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1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – UERN FACULDADE DE LETRAS E ARTES – FALA/CAMPUS CENTRAL DEPARTAMENTO DE LETRAS VERNÁCULAS – DLV MESTRADO PROFISSIONAL EM LETRAS – PROFLETRAS ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: LINGUAGENS E LETRAMENTOS LINHA DE PESQUISA: LEITURA E PRODUÇÃO TEXTUAL – DIVERSIDADE SOCIAL E PRÁTICAS DOCENTES FRANCISCO LEANDRO DE PAULA GAMIFICAÇÃO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: PROPOSTA DE ATIVIDADES COM GÊNEROS JORNALÍSTICOS E MIDIÁTICOS MOSSORÓ / RN 2016 2 FRANCISCO LEANDRO DE PAULA GAMIFICAÇÃO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: PROPOSTA DE ATIVIDADES COM GÊNEROS JORNALÍSTICOS E MIDIÁTICOS Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado Profissional em Letras – PROFLETRAS, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, FALA - Campus Central, como requisito final para obtenção do título de Mestre em Letras, na área de concentração: Linguagens e Letramentos e linha de pesquisa: leitura e produção textual – diversidade social e práticas docentes. Orientador: Prof. Dr. Moisés Batista da Silva MOSSORÓ / RN 2016 3 FICHA CATALOGRÁFICA PAULA, Francisco Leandro de. 4 A dissertação “Gamificação no ensino de língua portuguesa: proposta de atividades com gêneros jornalísticos e midiáticos” foi submetida à Banca Examinadora, constituída pelo PROFLETRAS/UERN, como requisito final necessário à obtenção de grau de Mestre em Letras, outorgado pela Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN. Dissertação defendida e aprovada em: BANCA EXAMINADORA _____________________________________________ Prof. Dr. Moisés Batista da Silva (Orientador e Presidente da Banca) ____________________________________________ Profa. Dra. Verônica Palmira Salme de Aragão (Examinador) ____________________________________________ Profa. Dra. Kátia Cilene David da Silva (Examinador Externo) Mossoró 2016 5 Dedico este trabalho à minha esposa, Karlla Germanna que tem sido minha fortaleza em todos os momentos difíceis durante esses onze anos de convívio, e também por todo amor, carinho, dedicação e paciência; a nosso presente de Deus, nossa filha Geovanna, tão sonhada e aguardada, que veio complementar nossa felicidade; à minha filha de coração, Anna Laura que alegra meus dias e a quem tenho um amor incondicional; e por fim, aos meus pais, D. Maria, minha mãe, que sempre foi uma incentivadora e não mediu esforços para minha formação acadêmica e cidadã, e ao meu pai, Leandro (In memoriam), pela dedicação na minha educação e de meus irmãos e por ser meu símbolo de honestidade, humildade e referência como pessoa e pai. 6 Agradeço À Deus, por guiar meus passos e abençoar minha vida. Aos meus irmãos, Leonardo e Júnior pelos laços de afeto, pela lembrança de nosso pai e por ser minha referência de família. À minha avó “Mundinha” por todo amor, carinho, orações e incentivo para o alcance de meus objetivos. À minha prima-irmã, Albeiza pelo amor e incentivo durante minha formação pessoal e acadêmica. À minha segunda família, a família Correia, Rosivânia, Branco, D. Raimunda, Sr. Raimundinho, Germanno, Corrinha e Oscarina, enfim, toda família que me acolheu e me incentiva para alcançar meus objetivos. Aos meus irmãos, Ciro, Júnior Sombra, Emília e Tadeu pelos incentivos, momentos de descontração e parceria nos caminhos da vida. À grande educadora Kainha pela amizade e ensinamentos profissionais e pessoais. À minha amiga Jucineide pela referência profissional, amizade e ensinamentos. Ao meu orientador, o professor Moisés por ter me apresentado a gamificação, pela paciência e sugestões para realização dessa pesquisa. A todos os professores do ProfLetras – UERN - Campus Mossoró que contribuíram para minha formação acadêmica, a quem carinhosamente gostaria de citar apenas os nomes que utilizamos em nosso convívio, Lúcia Helena, Silvinha, Moisés, Chicon, Verônica, Júlio e José Roberto. À Candice pela atenção e disponibilidade durante esses dois anos. 7 Às duas turmas do Profletras as quais tive o prazer de conviver, pelos ensinamentos, aprendizagens, compartilhamento das angústias e momentos de descontração. Ao meu compadre Robério pela oportunidade de aplicar o produto idealizado nesse estudo. Aos alunos que participaram da aplicação do produto e que com suas contribuições, tornaram esse trabalho uma realidade. 8 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Definição de jogos .................................................................................................. 21 Tabela 2: Evolução do uso da gamificação ............................................................................ 24 Tabela 3: Definição de agenda de recompensas .................................................................... 36 Tabela 4: Pensamentos comuns a cada tipo de jogador segundo Kapp (2014), citado por Alves )2014)............................................................................................................................ 42 Tabela 5: Diferença entre games e gamificação ................................................................... 49 LISTA DE FIGURAS 9 Figura 1: Aspectos presentes nos jogos ................................................................................. 26 Figura 2: Estilos de Aprendizagem de David Kolb ............................................................... 39 Figura 3: Tipos de jogadores segundo Richard Allan Bartle ................................................. 42 Figura 4: Lista de fatores observáveis pelo professor ............................................................ 53 Figura 5: Pontuações atribuídas aos alunos pelo professor ................................................... 53 Figura 6: Resumo de pontuação atribuída à classe ................................................................ 53 LISTA DE GRÁFICOS 10 Gráfico 01: Primeira questão antes da intervenção com os alunos................................. 73 Gráfico 02: Terceira questão antes da intervenção com os alunos.................................. 73 Gráfico 03: Quarta questão antes da intervenção com os alunos.................................... 73 Gráfico 04: Quinta questão antes da intervenção com os alunos.................................... 74 Gráfico 05: Sétima questão antes da intervenção com os alunos.................................... 75 Gráfico 06: Segunda questão pós-intervenção com os alunos........................................ 81 Gráfico 07: Terceira questão pós-intervenção com os alunos........................................ 81 RESUMO 11 A presente pesquisa teve o objetivo de perceber os impactos da utilização da gamificação no ensino de Língua Portuguesa como forma de engajar e motivar os alunos para uma aprendizagem significativa, fornecendo-nos subsídio para elaboração de uma proposta de intervenção sobre o problema diagnosticado, pouco interesse e motivação por parte dos discentes. Dessa forma, primeiramente, optamos por realizar uma pesquisa bibliográfica sobre a temática a fim de utilizarmos os estudos mais recentes para formularmos uma compreensãodo fenômeno da gamificação, apoiando-nos nas teorias de ZICHERMANN (2011), KAPP (2014) e ALVES (2014). Primeiramente, compreendemos as relações sócio-históricas entre a sociedade e os jogos, observando os fundamentos e compreensão de seus usos entre as pessoas, para posteriormente, evidenciamos uma linha cronológica da utilização de estratégias gamificadas, evidenciando o surgimento do termo. Definimos, ainda, um conceito sobre a temática e destacamos os elementos que estão presentes nos jogos, tais como, competição, pontuação, recompensas, níveis, avatares, placares, entre outros, os quais podem ser utilizados em qualquer estratégia que se pretenda gamificar a fim de que consigamos o engajamento das pessoas no alcance de um determinado objetivo. Vimos também a importância e os aspectos pertinentes ao design instrucional como fator determinante para o sucesso de uma estratégia planejada, ressaltando os fatores que devem ser considerados durante a elaboração de uma intervenção gamificada. Destacamos, em seguida, relatos de experiências gamificadas em aulas de língua portuguesa, dentre os quais ressaltamos os estudos de Zanello (2013), Ribeiro (2013), Leffa (2014) e Oliveira (2015). Visto as questões teóricas, elaboramos um produto gamificado de desenvolvimento de competências relacionadas ao ensino de língua portuguesa, a fim de ser aplicado em turma de 9º ano do ensino fundamental da rede municipal de Jaguaruana/CE. Para viabilizarmos a aplicação da estratégia, utilizamos recursos tais como webquests, google docs, gêneros orais, escritos, digitais e multimodais para que pudéssemos adequá-los a alguns elementos que estão presentes nos jogos. Para viabilizar nossa análise sobre o impacto no produto junto aos alunos, realizamos a aplicação de dois questionários, um antes e outro pós, a aplicação do produto, possibilitando comprovar a eficácia da estratégia proposta a partir da manifestação dos estudantes sobre o que foi indagado. Por fim, apresentamos um relato sobre a aplicação do produto, o qual foi viabilizado através de uma webquest que contemplou uma série de desafios propostos aos alunos que participaram de nosso estudo, em forma de etapas as quais eram vistas como níveis de um jogo, que por sua vez, previa o objetivo de conquista de um jornal, como premiação final da aprendizagem proposta. A partir do relato, realizamos as observações pertinentes para uma análise detalhada, a qual realizamos nas considerações finais, juntamente com algumas propostas futuras. Percebemos que, a partir da aplicação do produto e respostas dos questionários aplicados, a gamificação apresenta-se como uma estratégia viável para o engajamento e motivação dos alunos no desenvolvimento de competências na aprendizagem de língua portuguesa, devendo ser disseminada entre a comunidade docente a fim de obtermos melhores resultados de aprendizagem. Palavras-Chave: Gamificação; aprendizagem baseada em jogos; engajamento e motivação; ensino de língua portuguesa; gêneros jornalísticos e midiáticos ABSTRACT 12 This research aimed to understand the impact of using gamification in teaching Portuguese as a way to engage and motivate students to meaningful learning by providing us grant for drafting a proposal for intervention on the problem diagnosed, little interest and motivation on the part of students. Thus, first, we decided to conduct a literature search on the topic so we use the latest research to formulate an understanding of the gamification phenomenon, relying on the theories of Zichermann (2011), KAPP (2014) and Alves (2014 ). First, understand the social and historical relations between the company and the games, watching the fundamentals and understanding of their use among people, later, we noted a timeline using gamificadas strategies, highlighting the emergence of the term. We define also a concept on the theme and highlight the elements that are present in games such as competition, score, rewards, levels, avatars, scores, etc., which can be used in any strategy that is to be gamificar the so that we can engage the people in achieving a certain goal. We have also seen the importance and the relevant aspects of the instructional design as a determinant for the success of a planned strategy, highlighting the factors that should be considered during the preparation of a gamificada intervention. Highlight, then experience reports gamificadas in Portuguese language classes, among which we highlight the study Zanello (2013), Ribeiro (2013), Leffa (2014) and Oliveira (2015). Since the theoretical issues, we developed a gamificado product development skills related to English language teaching in order to be applied in class 9th grade of elementary school in the municipal Jaguaruana / EC. To make possible the implementation of the strategy, we use resources such as webquests, google docs, oral genres, written, digital and multimodal so we could adjust them to some elements that are present in the games. To make our analysis of the impact on the product with the students, we conducted applying two questionnaires, one before and another after the application of the product, making it possible to prove the effectiveness of the proposed strategy from the manifestation of the students about what was asked. Finally, we present a report on the implementation of the product, which was made possible through a webquest which included a series of challenges posed to the students who participated in our study, steps in order in which they were seen as levels of a game, which in turn, provided the aim of achieving a newspaper, as the final award of the proposed learning. From the report, we conducted the relevant observations for a detailed analysis, which we conducted in the final considerations, along with some future proposals. We realized that, from the application of the product and responses from the questionnaires, the gamification presents itself as a viable strategy for the engagement and motivation of students in developing skills in English language learning and should be disseminated among the teaching community to of obtaining better learning outcomes. Keywords: gamification; games-based learning; engagement and motivation; Portuguese language teaching; journalistic and media genres 13 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 15 2 CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS ................................................................................. 20 2.1 Concepções sócio-históricas dos jogos e games .......................................................... 20 2.2 Considerações sobre a gamificação ............................................................................. 24 2.2.1 Características da gamificação: dinâmicas, estratégias e mecânicas............................ 26 2.3 A Gamificação na Educação ........................................................................................ 29 2.3.1 Os jogos educativos e aprendizagem baseada em jogos............................................... 36 2.3.2 A gamificação na sala de aula ...................................................................................... 44 2.3.2.1 A aplicação da gamificação nas aulas de Língua Portuguesa ................................... 51 3 METODOLOGIA DA PESQUISA ............................................................................... 57 3.1 Contextos da pesquisa ................................................................................................... 58 3.2 Sujeitos da pesquisa ...................................................................................................... 58 3.2.1 Os professores ..............................................................................................................59 3.2.2 Os alunos ...................................................................................................................... 59 3.3 Instrumentos de Pesquisa ............................................................................................. 59 3.3.1 Questionários com professores e alunos sobre as experiências com jogos .................. 60 3.3.2 Observação das aulas ................................................................................................... 62 3.3.3 Anotações de campo ..................................................................................................... 62 3.3.4 WebQuests .................................................................................................................... 63 3.3.5 Ferramenta de escrita colaborativa Google Docs.......................................................... 64 3.4 Proposta de Intervenção gamificada ........................................................................... 64 3.4.1 WebQuests: leitura e produção de gêneros textuais/digitais jornalísticos e midiáticos ................................................................................................................................................ 66 3.4.1.1 Gêneros orais: entrevistas e notícias radiofônicas através de podcasts em MP3 ............................................................................................................................................... 68 3.4.1.2 Gêneros escritos: roteiros de entrevistas através da escrita colaborativa no Google Docs ..................................................................................................................................... 69 3.4.1.3 Gêneros multimodais: entrevistas e telejornal com notícias televisivas através de produção de vídeos ............................................................................................................. 70 14 4 RELATO DA PESQUISA E DO PRODUTO FINAL............................................... 71 4.1 Relato das etapas da pesquisa e da intervenção ............................................................ 71 4.1.1 Primeiro Encontro ...................................................................................................... 73 4.1.2 Segundo Encontro....................................................................................................... 77 4.1.3 Terceiro Encontro........................................................................................................ 78 4.1.4 Quarto Encontro.......................................................................................................... 79 4.1.5 Quinto Encontro.......................................................................................................... 79 4.1.6 Análise das respostas dos alunos................................................................................. 80 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................... 83 REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 88 ANEXOS ............................................................................................................................ 92 APÊNDICES ..................................................................................................................... 99 1 INTRODUÇÃO 15 A educação brasileira tem passado por profundas transformações nos últimos anos, principalmente, após a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a qual passou a prever a obrigatoriedade do ensino fundamental para todos os brasileiros e, posteriormente, a obrigatoriedade para toda a educação básica. Essa última, redação dada pela lei nº 12.796, de 04 de abril de 2013. Dessa forma, o acesso à educação básica tornou-se obrigatório, fazendo com que todos os alunos em idade escolar, passassem a frequentar a escola. Com uma quantidade maior de alunos nas salas de aulas de nossas escolas, inúmeros desafios surgiram, entre eles, a permanência e consequente conclusão das etapas de ensino, por parte do maior número de alunos possível. Além de uma preocupação quantitativa, os sistemas de ensino e educadores, em geral, passaram a preocupar-se ainda mais com a questão qualitativa do processo educativo. Nesse contexto, inúmeros são os fatores que interferem na qualidade do ensino e da aprendizagem nas salas de aula, entre eles: a falta de estrutura física adequada de muitas escolas, a falta de qualificação dos educadores para lhe darem com problemas de aprendizagens apresentados pelos alunos, a parceria ainda muito tímida entre a família e a escola, consequentemente a comunidade escolar como um todo, a desmotivação dos estudantes frente aos métodos de ensino tradicionais e muitas vezes cansativos e à falta de percepção de aplicabilidade prática dos conteúdos vistos, entre outros. É muito comum, em reuniões escolares, planejamento e formações de professores, falas do tipo “meus alunos não prestam atenção”, “os estudantes não querem saber de nada”, “preparo ótimas aulas, mas eles não se interessam”, entre outras. Quando somos incitados ao debate sobre os principais desafios na gestão de sala de aula, um dos temas mais recorrentes trata em despertar o interesse dos alunos, ou seja, motivá-los para o engajamento em seu processo de aprendizagem. No município de Jaguaruana, no interior do Ceará, localizado a 180 km da capital do estado, não é diferente. No último IDEB divulgado pelo INEP, o município apresentou o resultado de 5,3 para o 5º ano e 4,0 para o 9º ano, uma significativa melhora em relação aos anos anteriores (5º ano) e uma queda em relação ao penúltimo IDEB no ano de 2011 (9º ano), os resultados estão muito distantes do que seria ideal ou desejável. Já na avaliação estadual em larga escala realizada anualmente – SPAECE – Jaguaruana apresentou médias 245,1 em Língua portuguesa e 242,9 em Matemática sendo classificada em um nível crítico numa escala que apresenta quatro níveis: muito crítico, crítico, intermediário e adequado. 16 A análise desses dados referentes às avaliações externas as quais o município participa relacionados às falas dos professores e gestores de todo país, leva-nos a reflexão sobre o impacto da motivação do aluno no alcance de uma educação que se mostre de qualidade e eficaz. Nessa perspectiva, Bzuneck (2009, p. 13) afirma que Alunos desmotivados estudam muito pouco ou nada e, consequentemente, aprendem muito pouco. Em última estância, aí se configura uma situação educacional que impede a formação de indivíduos mais competentes para exercerem a cidadania e realizarem-se como pessoas, além de se capacitarem a aprender pela vida afora. Considere-se ainda que o próprio desenvolvimento do potencial de cada um depende consideravelmente das aprendizagens escolares. Percebemos então, a necessidade de buscarmos mecanismos que envolvam o desenvolvimento da motivação do aluno. Essa tarefa torna-se um pouco mais complexa se compreendermos que o contexto específico de sala de aula torna essa motivação diferente da que é aplicada em outras atividades humanas como esporte, lazer e trabalho, por exemplo. No entanto, para realização de um trabalho pautado no desenvolvimento da motivação do discente, Bzuneck (2009, p. 28) nos adverte que é preciso primeiro romper com algumas crenças, entre elas, a de que o professor pouco ou nada pode fazer por um aluno que se apresenta desmotivado, porque o contesto não permite que algo possa ser feito. Em qualquer situação, a motivação do aluno esbarra na motivação de seus professores. E, para começar, a percepção de que é possível motivar todos os alunos nasce de um senso de comprometimentopessoal com a educação; mais ainda, de um entusiasmo e até de uma paixão pelo seu trabalho. Compreendemos ainda que, conseguindo motivar os alunos, e para que possamos alcançar uma educação que contemple a formação mínima dos educandos, o ensino de Língua Portuguesa se mostra como primordial, uma vez que é a partir de leitura, escrita e interpretações textuais que os demais aprendizados se dão de forma rápida e satisfatória, facilitando assim, a compreensão de mundo. Em contato com os alunos, vemos que as aulas de português são umas das mais criticadas pelos alunos, por serem na maioria das vezes enfadonhas, fazendo-se necessária a utilização de metodologias novas que consigam uma maior participação, interação e engajamento dos estudantes durante as aulas. Entre suas queixas está a leitura de textos que não são interessantes, escritas de textos sem uma finalidade prática, apenas para fins avaliatórios, entre outros. 17 Nesse contexto, surge a possibilidade de utilização da gamificação, fenômeno emergente, segundo Fardo (2013), para contribuir com a perspectiva de mudança do cenário de apatia e desinteresse apresentados pelos alunos frente a aulas tradicionais e pouco atrativas, muitas vezes sem relação alguma com o cotidiano dos mesmos. A gamificação apresenta como proposta a utilização de “elementos dos games (mecânicas, estratégias, pensamentos) fora do contexto dos games, com a finalidade de motivar os indivíduos à ação, auxiliar na solução de problemas e promover aprendizagens”, de acordo com KAPP citado por FARDO (2013, p. 1). A estratégia pode ser eficaz para um maior engajamento e participação dos educandos nas aulas de Língua Portuguesa, mas para isso é importantes compreendermos quais são os impactos de sua utilização, se realmente os resultados esperados podem realmente serem alcançados, como pode ser aplicada de forma satisfatória, se existem e quais seriam os aspectos negativos no seu uso, qual o alcance da proposta com relação à totalidade dos alunos e qual a compreensão e utilização feita pelos professores sobre o assunto. Para o alcance dos resultados exigirá, por parte do professor, dedicação, criatividade e tempo para planejamento de aulas, sendo necessário ainda que se apropriem sobre os elementos dos jogos e como eles podem contribuir com aprendizagens mais significativas. Suponho ainda que a estratégia não é uma espécie de “receita mágica” que solucionará todos os problemas no ensino de Língua Portuguesa, nem que conseguirá sempre engajar e envolver 100% do público alvo, pois como nos jogos nem sempre todas as pessoas gostam de jogar (game) algo. Muitos professores já devem, periodicamente, naquela aula diferenciada, mais elaborada, utilizar a estratégia da gamificação, mesmo sem conhecer o termo, como por exemplo, nas gincanas realizadas nas escolas. Assim se configura a importância de realizarmos a pesquisa, uma vez que poderá contribuir para uma aprendizagem mais significativa e relevante para os alunos de forma que os mesmos se tornem mais participativos e colaborativos no processo de aprendizagem, auxiliando na melhoria da qualidade da educação ofertada no município. Portanto, o objetivo principal de nossa pesquisa foi o de perceber os impactos da utilização da gamificação no ensino de Língua Portuguesa em uma turma de 9º ano do ensino fundamental de uma escola do município de Jaguaruana, a fim de possibilitar sua utilização de forma constante e satisfatória em aulas de língua portuguesa. Para que isso fosse possível, tivemos que compreender algumas nuances sobre a temática, de forma que pudéssemos elaborar a proposta de atividade gamificada. Portanto, foi pertinente que entendêssemos sobre o processo de gamificação, assim como, identificássemos 18 os elementos necessários para sua utilização. Para percebermos os impactos da metodologia, foi necessário ainda, identificarmos as experiências de professores e alunos com jogos, assim como os fatores que contribuem para sua efetivação nas aulas de língua portuguesa. Outro fator predominante na pesquisa diz respeito a nossa pretensão de propor estratégias para utilização da gamificação em aulas de português. Daí, um dos objetivos foi ver quais estratégias poderiam ser propostas no trabalho com leitura e produção de gêneros textuais, orais, digitais e multimodais. A metodologia utilizada na pesquisa teve como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica, sendo a mesma de abordagem qualitativa, de natureza aplicada, com objetivo descritivo, uma vez que pretendemos a elaboração e aplicação de um produto para fins de comprovação das hipóteses levantadas, com relato de todo o processo, desde a pesquisa de bibliografia atualizada sobre a temática. O corpo deste trabalho foi dividido em quatro capítulos, sendo esse introdutório, um das considerações teóricas, outro com a metodologia, e por fim, um com o relato da pesquisa e da aplicação da intervenção propostas. Nesse capítulo de introdução, apresentamos o marco situacional do trabalho, o contexto no qual está inserido, assim como a problemática que nos inquieta enquanto pesquisadores e professores da educação básica brasileira. Em seguida, expomos a temática a ser pesquisada, assim como os objetivos a que ela se propõe, ou seja, quais os questionamentos que pretendemos apontar respostas e soluções. Por fim, realizamos uma breve exposição sobre a metodologia utilizada e a divisão dos capítulos existentes no trabalho. No segundo capítulo, a das considerações teóricas, fazemos uma revisão da bibliografia atualizada sobre a gamificação, retomando as concepções sócio-históricas dos jogos na sociedade, para em seguida, apresentar e formular conceitos sobre o tema. Ao conceituarmos a gamificação, apresentamos a história do termo e de seu uso, assim como os elementos constitutivos de uma proposta de atividade gamificadas, que seriam os mesmos que compõem os jogos, sendo necessário, discorremos sobre as dinâmicas, estratégias e mecânica dos mesmos. Apresentamos ainda as áreas potenciais de utilização da metodologia, entre elas a educação, sendo que apresentamos a noção de design instrucional para elaboração de propostas. Ao final do capítulo, expomos alguns estudos sobre o uso da gamificação em aulas de Língua Portuguesa, com relatos de algumas experiências e socialização de recursos e ideias utilizadas. 19 No terceiro capítulo, iniciamos com a classificação teórica de nossa pesquisa, para em seguida, apresentarmos os sujeitos envolvidos e o contexto de aplicação do produto elaborado. Realizamos ainda, a exposição dos recursos utilizados no processo, desde a aplicação de questionários, assim como o teor dos mesmos, a observação e anotações realizadas durante as aulas, a webquest utilizada, explicitando toda sua estrutura e processo de elaboração, e o google docs, utilizado dentro da webquest. Por fim, demostramos a forma de utilização dos conteúdos que foram trabalhados na proposta de intervenção, o trabalho com leitura e produção de textos escritos, através dos gêneros jornalísticos entrevista e notícia, por meio do uso de gêneros escrito, orais (podcast), digitais e multimodais. No quarto e último capítulo, relatamos todo o processo de pesquisa, elaboração e aplicação da proposta de intervenção planejada para solucionar o problema encontrado. Nele, expomos com detalhes, o estudo bibliográfico, a escrita do trabalho, as respostas dos sujeitos da pesquisa diante dos questionários e a participação dos alunos durante a aplicação do produto. Por fim, realizamos nossas considerações finais acerca da pesquisa, retomando pontos relevantes do trabalho, com nosso posicionamento a respeito do produto proposto para motivar e envolver os alunos nas aulas de língua portuguesa, ou seja, da aplicação da gamificação nas aulas desse componente curricular.2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS 20 Durante esse capítulo, apresento uma abordagem teórica sobre o fenômeno da gamificação, apresentando aspectos sócio-históricos sobre a temática, assim como conceitos e características. Abordo ainda, sua utilização na Educação, aplicada à sala de aula, como forma de engajamento dos alunos a fim de tornar o processo de aprendizagem, mais satisfatório. Portanto, discutirei os elementos conceituais, principalmente baseados nos estudos de KAPP (2014), ZICHERMANN (2011) e ALVES (2014). 2.1 Concepções sócio-históricas dos jogos e games Realizando um estudo etimológico da expressão jogo, podemos ver que ela “é originária do latim: iocus, iocare e significa brinquedo, folguedo, divertimento, passatempo sujeito a regras, ou até mesmo uma série de coisas que formam uma coleção.” Dessa afirmativa, podemos inferir que seja algo agradável, devido o termo “divertimento” e que sua existência remete a tempos remotos, já que era uma palavra utilizada no latim, língua considerada morta, por alguns linguistas. Características citadas, tais como, “divertimento”, “passatempo” fazem parte de um conjunto de elementos que retomarei mais adiante. Para Huizinga (2012, p. 03), “O jogo é o fato mais antigo da cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica.” Ou seja, mesmo antes da humanidade, os animais irracionais já brincavam, não sendo uma ideia do ser humano. Ele ainda afirma que o jogo não é apenas algo físico ou biológico, pois análises realizadas não poderiam explicar sua intensidade e seu poder de fascinação, características que seriam primordiais ao conceito. A partir dos estudos de Huizinga, podemos afirmar que o jogo está presente em toda parte da vida humana, sendo uma atividade de função social, através da qual “imaginamos” ou criamos uma forma diferente de ver o mundo que pode nos remeter a ideia de que se trata de uma atividade que não envolve seriedade. Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e 21 regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes. (Huizinga, 2012, p.16) Portanto, o autor expõe 06 (seis) características pertencentes aos jogos em geral: 1 – seria um atividade livre conscientemente oposta a ideia de seriedade, ou seja, relacionada à diversão; 2 – externa a vida cotidiana, “real”; 3 - sem fins lucrativos; - 4) delimitada por um espaço e tempo determinado; 5 - possui regras e ordem; 6 – agrega grupos e classes sociais a partir de interesses afins, fortalecendo segregações. Caillois (2001) discorda de alguns aspectos, entre eles o desligamento de interesse material, “O jogo é ocasião de puro gasto: de tempo, de energia, de perspicácia, de destreza e, muitas vezes, de dinheiro para adquirir o equipamento do jogo ou eventualmente pagar para um 1 . (P. 5-6)”. Para o autor, o jogo é uma atividade: livre; separada no tempo e no espaço; incerta quanto ao seu andamento e resultados; improdutiva; governada por regras; e, de faz de conta, fictícia. Ele ainda divide os jogos em quatro categorias fundamentais: Agon, jogos de competição; Alea, jogos de azar; Mimicry, jogos de simulação; e Ilinx, jogos de desorientação, cada uma dessas, seguindo duas formas diferentes de jogar. A primeira diz respeito à ideia de brincadeira, a qual o autor atribui o nome de Paidia; já a segunda, denominada ludus, seria a forma de jogar mais a sério, valendo algo a mais do que o simples jogar por jogar. Jull (2003) monta uma tabela com as definições mais relevantes sobre jogos, separando por autor e por ordem cronológica, reunindo os conceitos de Huizinga, Caillois, Bernard Suits, David Kelley, Avedon & Sutton-Smith, Chris Crawford e de Salen & Zimmerman: Tabela 1: Definição de jogos. FONTE DEFINIÇÃO Johan Huizinga (1950, p. 13) “ ...uma atividade livre, conscientemente tomada como “não-séria” e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma 1 Play is an occasion of pure waste: waste of time, energy, ingenuity, skill, and often of money for the purchase of gambling equipment or eventually to pay for the establishment. (tradução nossa) 22 certa ordem e regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredos e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes.” Roger Caillois (1961, p. 10-11) “[...] uma atividade que é essencialmente: livre (voluntária), separada [no tempo e espaço], incerta, improdutiva, governada por regras, faz-de- conta(fictícia).” Bernard Suits (1978, p. 34) “Jogar um jogo é se engajar em uma atividade dirigida para causar um estado específico de ocorrências, usando somente meios permitidos por regras, onde as regras proíbem meios mais eficientes em favor de meios menos eficientes, e onde tais regras são aceitas apenas porque elas tornam possível tal atividade.” Avedon & Sutton- Smith (1981, p.7) “No seu nível mais elementar, podemos definir jogo como um exercício de sistemas de controle voluntário, nos quais há uma oposição entre forças, confinado por um procedimento e regras, a fim de produzir um resultado não estável.” Chris Crawford (1981, Capítulo 2) “Eu percebo quatro fatores comuns: representação [um sistema formal fechado, que subjetivamente representa um recorte da realidade], interação, conflito e segurança [o resultado do jogo é sempre menos severo do que as situações que o jogo modela].” David Kelley (1988, p. 50) “Um jogo é uma forma de recreação constituída por um conjunto de regras que especificam um objeto (objetivo) a ser almejado e os meios permissíveis de consegui-lo.” Salen & Zimmerman (2003, p. 96) “Um jogo é um sistema no qual jogadores engajam-se em um conflito artificial, definido por regras, que resultam em um resultado quantificável.” Fonte: Jull (2003, p. 02) Com base nas definições agrupadas na tabela, Juul ressalta 10 (dez) características presentes nas mesmas: regras; resultados; objetivos; interação; a relação entre regras, objetivo e o mundo; separação entre a vida real e fictícia; não associação ao trabalho; meios menos eficientes; agrupamento social; e, ficção. Logo após, ele consegue agrupar alguns termos e reduz a definição em 06 (seis) características: 1) regras; 2) resultado variável e quantificável; 3) valorização do resultado; 4) esforço do jogador; 5) vínculo do jogador ao resultado; e, 6) consequências negociáveis. Então Jull (2003, p. 05), define jogo dessa forma: “Um jogo é um sistema formal baseado em regras, com um resultado variável e quantificável, no qual diferentes resultados são atribuídos por diferentes valores, o jogador empenha esforço a fim de influenciar o resultado, o jogador sente-se vinculado, e as consequências da atividade são opcionais e negociáveis” 2 . 2 A game is a rule-based formal system with a variable and quantifiable outcome,where diferente outcomes are assigned different values, the player exerts effort in order to influence the outcome, the player feels attached to the outcome, and the consequences of the activity are optional and negotiable. (Tradução nossa) 23 Essa definição apresenta-se como a mais completa e objetiva, condensando os conceitos de diversos estudiosos ao longo dos anos. Vale ressaltar que características como o empenho do jogador a fim de influenciar o jogo e o fato do jogador sentir-se vinculado, são de extrema importância para objetivo proposto por nossa pesquisa. Após encontrarmos uma definição plausível, é importante considerarmos a relação do jogo com a sociedade, com a cultura. De acordo com Huizinga, o jogo é mais antigo que a cultura, pois precede a sociedade humana, uma vez que podemos observar as “brincadeiras” dos animais. Em estudos mais antigos, observa-se uma tentativa de associação do ato de jogar à uma manifestação biológica, no entanto, o autor assume um posicionamento de que existe uma função significativa, além de ações como olhar, comer, beber ... De acordo com as definições já explicitadas, Alves (2014) afirma que durante o tempo em que estamos jogando, existe uma fuga do mundo real, sendo cercada de tensão, pela incerteza, acaso. Como se o jogador fosse transportado para uma realidade diferente da sua, estando no que Huizinga chamou de círculo mágico 3 . Nessa perspectiva, o jogador parece “hipnotizado” pelo ambiente, pela situação a na qual está envolvido, favorecendo uma maior interação, concentração e engajamento. Para Kapp (2014) “Um game é um sistema no qual jogadores se engajam em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback; e que gera um resultado quantificável frequentemente elicitando uma reação emocional”. Observamos aqui dois aspectos novos em relação às definições anteriores: a ideia da interatividade e do feedback, que, como propõe Alves (2014) torna-se um aspecto muito importante em relação à aprendizagem. Note-se que esta definição nos oferece uma perspectiva muito interessante sob o ponto de vista da aprendizagem. Correlaciona objetivos alcançáveis e mensuráveis a um sistema definido por regras. Estabelece a premissa da interatividade e a presença do feedback essencial para o acompanhamento da evolução da aprendizagem. ALVES (2014, p. 21) Essas observações da autora são muito pertinentes ao conceito de gamificação como veremos adiante, especialmente aplicada a educação, e aprendizagem, de um modo geral. É interessante ressaltarmos o papel que o feedback fornece ao jogador, pois é através 3 É um espaço delimitado que cria uma barreira entre a atividade do game e a realidade. 24 dele que é possível ter uma noção de como está o jogo, que possibilidades tem, de quais recursos pode lançar mão, quais os “caminhos” que já foram percorridos, entre outras informações úteis para que está jogando. Os conceitos, definições, características e aspectos do jogo, vistos até aqui, nos auxiliarão a compreender o conceito de gamificação, assim como o seu uso como forma de engajamento e alcance dos objetivos de aprendizagem junto aos alunos, sendo uma estratégia possível e eficaz na Educação. 2.2 Considerações sobre a gamificação Como vimos anteriormente, os jogos sempre fizeram parte da cultura, sendo sua ocorrência, anterior a ela. É bastante perceptível a atração dos seres humanos por jogos, e por isso, estudos têm sido realizados no sentido de identificar as características inerentes a eles, que podem ser utilizadas em outras áreas. Daí surge a ideia da gamificação. O termo ainda é pouco conhecido no Brasil, com perspectiva de ampla disseminação em 2016. Sua ocorrência pode ser verificada em diversas grafias, “gamification”, “gamefication”, “gameficação” e “gamificação”, sendo que optei pela última, uma expressão aportuguesada e que busca facilitar a diferenciação entre o conceito e o jogo propriamente dito, como veremos adiante. Alves (2014) apresenta a evolução do uso da gamificação, que, para facilitar a compreensão do estudo, expusemos na tabela abaixo: Tabela 2: Evolução do uso da gamificação. ANO AUTOR/INSTITUIÇÃO CONTEXTO 1912 Cracker Jack “ A marca norte americana Cracker Jack, de biscoitos e snacks, começou a introduzir brinquedos surpresa em suas embalagens.” 1980 Richard Bartle “[..] foi envolvido em um projeto que recebeu o nome de ‘MUD1’ e foi o primeiro sistema de jogo on-line.[...] Hoje, ele diz que Gamification naquela época era mais ou menos como pegar algo que não era um jogo e transformar em um jogo.” 1980 Thomas W. Malone “[...] começaram a surgir várias pesquisas sobre o assunto que já investigavam quais os fatores que tornam as coisas divertidas de serem aprendidas, como o estudo de Thomas W. Malone, [...] que já estabelecia correlação entre a mecânica dos games, a diversão e a aprendizagem.” 2002 Seriuos Games “[...] reúne empresas do setor privado, o meio acadêmico e 25 também o militar, em busca de jogos que funcionassem como simulações, permitindo o aprendizado em ambiente seguros.” 2003 Nick Pelling “[...] o termo Gamification surge no formato que o conhecemos hoje. [...] Ele funda uma consultoria chamada ‘Conunda’ com o objetivo de promover o Gamification de produtos de consumo.” 2007 Burchball “[...] lança a moderna plataforma de Gamification que é a primeira a incorporar a mecânica de jogos com o uso de placar, pontos e distintivos para servir a propósitos de engajamento.” 2010 Jesse Schell “Nessa apresentação, Schell ilustra como seria o mundo com a disseminação do Gamification para tudo e todas as categorias.” 2010 Jane McGonigal “[...] lança seu livro ‘Reality is Broken’ e, apesar de ela mesma não gostar do termo e não o utilizar, sua obra está repleta de exemplos de como os games podem gerar impacto positivo no mundo destacando a importância da diversão.” Fonte: ALVES (2014, p. 24 e 25) Assim, percebemos que mesmo o termo sendo considerado “novo”, a ideia de gamificação já é antiga e apresenta o objetivo de utilizar características e estratégias do games, a fim de alcançar objetivos específicos de forma divertida, proporcionando um engajamento por parte dos indivíduos. De acordo com Alves (2014), considerando o poder da gamificação, sua aplicação vem sendo utilizada em duas categorias distintas, uma externa e outra interna, levando em consideração os objetivos comuns de uma dada comunidade. A categoria externa diz respeito a intenção de mobilizar, engajar e fidelizar um público fora do grupo promotor da ação, geralmente sendo atividades relacionadas ao Marketing, Vendas e engajamento de consumidores de um determinado produto. Na categoria interna, temos a intenção de atingir os próprios promotores das ações, as pessoas que estão “dentro” da comunidade, podendo ter diversos objetivos, que chamarei de específicos, dentre os quais podem se encaixar a aprendizagem, que é o cerne de nossa pesquisa. Nessa última, podemos relacionar atividades da área de Recursos humanos e Aprendizagem de forma geral. Portanto a gamificação é o uso de elementos dos games, jogos, a fim de atingir determinados objetivos, sendo que através dos quais, “jogamos” por algo além de simplesmente nos divertirmos. Nesse momento, cabe uma ressalva, pelo fato do nome gamificação ser uma espécie de derivação da palavra game, muitos tendem e tenderão a associarem o conceito ao uso de jogos para o alcance de determinados objetivos, o que seria uma abordagem equivocada. O uso das estratégias contidas nos jogos, e nem todas são necessárias, como veremos mais adiante, é que definirá uma abordagem como sendo gamificada. 26 2.2.1 Características da gamificação: dinâmicas, estratégias e mecânicas Para compreensão e utilização da gamificaçãoé necessário identificarmos o que existem nos jogos que os tornam atrativos, engajadores e motivadores. Que padrões são recorrentes nos jogos? Que elementos são combinados para formar um game? São esses elementos que podem ser utilizados para elaborar uma proposta de atividade gamificada. Para Werbach apud Alves (2014), “Elementos são padrões regulares que podem ser combinados de diferentes maneiras para que você construa um jogo.”, ou seja, existem características que são comuns aos jogos, variando sua combinação entre cada um, existindo tanto elementos repetidos, como outros que são originados de games sociais ou on-line. O autor produz um modelo para definir os elementos, sem, no entanto, abranger todos, somente os mais comuns, consistindo em aspectos para classificação dos elementos, sendo divididos em componentes, mecânica e dinâmica. Alves (2014) afirma que os modelos existentes sobre gamificação, se apoiam em três aspectos: mecânica, dinâmica e a estética dos jogos, sendo a sua relação, essencial para o sucesso da proposta. Vejamos a figura abaixo: Figura 1: Aspectos presentes nos jogos. Fonte: Imagem produzida pelo pesquisador a partir de Alves (2014, p. 43). DINÂMICA MECÂNICA COMPONENTES EXPERIÊNCIA 27 Para a autora, a dinâmica é formada por elementos constituintes dos padrões de coerência e regulares à experiência de quem está jogando, de quem queremos envolver. Falamos aqui não de experiências anteriores, ou vividas pelas pessoas, e sim, as que pretendemos proporcionar através dos elementos dos jogos. Entre os elementos da dinâmica a autora destaca: contrições, emoções, narrativa, progressão e o relacionamento. As contrições seriam responsáveis por restringir o alcance dos objetivos, e diz respeito às escolhas que fazemos para solucionar um problema, estimulando nosso pensamento estratégico. As emoções seriam os sentimentos experimentados durante a experiência, tais como a alegria por ter atingido um determinado nível, ou a frustração por ter que tentar novamente. Já a narrativa é a estrutura que determina a união dos demais elementos de forma a proporcionar coerência à experiência, dando sentido a proposta gamificada e estabelecendo a conexão entre os elementos. Por sua vez, a progressão, como o próprio termo sugere, são os mecanismos responsáveis pela percepção do indivíduo, de que o mesmo está avançando, progredindo, aprendendo, de forma que ele seja motivado a prosseguir. Por fim, o relacionamento diz respeito aos aspectos utilizados para proporcionar a interação das pessoas umas com as outras. Os próximos elementos, explicitados por Alves (2014), são os responsáveis pela mecânica dos jogos, “podem ser considerados ‘os verbos’ pois são eles que promovem a ação, que movimentam as coisas adiante.” (P. 44), ou seja, são mecanismos utilizados para proporcionar a continuidade do game. A autora ressalta que esses mecanismos são inúmeros e destaca alguns que podemos utilizar, os mais comuns: desafios, sorte, cooperação e competição, feedback, aquisição de recursos, recompensas, transações, turnos e estados de vitória. Os desafios seriam os objetivos propostos aos jogadores, o que eles devem alcançar, a fim de que se sintam mobilizados. O segundo, a sorte, é a utilização de mecanismos que possam indicar ao envolvido, que há uma aleatoriedade/sorte envolvida no jogo. Já a cooperação e competição, apesar de serem opostas, seria o que faz o jogador querer fazer ou construir algo junto ou superar o outro, a fim de alcançar o objetivo desejado. Depois temos o feedback, já citado em outro ponto do texto, que torna todo o processo perceptível, pois através dele, o jogador possui um retorno se suas escolhas e progresso durante o jogo. Na proposta de gamificação voltada para o desenvolvimento da aprendizagem, o feedback, talvez seja um dos elementos que mais poderão contribuir, um vez que leva em consideração fatores da metacognição, ou seja, o indivíduo pode perceber como está ocorrendo sua aprendizagem, como ele está conseguindo aprender. 28 A aquisição de recursos seria a aquisição de “bônus”, algo que possa ser utilizado durante o jogo e que possa ajudá-lo a conseguir “algo maior”, não contando apenas com seu desempenho no momento de utilizá-lo. As recompensas seriam benefícios que poderiam ser conquistados durante o jogo. Consideramos que, apesar da autora ter classificado a aquisição de recursos e as recompensas como sendo dois elementos distintos, trata-se de um único elemento, pois os dois, durante o jogo, são conquistados e utilizados com a mesma finalidade, configurando-se como mesmo objetivo, utilizar um elemento conquistado, de forma a ajuda-lo no momento que decidir utilizá-lo a fim de conquistar algo de modo mais “fácil”, por exemplo. As transações seriam os mecanismos de compra, venda e trocas de recursos que podem ser utilizados durante o jogo, proporcionando uma interação ainda maior ao game. Por sua vez, os turnos seriam a alternância de jogadas entre um indivíduo e outro. E por fim, os estados de vitória são as representações de quem alcançou determinados objetivos, seja o time campeão, que alcançou o maior número de pontos, entre outros. Não desmerecendo os demais aspectos, mas a compreensão dos elementos que configuram a mecânica do jogo é a principal responsável por tornar uma proposta de gamificação engajadora, motivadora, enfim, eficaz. Pois são os elementos de movimentação, os que atraem o participante para o universo construído de competição/colaboração, despertando os diversos sentimentos nos que se propõem a alcançarem os objetivos. Na base da pirâmide (fig. 1), estão os componentes, formas específicas de como configuram-se a dinâmica e mecânica do jogo, ou seja, como realizam-se no jogo propriamente dito. Os elementos ressaltados são: realizações, avatares, badges, “boss fights”, coleções, combate, desbloqueio de conteúdo, doar, placar, níveis, pontos, investigação ou exploração, gráfico social, e bens virtuais. Vamos a explicação de cada uma delas: As realizações seriam os mecanismos de recompensas pelos cumprimentos dos desafios propostos; os avatares seriam representações virtuais dos jogadores, como se fossem sua personificação; os badges, as representações visuais dos resultados alcançados; os “Boss Fights”, os desafios mais díficies, como os proporcionados para mudanças de níveis; as coleções, a representação de suas conquistas; os combates, os desafios que são lançados; o desbloqueio de conteúdos, a atribuição de uma tarefa para ter acesso a um conteúdo específico; doar, a ajuda oferecida a outros jogadores; placar, a colocação do jogador, e seu ranqueamento entre os demais jogadores, visualização do nível em que se encontra, entre outros; os níveis, os graus de dificuldade enfrentados durante o game e que proporciona o desenvolvimento de habilidades cada vez mais complexas a medida que o indivíduo progride; 29 os pontos, a contagem acumulada ao longo do jogo; a investigação ou exploração, a busca por algo que deve ser alcançado, promovendo experiências experimentadas durante o processo; o gráfico social, uma tentativa de extensão da vida social do jogador; e, por fim, os bens virtuais, os objetos ou vantagens a que os jogadores estão dispostos a adquirirem por meio de moedas virtuais ou reais. Para Alves (2014) os elementos que compõem os componentes destacados na pirâmide proposta por Werbach dizem respeito à prática do que está sendo direcionado pela dinâmica e mecânica do sistema do jogo. Resumindo, a autora afirma que “a dinâmica é responsável pelo direcionamento, pela estrutura do sistema gamificado, já a mecânica diz respeito aos mecanismos que serão utilizados e para os quais os componentes serão fundamentais.” 2.3 A Gamificação na Educação A proposta desse trabalho é a aplicação de estratégias gamificadasem situações que favoreçam a promoção da aprendizagem. Para isso, é necessário que compreendamos o que significa aprender. Ao pesquisarmos o conceito de aprendizagem, encontramos definições como: “é o processo pelo qual as competências, habilidades, conhecimentos, comportamento ou valores são adquiridos ou modificados, como resultado de estudo, experiência, formação, raciocínio e observação 4 .”. A partir dessa compreensão, se ela é um processo, podemos inferir que ela é composta por etapas, e que são resultados de experiências que nos remete as vivências provocadas através dos jogos. Alexandre (2010, p. 52-53), [...]a aprendizagem é vista como um processo de mudança de comportamento obtido por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais resultantes da interação entre estruturas mentais e o meio ambiente em que se vive, levando em consideração os conceitos culturais que o grupo social conhece e considera correto. 4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizagem 30 Já a autora, acrescenta a noção de contribuição de fatores emocionais e ambientais como contribuintes de um processo de aprendizagem, sendo que os games podem funcionar como motivadores desse processo de aprendizagem. Alves (2014, p. 54) atenta para questão de que “... você se lembra de alguma situação na qual aprendeu algo muito rapidamente como resultado de seu interesse pelo assunto em questão. Também não tenho a menor dúvida de que você se recorda ainda mais de algum momento da vida em que, apesar da necessidade de aprender algo, isso lhe custou muito principalmente se você não conseguia ver a relevância que isso poderia ter em sua vida.” Nesse trecho, a autora alerta para questão da motivação que tanto influencia no processo de aprendizagem, pois tendemos a aprender mais rápido e fácil, algo que faz parte de nossos conhecimentos prévios, experiências, e que de alguma forma nos interessa. Diz respeito a nossa área de interesse, aquilo que encontramos significado e percebemos a importância que fará se obtivermos aquele conhecimento. Ainda segundo Alves, teorias atuais sobre aprendizagem subjazem conceitos como heutagogia (do grego: heuta, auto + agogôs, guiar) no qual o aprendiz é o único responsável pelo seu processo de aprendizagem, e para isso necessitam de motivação, que poderá conduzir e facilitar toda a ação. Essa motivação deve levar a aspectos relevantes a vida do aprendiz, de forma que possa levar a informação para sua memória de longo prazo. Quando se falou, logo no início do capítulo, sobre os jogos estarem relacionados com a definição de ser uma atividade voluntária, que o indivíduo realiza de acordo com seus interesses, essa ideia está associada à motivação que será uma característica muito importante no desenvolvimento da gamificação. Será a partir dela que todo processo de criação de estratégias será elaborado, levando em consideração a motivação do aprendiz, e para isso é necessário à compreensão sobre como ocorre a motivação nos indivíduos. Segundo a etimologia da palavra, motivação vem do verbo latino movere e substantivo motivum, que hoje equivalem ao termo semanticamente compreendido por motivo, ou seja, aquilo que move a pessoa a desenvolver uma ação. Essa motivação, segundo Bzuneck (2009), “tem sido entendida ora como um fator psicológico, ou um conjunto de fatores, ora como processo” (P. 09) e que a dinâmica dos mesmos levam a escolhas que direcionam comportamentos ao alcance de determinados objetivos. Segundo o autor, todos nós dispomos de recursos pessoais que podem ser direcionados para o desenvolvimento de determinada atividade. No entanto, será a motivação, 31 a responsável pela continuidade ou não da atuação desses recursos para o alcance do objetivo. Para ele, existem fatores que representam essa motivação, podendo atuar de forma isolada ou em interação, e que no contexto de sala de aula são diferentes de outras atividades humanas, tais como, esportes, lazer ... A motivação do aluno estaria relacionada com seus mapas mentais, situados no contexto de sala de aula, sendo a natureza das atividades, cognitiva, devendo realizar processos mentais que ninguém pode fazer por ele. Portanto, o contexto de sala de aula deve ser levado em consideração ao estabelecer princípios de motivação voltados para aprendizagem. A motivação pode ter determinados efeitos, sendo eles imediatos ou finais, de acordo com Bzuneck (2009), sendo perceptíveis em sala de aula, os imediatos, no que diz respeito ao envolvimento dos alunos em determinadas tarefas correspondentes do processo de aprendizagem, podendo os mesmos ter escolhido outra ação a desenvolver. Para tanto, o aluno que não lança mão de seus recursos pessoais para o desenvolvimento das tarefas, é considerado desmotivado. Fica claro aqui, o envolvimento pessoal do aluno, como fator preponderante para classificação da motivação, sendo ela positiva de acordo com a qualidade do envolvimento do indivíduo, ou seja, quanto mais ele emprega recursos de forma qualitativa, mais ele está motivado. Para isso, é necessário que o aprendiz possa ter consciência e refletir sobre seu processo de aprendizagem, percebendo de que forma aprende, e quais estratégias são as mais eficazes para o alcance dos objetivos. Bzuneck (2009) apresenta algumas tendências atuais nos estudos sobre motivação, ressaltando as contribuições associadas à abordagens cognitivistas ou sociocognitivistas, dentre as quais cabe citar a classificação das tendências modernas, elaboradas por Pintrich e De Groot (1990). Os autores estabelecem três categorias relacionadas aos aspectos motivacionais: a expectativa, que estaria relacionada com as crenças da pessoa quanto a sua competência em realizar determinada tarefa, podendo ser associada à pergunta “posso realizar essa tarefa?”; o valor, que estaria relacionado à importância e interesse que posso demonstrar por determinada atividade, podendo ser associada à pergunta “por que devo fazer essa tarefa?”; e por fim, o afetivo, que poderia ser “representado pelas reações emocionais às tarefas, como a ansiedade, particularmente nas avaliações, autovalorização, irritação, orgulho, entre outras.” Essas características são citadas por Guimarães (2009, p. 37) 32 “Curiosidade, interesse, persistência, atenção, prazer e alegria podem caracterizar a participação de uma criança pequena em situações de aprendizagem. No entanto, quando esta fica mais velha e avança em escolaridade, este tipo de envolvimento parece ficar restrito a situações fora da sala de aula. Os estudiosos da motivação intrínseca têm produzido, nos últimos anos, conhecimentos que podem auxiliar o professor em seu trabalho de despertar o interesse dos alunos sobre os conteúdos escolares.” Percebemos que há um interesse em despertar a motivação do aluno, buscando a retomada de características que as crianças demonstram ao longo da primeira infância. Esses são aspectos buscados pela gamificação, como veremos adiante, mas a autora cita ainda, a motivação intrínseca como fator que poderá ser utilizado para o alcance dessa tarefa. Por isso, se mostra relevante algumas considerações acerca da motivação intrínseca e extrínseca no processo de engajamento de pessoas. Para Guimarães (2009, p. 37) “A motivação intrínseca refere-se à escolha e realização de determinada atividade por sua própria causa, por esta ser interessante, atraente ou, de alguma forma, geradora de satisfação. Tal comprometimento com uma atividade é considerado ao mesmo tempo espontâneo, parte do interesse individual do aluno, e autotélico, isto é, a atividade é um fim em si mesma. Desse modo, a participação na tarefa é a principal recompensa, não sendo necessárias pressões externas, internas ou prêmios porseu cumprimento.” Podemos compreender que a motivação intrínseca está associada ao indivíduo, sendo algo manifestado de dentro para fora, e, em tratando-se de aprendizagem, é aquele cujo o interesse em aprender não depende de fatores externos. Esse talvez seja o sonho de todo professor, que toda atividade-fim, por si mesma, fosse interessante e suficiente para que o aluno atingir o objetivo escolar, a aprendizagem. No entanto devemos levar em consideração que em situações de ensino e aprendizagem, o professor pode e deve assumir um papel de “provocador” a fim de aperfeiçoar essa motivação no aluno. É o caso de apresentar algo/assunto/conteúdo que seja do interesse do indivíduo, e quando isso não for possível, que a metodologia utilizada seja atraente. Baseado nisso, a autora afirma e propõe uma indagação: “ ... os alunos ... também podem aprender por almejarem altas notas, aprovação escolar ou agradar pais e professores. Quais são, então, os argumentos para se privilegiar a motivação intrínseca dos alunos para as atividades escolares?”. As respostas apresentadas pelas mesmas são a de que geram uma maior satisfação dos alunos, aumenta a concentração ao ponto de perderem a noção do tempo, 33 enfim, fatores associados a gamificação. Portanto fica evidente a importância da utilização e do desenvolvimento da motivação intrínseca para o uso da gamificação e elaboração de suas propostas. Outro fator que mostra-se relevante, e talvez a atuação da gamificação busque o seu desenvolvimento, é a motivação extrínseca que “... tem sido definida como a motivação para trabalhar em resposta a algo externo à tarefa ou atividade, como para obtenção de recompensas materiais ou sociais, de reconhecimento, objetivando atender aos comandos ou pressões de outras pessoas ou para demonstrar competências e habilidades. No contexto escolar, destaca- se uma avaliação cognitiva das atividades como sendo um meio dirigido a algum fim extrínseco, ou seja, o aluno acredita que o envolvimento na tarefa trará os resultados desejados, como, por exemplo, elogios, notas, prêmios ou ajudará evitar problemas.” Guimarães (2009, p. 38) Então a motivação intrínseca percorre o caminho inverso, algo externo é que desperta o interesse para realização de determinada tarefa ou objetivo. Nesse caso, o papel do professor mostra-se ainda mais essencial e importante, uma vez que sua intervenção poderá motivar o aluno à aprendizagem ou afastá-lo disso. Percebemos aqui a utilização de um dos elementos dos games e que pode ser utilizados em propostas gamificadas, as recompensas, sendo as mesmas, elementos que podem levar o aluno ao desenvolvimento de determinadas atividades. Refletimos até aqui sobre aspectos relacionados à aprendizagem e motivação que nos auxiliam na compreensão e elaboração de propostas de aprendizagem. Dentre essas propostas, surge a gamificação que “em sua essência, no campo da aprendizagem é uma ferramenta a mais que você deve levar em sua caixa e não a única, nem tampouco substitui as demais” (ALVES, 2014). Assim, ela vem sendo utilizada na educação como uma ferramenta de design instrucional, ou seja, soluções de aprendizagem, sendo que existem diversos modelos, e quase todos baseados no clássico ADDIE 5 . Alves (2015) revela sua preferência pela utilização de diversos modelos que funcionariam como um checklist dos aspectos essenciais para elaboração de uma solução de aprendizagem. Portanto apresentaremos alguns modelos que podem auxiliar no processo de gamificação, servido como roteiros das partes a serem contempladas. 5 ADDIE - Analysis(Análise, design (desenho), development (desenvolvimento), implementation (implementação) e evaluation (avaliação). Método de design instrucional. 34 O primeiro modelo a ser considerado é o do norte americano, Keller (2000), que é baseado em 4 fatores: atenção, relevância, confiança e satisfação. Ao construirmos nossa solução de aprendizagem, o autor propõe que devemos levar em consideração, primeiramente, a forma como podemos atrair a atenção do aluno. Passada essa etapa, o outro fator a ser considerado é o da relevância, a importância do que vai ser abordado, e para isso seja alcançado de forma satisfatória, ele apresenta seis estratégias a serem utilizadas: ativação dos conhecimentos prévios dos alunos como possibilidade de utilização para desenvolvimento de habilidades que eles ainda não possuem; demonstração da utilidade do mesmo no cotidiano; sua utilização futura; sua relação com os objetivos propostos; utilização de apoio nas atividades, sejam vídeos ou até mesmo alunos que aprendem mais rápido; e uso de diferentes métodos de aprendizagem de forma que o aluno possa escolher a melhor. O próximo fator considerado é o da confiança, o desenvolvimento, nos aprendizes, do sentimento de que são capazes de aprender, podendo ser realizado através de utilização de atividades iniciais menos complexas, percepção clara do aluno quanto aos objetivos, o que se espera dele, e ainda, feedbacks de seu processo como aponta Alves (2015). Por fim vem a satisfação, a percepção por parte do aluno, de que valeu a pena todo o processo ou o seu resultado final. Outro modelo apresentado pela autora é a teoria de Malone (1981) sobre a motivação intrinsicamente motivadora a qual aborda o poder de motivação e diversão dos games. Para ele “Uma atividade é dita ser motivada intrinsecamente, se as pessoas se empenham nela ‘para o seu próprio bem’, se eles não exercerem a atividade, a fim de receber alguma recompensa externa, como dinheiro ou status. Vou usar as palavras "diversão", " interessante"," cativante ", " atraente " e " intrinsecamente motivador ", todos mais ou menos indistintamente, para descrever tais atividades ..” Malone (1981, p. 335). 6 ou seja, é intrinsicamente motivado quando não depende de fatores externos, recompensas, para demonstrar interesse sobre determinada atividade. Para Malone (1981), existem três elementos que podem tornar qualquer ambiente em intrinsicamente motivador: o desafio, a fantasia e a curiosidade. Quanto ao desafio, Alves (2014) afirma que “Para um ambiente seja desafiador é necessário que ele envolva metas a 6 An actfity is said to be intrinsically motivated if people engage in it "for its own sake," if they do not engage in the activity in order to receive some external reward such as money or status. I will use the words "fun," "interesting," "captivating," "appealing," and "intrinsically motivating," all more or less interchangeably, to describe such activities. 35 serem alcançadas e incerteza quanto aos resultados. As metas são importantes em ambientes intrinsicamente motivadores e elas precisam ser significativas para quem está envolvido neste ambiente”. O desafio deve proporcionar ao aluno a percepção de como está indo na atividade, bem ou mal, a fim de possa desenvolver sua autoestima a medida que seu desempenho vai melhorando. A fantasia é descrita pela autora como sendo um elemento vantajoso, tanto emocional, como cognitivamente, para o desenvolvimento de design de ambientes instrucionais, sendo o aluno/jogador inserido em um universo “não” real, mas do qual ele sente-se parte, e busca atingir os objetivos propostos através daquele ambiente. As vantagens cognitivas podem ser relacionadas com a ativação dos conhecimentos prévios para compreensão de algo novo, e as emocionais, relacionadas aos sentimentos de ajuda, vingança, entre outros. Por fim, o terceiro elemento, a curiosidade tem como característica mais importante, segundo Malone (1981) e Alves (2014), o grau em que os ambientes instrucionais criados tendem a despertar ou satisfazer nossa curiosidade, podendo ser ativadas, a sensorial e cognitiva. Para isso,fatores como novidade, complexidade de informações são utilizados, não devendo ser muito complicados ou muito simples, sendo “um ambiente com complexidade ideal [...] aquele em que o aprendiz sabe o suficiente para ter expectativas sobre o que acontecerá, mas eventualmente ocorre algo diferente do esperado” Alves (2014). Outro modelo utilizado em soluções de aprendizagem é o da teoria do recondicionamento operante, baseada nos estudos behavioristas e de Skinner. Em relação a essa teoria, ressaltamos o desenvolvimento da motivação, alcançada através do engajamento do aluno a uma determinada atividade. Por exemplo, a fim de ele continue engajado, pode ser utilizado ao intervalo variável de reforço, previsto pelos estudos do autor, que consiste no uso variável de esforço, recompensado aleatoriamente o que ocasiona a continuidade do esforço. Alves (2014) apresenta uma variação do comportamento operante conforme a “tabela de definição de Agenda de recompensa”, a seguir: Tabela 3: Definição de agenda de recompensas Agenda de recompensas Definição Relação variável O reforço de um comportamento é fornecido em intervalos imprevisíveis. Relação fixa O reforço por um comportamento é fornecido após um determinado número de vezes que um comportamento é exibido. 36 Intervalo fixo O reforço por um comportamento é oferecido depois de um intervalo de tempo fixo. Intervalo variável O reforço por um comportamento é fornecido depois de um intervalo variável de tempo. Fonte: ALVES (2014, p 66) O tipo de recompensa (reforço) que vai ser utilizado depende de qual comportamento queremos do aprendiz. Baseados em algum desses modelos ou até mesmo em outros, podemos criar soluções de aprendizagens gamificadas que proporcionem uma aprendizagem mais engajadora, motivando o aluno a desenvolver suas habilidades cognitivas de forma atrativa. 2.3.1 Os jogos educativos e aprendizagem baseada em jogos Após algumas considerações acerca da gamificação aplicada à educação, é pertinente que percebamos a dinâmica do uso de jogos com finalidade educativa e/ou aprendizagem baseada em jogos. Brougère (2002) nos adverte: “Não nos enganemos: não é o jogo que é educativo, é o olhar que analisa diferentemente a atividade da criança, com novas noções e novos valores”, ou seja, será a finalidade, o objetivo para o qual o jogo é definido e eleaborado que configura se sua função é educativa ou não. O autor estabelece algumas reflexões sobre a relação entre o jogo e a educação. Também analisa o valor educativo do jogo: se o mesmo está na atividade em si ou em segundo plano, ou seja, se o indivíduo joga e, consequentemente, acaba aprendendo algo, ou se o mesmo é direcionado direto para aprendizagem. Em seguida, ele estabelece uma relação entre quatro elementos do jogo com a ação educativa: regra, decisão, frivolidade e incerteza, O autor aponta que os dois últimos parecem opostos aos propósitos da educação, e que a decisão não é compatível com os modos da educação dita como tradicional. Dessa forma, Brougère (2002, p. 9-10) aborda a ideia da educação informal, sendo [..] ela permite introduzir a ideia essencial de que a educação pode acompanhar outras atividades sem ser apresentada em sua estruturação ou finalidade. É romper com uma visão de educação que pode ser apenas o resultado de um processo consciente e voluntário.[...] Uma situação 37 educativa pode não produzir efeito educativo algum, e uma situação “comum” pode ter efeitos educativos. Situações as quais não estariam diretamente direcionadas para aprendizagem, mesmo assim poderiam cumprir o papel de ação educativa, sem, entretanto possuir essa finalidade. Daí “se um jogo é educativo, isso aconteceria de um ponto de vista informal, isto é, como um efeito que acompanharia essa experiência [...] o efeito pretendido pelo jogador relaciona-se ao prazer, mas pode encontrar de forma aleatória, uma experiência de aprendizagem.”. (Brougère, 2002, p. 10). É através do caráter informal educativo que o jogo assume uma função de colaborador da aprendizagem, pois a finalidade do jogador, muitas vezes, é a sensação proporcionada, seja prazer, curiosidade, expectativa, mas que não impede a possibilidade de aprendizagem através de novas experiências percebidas. Percebemos que o jogo em si não possui essa finalidade, mas apresenta um potencial educativo que reside em dois eixos, como aponta o autor: na exploração e no divertimento, através dos quais o indivíduo/jogador acaba aprendendo de maneira informal. A exploração dá-se através da curiosidade em conhecer como funciona ou para que serve determinado objeto ou ambiente criado, a partir do qual gerará conhecimento. Já o divertimento é proporcionado por elementos da vida cotidiana que seriam acentuados a fim de despertar emoções como o prazer. Portanto, os jogos ditos “educativos” o são em um aspecto secundário, possuindo esse caráter sem, no entanto, ser o objetivo principal. São denominados dessa forma porque motivam o processo de aprendizagem, de alguma maneira. Assim, Botelho (2004, p. 1) afirma que “basicamente, jogos educacionais se constituem por qualquer atividade de formato instrucional ou de aprendizagem que envolva competição e que seja regulada por regras e restrições”, ou seja, retoma elementos presentes nos jogos, os quais citamos anteriormente, como regras e competição, associado à aprendizagem. Cabe aqui ressaltar a existência de diversos tipos de jogos que, segundo Tauroco (2004, p. 02), podem ser “classificados de acordo com seus objetivos, tais como jogos de ação, aventura, cassino, lógicos, estratégicos, esportivos, role-playing games (RPGs), entre outros. Alguns desses tipos podem ser utilizados com propósitos educacionais.” Observamos, portanto, que sua classificação surge, dependendo da finalidade principal. 38 Nesse momento, pode surgir uma dúvida: qual o melhor tipo de jogo a ser utilizado para gerar aprendizagem? A resposta está no público para o qual o mesmo será direcionado. Devemos pensar que o sucesso no alcance do objetivo será o de utilizar a estratégia/jogo correta(o) de acordo com os interesses, o contexto do público alvo. Dessa forma, Alves (2014, p. 75) afirma: Assim como existem diferentes temperamentos, diferentes tipos psicológicos e estilos de aprendizagem, há também diferentes tipos de jogadores. Esses tipos interferem diretamente na forma como cada um deles interage com o meio, com outros jogadores e também com o jogo em questão. A escolha ou adaptação de um jogo com objetivos educativos deve levar em consideração o perfil dos jogadores (temperamentos), os estilos de aprendizagem e os tipos de jogadores, como propõe a autora. No entanto, neste trabalho, iremos discutir apenas os dois últimos, uma vez que o público alvo de nossa pesquisa são indivíduos com personalidades e perfis diferentes e que, tais variáveis não serão utilizadas, pois se configura sem relevância para nosso estudo. Em relação aos estilos de aprendizagem, a autora aponta que “As pesquisas em educação têm demonstrado, ao longo do tempo, que pessoas diferentes possuem formas e ritmos diferentes de aprendizado. Essas formas particulares de perceber e processar novas informações são conhecidas como estilos de aprendizagem”. (ALVES, 2104, p.78) Ou seja, é o modo como cada indivíduo responde as situações de aprendizagem. Isso é muito importante para elaboração de uma proposta gamificada, uma vez que ela deverá ser elaborada levando em consideração o público alvo e sua maneira de aprender. De acordo com Chapman (2005), o pesquisador David Kolb desenvolveu, em 1984, uma teoria sobre os estilos individuais de aprendizagem das pessoas, dividindo-os em quatro estágios distintos: o da experiência concreta, a observação reflexiva, a conceituação abstrata e a experimentação ativa. Cada uma
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