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INTRODUÇÃO À LÍNGUA LATINA PROF. Dr. CARLOS RENATO R. DE JESUS NON SCHOLAE SED VITAE DISCIMVS MANAUS-AM MMXXI Nam omnium magnarum artium sicut arborum altitudo nos delectat, radices stirpesque non item (Cícero, Orator, 147) [“Com efeito, a grandeza de todas as grandes artes, assim como a das árvores, deleita-nos, mas o tronco e as raízes nem tanto.”] © ATENÇÃO: Todos os direitos reservados. É vedada a reprodução total ou parcial e ainda qualquer alteração textual ou omissão de autoria desta apostila. Work in progress Versão de janeiro de 2021 Capa: Imagem: Cena de escola em Trier. Relevo romano tardio (séc. III d.C.). “O mestre e os alunos”. Dois deles desenrolam seus volumina (manuscritos; hoje, livros): o terceiro, à direita, traz a capsa, caixa de madeira que serve para conter e transportar livros e que contém o necessário para ler e escrever. Fonte: http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/momentos/escola/ensinoroma/index.htm Frase: Lucius Annaeus Seneca, Epistulae Morales ad Lucilium, 106, 12. Carlos Renato R. de Jesus Abreviaturas de autores e obras citados Af. Aforismo Ad Att. Ad Atticum Ad Fam. Ad Familiares A. F. Ânio Floro A. Gel. Aulo Gélio Apul. Lúcio Apuleio Arist. Aristóteles Broc. Brocardo jurídico Cat. Carm. Catulli Carmina C. R. Cornélio Rufo Cass. Cassiodoro Cat. Caio Valério Catulo Cés. Júlio César Cíc. Marco Túlio Cícero Claud. Claudiano Dion. Cat. Dionísio Catão Enn. Quinto Ênio Epig. Epigramas, de Marcial Epit. Epitáfio Eutr. Eutrópio Fab. Fabulae (Fábulas de Fedro) F. Bacon Francis Bacon Fed. Caio Júlio Fedro Front. Marcos Cornélio Frontão Graf. Grafite de Pompeia Greg. IX Papa Gregório IX Hor. Quinto Horácio Flaco Insc. Inscrição em paredes Inst. orat. Institutio oratoria Jer. São Jerônimo J. O. John Owens Juv. Juvenal Lin. Carlos Lineu Lív. Tito Lívio Lucr. Lucrécio Marc. Marco Valério Marcial Mat. São Mateus Nep. Cornélio Nepos Ov. Públio Ovídio Nasão P. Estác. Públio Papínio Estácio P. S. Publílio Siro Pet. Petrarca Petr. Caio Petrônio Árbitro Pl. Tito Mácio Plauto Plin. Vel. Plínio, o Velho Plin. Plínio, o Jovem Plut. Plutarco Prisc. Prisciano Prop. Sexto Aurélio Propércio P. Stat. Públio Papínio Estácio Q. C. Quinto Cúrcio Quint. Marco Fábio Quintiliano Ruf. Quinto Rufo S. Ago. Santo Agostinho S. Jer. São Jerônmo S. Just. São Justiniano Sal. Caio Salústio Crispo Sên. Lúcio Aneu Sêneca Suet. Suetônio Tác. Públio Cornélio Tácito T. Aq. Tomás de Aquino Ter. Públio Terêncio Afro Tib. Tibulo Var. Marco Terêncio Varrão Virg. Públio Virgílio Maro Vulg. Vulgata Abreviaturas de termos técnicos e diversos abl. ablativo acus. acusativo adap. adaptado(a) adj. adjetivo adv. advérbio ag. agente agp. agente da passiva arc. forma arcaica at. ativo card. cardinal cl. classe comp. comparativo/comparação cn complemento nominal conj. conjunção cons. consonantal dat. dativo defec. defectivo dem. demonstrativo dep. depoente deriv. derivado encl. enclítico(a) f. feminino fig. figurativo freq. frequentativo fut. futuro gen. genitivo gr. grego imper. imperativo imperf. imperfeito impess. impessoal indecl. indeclinável indef. indefinido inf. infinitivo interj. interjeição interrog. interrogativo intr. intransitivo irreg. irregular lit. literalmente loc. locução locat. locativo m. masculino mis. misto(a) mov. movimento m.q.perf. mais-que-perfeito n. neutro neg. negação/negativo nom. nominativo num. numeral od objeto direto oi objeto indireto part. particípio partic. partícula pass. passado passv. passivo perf. perfeito pess. pessoal pl. plural poss. possessivo prep. preposição pres. presente pret. pretérito pron. pronome ps predicativo do sujeito rad. radical rel. relativo semidep. semidepoente sg. singular sinc. síncope/sincopado subj. subjuntivo suf. sufixo suj. sujeito sup. superioridade superl. superlativo tr. transitivo v. verbo vi verbo intransitivo vl verbo de ligação voc. vocativo vtd verbo transitivo direto vti verbo transitivo indireto Sumário APRESENTAÇÃO....................................................................................................... 7 1) O ENSINO E A IMPORTÂNCIA DO LATIM HOJE .............................................. 9 1.1) O latim no curso de Letras ................................................................................10 1.2) O latim no Direito .............................................................................................12 1.3) O latim que a gente sabe ...................................................................................13 2) BREVE HISTÓRICO DA LÍNGUA LATINA ........................................................16 3) EVOLUÇÃO DO LATIM .......................................................................................18 4) DO LATIM AO PORTUGUÊS ...............................................................................23 5) SISTEMA GRÁFICO E FÔNICO ...........................................................................25 5.1) O alfabeto .........................................................................................................25 5.2) Pronúncia .........................................................................................................26 5.3) Separação silábica ............................................................................................28 5.4) Prosódia ...........................................................................................................29 5.5) Acentuação .......................................................................................................31 6) INTRODUÇÃO AO SISTEMA VERBAL ..............................................................33 6.1) Tempos do infectum (ativo) ..............................................................................33 6.2) O verbo sum (ser, estar, existir).........................................................................40 7) MORFOSSINTAXE NOMINAL ............................................................................43 7.1) Algumas questões iniciais .................................................................................44 7.2) Como saber a que declinação pertence uma palavra? ........................................46 7.3) A 1ª e a 2ª declinação .......................................................................................48 7.4) Adjetivos de 1ª classe: ......................................................................................61 7.5) A 3ª declinação .................................................................................................68 8) SISTEMA VERBAL: tempos do infectum (continuação) .........................................76 9) MORFOSSINTAXE NOMINAL (continuação) ......................................................83 6 9.1) 4a e 5a declinações ............................................................................................83 9.2) Adjetivos de 2a classe .......................................................................................90 10) GRAUS DO ADJETIVO .......................................................................................96 10.1) Formação do grau comparativo do adjetivo .....................................................97 10.2) Formação do grau comparativo de superioridade ............................................98 10.3) Grau superlativo do adjetivo .........................................................................102 11) ADVÉRBIOS ...................................................................................................... 107 11.1) Formação do advérbio de modo .................................................................... 107 11.2) Grau comparativo de superioridade do advérbio de modo ............................ 109 11.3) Grau superlativo de superioridade do advérbio de modo ............................... 110 11.4) Outros advérbios ........................................................................................... 110 BIBLIOGRAFIA ....................................................................................................... 116 APÊNDICE ............................................................................................................... 118 1) Como encontrar um substantivo no dicionário?.................................................. 118 2) Como traduzir? .................................................................................................. 119 3) Quadro resumitivo dos adjetivos ........................................................................ 120 4) Algumas preposições ......................................................................................... 121 5) Quadro dos tempos do infectum ......................................................................... 124 6) Quadro das declinações latinas .......................................................................... 125 7) Palavras populares e eruditas derivadas do mesmo étimo .................................. 126 8) Tabelas destacáveis ........................................................................................... 128 Carlos Renato R. de Jesus APRESENTAÇÃO Esta apostila é uma versão menor do curso “Introdução à Lingua Latina”, de minha autoria, cujo texto completo, em breve, será publicado em forma de livro. Servirá ao curso de Latim dos módulos iniciais e procurará atender a algumas especificidades do ensino de latim no Amazonas. Ocorre que durante os anos em que venho ensinando a disciplina em universidades públicas e particulares do nosso Estado, duas grandes dificuldades sempre emergiram com mais frequência: primeiro, a falta de material didático voltado para as especificidades das licenciaturas em Letras nas quais o latim é ensinado por, no máximo, três semestres; e, em segundo lugar, a compreensível hesitação do estudante em adquirir material disponível, visto que seria despendido um alto valor para um curso que nunca é completo, nem sequer, ao menos, básico. A proposta que agora se apresenta pretende preencher essas lacunas, visando, principal mas não exclusivamente, ao ensino do latim em cursos de Letras, no Estado do Amazonas. Tenciona durar 4 semestres, seguindo o curso linearmente; ou 5 semestres, se for acrescentado com mais profundidade o estudo da literatura e da história da civilização greco-romana, bem como as demais informações acerca da cultura clássica. Nunca houve dúvida a respeito da qualidade dos materiais didáticos disponíveis no mercado brasileiro, especialmente os mais recentes, dos quais cito o de José Amarante (UFBA), “Latinitas” (2014), além do método da professora Leni Ribeiro (UFES), “Latine Loqui” (2016), e a tradução feita por professores da Unicamp do método de Cambridge, o “Aprendendo Latim” (2008). Isso sem mencionar as diversas gramáticas e cursos elaborados por grandes professores e cultos estudiosos do latim durante sucessivos anos, que nunca deixaram de ser reeditados e comercializados. No caso dos métodos citados, trata-se de material voltado para cursos nos quais o latim ou é ensinado como primeira ou segunda habilitação nos cursos de Letras ou é como curso completo, em disciplinas que se estendem por até 8 semestres. Para essas situações, não há dúvida de que esses manuais são utilíssimos e mais do que pertinentes, haja vista sua indubitável qualidade. Quanto aos demais livros, gramáticas e compêndios, estes parecem atender a especificidades que, mesmo com com toda a sua relevância, até onde pude perceber, não dão conta das dificuldades mencionadas no início desta apresentação. Isso absolutamente não lhes retira o valor e enorme contribuição para os estudos clássicos no Brasil. Na verdade, muito nos utilizamos de suas preciosas lições, seja no que se refere às explicações e à estrutura dos conteúdos apresentados, seja na exemplificação mostrada a cada ponto e mesmo nos exercícios propostos. De uma forma ou de outra, este pequeno manual é tributário inequívoco dos grandes mestres do passado e do presente, de dentro e de fora do Brasil. Não se trata exatamente de um método. Semelhante a toda experiência que se pretende compartilhar, é apenas uma proposta que, como qualquer primeira incursão, implica limitações de ordem variada, seja com relação à extensão e profundidade dos conteúdos, seja quanto ao modo e organização dos assuntos estudados. Eu entendo que tais questões dependem do ponto de vista e da interpretação pessoal de cada professor. Portanto, não será preciso dizer que caberá aos mestres filtrar, desenvolver, ajustar, variar, escolher e acrescentar tópicos, exercícios e explicações, de acordo com seu entendimento da matéria e do processo de aprendizagem de seus alunos, de modo que este pequeno trabalho possa ser útil a todos. Críticas e sugestões são, pois, muito bem-vindas. Tendo em vista o princípio que norteou este manual, isto é, sua utilização específica para e por alunos dos cursos de Letras sem habilitação em latim, a dosagem da terminologia gramatical utilizada está um pouco acima do que normalmente se costuma apresentar nos cursos introdutórios e mesmo avançados de latim. A própria e intencional Introdução à Língua Latina 8 ênfase na morfologia já releva o objetivo introdutório deste manual. Esperamos compensar essas tendências com os exercícios que acompanham cada lição, atendo-nos, tanto quanto possível, à tradução de frases e textos, se não inteiramente originais, ao menos com pouca adaptação dos escritos antigos. E uma vez que há poucos textos originais com o tom da simplicidade que esperaríamos para lições iniciais, obviamente utilizei vários textos não originais e outros bastante adaptados dos autores clássicos. A intenção é colocar o aluno desde cedo diante de estruturas maiores que a frase. Mas isso não exime esta proposta de exercícios estruturais, como sempre, conforme mencionado, com forte ênfase na terminologia gramatical. Com isso espera-se que o estudante, além de adentrar as estruturas básicas do latim, também possa rever questões de gramática da Língua Portuguesa. Mas não apenas gramática pura e simples. Espera-se ainda que informações filológicas, linguísticas e etimológicas proporcionadas pela contribuição decisiva e primordial do professor acompanhem seus estudos a cada lição. Toda esta proposta seguiu de perto as gramáticas e manuais de autores como Furlan (1993), Pimentel e Pena (1996), Cardinale e Calamaro (2009), Soares (1999), Napoleão (1985), Mosca (2012), entre tantos outros, dos quais nos valemos das informações gramaticais e de alguns exercícios. Acredito, não obstante, que um diferencial significativo deste manual seja sua opção em começar as lições gramaticais pelo sistema verbal, e nele aplicar considerável ênfase, ao invés de, como é de praxe, pelo sistema nominal (casos, declinações, etc.). Isso se deveu ao fato de decidirmos, desde o primeiro momento, já traduzir frases e textos variados e originais ou, ao menos, com poucas adaptações. O ato de lidar com estruturas latinas já desde os primeiros passos exigiu de nós, então, o posicionamento de oferecer ao estudante o conhecimento de estruturas verbais um pouco mais amplas, a fim de que pudéssemos, com isso, apresentar e propor textos para análise e tradução ainda nas primeiras lições. De modo algum pretendi esgotar todos os assuntos, mesmo os mais fundamentais, nestelivro. Reconheço que todos os pontos apresentados estão sob forma esquemática simples, sempre carentes de maior explicação e preenchimento acerca de detalhes e informações que podem complementar o assunto (como todo manual, diga-se). Não obstante, acredito firmemente que, ao final das lições, o aprendiz será capaz de, com a base oferecida, prosseguir, sozinho, sem maiores dificuldades no aprofundamento das estruturas linguísticas do latim. Poder-se-ia dizer, ainda, que há carência de maior detalhamento das fontes das frases e textos utilizados. Em qualquer caso, não quis fugir ao escopo do caráter introdutório deste opúsculo, que não parece combinar com uma exaustiva descrição de informações que, ademais, com uma boa gramática de apoio e com a ajuda do professor, serão devidamente deslindadas. Aliás, em última instância, deste último, o professor, muito dependerá a eficiência deste manual. Valete! Prof. Carlos Renato R. de Jesus Manaus, janeiro de 2021 Carlos Renato R. de Jesus 9 1) O ENSINO E A IMPORTÂNCIA DO LATIM HOJE A disciplina Latim não é mais obrigatória pelo MEC nos cursos de nível superior no Brasil há alguns anos. E, desde a década de 60, também já não consta no currículo do ensino médio nacional. Mesmo assim, e por isso mesmo, conhecer latim vem tornando- se um importante diferencial para qualquer área de estudos humanísticos. Com efeito, não é nenhuma novidade que, no imaginário ocidental, as línguas e a cultura clássica sobrevivem vigorosa e amplamente. Seja em filmes, em nomes de produtos comerciais, em livros e até em cartoons, a presença da herança clássica é marcante e contínua. Nem sempre, é claro, o latim e o grego são vistos como algo positivo, como quer demonstrar a tira acima. Muitas vezes, o latim é retratado como algo extenuante, fastidioso e inútil, como uma “língua morta”, enfim. Em nossa visão, contudo, as línguas clássicas estão bem vivas nos falantes das línguas neolatinas. Seu estudo sério e disciplinado possibilita a criação de um elo que nos coloca em diálogo direto com o pensamento antigo, com as formulações dos grandes pensadores a respeito de Filosofia, Literatura, Mitologia, Arte e Cultura de um modo geral. Adentrar esse universo cultural significa acesso franqueado ao legado greco- romano, que ainda hoje permeia e influencia o imaginário e o cotidiano, não apenas acadêmico, de nossa modernidade. Não é um saber “prático”, no sentido de que pode ser manipulado com frequência ou aplicado a situações cotidianas e de ensino, no caso das licenciaturas. É, antes de tudo, um conhecimento que navega na contramão de determinadas escolhas epistemológicas imediatistas e que se vincula a um posicionamento diferenciado ante o conhecimento humano. Optar pelo estudo laborioso das línguas clássicas é próprio de um espírito investigativo e instigante de alguém que se preocupa em ir a fundo em questões muitas vezes obliteradas pela velocidade com que as ciências avançam e novas teorias surgem; significa pausar toda informação e buscar as origens de tudo e compreender o estado atual e real das coisas. Em um mundo acelerado, com métodos e valores em constante renovação, os estudos clássicos apresentam-se com um esteio de perene conhecimento, o qual, muitas vezes, a modernidade apenas emoldurou em nova indumentária. É justamente por esse motivo que, hoje, nos grandes centros acadêmicos do Brasil, os estudos clássicos vêm efervescendo cada vez mais, com a proliferação de diversas pesquisas na área das línguas latina e grega. Em muitas Introdução à Língua Latina 10 universidades, tais estudos são regulares e constantes, com ativa participação em eventos científicos, como as reuniões anuais da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), os encontros bianuais da SBEC (Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos), os seminários do GEL (Grupo de Estudos Linguísticos) e, mais recentemente, o “Encontro de Professores de Latim”, da ANPL (Associação Nacional de Professores de Latim), que ocorre desde 2010 em diversos Estados do Brasil, além de muitos outros eventos promovidos por instituições de renome de todo o território nacional. Um exemplo positivo e bastante sintomático vem da UNICAMP, onde a procura pelos cursos de línguas clássicas vem aumentando sistematicamente1. Ou seja, quando era de se esperar que o latim se esvaísse de vez do mundo acadêmico, ele ganha mais força e cada vez mais as diversas áreas do conhecimento voltam sua atenção para o universo antigo. Além disso, embora em diversos países da Europa o latim e o grego estejam perdendo espaço nas universidades e nas escolas, a presença dos estudos clássicos nesses países ainda é muito forte e, inclusive, em lugares de origem não-latina, como a Finlânda, por exemplo, o latim segue firme como língua de estudo e pesquisa, desde a formação básica do aluno. No Brasil, em muitas universidades, já dispomos de graduação em Letras/Latim, como a UFPB, a UNESP, a UFJF, a UFRJ, a UFMG, a USP, a UFF, e a UFPR, nas quais a pesquisa e a procura pelas línguas antigas crescem continuamente. É importante lembrar, ainda, que, hoje em dia, com a popularização da internet, o acesso a publicações da área e a uma infinidade de textos antigos originais torna-se muito comum e facilitado. Muitas revistas e periódicos, todos muito recentes, parecem mostrar o interesse que os estudos clássicos vêm despertando na sociedade moderna, tanto no que tange à compreensão da riquíssima cultura greco-romana quanto às suas incessantes contribuições para os estudos humanísticos contemporâneos e para o universo cultural mais amplo que se manifesta no presente. 1.1) O latim no curso de Letras 1 Cf.: http://p.php.uol.com.br/tropico/html/textos/2765,1.shl Carlos Renato R. de Jesus 11 A tira acima deixa entrever uma determinada ideia a respeito do ensino do latim, compreendido como algo desvinculado da realidade linguística do estudante, como se fosse uma língua “de outro planeta”. Em contrapartida, os defensores de sua permanência nas escolas e universidades argumentam – na perspectiva de sua relevância na educação regular – que saber bem latim resulta em conhecer bem o português. Em nosso entendimento, tanto a primeira vertente como a segunda necessitam de, ao menos, uma complementação e contextualização. Se, por um lado, é preciso reconhecer que o latim é, em sua essência, uma “língua estrangeira” e que assim deve ser entendida, é necessário, do mesmo modo, reconhecer que seus laços históricos com o português muito contribuem para a compreensão em profundidade de vários aspectos gramaticais e etimológicos da língua portuguesa. E mesmo que nos apoiemos na premissa de que conhecer qualquer língua sempre pode auxiliar no aprendizado de um novo idioma, no caso do latim, parece- nos que o caminho é de mão dupla: é preciso também que o estudante tenha o mínimo de domínio dos aspectos gramaticais do seu idioma materno, para que as questões linguísticas do latim sejam mais facilmente apreendidas. Com o tempo e com a prática, ambas as línguas se complementam em razão de seus sistemas em comum, resultando em esclarecimentos mais amplos a respeito das funcionalidades de uma e de outra, deixando, então, o português de ser objetivo último do ensino do latim, enquanto esvanece neste o estigma de “língua alienígena”. Fonte: http://em-outras-palavras.tumblr.com/page/2 Seria, portanto, profundamente desejável que os cursos de Letras no Brasil mantivessem um estudo contínuo da língua latina (atualmente, como vimos, apenas algumas universidades têm curso completo em suas grades). E como na maioria dos cursos de graduação não são reservados mais que dois ou três períodos aos estudos de latim, pode-se, pelo menos, ter em vista os seguintes referenciais para o seu exercício no curso de Letras: a) O latim proporciona umaampla visão do funcionamento de diversas línguas modernas, porque, ao mesmo tempo em que mostra laços evidentes com nosso idioma pátrio, também possui um mecanismo (o sistema de casos) assaz diferente dos sistemas de muitas línguas modernas, especificamente as mais estudadas nas escolas do Brasil, como o inglês e o espanhol. Desse modo, o contato com o latim proporcionará ao estudante de Letras não apenas a oportunidade de perceber quão diversas e ricas podem ser as línguas, mas também a possibilidade de perceber o quanto as relações entre elas são, ao mesmo tempo, diversificadas e estreitas. b) De certo modo, o aluno será obrigado a conhecer mais e mais a gramática de sua própria língua, pois com o seguimento do curso, será necessário utilizar termos técnicos e conhecer a morfologia da língua portuguesa, bem como desenvolver a capacidade de reflexão sobre determinado fenômeno gramatical do português, a fim de avançar nos estudos do latim. Introdução à Língua Latina 12 c) Um pouco relacionado com o item acima, está a necessidade de abstração em relação à língua de um modo geral. Isto é, será percebido que as reflexões sobre tal e qual língua dependem da capacidade de concentração e raciocínio que, afinal, qualquer profissional de Letras deve ter e que o estudo sério e dedicado do latim – assim como o de qualquer outra língua – pode desenvolver. d) Diversas questões de filologia, etimologia, gramática, linguística histórica, prosódia, fonética, fonologia, etc. podem ser inferidas ao longo dos estudos e aplicadas em futuras pesquisas. e) As noções básicas de tradução que se pretende adquirir ao longo do curso capacitam o aluno a traduzir sozinho sentenças e expressões muito comuns de serem encontradas em manuais de literatura, em determinadas obras literárias ou mesmo em citações encontradas em diversos livros, trabalhos, além de em dezenas de inscrições em igrejas, relógios, bandeiras, slogans, etc. f) Há também outras questões mais gerais: ao aluno que se propõe conhecer o idioma materno não faltarão temas relacionados à origem da Língua Portuguesa que só o conhecimento do latim ajudará a compreender. Nesse sentido, podemos considerar que o ideal, então, seria conhecer o latim vulgar, já que é daí que se originam as línguas neolatinas. Mas mesmo para o latim vulgar é necessário conhecer o latim clássico, de modo que a questão é a mesma: temos que passar pelo estudo do latim e todo o seu funcionamento para compreender que o português e o latim são, de fato, duas variedades de uma mesma língua. g) Uma última questão ainda pode ser considerada. Se quiséssemos ignorar completamente os evidentes avanços da Linguística – que já há tempos aproveita os estudos clássicos referentes à linguagem para ampliar os debates na área da fonologia e da morfologia, particularmente – ficaríamos com a extraordinária literatura dos antigos, a qual, por si só, já vale o esforço não só para apreciar esse riquíssimo acervo, mas também para percebermos que muito do que pensamos saber hoje já foi dito e discutido há, pelo menos, dois mil anos. 1.2) O latim no Direito A enorme extensão do Império Romano, e sua consequente complexidade em termos de administração e gerência dos territórios mais longínquos, demandou um complexo sistema jurídico-administrativo que culminou num quadro de leis e jurisprudências que recrudesceram até mesmo com as invasões bárbaras e subsistiram, Carlos Renato R. de Jesus 13 mutatis mutandis, até os nossos dias. De fato, diversas expressões latinas, particularmente os brocardos jurídicos, ainda hoje permeiam as demandas legais, de tal modo que os juristas as utilizam para abrilhantarem, enriquecerem, precisarem ou mesmo esclarecerem seus argumentos, máximas e princípios. (Observemos que a tira acima adverte para a demasia em seu uso). No que tange ao direito romano, apesar das suas imperfeições e das desigualdades que não se resolveu, sua evolução fomentou as bases jurisprudenciais do mundo ocidental com incrível influência. Os princípios de proteção à sociedade e ao cidadão encontram par na charta libertatum dos romanos: a igualdade civil, a tutela da liberdade, o respeito à autonomia individual são suas grandes características. Salvo a interdição de casamento entre patrícios e plebeus, ela não faz distinção entre uns e outros, nem mesmo em matéria de direito penal, como sucedia entre povos sujeitos a regime absoluto (Giordani, 1984). Segundo Giordani (1984), o espírito prático dos romanos orientou-se por uma filosofia simples e sólida que, oportunamente, os jurisconsultos souberam extrair das obras dos pensadores gregos e aplicar à realidade romana. Um simples olhar a um manual de Direito Romano revela-nos seu espírito: proteção do individuo, autonomia da família, prestígio e poder do pater familias, valorização da palavra empenhada, etc. As normas jurídicas romanas estavam, contudo, sob diversos aspectos, bem distantes da perfeição: admitiam a escravidão, não protegiam os desafortunados, não estabeleciam uma perfeita igualdade entre os seres humanos. Numa palavra, não reconheciam o direito do ser humano como tal. Mesmo assim, representou um progresso na ordem jurídica da humanidade, e, sobretudo, legou ao mundo que sobreviveu à queda do Império importante patrimônio que ainda está bem vivo. Ainda segundo o autor, o Direito Romano não merece nossa admiração somente por seu conteúdo. Devemos apreciá-lo, também, pela forma com que foi expresso, por sua linguagem. Esta é, com efeito, clara, simples, nítida, exata. Se tivéssemos herdado do Direito Romano apenas seus conceitos e suas nítidas classificações, isto já teria sido de um grande proveito para a clareza do pensamento. 1.3) O latim que a gente sabe O latim continua presente em nossa língua de várias maneiras, especialmente no léxico que dele deriva, e é certo que muitas palavras se iluminam quando relacionadas com sua origem etimológica. Algumas, tidas como “curiosas”, logram interessantes surpresas ao ser explicada sua formação e origem, principalmente se surgem em ambiente moderno e interativo, como o Twitter, por exemplo. Vejamos, como ilustração, o texto do seguinte tweet: Introdução à Língua Latina 14 A palavra em questão deriva da frase ne sutor ultra crepidam (no original, ne supra crepidam sutor iuducaret, isto é, “que o sapateiro não julgue nada acima da sandália”), que é mencionada por Plínio, o Velho (Naturalis historia XXXV, 10, 36), o qual, por sua vez, a atribui ao pintor grego Apeles em uma pitoresca situação. Apeles costumava expor seus quadros diante de sua loja, a fim de poder se beneficiar dos comentários e críticas dos transeuntes. Certa vez, um sapateiro criticou a forma como a sandália de um personagem de um dos quadros fora representada. Então, Apeles, na época considerado o maior pintor já existente, corrigiu o problema daquele quadro em particular. No dia seguinte, no entanto, o sapateiro, envaidecido porque sua crítica tinha sido aceita, começou a criticar também a representação do joelho do mesmo personagem. Nesse ponto, o artista se dirigiu a ele com a frase que se tornou proverbial. Hoje em dia, a sentença é usada no sentido da palavra destacada no tweet, transformada em neologismo da Língua Portuguesa. Há, ainda, centenas de palavras e expressões legitimamente latinas que são usadas até imperceptivelmente por muitos de nós no dia-a-dia. Da lista abaixo, retirada de Pimentel e Pena (1994), veja a que você conhece ou compreende o significado. O que você não conhecer procure pesquisar a respeito. Talvez você conclua que sabe muito mais latim do que pensa. A posteriori A.m. / p. m. Ab absurdo Ab ovo Ad augusta per angusta Ad hoc Ad kalendas graecas Adenda Agenda Agnus Dei Alea iacta est Alias Alibi Alter ego Amanda Ars longa vita brevis Audentes fortuna iuvat Audio Aurea mediocritas Auri sacra fames Ave Ave, Caesar, moriturite salutant Bis Campus Carpe diem Cogito ergo sum Corpus Corpus Christi Curriculum vitae De facto Deficit Delenda est Carthago Deo gratias Deus ex machina Divide et impera Dixi Duplex Dura lex sed lex Ecce homo! Educando Errare humanum est Errata Etc. Ex cathedra Carlos Renato R. de Jesus 15 Fac simile Fama volat Fiat lux! Forum Grosso modo Habeas corpus Habemus papam Habitat Hannibal ad portas Hic et nunc Homo erectus Homo sapiens Honoris causa Ibidem Idem In dubio pro reo In extremis In hoc signo vinces In medias res In memoriam In saecula saeculorum In vino veritas in vitro INRI Ite, missa est Item Lapsus calami Lapsus linguae Lapsus memoriae Legenda Libido Magister dixit Magna Charta Magnificat Mapa mundi Mea culpa Medice, cura te ipsum! Medium Memorandum Mens sana in corpore sano Modus faciendi Modus vivendi Mutatis mutandis N.B. Nec plus ultra Nihil obstat Nosce te ipsum O tempora, o mores! Omnibus Op. cit. (opere citato) Opus Dei Panem et circenses Pari passu Per aspera ad astra Per capita Persona non grata Post mortem Post scriptum Pro forma Quid pro quo Quo vadis? Quorum Requiem Res, non verba S.P.Q.R. Salve Sic Sine cura Sine die Sine qua non Statu quo Stricto sensu Sui generis Summa cum laude Superavit Tu quoque, Brute, fili mi! Turbo Vade mecum Vae victis! Verba dicendi Vide Video Virus Vox populi vox dei Vulgata Interim Ipso facto Antigo fórum romano Fonte: https://br.pinterest.com/pin/562598178431516552/ Introdução à Língua Latina 16 2) BREVE HISTÓRICO DA LÍNGUA LATINA O latim era a língua falada no Lácio (Latium), região da Itália Central, onde, em meados do séc. VIII a.C., foi fundada a cidade de Roma. Havia um estreito parentesco entre o latim e outros dois idiomas falados antigamente na Península Itálica: o osco, língua dos samnitas (povo indoeuropeu seminômade que havitava o centro da península itálica nos idos so séc X a.C., aproximadamente); e o umbro, língua da Úmbria (Vmbria). Línguas faladas na Itália por volta do séc. VI a.C. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADnguas_itálicas A grande semelhança entre esses três idiomas fez supor a existência de uma língua única, hipotética, a qual teria se consubstanciado no chamado “tronco itálico” e que teria dado origem a estes e a outros idiomas. O confronto de raízes vocabulares existentes no latim com raízes de palavras pertencentes a algumas das antigas línguas faladas na Índia, na Pérsia, na Grécia, na Gália, na Germânia e em outras regiões, bem como certa semelhança entre as estruturas gramaticais de tais línguas, permitiram aos estudiosos formular a hipótese da existência de uma língua ainda mais antiga, que teria gerado esses idiomas. Deu-se o nome de “indo-europeu” a essa hipotética língua-mãe. Supõe-se que o indo-europeu tenha sido falado há mais de 20.000 anos por um povo que se dispersou, por razões até hoje desconhecidas, alguns milênios antes de Cristo, espalhando-se pela Europa e pela Ásia. A dispersão desse povo teria acarretado profundas modificações linguísticas no idioma, inicialmente uno. O indo-europeu dividiu-se, então, em numerosas línguas, cada uma das quais gerou posteriormente outros tantos idiomas, os quais foram reagrupados, pela proximidade linguística, em diferentes ramos: o já mencionado itálico, o helênico, o céltico, o germânico, o báltico, o eslavo, o indo-irânico e outros. Muitas dessas línguas acham-se hoje extintas ou mortas. As remanescentes são faladas em grande parte do mundo ocidental e em algumas regiões do Oriente. Carlos Renato R. de Jesus 17 Árvore genealógica do indo-europeu Fonte: http://www.ancient.eu O latim é, portanto, uma língua indo-europeia, do ramo itálico, com parentesco osco-umbro e que, ainda, por questões de contato linguístico, recebeu influências etruscas e gregas, de cujos povos – por motivos diversos – recebeu significativas contribuições: léxico, estilos literários e artísticos, sistema jurídico, arquitetura, etc. Temos, com esses influxos, o latim arcaico em primeira instância e, depois, o latim fixado a partir do séc. I a.C. até seu esfacelamento a partir do séc. IV d.C.: No decorrer de sua história, os romanos utilizaram o substrato fonético e lexical herdado dos vizinhos e, posteriormente, quando conseguiram a hegemonia política sobre os demais povos da Itália, a língua de Roma conquistou o mundo impondo-se sobre todas as outras línguas dos povos submetidos (menos sobre o grego). Não obstante, quando as forças centrífugas (etnias) passam a prevalecer sobre as centrípetas (Império), aquelas enfraquecem a organização e o poder político- administrativos de Roma, facilitando o surgimento das línguas neo-latinas ou românicas (Romeno, Italiano, Francês, Espanhol, Português, etc.). De qualquer forma, àquela altura, a Igreja já dava continuidade à tradição linguística do Império, pois tinha adotado como língua oficial o latim (o latim cristão), que permaneceu como língua cultural durante toda Idade Média, visto que recrudesceu como praticamente a única depositária da cultura europeia a partir do ocaso Antiguidade. Com o Humanismo, a cultura torna-se laica, e a Reforma quebra a unidade religiosa da Europa; as línguas românicas chegam à dignidade OSCO GREGO (léxico erudito, literatura, artes) LATIM UMBRO ETRUSCOS (leis, arquitetura, alfabeto) Introdução à Língua Latina 18 literária, e, paralelamente, ao latim cristão e medieval, sobrepõe-se o latim humanístico, uma língua internacional duma elite de sábios que se inspirava nos modelos clássicos. Entretanto, pouco a pouco o latim vai se distanciando da vida cultural europeia e, por volta do séc. XVIII, já não é mais um instrumento de comunicação e torna-se uma língua cristalizada na liturgia e nos documentos da Igreja, na escola e na filosofia clássica. 3) EVOLUÇÃO DO LATIM Durante longo período de tempo em que foi utilizado como língua viva, o latim sofreu, evidentemente, profundas transformações. Há grande diferença entre a língua dos primeiros escritos – encontrados no período pré-clássico da história cultural de Roma – e a dos textos dos tabeliães portugueses que, no século XII de nossa era, ainda se utilizavam do antigo idioma como língua de comunicação. Em suma, há sensível dessemelhança entre o latim das obras literárias do século I a.C. e as inscrições cristãs dos primeiros tempos. Por essa razão, costuma-se caracterizar o latim conforme a época e as circunstâncias em que foi usado (baseamo-nos na divisão feita pela profª. Dra. Zélia de Almeida Cardoso, em “Iniciação ao latim”, de 1993): Latim pré-histórico é a língua dos primeiros habitantes do Lácio, anterior ao aparecimento dos documentos escritos. Deve ter sido falado entre os séculos XI e VII ou VI a.C. Latim proto-histórico é o que aparece nos primeiros documentos da língua. São exemplos dessa fase as inscrições encontradas na fíbula de Preneste – uma fivela do séc. VII ou VI a.C. – e no vaso de Duenos , de fabricação um pouco mais recente, talvez no séc. IV a.C.. Fíbula prenestina Fonte: https://www.classicult.it/tag/berlino/ Vaso de Duenos Fonte: https://www.romanoimpero.com Também chamado de latim arcaico, é a língua utilizada entre o séc. III a.C. e o início do séc. I a.C.. Manifesta-se em antigos textos literários – obras de Névio (270 - 201 a. C.), Plauto (254 -184 a.C.), Ênio (239-169 a.C.), Catão (234 -149 a.C.) –, bem como em epitáfios e textos legais. Inicialmente pobre com vocabulário reduzido e estruturas morfossintáticas não rigorosamente determinadas, a língua tende, com o passar do tempo, a firmar-se, enriquecer-se e aperfeiçoar-se, graças,sobretudo, ao desenvolvimento da literatura e à influência da cultura helênica. Carlos Renato R. de Jesus 19 Latim clássico é o que floresce a partir do segundo quartel do séc. I a.C., quando são compostas as grandes obras que marcaram os momentos mais importantes da prosa e da poesia latina: as obras de Cícero (106-43 a.C.),Virgílio (70-19 a.C.), Horácio (65-8 a.C.), Tito Lívio (59 a.C. – 17 d.C.) e numerosas outras figuras de relevo. É uma língua cultivada, artística, profundamente diferente do que seria o latim falado mesmo pelas classes sociais mais cultas. O latim clássico se preservou graças à conservação de inúmeras obras literárias e é dessa modalidade linguística que puderam ser depreendidos os fenômenos gramaticais do idioma. Maquete da cidade de Roma Fonte: http://historiadomundo.uol.com.br/romana/civilizacao-romana.htm Latim vulgar é o nome comumente atribuído à variedade ou variedades do latim falado pelo povo, nas regiões próximas a Roma. Não é posterior ao latim clássico, como se pode erroneamente inferir. Como variedade oral, esteve sujeita a alterações determinadas por diversos fatores: épocas, delimitações geográficas, influências estrangeiras, nível cultural dos falantes, etc. Nunca foi uniforme e, embora sejam pouquíssimas as fontes de que dispomos para seu conhecimento e para sua comprovação como modalidade escrita, de acordo com autores como Väänänen (1982), Basseto (2005) e Neto (1967), podemos citar, entre elas: a) os gramáticos latinos: muitos foram os gramáticos ou os eruditos do idoma que procuravam “denunciar” a pronúncia ou formas erradas assim julgadas por eles. Ente eles podemos citar Ápio Cláudio (séc. II a.C.), Varrão (116-27 a.C.), Cícero (106-43 a.C.), Quintiliano (35-95 d.C.), Donato (séc. IV d.C.) e Prisciano (séc. V d.C.). Particularmente interessante é um texto possivelmente da era cristã, erroneamente atribuído a Probo (séc. I d. C.), o Appendix Probi, que relaciona e corrige 227 palavras e expressões que estariam sendo corrompidas pelo uso comum. b) os glossários latinos: trata-se de comentários ou vocabulários rudimentares de palavras e construções, feitos por copistas sobre os textos clássicos que pudessem causar alguma dificuldade ao leitor do tempo corrente. c) as inscrições latinas: epitáfios, grafites, fórmulas cabalísticas etc. Destaque para as inscrições de Pompeia e Herculano, cidades do sul da Itália, soterradas pela erupção do Vesúvio, em 79 d.C.. Introdução à Língua Latina 20 d) os autores latinos arcaicos, clássicos e pós-clássicos: é detectado um estilo mais relaxado e coloquial em alguns autores, com a intenção de maior expressividade popular (no caso de Plauto e Terêncio, comediógrafos da antiguidade romana) e de motivos estilísticos (como algumas poesias de Catulo e Horácio no período clássico). Cícero, epistológrafo, também usa de mais coloquialidade nas suas cartas. Por fim, também encontramos mais exemplos de latim vulgar nos textos de Petrônio (Satyricon) e de alguns outros autores. e) os tratados técnicos: destaca-se Catão (séc. II a.C.) possuidor de uma escrita mais próxima do que seria o latim vulgar. Sua obra, De agri cultura, é desprovida dos rigores gramaticais da erudição latina e forjada com diversos elementos populares. f) as histórias e crônicas: obras que, a partir do séc. VI, surgem sem pretensão literária, carregadas de vulgarismos e reminiscências clássicas. g) as leis, diplomas, cartas e formulários: são documentos, especialmente dos visigodos, que apresentam uma mescla de elementos populares e reminiscências literárias. As vantagens desse tipo de texto é que são desprovidos das correções e corrupções que alteram os textos literários. h) os autores cristãos: destaque para a vetus latina, na era cristã evidentemente, que era uma espécie de versão popular da Bíblia. Em última análise, a reconstituição do latim vulgar através do estudo comparativo das línguas românicas é também forte elemento que revela as principais transformações do latim falado, como a passagem do ritmo quantitativo para o ritmo acentuativo, o quase abandono das declinações, a perda de certas formas do sistema verbal, etc. Latim pós-clássico é o que se encontra nas obras literárias compostas entre os séculos II e V de nossa era. Embora ainda sejam textos de grande valor, a língua começa a perder as características linguísticas do período anterior. Diminui a distância entre a língua literária e a língua falada e já se prenuncia forte dialetação da qual se originariam as línguas românicas. Com as invasões dos povos bárbaros e o esfacelamento do Império Romano, o latim perdeu a sua unidade como língua, gerando inúmeros falares locais que se desenvolveriam em numerosos idiomas. As classes cultas, entretanto, procuraram, ainda, por muito tempo, manter o uso do latim. Os tabeliães utilizaram-no até o século XII em documentos oficiais, muito embora nesses textos a língua já se mostre bastante modificada. A igreja fez do latim a sua língua oficial, sendo tal idioma obrigatório até 1961, tanto na redação de documentos eclesiásticos quanto na realização de cultos e cerimônias religiosas. A ciência, por sua vez, até o início do século XX, viu no latim uma espécie de linguagem universal, e nesta foram escritos inúmeros tratados filosóficos, Carlos Renato R. de Jesus 21 científicos e acadêmicos. Podemos falar, portanto, ao lado das duas formas antes mencionadas, num latim de tabeliães ou latim bárbaro, num latim eclesiástico e, finalmente, num latim científico. Essas modalidades apresentam cada uma suas características e sua especificidade. Mapa do império romano (séc. II d.C.) Fonte: https://www.theapricity.com/forum/archive/index.php/t-47034.html Por fim, podemos dizer que o “latim de hoje” sobrevive nas próprias línguas românicas, irmanadas pelo tronco comum que as une e as consubstancia sob o legado lexical latino. Para citar alguns exemplos: Do latim Português Espanhol Francês Romeno Italiano oculus olho ojo oeil ochiu occhio stella estrela estrela étoile stea stella magister mestre maestro maître maestru maestro signum sinal signo signe signal segno nox, noctis noite noche nuit noapt notte amicus amigo amigo ami amic amico populus povo pueblo peuple popor popolo templum templo templo temple templu tempio locus lugar lugar lieu loc luogo primus primeiro primero premier prime primo octo oito ocho huit opt otto Além disso, muitas outras palavras do português se “iluminam” quando confrontadas com sua raiz etimológica, ora esclarecendo o significado original da palavra, ora surpreendendo-nos com a mudança de sentido que, muitas vezes, as palavras sofrem ao longo do tempo, por motivos diversos. Menda: defeito emendar, emenda, mendigo, mendaz Fraus, fraudis: fraude fraude, defraudar, fraudulento Candere: estar aceso cândido, candelabro, candidato Munus, muneris: presente, tarefa município, imune (it. comune) Introdução à Língua Latina 22 Ius, iuris: direito jurar, jurado, conjurar, jurispridência Senex: velho senil, senador, senado Precis: oração prece, precário, pregar Vir: homem viril, virilidade, virtude Signifer: estandarte significar, significante Frangere: quebrar fragmentar, frangalhos, fractal Riualis: que está de um dos dois lados de um riacho rival, rivalidade Que palavras, em português, derivam dos seguintes vocábulos latino? • curare (cuidar, tratar de): ____________________________________________ • Iungo (reunir, juntar): ______________________________________________ • Signum (sinal): ___________________________________________________ • Caput, capitis (cabeça): _____________________________________________ • Via (caminho): ____________________________________________________ • Pater (pai): _______________________________________________________ Mapa genealógico das línguas românicas: Robert A. Hall, Jr., External Historyof Language Change. Nova Iorque-Londres-Amesterdão, American Elsevier Publishing Company, Inc., 1974 Disponível em: http://cvc.instituto-camoes.pt/tempolingua/04.html Carlos Renato R. de Jesus 23 4) DO LATIM AO PORTUGUÊS Milhares de palavras do português possuem raiz latina. Isso é fato. No entanto, o processo de transformação de uma língua para outra, do latim para o português, deu-se de maneira complexa e lenta. As causas são diversas e controversas, mas, sem dúvida, a gradativa influência linguística dos povos conquistados com a expansão do império, ocasionando contatos, empréstimos e variações, certamente foi determinante. Há ainda a já brevemente discutida questão do latim vulgar, que englobava as variedades linguísticas de toda aquela região do Lácio e que recrudesceu mesmo depois da queda do Império. No que se refere às línguas neolatinas, é unânime entre os filólogos o fato de que o português, assim como as demais, provieram, essencialmente, dos assim chamados “romances”, um certo tipo de língua que funcionou como interponto entre o latim vulgar e as línguas vernáculas atuais. Evidentemente, o latim vulgar, embora apresentando suas próprias estruturas linguísticas, está diretamente relacionado ao latim clássico, pois este se tratava de uma vertente que tinha como representação escrita “normativa” o latim clássico. No entanto, para a formação da língua portuguesa, entraram em jogo muitos outros fatores, os quais explicam a convivência de formas variadas de uma mesma origem latina. Como dissemos antes, após o Renascimento europeu, muitos intelectuais passaram a escrever suas obras em latim, além de em sua própria língua vernácula, de modo que o latim passou a ser uma espécie de língua universal, franca. Tais autores foram numerosos: Dante (1265-1321), Petrarca (1304-1374), Boccaccio (1313-1375), Thomas More (1478- 1535), Roger Bacon (1241-1294), Francis Bacon (1561-1626), etc. Desse convívio entre o latim e as línguas nativas de cada país, ocorreu uma assídua inserção de palavra eruditas – vindas do latim escrito – nas línguas daqueles escritores, muitas das quais sofreram apenas adaptações na sua parte final, para que tivessem aspecto vernáculo: são as palavras cultas ou eruditas. Veja uma ligeira amostra de palavras de língua portuguesa. À esquerda, encontram-se as palavras eruditas cognatas das palavras de origem popular, que estão à direita: • alienar ~ alheio • audição, auditivo ~ ouvir • celeste ~ céu • crucificar ~ cruz Introdução à Língua Latina 24 • decapitar ~ cabeça • doloroso ~ dor • eclesiástico ~ igreja • equitativo ~ igual • impulso ~ puxar • insular ~ ilha • lácteo ~ leite • legenda ~ ler • lúcido ~ luz • magistério ~ mestre • manuscrito ~ mão • noctívago ~ noite • plenilúnio ~ cheio e lua • potência ~ poder • prejudicial ~ prejuízo • previdência ~ prever • proclamar ~ chamar • proponente ~ pôr • putrefacto ~ podre e feito • racional ~ razão • regenerar ~ gerar • ruptura ~ roto • sagitário ~ seta • saliente ~ sair • sedentário ~ sentar • tenebroso ~ trevas • voluntário ~ vontade Ainda segundo Kury (1989), muitas dessas palavras eruditas têm a mesma origem de outras que já haviam entrado na língua por via oral, pela boca do povo. Por isso, nossa língua às vezes possui dois ou mais representantes advindos de um mesmo étimo latino, alguns mantendo a forma erudita – do latim escrito –, outros sofrendo alterações fonéticas, devido ao seu uso e contato com as camadas mais populares do ambiente em que foram usados. Convém observar, desde agora, que essas formas divergentes dificilmente têm o mesmo significado: geralmente há também especialização de sentido em algumas delas. É interessante observar também que algumas palavras de origem culta se tornaram, com o tempo, mais usadas que as suas correspondentes de origem popular. É o caso, por exemplo, de incrédulo (origem culta), hoje mais conhecida que incréu (origem popular), ambas provindas do latim incredulu; limite (erudita) e linde (popular); operário (erudita) e obreiro (popular); entre muitas outras (cf. a lista elaborada por Kury (1989), no apêndice). Uma terceira via são outras línguas, quase sempre neolatinas, que receberam certas palavras do latim e que o português tomou de empréstimo. Algumas delas também passaram diretamente do latim para o português, e constituem igualmente formas divergentes. Veja alguns exemplos, também retirados de Kury (1989): LATIM PORTUGUÊS LÍNGUA INTERMEDIÁRIA PORTUGUÊS anellu aramine caput facticiu homine lumine media minuta opera planu sanguine solu tenore impulsare elo arame cabo feitiço homem lume média miúda obra chão sangue só teor empuxar provençal: anel castelhano: alambre; alambrado francês: chef francês: fetiche castelhano: hombre – derivado: hombridad castelhano: lumbre – derivado: deslumbrar inglês: media (pronunciado mídia), mídia no sentido de “meios de comunicação” francês: minute italiano: opera castelhano: llano castelhano: sangre – derivado: sangrar italiano: solo italiano: tenore castelhano: empujar anel alambrado chefe fetiche hombridade deslumbrar, vislumbrar mídia (a) minuta ópera lhano sangrar solo (termo musical) tenor empurrar Carlos Renato R. de Jesus 25 5) SISTEMA GRÁFICO E FÔNICO 5.1) O alfabeto O alfabeto latino vem do etrusco, o qual está baseado num alfabeto grego não jônico, herdado pelos gregos dos fenícios que por sua vez aprenderam dos egípcios. Consta de 21 letras (A B C D E F G H I K L M N O P Q R S T V X ) mais 2 (Y e Z), estas introduzidas no 1º século antes de Cristo para os nomes de origem grega, perfazendo desta maneira um total de 23 letras. No período clássico (81 a.C. - 12 d.C.), duas letras tinham, cada uma, duplo valor de vogal e consoante: u e i. Ocorre que os latinos tinham um só sinal gráfico para o som de /w/ e /u/2, que era o grafema <u>, minúsculo, e <V> maiúsculo; e, do mesmo modo, apenas um grafema, <i> e <I>, para os fonemas /i/ e /j/. Por isso, na Renascença (séc. XVI), um humanista chamado Pierre de la Ramée (1515-1572), acrescentou ao alfabeto latino mais duas letras: <j> (e o equivalente maiúsculo <J>) e <U>. O <j> veio a representar a letra <i>, quando esta tinha valor da semiconsoante /j/, ou seja, quando ocorria antes de vogal. O sinal <U> surgiu para representar, em maiúsculo, a letra <u>, quando esta possuía valor da vogal /u/, isto é, quando aparecia depois de consoante. Com isso, a letra <V>, maiúscula, e <v>, minúscula, passaram a representar apenas a forma consonantal /w/, isto é, sempre antes de vogal. Essas novas letras foram necessárias porque havia certa confusão no emprego de apenas um sinal gráfico para dois valores fonéticos. Por exemplo, os romanos escreviam LVDVS (em vez de LUDUS) e quando usavam letras minúsculas, escreviam “ludus” com <u>. E ainda VVLPES (em vez de VULPES), mas “uulpes”, em minúsculas. O procedimento é o mesmo no caso de IVSTITIA (em vez de JUSTITIA). Por isso, dependendo da edição, alguns textos optam pela grafia clássica em vez da medieval, o que pode causar certa dificuldade ao se procurar uma palavra no dicionário, quando ela for grafada com J ou I e V ou U. Dessa forma, quando você não conseguir encontrar uma palavra que contenha a letra j, tente procurá-la com i. O mesmo vale para v e u. As letras <Y> e <Z> foram acrescentadas no 1º século a.C. para resolver o problema de transição de palavras gregas (λύρα,‘lýra’, e ζέφυρος, ‘zéphyros’, por exemplo) Os romanos usavam somente as maiúsculas e não conheciam os sinais de interrupção nem os sinais diacríticos (acento, trema, apóstrofo, hífen, etc.). As letras minúsculas só aparecem por volta do final da República. Segue o alfabeto e a respectiva pronúncia e valores fonéticos:2 Valor dos sinais: < > letra (grafema); / / fonema; [ ] fone. Introdução à Língua Latina 26 5.2) Pronúncia É impossível determinar com exatidão qual a pronúncia da língua latina no tempo dos romanos, mas costuma-se, hoje, dividir em três tipos de pronúncia, invocadas sob contexto e finalidades especificas. a) ROMANA – usada principalmente na Itália e no Vaticano, constituindo-se, por isso, na pronúncia oficial da Igreja Católica (pronuncia-se, observadas algumas exceções, como se fosse italiano). É também chamada de ‘pronúncia eclesiástica’. b) TRADICIONAL – foi muito comum nas escolas de Portugal e do Brasil. Pronuncia- se, observadas algumas particularidades, como se fosse a língua materna de cada país em que a língua é estudada. c) RECONSTITUÍDA (CLÁSSICA) – usada no meio acadêmico, com base nas inferências de filólogos e pesquisadores clássicos, esforça-se para imitar a pronúncia usada pelas pessoas cultas de Roma na época de Cícero (séc. I a.C). Adotaremos essa pronúncia. Confira a síntese a seguir de pronúncia, baseada em Soares (1999). Observe que todas as vogais e consoantes são sempre pronunciadas, não importando a posição que ocupem na palavra. Nos ditongos, cada vogal conserva o som que lhe é próprio: ae pronuncia-se “ái” e oe pronuncia-se “ói” ou “ôi”: aedes, caelum, Troiae, poenicum, etc. • O dígrafo <ch> pronuncia-se como “k” com leve aspiração, ou seja /kh/: Achiles, Achiues, chorus. • <X> pronuncia-se /ks/: rex, uxor, xenium, Xerxes. • <TH> pronuncia-se /t/, com leve aspiração, como o “th” do inglês: theatrum, labyrinthus, Thebae. • <RH> e <r> pronuncia-se como a vibrante do italiano /r/: Rhenus, rhetorica, Rhea, rex, arbor, flor, asper. • Em <qu> e <gu> o “u” é sempre pronunciado /kw/: Quintus, arguit, neque, quaero. • <T> e <d> pronunciam-se sempre como oclusiva dental, /t/ e /d/, não palatizadas, como em “tesouro” e “dado”: nationes, otium, otii; gladium, dies, aedes. • Pronunciam-se as consoantes duplas: Sallio, offero, Atticus. • <H> é levemente aspirada, isto é, uma glotal /h/: homines, mihi, nihil, honos. • <J> quando aparece, pronuncia-se como “i”, isto é, semiconsoante /j/: jactus, janua, ejus. • <PH> pronuncia-se “p” com leve aspiração, isto é /ph/: Philosophia, phoedere, Phaedrus. • <S> é sempre sibilante surda, como em “sapo”, em qualquer posição, mesmo no final: aster, opus, patris, priusque. • <C> tem sempre som de oclusiva gutural surda /k/, como em “casa”: Cicero, Caesar, Marcellus, dulcis. • <G> é sempre oclusiva gutural sonora, como em “gato”: regina, ager, piger. • <L> é sempre pronunciada como líquida, não palatizada, mesmo no meio ou no final Carlos Renato R. de Jesus 27 da palavra, como em “lata”: locus, mel, Hannibal, alter, Alba. • Não existe o som de /v/ como em “vela”. A letra <V> (maiúscula) e sua correspondente minúscula <u>, quando em posição não vocálica, são pronunciadas como aproximante /w/, isto é, como semiconsoante, com leve labialização: uocis, auis, auete, Valerius, ueritas, aluus, uulpes, uis. • <Y> é pronunciado com arredondamento, como o “u” francês: lyra, Tytere, physis. • <M> e <n> devem ser claramente pronunciadas mesmo no meio ou no final da palavra: amplexus, carmen, semen, quem, quam. • <Z>, em início de palavra, pronuncia-se como o z /zd/ (zdeta) grego: Zeus, Zenon. Obs.: Devemos pronunciar com clareza as sílabas finais. Evite o som nasal. Prática de pronúncia: texto para leitura ENEIDA (I, vv. 1-23), de Virgílio Arma uirumque cano, Troiae qui primus ab oris Italiam fato profugus Lauiniaque uenit litora, multum ille et terris iactatus et alto ui superum, saeuae memore Iunonis ob iram, multa quoque et bello passus, dum conderet urbem inferretque deos Latio; genus unde Latinum Albanique patres atque altae moenia Romae. Musa, mihi causas memora, quo numine laeso quidue dolens regina deum tot uoluere casus insignem pietate uirum, tot adire labores impulerit. Tantaene animis caelestibus irae? Vrbs antiqua fuit (Tyrii tenuere coloni) Carthago, Italiam contra Tiberinaque longe ostia, diues opum studiisque asperrima belli, quam Iuno fertur terris magis omnibus unam posthabita coluisse Samo. Hic illius arma, hic currus fuit; Hoc regnum dea gentibus esse, si qua fata sinant, iam tum tenditque fouetque. Progeniem sed enim Troiano a sanguine duci audierat Tyrias olim quae uerteret arces; hinc populum late regem belloque superbum uenturum excidio Libyae; sic uoluere Parcas. Canto as lutas e o herói3 que, forçado pelo destino a fugir do solo pátrio, partiu das praias de Troia e chegou primeiro a Lavínio, no litoral da Itália. Muito o maltrataram, em terra e mar, as forças celestes, por causa do ódio da impiedosa Juno. Muito também sofreu na guerra, enquanto edificava a cidade e introduzia no Lácio os deuses de Troia: essa é a origem do povo latino, de nossos ancestrais albanos e da altiva e inexpugnável Roma. Dize-me, ó musa, por que a amargurada rainha dos deuses4, contrariada em seus desejos, foi levada a desencadear tantas desgraças sobre um varão de insignes virtudes, submetendo-o a tantos trabalhos e provações? Há tanta cólera assim no coração dos deuses? Cartago foi uma antiga cidade, colônia dos fenícios de Tiro, situada muito distante da Itália e da foz do Tibre, rica e duramente adestrada na arte da guerra. Dizem que Juno preferia Cartago a qualquer outro lugar do mundo, até mesmo a Samos5. Ali estavam as suas armas, ali o seu carro. O grande desejo e empenho da deusa eram ver Cartago, se o destino permitisse, tornar-se a sede do Império e a capital do mundo. Juno, porém, estava preocupada porque ouvira dizer que, algum dia, um descendente da raça troiana haveria de destruir a cidade de Cartago e que agora deveria chegar, para a ruína da África, um povo conquistador e valoroso na guerra: era o que vaticinavam as Parcas6. (Tradução de Domingos P. Cegalla) 3 Herói. Eneias. Segundo a lenda, depois da queda de Troia, Eneias veio com um grupo de troianos para a Itália. Esses troianos, mesclando-se com os autóctones, deram origem ao povo latino. O povoado de Lavínio estava situado perto da foz do Tibre, onde Eneias aportou. 4 A rainha dos deuses. Juno. Ela queria que Cartago, e não Roma, se tornasse a capital do mundo. 5 Samos. Ilha do mar Egeu, onde Juno tinha um templo e era venerada. 6 Parcas. Deusas do destino. Segundo a mitologia, teciam, enrolavam e também cortavam o fio da vida dos homens. Introdução à Língua Latina 28 5.3) Separação silábica É importante saber separar em sílabas as palavras para, além de pronunciá-las melhor, determinar mais facilmente quando a sílaba é longa ou breve. Basicamente, separam-se as sílabas como fazemos com as palavras da língua portuguesa, observando apenas algumas. Particularidades: 5.3.1) Não se separam os ditongos: ae, oe, au, eu (às vezes, ai e oi, em palavras arcaizantes). Mas, atenção, quando ae e oe não formam ditongo, algumas edições de textos latinos fazem recair sobre o e um trema, marcando a diérese. Essa marcação, contudo, é mais frequente na tradição escolástica, isto é, romana. Ex.: aër (ar), poëta (poeta). 5.3.2) Quando duas ou mais consoantes estiverem entre duas vogais, a primeira pertence à sílaba anterior, e as demais, à seguinte. Ex.: im-ber (chuva), ag-men (marcha), cas-tus (casto), con-sul (cônsul), pig-nus (penhor). Contudo, se o grupo consonantal é constituído por uma oclusiva (p, b; t, d; c, g) ou f seguidas de líquida (r, l), as consoantes vão todas para a sílaba seguinte. Ex.: pa-tres (pais), du-plex (dobro), res-plen-de-re (brilhar), dis-ci-pli-na (disciplina), A-fri-ca (África). OBS. 1: Há certa omissão (e até divergência) entre as gramáticas latinas quanto à regra que acabamos de explicitar. Algumas optam pelo procedimento de não separar encontros consonantais que possam formar palavraslatinas (sc, scr, sp, st, str, etc.). Porém, ficamos com a opção da maioria dos autores, especialmente dos mais recentes, como Fucecchi & Graverini (2009), de quem seguimos o posicionamento aqui adotado. OBS. 2: Nos casos das palavras compostas, prevalece a divisão a partir da etimologia (cf. item 5.3.4, abaixo). Assim: re-sto, in-stau-ro, ob-li-no, ha-ru- spex, lec-ti-ster-ni-um. 5.3.3) Letras iguais, sílabas diferentes: bel-lum (guerra), Grac-chus (Graco). 5.3.4) As palavras compostas, dividem-se pelos componentes: post-ea, praeter- eo, dis- tri-bu-e-re. Evidentemente, para este caso, só conhecendo um pouco mais a língua. Veja mais exemplos: ob-ligare (ob-li-ga-re), sub-actus (sub-ac-tus), sub-eo (sub-e-o). E ainda: ob-lectatio, in-cendere, prae-ficio, ad-eo, prae-fectura, circum-ire, sub-ornare, ad-haeresco, in-eptus, in-explicabilis, post-meridianus, prod-e-o. 5.3.5) A letra i, diante de vogal, isto é, quando for semiconsoante /j/, não formará sílaba sozinha. Exemplo: Iunonis (Iu-no-nis, e não *I-u-no-nis); iam (monossílabo, e não dissílabo: *i-am), iudex (iu-dex, e não *i-u-dex); mas Italiam (I-ta-li-am), pois aí o i é pronunciado e usado simplesmente como vogal. O mesmo vale para a letra u, quando for semiconsoante /w/. Exemplo: auis (a-uis, e não *a-u-is), auete (a-ue-te, e não *a-u-e-te), iuuare (iu-ua-re, e não *i-u-uare nem *iu-u-are). Carlos Renato R. de Jesus 29 5.3.6) Os encontros gu e qu nunca se separam. Constituem articulatoriamente um único fonema (/gw/ e /kw/, labiovelares) não incidindo sobre o u, por exemplo, nenhum elemento prosódico, isto é, ele não pode ser considerado uma vogal nem longa nem breve (cf. adiante). Do mesmo modo, e pelo mesmo motivo, ficam sempre na mesma sílaba: lin-gua (língua), lo-quor (eu falo), un-guo, co-quo (eu cozinho), quo-que (também), pin- gues-co (engordar). OBS.: Contudo, por razões métricas, exclusivamente no ambiente da poesia, portanto, é possível que o u, em posição consonântica, valha como vogal. É o caso de ré-li-quus e re-lí-cŭ-us e de sil-ua e si-lŭ-a, etc. Nos demais casos, o u é vocálico: e-xí-gŭ-us e e-xi- gú-ĭ-tas, etc. Além disso, quando o grupo gu + vogal é precedido de n, é inseparável: in- guen, ín-gui-nis, etc. Separe em sílabas: donatio (doação): __________________ scriptus (escrito): __________________ rosae (rosas): _____________________ magnus (grande): __________________ somnus (sono): ____________________ Australia (Austrália): _______________ quaestio (pergunta): ________________ fungus (cogumelo): _________________ rector (condutor):__________________ aeuum (tempo) : ___________________ omnis (todo):______________________ optio (opção):_______________________ praecurro (ultrapassar):_______________ inuentio (invenção): _________________ nouem (nove): ______________________ uehemens (veemente):________________ laqueus (laço): _____________________ causticus (caústico): _________________ poenalis (penal): ____________________ uitium (vício): ______________________ diuitiarum (das riquezas): _____________ actio (ação): _______________________ 5.4) Prosódia Prosódia é uma palavra de origem grega que significa “acento”, “modulação da voz” (πρός + ᾠδή, de onde ad + cantum > ac +cantum > accentum > acento). Prosódia é a parte da gramática que ensina a conhecer a quantidade ou acento das sílabas nas palavras em relação à arte de pronunciar corretamente a poesia, no caso do latim e do grego. Estava vinculada, portanto, exclusivamente às técnicas e ao ritmo poético. O som das vogais (soantes) apresenta dois aspectos: a quantidade e a intensidade. A intensidade envolve mais propriamente a proeminência da sílaba (diríamos, em português, sílabas ‘tônica’ e ‘átona’), e a quantidade é a duração (tempo despendido na pronuncia da vogal) que todas as vogais (assim como as consoantes) podem apresentar, isto é, podem ser longas ( – ) ou breves ( ). Mas como linguagem consiste na combinação/articulação de sons, a quantidade das vogais não deve ser considerada em si mesma, mas na sílaba, resultando, assim, numa quantidade silábica. Desta maneira: Introdução à Língua Latina 30 Quantidade: sílaba longa ( – ) mácron → amīcus (amigo) (duração) sílaba breve ( ) braquia → mulĭer (mulher) Intensidade: sílaba tônica e sílaba átona A menor unidade de tempo despendido para a pronúncia da sílaba era chamada de mora (µ). Uma sílaba longa apresenta o dobro de tempo de uma silaba breve, ou seja, enquanto uma sílaba breve apresenta uma mora, a sílaba longa apresenta duas moras. Esse fato era bem conhecido já na Antiguidade, conforme atesta Quintiliano: longam esse duorum temporum, breuem unius etiam pueri sciunt (“até mesmo as crianças sabem que a sílaba longa tem dois tempos, e a breve, apenas um” – Inst. orat. 9, 4, 47). Assim: → uma mora (µ) ou – → duas moras (µµ) → uma sílaba longa equivale a duas breves (µµ) Quantidade: Variação que a vogal pode ter quanto à duração do tempo despendido em sua pronúncia. Aprenderemos, por enquanto, apenas algumas regras prosódicas para identificar se a sílaba é longa ou breve. Isso facilitará na leitura posterior, relativamente correta de textos não marcados. Em latim, as vogais são breves ou longas por natureza e por posição: São longas: ¨ Por natureza: quando contêm ditongo (ae/ai, oe/oi, au, eu). Ex.: cāedo (caio), pōena (pena), āudio (ouço), sēu (ou). ¨ Por posição: quando a vogal é seguida de duas ou mais consoantes ou de X, Z e I (/j/). Ex.: hōstis (inimigo), cārmen (canto), nōx (noite), gāza (tesouro), Trōia (Troia). Serão breves por posição se: ¨ uma vogal estiver antes de outra vogal, mesmo que haja um h entre elas. Ex.: pŭer (menino), omnĭa (tudo), trăho (arrasto). OBS. 1: Há, evidentemente, mais regras de quantidade silábica. Por enquanto, veremos apenas essas três acima. A quantidade silábica é muito importante: a) como sinal distintivo de diferentes valores morfológicos: rosā – ablativo de “rosa” ¹ rosă – nominativo de “rosa” lĕgit – presente (lê) ¹ lēgit – pret. perfeito (leu) pōpulus – o povo ¹ pŏpulus – uma espécie de árvore mālum – o mal ¹ mălum – maçã b) e, sobretudo, por constituir o fundamento do ritmo e da métrica da poesia e da prosa. Carlos Renato R. de Jesus 31 5.5) Acentuação A quantidade é importante também porque regula a posição do acento latino. Desde o período clássico, prevaleceu o que viria a ser chamado de “regra da penúltima”, isto é, a propensão a acentuar apenas a penúltima ou a antepenúltima sílaba dos vocábulos latinos. Essa parece ter sido a regra seguida por muito tempo, mesmo após o período clássico, uma vez que também o gramático Donato (séc. IV d.C.) assim se posicionava a respeito: In trisyllabis et tetrasyllabis et deinceps, si paenultima correpta fuerit, acuemus antepaenultimam, ut Tullius, Hostilius; si paenultima (...) longa fuerit, ipsa acuetur. (Ars Grammatica, GLK 1, 4, p. 371) Nos trissílabos, tetrassílabos ou demais tipos de vocábulos, se a penúltima for breve, acentuaremos a antepenúltima, como Tullius e Hostilius; se a penúltima (...) for longa, a mesma será acentuada. Assim, nenhuma palavra latina tem o acento na última sílaba; nas polissilábicas, o acento nunca vai além da antepenúltima sílaba. Ex: cón-fi-cit, con-fé-cit, uí-ta, uí-ue-re. Em outras palavras, em latim, só existem palavras paroxítonas ou proparoxítonas. Nas polissílabas o acento cai: a) Na penúltima se esta for longa por natureza ou por posição. Ex.: a-du-lḗ-scens, a-du-le-scḗn-tis, o-ra-ti-ṓ-nes. b) Na antepenúltima, se a penúltima for breve. Ex.: cla-mó-rĭ-bus, a-du-le-scén-tĭ-bus, mú-sĭ-ca, ui-o-lén-tĭ-a. Como se pode ver, o que determina o acento tônico em latim é a quantidade da penúltima em palavras plurissilábicas. Entretanto, não é o fato de ser longa ou breve que faz umasílaba ser tônica ou átona. Uma sílaba pode ser breve e ainda assim ser tônica. Ex.: I-tắ-lĭ-am, bḗl-lum, etc. *** EXERCÍCIO 1) Separe em sílabas: a) cognosco (co+gnosco): ____________ b) domesticus: ______________________ c) patria: __________________________ d) prouinciae: ______________________ Introdução à Língua Latina 32 e) laudo: __________________________ f) abigo (ab+igo): ___________________ g) uenio: __________________________ h) subduco (sub+duco):_______________ i) poena: __________________________ j) aequitas: ________________________ k) sanctus: _________________________ l) praefectus (prae+fectus):____________ m) patientia: _______________________ n) aethereus: _______________________ o) aequalis: ________________________ p) sanctior: ________________________ q) quatiunt: ________________________ r) istius: __________________________ s) atticus: _________________________ t) factio: __________________________ u) uitium: _________________________ v) oratio: __________________________ w) laetitia: _________________________ x) petieram: ________________________ y) pyrrhides: _______________________ z) grauitas: ________________________ 2) Com base na quantidade da penúltima sílaba, classifique as palavras abaixo quanto à posição do acento tônico: a) bestiŏla: ________________________ b) orīgo: __________________________ c) examĭnis: _______________________ d) transfŭga: ______________________ e) cupīdo: _______________________ f) collabōro: _____________________ g) facilĭtas: ______________________ h) signĭfer: _______________________ i) dilĭgens: ________________________ j) sententiae: ______________________ k) uectīgal: ________________________ l) accīdo: _________________________ m) arbĭter: _________________________ n) parens: _________________________ o) tutīus: __________________________ p) extraho: ________________________ q) gratuītus: _______________________ r) tribūnal: ________________________ s) indulgēre: _____________________ t) astronomia: ____________________ u) facultas: _______________________ v) intellectus: _____________________ w) astrologia: _____________________ x) palaestra: _______________________ y) amoenus: ______________________ z) praefectus: _____________________ Carlos Renato R. de Jesus 33 3) No texto latino a seguir, separe em sílabas, marque as sílabas longas e breves (quando possível) e classifique as palavras com mais de duas sílabas quanto à posição da sílaba tônica: Catulli carmen LI Ille mi par esse deo uidetur, ille, si fas est, superare diuos, qui sedens aduersus identidem te spectat et audit dulce ridentem, misero quod omnis eripit sensus mihi: nam simul te, Lesbia, aspexi, nihil est super mi uocis in ore, lingua sed torpet, tenuis sub artus flamma demanat, sonitu suopte tintinant aures, gemina et teguntur lumina nocte. Otium, Catulle, tibi molestum est: otio exsultas nimiumque gestis: otium et reges prius et beatas perdidit urbes. Poema 51 de Catulo Aquele me parece semelhante a um Deus, ele, se é permitido, parece-me superar os deuses, quando está sentado à tua frente observando e ouvindo, sem cessar, o teu doce riso, que a mim, miserável, arrebata todos os sentidos: porque logo que te vi, Lésbia, nada me restou para dizer mas a língua retrai-se, uma leve chama alastra debaixo do corpo, com seu próprio som retinem os ouvidos e por uma dupla noite são cobertos os olhos. O ócio, Catulo, é-te prejudicial: com o ócio regozijas e exultas demasiado, o ócio outrora arruinou reis e prósperas cidades. *** 6) INTRODUÇÃO AO SISTEMA VERBAL 6.1) Tempos do infectum (ativo) Os verbos constituem a categoria mais complexa da língua. Neste primeiro momento, você vai aprender apenas alguns elementos da estrutura verbal do latim, os chamados tempos do infectum (“não feito”, “inacabado”). Os verbos latinos apresentam muitas semelhanças com os do português, com tempos e modos também presentes em nossa língua. De imediato é preciso saber que existem 4 conjugações, que assim se apresentam na maioria dos dicionários: 1o 2o 3o 4o 5o Amo, as, āre, aui, atum. “Amar” → 1ª conjugação (C1) Deleo, es, ēre, eui, etum. “Destruir” → 2ª conjugação (C2) Mitto, is, ĕre, misi, missum. “Enviar” → 3ª conjugação (C3) Audio, is, īre, iui, itum. “Ouvir” → 4ª conjgação (C4) Introdução à Língua Latina 34 Pela ordem, então, temos as seguintes formas7: 1o: p1 idpr (primeira pessoa do singular do presente do indicativo). 2o: p2 idpr (desinência da segunda pessoa do singular do presente do indicativo). 3º: ifpr (infinitivo presente) – é pelo infinitivo que se determina à qual conjugação o verbo pertence. Atente para as diferenças entre a C2 e a C3. 4o: p1 idpt2 (primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo). 5º: sp (supino) – trata-se de uma forma nominal ausente no português, que será estudada posteriormente. Para conjugar qualquer verbo nos tempos e modos latinos, basta acrescentar ao radical as desinências correspondentes. Esse radical estará na maioria dos dicionários registrado como nos exemplos da página anterior. Veja que para conjugar os verbos você terá que partir do radical do presente do indicativo, o qual aparece na primeira posição das formas registradas no dicionário. Assim, se você quiser conjugar, por exemplo, o verbo amo (amar), pegue o radical am- e acrescente as desinências dos tempos verbais pertinentes. Compare com o português: Pessoa verbal ↓ Presente do indicativo Português Latim P1 am + Ø - o = amo am + Ø - ō = amo P2 am + a - s = amas am + ā - s = amas P3 am + a - Ø = ama am + a - t = amat P4 am + a - mos = amamos am + ā - mus = amamus P5 am + a - is = amais am + ā - tis = amatis P6 am + a - m = amam am + a - nt = amant Evidentemente, a conjugação dos verbos obedecerá ao critério das formas específicas dos tempos e modos de cada paradigma. Vamos começar, por enquanto, apenas com alguns tempos do infectum. Abaixo, o paradigma de conjugação dos tempos do presente do indicativo (idpr), do pretérito imperfeito do indicativo (idpt1) e do imperativo presente (ippr), e ainda o infinitivo presente (ifpr). 7 As abreviaturas utilizadas para identificar as formas e pessoas verbais neste manual são aquelas propostas por Normelio Zanotto em Estrutura morfológica da língua portuguesa. 6ª ed. Caxias do Sul: Ibral, 2013. Nas ocorrências em que a nomenclatura latina não corresponde às abreviaturas utilizadas por Zanotto (como é o caso de algumas formas nominais latinas, por exemplo), criamos novas abreviações, à maneira da referida proposta. O quadro das desinências número-pessoais e modo-temporais de todas as formas verbais latinas estão em uma tabela no apêndide deste manual. É muito importante que você a saiba utilizar para fazer a correta morfologia dos verbos do latim. Carlos Renato R. de Jesus 35 Modo e tempo C1 C2 C3 (consonantal) C4 Idpr (amo, destruo, leio, ouço) am - ō am - ā - s am - a - t am - ā - mus am - ā - tis am - a – nt del - ĕ - ō del - ē - s del - e - t del - ē - mus del - ē - tis del - e - nt leg - ō leg - i - s leg - i - t leg - ĭ - mus leg - ĭ - tis leg - u - nt aud - ĭ - ō aud - ī - s aud - i - t aud - ī - mus aud - ī - tis aud - ĭ - u - nt Idpt1 (amava, destruía, lia, ouvia) am - ā - ba - m am - ā - ba - s am - ā - ba - t am - ā - bā - mus am - ā - bā - tis am - ā - ba – nt del - ē - ba - m del - ē - ba - s del - ē - ba - t del - ē - bā - mus del - ē - bā - tis del - ē - ba - nt leg - ē - ba - m leg - ē - ba - s leg - ē - ba - t
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