de baixo peso mole cular (resíduo 79) com cinco resíduos de Gla isolados do osso, chamada proteína Gla da matriz (MGP). Esta proteína tem uma relação estrutural com a OC, mas também está presente em outros tecidos e é sintetizada na cartilagem e em outros tecidos moles.37 Tem sido difícil estudar a proteína em razão de sua natureza hidrofóbica, insolubilidade relativa e tendência a agregar. Assim como a OC, detalhes de seu papel fisiológi co não estão claros, mas, em estudos com camundongos de MGP knockout, a calcificação espontânea das artérias e carti lagem resultou em morte.38 A calcificação arterial foi também demonstrada em modelos de ratos tratados com varfarina. 39 Mais recentemente, foram identificadas outras proteínas dependentes de vitamina K, associadas ao tecido calcificado. Embora faltem evidências para sustentar uma função especí fica em tecidos calcificados, a proteína plasmática, proteína S, que é produzida no fígado, também é sintetizada pelas células ósseas. A proteína rica em Gla (GRP), a proteína mais exten sivamente carboxilatada conhecida,40 foi inicialmente encon trada em cartilagem de esturjão e foi, a seguir, demostrada ser expressa e acumulada no tecido mole de ratos e humanos. Embora o papel metabólico desta proteína não tenha sido estabelecido, ela parece desempenhar um papel na calcificação do tecido conjuntivo.41 Uma proteína expressa por células de estroma mesenquimal, periostina, demonstrou conter quatro domínios fascilin-like ricos em Gla.42 Seu papel não é conhe cido, e ratos sem periostina são manifestadamentenormais ao nascer, mas gravemente retardados no crescimento.43 Outras proteínas Descobriu-se que números limitados de outras proteínas de mamíferos têm resíduos de Gla e, portanto, dependem da vitamina K para a sua síntese. Uma delas é o Gas 6, um ligante para a tirosina quinase Axl,44 que parece ser um fator de cresci mento para células mesangiais e epiteliais. Duas proteínas Gla ricas em prolina (PRGP- 1, PRGP-2) foram descobertas como proteínas integrais da membrana, com um domínio amina ter minal extracelular rico em resíduos de Gla.45 Posteriormente, dois outros membros dessa família de proteína Gla transmem- Ca pítu lo 20 • Vitamina K 309 brana (TMG-3 e TMG-4) foram clonados.46 As especificidades do papel desses receptores da superfície celular ainda não são conhecidas. As proteínas dependentes de vitamina K não são restritas aos vertebrados, e muitos peptídeos de venenos tóxi cos secretados pelo caracol marinho Conus são ricos em resí duos de Gla. 47 Proteínas dependentes de vitamina K também têm sido encontradas no veneno de cobras,48 e a carboxilase tem sido clonada de vários vertebrados, do caracol Conus, um tunicado e da Drosophila.49 A forte homologia da sequência da enzima carboxilase desses sistemas filogenéticos sugere que essa modificação pós-translacional do ácido glutâmico tem origem evolucionária remota, e numerosas proteínas depen dentes de vitamina K ainda serão descobertas. Função bioquímica da vitamina K Aproximadamente 40 anos se passaram entre a descober ta da vitamina K e a determinação, começando na década de 1960, do seu papel metabólico. Teorias recentes de que a vitamina K controlava a produção de proteínas específicas no nível transcripcional não foram provadas. Anormalidades nos tempos de coagulação em pacientes anticoagulados sugeriram que uma forma inativa de protrombina circu lante, porém imunoquimicamente semelhante, chamada de "protrombina anormal': estava presente em concentrações maiores no plasma desses pacientes. A caracterização de urna protrombina anormal isolada do plasma de vacas alimentadas com anticoagulante dicumarol levou diretamente a um entendimento do papel metabólico da vitamina K Essa proteína não tinha o local específico de ligação do cálcio presente na protrombina normal e não demonstrou uma associação dependente de cálcio com superficies de fosfoli pídios, carregadas negativamente, conhecidas por serem essen ciais para a ativação da protrombina. Peptídeos ácidos foram obtidos por digestão enzimática proteolitica da protrombina e, posteriormente, notou-se que continham Gla, um aminoácido ácido que não tinha sido reconhecido anteriormente.50•51 Os resíduos de Gla não puderam ser obtidos por proteólise da pro trombina anormal Posteriormente, apresentou-se que os dez resíduos de ácido glutâmico, nos primeiros 42 resíduos de pro trombina bovina, são pós-translacionalmente -y-carboxilados para formar esses grupos cálcio-ligantes efetivos. Carboxilase dependente de vitamina K A descoberta dos resíduos de Gla na protrombina levou à constatação de que preparações microssomais do fígado de rato em estado natural continham uma atividade enzimática ( carboxilase dependente de vitamina K), a qual promovia uma incorporação dependente de vitamina K de bicarbonato 14C (H14C03-) em precursores endógenos de proteínas dependen tes de vitamina K presentes nessas preparações.52 Peptídeos pequenos com sequências de Glu-Glu adjacente, tais como Phe-Leu-Glu-Glu-Val, eram substratos para a enzima, e foram usados para estudar as propriedades dessa carboxilase rara. Essa fração rnicrossomal rugosa do fígado teve uma atividade carboxilase altamente melhorada, e o evento de carbox.ilação 310 Pa rte 1 • Componentes específicos d a d ieta foi localizado no lado luminal do retículo endoplasmático rugoso. A reação de carboxilação dependente de vitamina K não precisa do trifosfato de adenosina, e a energia para acionar essa reação de carboxilação é derivada da oxidação da forma reduzida, hidronaftoquinona, da vitamina K (vitamina KH2) pelo 02 para formar a vitamina K-2,3-epóxido (Fig. 20.3). A falta de necessidades definidas de biotina e de estudos sobre a necessidade de C02/HC03- (dióxido/bicarbonato) indi cam que a espécie ativa na reação de carboxilação é preferen cialmente o C02. quando comparado com o HC03-. Estudos da especificidade do substrato no local de ligação da vitamina K da enzima têm mostrado que, embora algumas diferenças na atividade biológica possam ser medidas, a filoquinona, MK-4, e as formas intestinais predominantes da vitamina, MK-6 e MK-8, são substratos efetivos. A síntese e a análise de um gran de (constante de Michaelis-Menten - Km) número de substratos de peptídeo de baixo peso molecular da enzima não consegui ram revelar qualquer sequência rara ao redor do resíduo de Glu necessária como um sinal para a carboxilação. Somente algumas das proteínas secretadas pelo fígado para o plasma são dependentes de vitamina K, portanto um mecanismo eficiente para o reconhecimento dos precursores das proteínas dependentes de vitamina K é um pré-requisito essencial a fim de uma carboxilação eficiente. A clonagem de proteínas dependentes de vitamina K revelou que os produtos de seu gene primário contêm um domínio muito homólogo W:"' / OH Vitamina KH2 Glu / entre as aminas terminais da proteína madura e a sequência sinalizada, que direciona o polipeptídio até a via secretória. Essa região do propeptídeo parece ser tanto um sítio de anco ragem ou reconhecimento para a enzima, 53 como um modu lador da atividade da enzima, diminuindo o Km aparente do substrato de sítio Glu. 54 Todas as proteínas dependentes de vitamina K incluem uma sequência de aproximadamente 18 resíduos, que é clivada antes da secreção da proteína. Embora as afinidades de ligação carboxilase dos pro peptídeos para diversas proteínas sejam significativamente diferentes,55 os propeptídeos são necessários a fim de uma carboxilação eficiente. O papel da vitamina K na reação geral catalisada pela enzima é abstrair o hidrogênio no carbono 'Y do resíduo glutamil para permitir o ataque do C02 nessa posição. A associação entre a formação de epóxido, a for mação de Gla e a quebra da ligação -y-C-H foi estudada, e a eficiência da reação, definida como a razão entre os resíduos de Gla formados e as ligações -y-C-H quebradas, não depen dia das concentrações de substrato de Glu e aproximou-se da unidade em altas concentrações de C02.56 A identificação de uma forma química intermediária da vitamina K que pudesse ser suficientemente fundamental para abstrair o hidrogênio 'Y do resíduo glutamil foi pri meiramente proposta por Dowd et al.57 Esses pesquisadores sugeriram que um ataque inicial de oxigênio na carbonila da naftoquinona do carbono adjacente ao grupo metila resulta O H �NH • 1 ' CH2 H 1 "ce -o c / 2 Gla Figura 20.3 A -y-glutamil carboxilase dependente de vitamina K. Os dados disponíveis sustentam uma interação do oxigênio (Oi) com a vitamina KH2, a forma reduzida da vitamina K (hidronaftoquinona). para formar um intermediário oxigenado que é suficientemente básico para extrair o hidrogênio "'/ do resíduo glutamil. Os produtos dessa reação são a vitamina K-2,3-epóxido e uma carbilnion glutamil. Ataque do C02 no carbilnion leva à formação de um resíduo de ácido -y-carboxiglutilmico (Gla). Os intermediários entre parênteses peroxo, dioxetano e alcóxidos não foram identificados em reações catalisadas por enzimas, mas são postulados baseados em modelos de reações orgilnicas, e os dados disponíveis são consistentes com a sua presença. na formação de um anel dioxetano, o qual gera um interme diário alcóxido. Tem-se como hipótese que esse intermediá rio é uma base forte que abstrai o hidrogênio do 'Y-metileno e deixa um carbânion, o qual pode interagir com o C02• Essa via leva à incorporação de um átomo de oxigênio molecular no epóxido de vitaminaK e o segundo à água.58•59 Embora o esquema geral mostrado na Figura 20.3 seja consistente com todos os dados disporúveis, os detalhes deste mecanismo permanecem sem clarificação. Apesar do avanço na purificação química da enzima ter sido lento, a enzima foi purificada até quase a homogenei dade60 e foi clonada.61 A carboxilase é uma proteína única de 758 resíduos de aminoácidos incluindo uma sequên cia sugestiva de uma proteína integral de membrana, com alguns domínios transmembranares no terminal N, e um terminal C localizado no lúmen do retículo endoplasmá tico. Pesquisadores demonstraram que os sítios múltiplos de Glu no substrato para essa enzima são carboxilados por processo, conforme vão se ligando à enzima por meio de seu propeptídeo,62 enquanto o domínio Gla é submetido a um movimento intramolecular para repor cada Glu à catálise, e a liberação do substrato carboxilado é a etapa limitante da velocidade na reação.63 Detalhes adicionais da morfologia da enzima dentro da membrana, a localização e a identificação dos principais resíduos do sítio ativo, e a ampla distribuição da enzima no reino animal estão disporúveis em artigos de revisão publicados. 2.49•64.65 � VylR s--s � OH Ca pítulo 20 • Vitamina K 311 Vitamina K epóxido redutase Conforme as proteínas dependentes de vitamina K são catabolizadas, os resíduos de Gla liberados não são usados para formar novas proteínas ou serem metabolizados, mas são excretados pela urina.66 A quantidade de Gla excretada por um ser humano adulto está na faixa de 50 µ.mol/dia, portanto uma quantidade similar deve ser formada todos os dias. A necessidade dietética de vitamina K é somente cerca de 0,2 µ.mol/dia, e os suprimentos teciduais são muito baixos. Um mol de vitamina é oxidado para cada mol de Gla formado, por isso a vitamina K-2,3-epóxido gerada pela carboxilase deve ser ativamente reciclada por uma enzima chamada vitamina K epóxido redutase. A razão hepática do epóxido referente àquela da vitamina era superior em animais nos quais era administrada varfari na anticoagulante 4-hidroxicumarina. 67 Esse achado levou à teoria de que a inibição da ação da vitamina K pela varfarina ocorre indiretamente, por meio de uma inibição de 2,3-epó xido redutase. O bloqueio dessa enzima impede a redução do epóxido à forma quinona da vitamina e, finalmente, ao substrato carboxilase, a vitamina KH2• O estudo da atividade de epóxido redutase nos fígados de ratos resistentes à varfari na68 foi essencial para compreender69•70 os detalhes do ciclo da vitamina K (Fig. 20.4). Três formas de vitamina K podem suprir o ciclo de vitamina K no fígado: a quinona (K). a hidronaftoquinona (KH2) e o o � �R 1 CH2 1 HC- COOH 1 COOH o � vv� o SH SH � Figura 20A Metabolismo tecidual da vitamina K. A vitamina K epóxido formada na reação de carboxilação é reduzida a sua forma quinona pela via sensível à varfarina, vitamina K epóxido redutase (VKORC 1 ), que é acionada por um ditiol reduzido. A forma naftoquinona da vitamina pode ser reduzida para a forma hidro naftoquinona pela mesma redutase acionada por ditiol sensível à varfari na ou por uma, ou mais, nicotinami da adenina dinudeotldeo reduzida (NADH) ou NADH fosfato reduzida (NADPH) hepáticas ligadas à quinona redutase, que são menos sensíveis à varfarina. SH SH o s--s � � 312 Parte 1 • Componentes específicos da dieta 2,3-epóxido (KO). No fígado normal, a razão entre a vitamina K-2,3-epóxido e a forma menos oxidada da vitamina é cerca de 1:10, mas pode aumentar para uma maioria de epóxido em um animal anticoagulado. A epoxi-redutase é agora conhecida71•72 como uma subunidade 1 complexo de redutase epóx.i de vitami na K (VKORCl) de proteína integral de membrana de cadeia simples de 163 aminoácidos pequena. Embora outras redutases celulares possam reduzir a forma quinona da vitamina K,73 pesquisadores mostraram que VKORCl provocaram a morte de ratos logo após o nascimento por uma deficiência de fator de coagulação.74 A enzima contém centro redox baseado em cic teína, mas a regeneração de VKORCl, após a redução epóxi de vitamina K requer uma proteína redox ainda não identificada. Síntese e função da menaquinona-4 A MK-4 não é o principal produto da síntese bacteriana de vitamina K dentro do intestino grosso, e pesquisadores sabiam por algum tempo que animais têm a capacidade de converter menadiona a MK-4. Estudos do metabolismo da vitamina K em aves domésticas no início da década de 1990 descobriram que o fígado de frangos alimentados com filoquinona, como uma fonte de vitamina K, também continham uma grande quanti dade de MK-4. Altas concentrações hepáticas de MK-4 apa rentemente são limitadas aos frangos, mas certos tecidos extra -hepáticos, como o cérebro, as glândulas salivares e o pâncreas de ratos e seres humanos alimentados com filoquinona, têm uma concentração muito maior de MK-4 do que de filoquinona.75•76 A formação tecidual da MK-4 a partir de filoquinona dada aos ratos gnotobióticos77•78 e a demonstração de que células renais cultivadas podem converter filoquinona em MK-478•79 mostraram que a ação bacteriana não está envolvida nessa conversão. Durante a conversão, a cadeia lateral de fitol da filoquinona é removida e substituída por uma cadeia lateral de geranilgeranil. Faltam detalhes a respeito do mecanismo de conversão, mas parece improvável que uma via metabólica que leva à MK-4 tenha evoluído, a menos que esse vitâmero tenha algum papel específico. É improvável que esse papel envolva a carboxilase dependente de vitamina K, porque a filoquinona e a MK-4 têm atividades semelhantes como um substrato para essa atividade enzimática. Esses dados suge rem que a MK-4 pode ser um elemento de controle para certas funções celulares,80•81 e que existe a possibilidade de um papel para a MK-4 que seja completamente diferente da essencialidade da vitamina K para a síntese de proteína Gla. Consequências da deficiência de vitamina K Terapia anticoagulante A deficiência de vitamina K mais comum é aquela adqui rida por tratamento com anticoagulantes orais. Um antago nista da vitamina K de ocorrência natural foi responsável pela doença hemorrágica de gados consumindo feno de trevo -doce curado de forma inadequada, que predominava na parte alta do centro-oeste dos Estados Unidos e no oeste do Canadá, na década de 1920. A causa do tempo de coagulação prolongado era uma diminuição na atividade da protrombina do sangue, por isso alguns pesquisadores tentaram isolar o composto a partir do trevo-doce estragado. Este foi primei ramente isolado, caracterizado como 3-3'-metilenobis-4- -hidroxicumarina pelo grupo de Link da Universidade de Wisconsin82 e chamado de dicumarol (Fig. 20.5). Análogos de dicumarol foram sintetizados, e o primeiro composto uti lizado tanto como um raticida como uma terapia para doença trombótica foi a varfarina. Embora a varfarina tenha um perfil farmacológico muito favorável e seja essencialmente o único derivado de cuma rina prescrito na América do Norte, alguns compostos com estruturas relacionadas, como o acenocumarol, a fenprocu mona e o tidomarol, são amplamente usados na Europa. A farmacologia e os usos clínicos dessas drogas são similares àqueles da varfarina. A varfarina atua como um inibidor da vitamina K epóxido redutase. Os resultados desta ação são uma deficiência adqui rida de vitamina K no nível tecidual e uma secreção para o plasma de proteínas dependentes de vitamina K, deficientes de todos ou de uma porção do número normal de resíduos de Gla. Embora as atividades de todos os fatores de coagulação dependentes de vitamina K sejam alteradas pelo tratamento de varfarina, a evidência disponível sugere que a eficácia do tratamento está mais bem correlacionada com alterações na atividade da protrombina. A magnitude do efeito anticoagulante produzido por uma certa dose de varfarina varia substancialmente entre os pacientese pode variar muitas vezes em um único paciente ao longo do tempo. Algumas drogas alteram o desalojamento de varfarina do seu carregador de albumina plasmática, induzem o citocromo P-450 hepático (isoenzima CYP2C9) que meta boliza a varfarina, interferem na depuração da varfarina ou ligam-na ao intestino. Alterações na ingestão ou na absorção de vitamina K também podem alterar a eficácia da varfarina, e a variabilidade genética é, sem dúvida, importante. A quanti dade de varfarina necessária para estabilizar a anticoagulação é substancialmente afetada pelo polimorfismo dentro do gene OH OH Dicumarol o Varfarina Figura 20.5 Estrutura do dicumarol e da varfarina. O dicumarol foi o composto isolado do trevo-doce como um fator hemorrágico tóxico, e a varfarina é o mais comumente usado dos vários anticoagulantes 4-hidroxicumarina. VKORl, o gene CYP2C9, e o gene CYP4F2, uma oxidase de vitamina K. 83•84 Testes farmacogenéticos dessas alelas estão sendo utilizados para auxiliar na determinação da quantia apropriada de varfarina necessária para os pacientes.85 O efeito anticoagulante da terapia de varfarina é monito rado mensurando-se o PT, que é mais uma medida do estado pró-coagulante do que uma medida verdadeira da atividade da protrombina. O PT é o tempo de coagulação de uma mis tura de plasma citrato anticoagulado, cálcio e tromboplastina, que é uma mistura de fosfolipídio e fator tecidual ou extrato de tecido contendo um fator tecidual. Em razão do fato de os reagentes da tromboplastina variarem amplamente em sua composição e porque alguns reagentes são muito mais sensí veis que outros, o plasma proveniente de um paciente tratado com varfarina pode, portanto, produzir PT muito diferentes quando testados com variadas tromboplastinas. Para superar esse problema, utiliza-se a razão normalizada internacional (INR) como um método padronizado para relatar resultados de PT. A INR permite a interconversão das razões de PT (PT do paciente/PT normal médio) por meio do emprego de um índice de sensibilidade internacional que corrige as diferenças nas sensibilidades da tromboplastina. O objetivo de uma terapia anticoagulante é alcançar níveis estáveis de pró-coagulantes dependentes de vitamina K na faixa de 10 a 30% do normal (INR de 2 a 3). A complicação mais comum da terapia anticoagulante, o sangramento, está diretamente relacionada ao INR, com poucos episódios de sangramento em um INR estável menor do que 4,0 e uma incidência relativamente alta com INR maior do que 7 ,O. A anticoagulação em excesso pode ser revertida aos níveis desejados, baixando-se a dose de varfarina ou, se estiver gra vemente fora da faixa, por infusão subcutânea ou mesmo infusão intravenosa lenta de filoquinona. Doença hemorrágica do recém-nascido O exemplo clássico da deficiência de vitamina K em seres humanos é aquele da doença hemorrágica do recém-nascido ou sangramento por deficiência de vitamina K (VKDB) preco ce, que ocorre durante a primeira semana de vida, em neonatos de aparência sadia.86 A baixa transferência placentária de filo quinona, os baixos níveis de fator de coagulação, um intestino estéril e pouco conteúdo de vitamina K no leite matemo são fatores que contribuem para a doença. Embora a incidência seja baixa, a taxa de mortalidade por sangramento intracranial é alta, e a prevenção por administração oral ou parenteral de vitamina K imediatamente após o nascimento é o procedi mento padrão de abordagem. O VKDB tardio é uma síndrome que ocorre entre 2 e 12 semanas de vida, predominantemente em lactentes alimentados exclusivamente com leite matemo87 ou naqueles com problemas de má absorção intestinal grave. Embora a administração oral de vitamina K pareça ser tão efetiva quanto a parenteral para prevenir o VKDB precoce, pode não ser tão efetiva na prevenção do VKDB tardio. Um relato no início da década de 199088 sugeriu que a inje ção intramuscular de vitamina K em lactentes estava associada a uma maior incidência de alguns cânceres infantis. Isso levou Capítulo 20 • Vitamina K 313 a uma mudança para a administração oral de vitamina K em alguns países e um aumento na incidência de VKDB tardio. Estudos posteriores falharam em mostrar uma correlação entre o uso intramuscular de vitamina K e a incidência de leucemia infantil ou outros cânceres.89•90 As recomendações vigentes da Academia Americana de Pediatria91 aconselham que "a vita mina K (filoquinona) deve ser dada a todos os recém-nascidos em uma dose única intramuscular de 0,5 a 1 mg': Deficiências em adultos Relatos de deficiências de vitamina K não complicadas em adultos são extremamente raros, e a maioria das dietas con tém uma quantidade adequada de vitamina K. A indicação histórica da deficiência de vitamina K, a hipoprotrombine mia que respondia à administração de vitamina K, dependia do PT relativamente insensível para avaliar a adequação dos fatores de coagulação dependentes de vitamina K. A deficiência desta vitamina foi relatada em pacientes sub metidos à nutrição parenteral total por tempo prolongado, e a suplementação de vitamina é aconselhada nessas circuns tâncias. Pouca ingestão ou deficiência na absorção de lipídeos resultante da falta de sais biliares também afetam desfavo ravelmente a absorção de vitamina K, além das síndromes de má absorção e outros distúrbios gastrintestinais (p. ex., fibrose cística, espru, doença celíaca, colite ulcerativa, ileíte regional, infecção por Ascaris e síndrome do intestino curto). Esses relatos e muitos casos de um evento hemorrágico responsivo à vitamina K em pacientes sob tratamento com antibióticos têm sido extensivamente revisados.25 Tem sido assumido que esses episódios resultam da utilização reduzida de MK por esses pacientes, mas é possível que muitos casos possam representar apenas uma ingestão dietética baixa. A segunda e a terceira geração de cefalosporinas foram relaciona das a muitos episódios hipotrombinêmicos,92 e é provável que estejam exercendo uma fraca inibição da carboxilase ou uma resposta semelhante à cumarina, que pode ser mais importante do que uma influência na população de bactérias intestinais. Deficiências de vitamina K induzidas experimentalmente, que sejam suficientemente graves para prolongar as medidas de PT, são raras. Um estudo frequentemente citado93 inves tigou a necessidade de vitamina K por pacientes debilitados, com inanição, alimentados intravenosamente, que receberam antibióticos para diminuir a síntese intestinal de vitamina K. Um grau significativo de hipoprotrombinemia responsiva à vitamina K foi claramente estabelecido nesses sujeitos. Mais recentemente, estudos controlados usando dietas com apro ximadamente 10 µg/ dia ou menos de filoquinona demons traram alterações usando marcadores do estado de vitamina K mais sensíveis,94•95 porém um aumento clinicamente sig nificativo no PT não foi observado. Função na saúde do esqueleto Embora MGP, proteína S e GRP sejam também sinteti zados ou localizados nos ossos ou na cartilagem, a grande quantidade de OC no osso chama a atenção como um possível 314 Parte 1 • Componentes específicos d a dieta fator na saúde dos ossos. Pequenas quantidades dessa proteína circulam no plasma. As concentrações são de quatro a cinco vezes maiores em crianças do que em adultos, atingindo os níveis de adultos na puberdade. Uma fração da OC circulante em pessoas fisiologicamente normais não está completamente -y-carboxilada e pode ser influenciada pelo estado de vitamina K.96·98 A maioria dos estudos definiu a OC pouco -y-carbo :Kilada ( ucOC) como a fração que não adsorve hidroxiapatita em condições-padrão. Dependendo das condições da análi se e dos epítopos específicos detectados pelos kits de análise utilizados, a fração de ucOC relatada, em uma população fisiologicamente normal, variou de 30 a 40 até menos de 10%. Está claro que a ingestão dietética normal de vitamina K não é suficientepara a -y-carboxilação máxima da OC. A suplementação com 1 mg de filoquinona/ dia (-1 O X a inges tão dietética de referência [DRI]) é necessária para atingir -y-carboxilação máxima.99 Tentativas de relacionar esse evi dente marcador de insuficiência de vitamina K com a saúde dos ossos incluíram observações epidemiológicas de que bai xas ingestões de vitamina K estão associadas com um maior risco de fratura no quadril100 e relatos de que a ucOC está correlacionada com a perda de massa óssea. 101 Essas asso ciações não implicam necessariamente causalidade, e podem simplesmente ser marcadores sub-rogados de deficiências de nutrientes em geral. Pacientes que recebem terapia de anti coagulantes orais têm níveis muito altos de ucOC, e muitas tentativas de correlacionar esse tratamento com alterações na densidade mineral óssea não produziram resultados consis tentes.102 A demonstração de que ratos transgênicos com falta do gene OC mostraram mineral ósseo aumentado ao invés de diminuído também sugere que o impacto do status de OC na mineralização óssea ainda não é entendido.35 A suplementação de vitamina K na forma de MK-4 tem sido uma terapia comum para a osteoporose no Japão e em outros países asiáticos há uns anos. A quantidade padrão suplementada é de 45 mg de MK-4/dia, uma abordagem mais farmacológica do que nutricional. Muitas tentativas bem redu zidas que avaliam a densidade mineral óssea ou taxas de fratura em mulheres com osteoporose pós-menopausa foram condu zidas, 103•104 com respostas variadas. Um estudo sobre pesquisa de pós-comercialização com 2 mil entrevistados encontrou diminuição nas novas fraturas apenas em uma pequena subpo pulação.105 Suplementação com essa grande quantia de MK-4 não foi amplamente utilizada fora da Ásia, mas algumas tenta tivas clínicas aleatórias, mais recentes, controladas com place bo, avaliando o impacto da suplementação de 200 µ.g a 5 mg de filoquinona na saúde óssea foram conduzidas.106-no Esses estudos foram direcionados a mudanças na densidade mineral óssea ou marcadores de renovação óssea e não sustentaram a visão de que a suplementação de vitamina K terá um papel positivo na diminuição da taxa de fratura óssea. m,m Proteína Gla da matriz e calcificação vascular Estudos prévios de camundongos knockout MPG indicaram que esses animais morreram de calcificação massiva de grandes artérias dentro de oito semanas após o nascimento,38.39 e outros esforços para bloquear a carboxilação MPG em camundongos levaram à rápida calcificação da lamela elástica das artérias e das válvulas do coração. Esses achados levaram aos estudos huma nos relacionando a baixa atividade de MPG a vários aspectos do tecido liso e da calcificação dos vasos sanguíneos. Relatos de uma associação entre uma baixa ingestão de vitamina K e a calcificação aórtica foram publicados, 113 e uma tentativa clínica indicou que a suplementação com 500 µg de filoquinona por três anos diminuiu ligeiramente a progressão de calcificação da artéria coronária em homens e mulheres idosos.114 Se o status da vitamina K tem uma influência na calci ficação vascular, pacientes tratados com varfarina por anos, deveriam ser particularmente susceptíveis à calcificação da coronária. Os estudos tiveram resultados mesdados,115•117 e mais dados serão necessários para definir, com maior clareza, o risco de calcificação vascular que pode estar relacionado à terapia com varfarina. Uma anomalia genética, pseudoxan toma elástico, também está ligada ao controle de calcificação ectópico, por MGP, ns,119 em decorrência de que o sub-carbo xilato MGP aumenta em pacientes com essa doença. Embora o envolvimento do MGP em regular calcificação vascular pareça estabelecido, o valor clínico da suplementação com vitamina K ainda não foi determinado.12º·121 Necessidades nutricionais Foram publicados valores de referência para a ingestão de vitamina K que têm sido estabelecidos como parte do Dietary Reference Intakes Project do Food and Nutrition Board do Institute of Medicine.7 Diversos dados estabeleceram que, essencialmente, todas as pessoas não consomem vitamina K suficiente para -y-carboxilar sua OC circulante ao máximo e que a suplementação de cerca de 1 mgldia de filoquinona é necessária para alcançar esta resposta. Esses índices de ade quação não são usados para definir um valor de referência porque a implicação clínica dessa deficiência evidente não foi estabelecida. O único indicador do estado da vitamina K com alguma implicação clínica é o PT, e as alterações no PT somente pela mudança na dieta ingerida são incomuns ou não existentes. A concentração da filoquinona circulante também não é um indicador satisfatório de uma AI, porque depende bastante da ingestão do dia anterior. Foi demonstrado que ingestões de vitamina K, que estão na faixa de 10% do normal sob condições controladas, resultam em diminuições da excreção urinária de Gla e no aumento da pro trombina pouco -y-carboxilada, que pode ser medida por um imunoensaio comercialmente disponível. No entanto, nenhum estudo usando uma faixa de ingestões que permitiria o cálculo de uma necessidade média estimada (EAR) está disponível. A ingestão dietética recomendada (RDA), que é o termo histórico usado para indicar as necessidades, é definida como a ingestão suficiente para quase todas as pessoas (97 a 98%) e pode ser calculada a partir do EAR. Em razão da insuficiên cia de dados disponíveis para determinar uma EAR, o valor utilizado era a ingestão adequada (AI). O valor é definido como "o nível de ingestão diária média recomendada baseada em aproximações ou estimativas observadas ou determina-
Compartilhar