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Educação Alimentar e Nutricional Responsável pelo Conteúdo: Prof.ª M.ª Fernanda Trigo Costa Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes • Conhecer os componentes ligados à formação do hábito alimentar e a importância do acon- selhamento nutricional durante a infância; • Discutir as características e os pontos importantes na aplicação do processo de aconselha- mento nutricional na adolescência, considerando o ambiente alimentar (familiar e escolar) e as peculiaridades de cada fase do desenvolvimento. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Introdução; • Formação dos Hábitos Alimentares; • Aconselhamento Nutricional na Infância; • Aconselhamento Nutricional na Adolescência; • Abordagem Educacional no Ambiente Escolar; • Abordagem Educacional nos Transtornos Alimentares. UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Introdução Sabemos que a alimentação é um ato voluntário e consciente e que, com ou sem acesso a informações sobre alimentos recomendados e alimentos a serem consumidos com moderação, ela depende totalmente da vontade do indivíduo que é quem escolhe o alimento para o seu consumo. Mas até o indivíduo ser capaz de fazer suas escolhas, qual é o caminho percorrido na formação dos hábitos alimentares? E vamos além: como o nutricionista pode auxiliar na formação desses hábitos alimentares durante a adolescência, para que sejam consolida dos na vida adulta? Estas são as perguntas que norteiam esta Unidade. Vamos lá! Formação dos Hábitos Alimentares Já no útero, é possível que os bebês experimentem sabores diversos advindos da alimentação materna por meio do líquido amniótico. E tem sido muito discutido que isso poderia influenciar suas preferências alimentares no futuro. Independentemente das conclusões a respeito desta possibilidade, o início da relação com a comida se dá pelo aleitamento materno ou uso de fórmulas infantis. O contato e a percepção dos sabores do leite da mãe é uma das primeiras experiências sensoriais do bebê e pode contribuir para maior preferência por alimentos sólidos semelhantes aos da alimentação materna e aceitação na introdução de novos alimentos – o que não ocorre com o leite artificial, que apresenta sempre o mesmo sabor. Outro importante aspecto a se considerar é que os lactentes nascem com uma capa cidade inata de autorregulação da ingestão alimentar, mas isso não é tão claro para os pais. Assim, enquanto os bebês não falam alguns pais têm dificuldade de entender que o choro de um bebê nem sempre quer dizer que ele está com fome, de forma que a insis tência ou desistência do oferecimento do leite materno ou fórmula pode interferir na formação dos hábitos alimentares (PETTY et al., 2015). A introdução da alimentação complementar é um momento delicado, em que o lac tente é apresentado a várias novidades: utensílios, cadeira e os diferentes alimentos. Quando a transição para alimentos sólidos for demorada ou ineficaz, pode resultar em uma alimentação pouco variada e deficiente em nutrientes. 8 9 Figura 1 Fonte: Getty Images À medida que cresce, a criança vai adquirindo habilidades para se alimentar sozinha; porém, ainda assim, são os cuidadores que preparam os alimentos, sendo responsá veis pela apresentação de uma refeição variada, balanceada e rica em diferentes cores, sabores e texturas. Crescendo mais um pouquinho, a criança já consegue escolher seus próprios alimen tos para consumo. Essa escolha é feita com base no que ela já aprendeu, considerando o sabor, a aparência, a composição de nutrientes (sim, eles adoram açúcares e gorduras), a variedade e a disponibilidade do alimento, refletindo os sentimentos e comportamentos da criança relacionados com a alimentação. Porém, considerando que as crianças ainda passam a maior parte de seu tempo com seus familiares e pares próximos, a influência exercida por estes é muito grande (LAUS et al., 2017). O modo de alimentar as crianças é decisivo na formação do hábito alimentar, sobre tudo as estratégias que os pais/cuidadores usam para estimular a alimentação. Cabe ao cuidador a responsabilidade de ser sensível aos sinais da criança e aliviar tensões durante a alimentação, além de tornála prazerosa. Para a criança cabe o papel de expressar os sinais de fome e saciedade com clareza e ser receptiva ao cuidador (SILVA; COSTA; GIUGLIANI, 2016). Quanto mais cedo houver o compartilhamento de refeições com alimentos saudáveis entre pais e filhos com refeições comuns, mais rápido a criança entenderá a importância da alimentação como ato protetor para evitar o excesso de peso, a obesidade as doenças crônicas. Apesar dos fatores biológicos terem uma influência importante na determina ção do estado nutricional, os fatores ambientais, como o comportamento alimentar e o estilo parental, devem ser considerados fatores independentes que ajudam a modificar o status nutricional. Leia o artigo intitulado Educação alimentar e nutricional e a formação de hábitos ali- mentares na infância, disponível em: https://bit.ly/3rqkB0Z 9 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Já comentamos que a influência parental sobre a formação dos hábitos alimentares é determinante na estruturação dos padrões alimentares do indivíduo. Mas além da famí lia, a escola, os professores, o nutricionista e os meios de comunicação têm significativa influência para a educação alimentar e nutricional e a formação dos hábitos alimentares na infância. A conformação dos hábitos alimentares e as características do estilo de vida que se iniciam na infância são consolidadas na adolescência e, muitas vezes, mantidas na idade adulta (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2019; PIASETZKI; BOFF, 2018). Com o início da educação formal na escola, a pressão exercida pelos pares aumenta pelo convívio continuado com outras crianças. Pares de idade semelhante ou superior à idade da criança tendem a exercer mais influência. Porém, podese constatar a presença de pessoas autônomas ou funcionários da escola vendendo produtos industrializados e guloseimas nas portas das creches e nas cantinas. Nesse caso, mesmo com a oferta da alimentação escolar adequada, as crianças são induzidas à ingestão de produtos indus trializados, já que estes estão facilmente acessíveis na escola (BENTO et al., 2015). Figura 2 Fonte: Getty Images Para muitas pessoas, entretanto, escolhas alimentares saudáveis não são tão prati cáveis. Bairros com baixo nível socioeconômico tendem a apresentar mais mercearias locais e menos supermercados que vizinhanças de nível socioeconômico mais alto. Esses bairros também têm maior número de bares, restaurantes de comida rápida (fast-food) e menos restaurantes de serviço completo. Sendo assim, o acesso da população de baixa renda à alimentação saudável, composta especialmente por alimentos in natura, tornase um desafio (LAUS et al., 2017). Temos a influência da mídia como determinante ambiental do comportamento alimentar, que se dá quando ela divulga alimentos saborosos e convenientes, principalmente por meio de peças publicitárias que têm como públicoalvo crianças e adolescentes, e dita padrões de consumo, alimentando, em contrapartida, a cultura da magreza e várias crenças inadequa das sobre alimentação e nutrição (MENNUCCI; TIMERMAN; ALVARENGA, 2015). 10 11 E tem mais: a publicidade se apropria de fatos científicos para legitimar seus produtos e dar a eles um status que permite classificálos como saudáveis e, assim, recomendáveis (exemplo, petit suisse, biscoitos vitaminados, salgadinhos integrais etc.). Nesse desvio de atenção, a propaganda já não informa somente sobre o produto, mas transmite, por inter médio dele, um modo de vida, um estilo, ou seja, constrói uma necessidade, um desejo de consumo, mesmo para as famílias com pouco poder aquisitivo (DIEZGARCIA, 2017). No aconselhamentonutricional de crianças e adolescentes é muito importante con siderar esses vários fatores que podem influenciar a formação do hábito alimentar e, consequentemente, o estado nutricional das crianças, para que seja possível elaborar estratégias educativas e que promovam os resultados esperados. Aconselhamento Nutricional na Infância O atendimento nutricional para esse público tem como objetivo possibilitar o cresci mento e desenvolvimento genético esperado, evitar carências nutricionais, prevenir pro blemas de saúde e garantir o desenvolvimento de hábitos e atitudes alimentares saudáveis. A aceitação alimentar é determinada por fatores pessoais e ambientais. A preferência pelo sabor doce e salgado é inata, e acontece para atender às necessidades de energia e de outros elementos essenciais para nossa sobrevivência. Desta forma, podese dizer que as crianças são programadas para gostar ou aprender a gostar de comidas ricas em açúcar, sal e gordura e desgostar daquelas amargas, azedas e com baixa densidade ener gética, como certas frutas, legumes e verduras. A aversão a novas comidas tende a diminuir conforme elas se tornam familiares e, portanto, seguras para as crianças. Quando se insiste na exposição dos alimentos até que sejam prova dos pela criança, ela passa a se acostumar com seu sabor e a aceitálos. Além disso, a preferência por certos alimentos também é adquirida quando eles são consumidos em momentos agradáveis; assim, fazer das refeições em casa um momento de prazer contribuirá para que elas gostem e valorizem comidas caseiras e simples tanto quanto os alimentos consumidos em festas, lanchonetes etc. (PETTY, 2015). No trabalho de educação alimentar e nutricional, cabe ao nutricionista selecionar e identificar as melhores estratégias para o atendimento e/ou desenvolvimento do progra ma educativo. Nenhum método ou técnica pode ser considerado, em si mesmo, correto ou não, bom ou mau. Sua adequação está sempre em função do diagnóstico do pro blema, das características do indivíduo/grupo, dos objetivos educativos e dos recursos disponíveis, incluindo a adesão dos pais/responsáveis às propostas. Porém, é preciso sempre ter em mente que para a criança brincar é conhecer. Enquanto a criança brinca, estão aflorando conceitos de forma livre e é preciso deixar esse processo fluir, acreditando na criança e no ser humano. E embora sempre seja falado Quanto maior for a demonstração e exemplo de consumo pelos pais, maior tente a ser a aceitação dos alimentos pela criança. 11 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes que “comida não é brinquedo”, o alimento pode sim ser o brinquedo ou a brincadeira que estimule a fantasia. E esse modo de fazer a educação alimentar e nutricional pode ser usado tanto nas escolas como em consultórios com pequenos grupos ou individualmente (PARRA; BONATO, 2014). Figura 3 Fonte: Getty Images Figura 4 Fonte: Getty Images Mas como auxiliar nesse processo de introdução de novos alimentos? A pressão que se exerce para que as crianças comam determinados alimentos se associa à aversão e ao menor consumo. Usar persuasão verbal do tipo “coma para ficar forte” ou a tentativa de ensinar as crianças a comerem comidas “boas” e evitarem as “más”, além de ser ineficaz, transmite ideias confusas e conflitantes, já que a criança 12 13 não se sentirá forte assim que comer determinado alimento e as comidas “proibidas” normalmente são oferecidas em contextos agradáveis, como festas, viagens e passeios. O Quadro 1 traz indicações do que fazer e do que não fazer para incentivar a aceita ção de novos alimentos: Quadro 1 – Como incentivar a aceitação de novos alimentos O que fazer • Dar o exemplo, comer o mesmo que é oferecido às crianças; • Disponibilizar frutas, verduras, legumes e/ou outros alimentos menos aceitos nas refeições e lanches com os alimentos preferidos; • Tornar a comida acessível. Por exemplo: deixar as frutas e hortaliças lavadas, descascadas e picadas na mesa da cozinha ou na geladeira; • Levar os menores a feiras, sacolões e mercados para ampliarem o contato com a comida; • Envolver as crianças na preparação de pratos – saladas, vitaminas, salada de frutas, bolos ca- seiros (desde que de forma segura com relação ao contato com facas e fogo); • Incluir os alimentos menos aceitos em momentos agradáveis da família, como festas, passeios e viagens; • Realizar refeições em família o máximo de dias possível; • Oferecer o mesmo alimento algumas vezes e em momentos diferentes, pois podem ser ne- cessárias várias exposições ao sabor, aroma e textura da comida para se acostumar e passar a aceitá-la; • Orientar a criança a ser neutra (não dizer que não gosta, nem fazer cara feia) e ter curiosidade antes de provar o novo alimento; • Entender que às vezes a criança pode estar sem fome ou indisposta para comer, e aceitar va- riações na quantidade de costume; • Em restaurantes, oferecer para as crianças o mesmo cardápio dos adultos. O que não fazer • Obrigar ou forçar a criança a comer e/ou criar um grande conflito; • Chantagear: “Se não comer a escarola não vai ganhar sorvete”, ou: “Se comer os brócolis pode comer sobremesa”; • Substituir o alimento que foi recusado por outro que a criança prefere após poucas tentativas. Se não aceitou peixe, evitar substituir por outro alimento mais aceito, como bife, por exemplo, mesmo que seja nutricionalmente equivalente. As crianças podem precisar de até dez vezes para passar a aceitar determinada comida; • Desistir de oferecer o alimento após poucas tentativas. Tentar novas formas de apresentá-lo (por exemplo, a cenoura pode ser ralada, em rodelas, em palitos, crua, cozida, misturada com arroz ou com a carne); • Escolher sempre o menu kids no restaurante porque acha que terá mais aceitação. Em geral, eles são repetitivos e impedem a criança de experimentar novos alimentos (estimular pratos e preparações diferentes); • Tomar as rejeições como algo pessoal. Às vezes os pais podem se dedicar a preparar uma nova receita e a criança nem experimentar, mas não devem desanimar; • Caso a criança esteja inapetente, compensar com pães, biscoitos e outros itens que não carac- terizem uma refeição; • Categorizar os alimentos em saudáveis ou não saudáveis, bons e ruins, proibidos e permitidos. Fonte: Adaptado de PETTY et al., 2015, p. 418-419 A alimentação bemsucedida exige um cuidador que confie, compreenda e res peite os sinais da criança sobre o tempo, quantidade, preferência, ritmo e capaci dade de se alimentar. Uma relação de alimentação adequada apoia as tarefas de desenvolvimento da criança e a ajuda a desenvolver atitudes positivas sobre si mesma e o mundo. Isso ajuda a aprender a discriminar as dicas de alimentação e a responder apropriadamente a elas (SATTER, 1986). 13 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Para ajudar os pais a garantirem que os sinais de fome e saciedade de seus filhos sejam preservados, a proposta de divisão de responsabilidades, conforme Satter (1986), permite o desenvolvimento de competências alimentares, pois, de acordo com essa divisão, cada um dos pais tem um papel na alimentação das crianças, ou seja, eles devem oferecer um ambiente alimentar adequado; e as crianças são responsáveis pela decisão de quanto e se vão comer (Quadro 2). Para funcionar, é fundamental que os pais confiem na criança para decidir o quanto ela vai comer. Estimular que as crianças participem de forma ativa da escolha dos cardápios das refeições e lanches e/ou que cozinhem com seus pais são maneiras de colocálas em contato com a comida e permitir que elas desenvol vam autonomia e responsabilidade para fazer escolhas alimentares adequadas. Quadro 2 – Divisão de responsabilidade para pais e filhos Responsabilidade dos pais • Decidir o que, quando e onde será oferecida a comida; • Escolher e preparar a comida; • Providenciar refeições e lanches regulares e adequados; • Fazercom que os momentos de comer sejam agradáveis; • Ensinar aos filhos o que eles precisam aprender sobre comida e comportamento alimentar; • Ser modelo para os filhos sobre o que e como comer; • Evitar categorizar os alimentos: aqueles que o filho gosta e desgosta. A categorização pode contribuir para que os filhos não provem os alimentos novamente ou experimente novos; • Evitar que os filhos “belisquem” e bebam (exceto água) entre as refeições e lanches; • Aceitar que os filhos cresçam de acordo com seu biotipo. Responsabilidade das crianças e pré-adolescentes • Decidir o quanto comerá e se comerá; • Comer a quantidade que precisam; • Aprender a comer o que seus pais comem; • Aceitar que estão crescendo conforme o esperado; • Aprender a se comportar nas refeições – sentar-se à mesa, usar os talheres de maneira ade- quada, mastigar de boca fechada, não falar enquanto come. Fonte: Adaptado de PETTY et al., 2015, p. 421 E nos casos de recusa e/ou dificuldade alimentar, como orientar a família? Características comuns a crianças com dificuldades alimentares são a restrição e/ou seletividade por determinados alimentos ou grupos de alimentos e a neofobia. Essas difi culdades são mais comuns na idade préescolar, mas podem se perpetuar até a idade adulta. Receber uma família com uma criança que não come o suficiente ou que tenha um repertório alimentar bastante restrito é uma tarefa difícil para o nutricionista. Na maioria das vezes, as famílias procuram ajuda quando já estão desanimadas e preocupadas com a situação. O profissional deve estar preparado para o acolhimento dos pais e da criança, para que suas propostas possam ter adesão. O nutricionista, em seu papel de terapeuta nutri cional, deve trabalhar as sugestões “do que fazer e do que não fazer” de forma cuidadosa para que a criança e sua família não saiam sobrecarregadas da consulta e com vontade de desistir. Nesse sentido, além das recomendações dos Quadros 1 e 2, o Quadro 3 indica su gestões para casos em que a criança não quer comer: 14 15 Quadro 3 – O que fazer ou não fazer com a criança que não quer comer O que fazer • Colocar a criança sentada à mesa com os outros membros da família mesmo que não vá comer ; • Ficar neutro, sem mostrar sua preocupação (a ansiedade aumenta a rejeição); • Esperar a próxima refeição quando a criança se queixar de fome, e servir o mesmo que será servido aos outros (tentar ocupá-la com atividades de que gosta nesse intervalo); • Focar na refeição em si – no ato de se sentar à mesa e comer – e não no quanto ou no que está comendo quando a criança conseguir comer. O que não fazer • Substituir a refeição por alguma comida ou bebida que a criança aceite – mamadeira, por exemplo; • Permitir que a criança “belisque” nos intervalos das refeições e lanches; • Preocupar-se demais com o medo de os filhos “não comerem” ou “não crescerem de maneira adequada” e oferecer alimentos substitutos o tempo todo; • Pressionar, chantagear ou forçar a criança a comer. Fonte: Adaptado de PETTY et al., 2015, p. 427 Vale ressaltar a importância e eficácia de propor experiências significativas às crian ças durante as atividades de Educação Alimentar e Nutricional (EAN). Essas experiên cias, orientadas e com base em acordos claros, além de desenvolverem o físico e o emo cional, possibilitam que a criança transforme essa experimentação em aprendizagem, conceituandoa. Assim, a criança adquire um conhecimento que será parte de algo que faz sentido, já que isso foi vivenciado por ela – autora e protagonista de todo o processo (PARRA; BONATO, 2014). Aconselhamento Nutricional na Adolescência O foco das ações educativas, principalmente com o adolescente, deve abranger o conhecimento do comportamento alimentar do indivíduo e de seu grupo social e a construção coletiva, participativa e interativa das estratégias adotadas para que se tenha maior probabilidade de sucesso na promoção de práticas alimentares saudáveis. O diálogo crítico, que possibilite um processo comunicativo aberto, permite identificar interesses em comum entre os adolescentes e os responsáveis pela estratégia educativa. É necessário prover o adolescente de meios para avaliar sua própria dieta – aplicativos funcionam muito bem nesta parte – e de estratégias para superar as dificuldades encon tradas para a adoção de práticas alimentares adequadas como, por exemplo, propostas de preparo rápido de alimentos saudáveis e de sabor agradável. A inclusão da família na intervenção nutricional também é altamente recomendada, por ser considerada uma influência tanto positiva como negativa para a adoção de uma alimentação saudável (TORAL; CONTI; SLATER, 2009). A qualidade da relação familiar impacta profundamente em vários aspectos da vida do adolescente, inclusive à autoestima. O papel da família nem sempre é reconhecido como se deve, pois, muitas vezes a própria família coloca toda a responsabilidade de mudança dos hábitos alimentares nos filhos, negandose como parte desse processo (COSTA; DUARTE; KUSCHNIR, 2010). As ações de educação alimentar e nutricional podem ser realizadas por meio de atendimento ambulatorial individual do adolescente; ou fundamentadas em estratégias 15 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes coletivas, que podem se demonstrar mais efetivas, pois favorece o diálogo e a troca de ideias e experiências entre os participantes, o que geralmente facilita a identificação de hábitos alimentares inadequados e a adesão ao processo. Porém, a associação entre o atendimento individual e o coletivo tende a ser o ideal, já que há a oportunidade de se trabalhar, ao mesmo tempo, as particularidades do adolescente e integrálo com outros indivíduos. A presença do responsável no atendimento ambulatorial ou em atividades em grupos, em alguns momentos junto ou separado do adolescente, fornece suporte no processo de mudança de comportamento. Figura 5 Fonte: Getty Images Destacase, ainda, o ambiente escolar como facilitador deste processo. Em geral, professores são vistos como modelos a se seguir, especialmente para adolescentes mais novos, e podem auxiliar na prática da educação nutricional na escola. A abordagem para a mudança de comportamento com os adolescentes difere um pouco da conduta aplicada com as crianças no que se refere ao envolvimento da família. Considerando que os adolescentes já têm certa autonomia para se cuidar sozinhos, isso deve ser incentivado sempre que possível. Essa responsabilidade deve ser estimu lada junto ao adolescente e à família, considerando, inclusive, o proposto no sobre a divisão de responsabilidades (Quadro 2). No atendimento individualizado, o profissional precisa estar disponível para ouvir e entender os motivos pessoais que levaram o adolescente a buscar o acompanhamento, compreendendo que sua competência, além de considerar questões biológicas, tem que envolver a esfera comportamental (LAUS et al., 2017). Deve estar preparado para falar sobre as dietas da moda e entender os termos usados entre eles, como “abdome trincado”, “barriga negativa”, entre outros, além de compre ender o conceito e o impacto da imagem corporal, discutir sobre suas inspirações como modelo de beleza (celebridades em geral), e o que está circulando nas redes sociais (PETTY et al., 2015). 16 17 O planejamento educativo deve ser feito de acordo com a idade do adolescente, uma vez que, na fase inicial, geralmente permanecem características infantis e, na final, adultas. Logo, o tipo de comunicação e as estratégias deverão ser diferenciadas. Ressaltase a im portância de considerar que indivíduos com a mesma idade cronológica possam encontrar se em momentos distintos com relação à idade biológica, caracterizada pelo processo de maturação sexual, ocasionando mudanças físicas, fisiológicas e psicológicas, fato este que pode ser determinante de comportamentos adotados nesta fase (PRIORE et al., 2014). Na elaboração de material educativoé essencial incluir aspectos com os quais os ado lescentes possam se identificar, pois a mudança do comportamento alimentar somente será alcançada quando o adolescente perceber o seu sentido em sua história de vida, englobando o individual e social, a emoção e ação. Como podemos utilizar da tecnologia em favor da educação alimentar e nutricional dos adoles- centes? O artigo intitulado Tecnologias digitais para promoção de hábitos alimentares sau- dáveis dos adolescentes traz algumas possibilidades, disponível em: https://bit.ly/31eE4XY A inclusão de mensagens mostrando os graves riscos à saúde decorrentes da adoção de uma alimentação inadequada é justificável nessa fase da vida, pois o senso de indes trutibilidade, a visão muito otimista e esperançosa sobre si e a fraca noção de determi nadas práticas sobre a saúde futura na adolescência podem determinar que a nutrição seja um tema de pouca preocupação nessa fase da vida. As intervenções nutricionais para esse público não podem focar os possíveis prejuí zos à qualidade de vida que poderão ser observados em algumas décadas; devem enfa- tizar os aspectos de saúde que são considerados relevantes nessa fase da vida, como as associações entre o consumo alimentar e o desempenho escolar, o sucesso nos esportes e a aparência física (TORAL; CONTI; SLATER, 2009). Leia o artigo intitulado A alimentação saudável na ótica dos adolescentes: percepções e barreiras à sua implementação e características esperadas em materiais educati- vos, disponível em: https://bit.ly/3lQwoEH Abordagem Educacional no Ambiente Escolar A escola, por ser um ambiente onde as crianças passam grande parte do dia, é um espaço importante para a promoção de práticas saudáveis de alimentação. A execu ção dessas práticas envolve vários segmentos da escola, tais como professores, alunos, coordenadores e diretores, proprietários das cantinas e os pais ou responsáveis pelos estudantes, exigindo ampla interação de todas as partes. 17 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Em todo o País, a conjuntura econômica e social fez surgirem políticas públicas de cunho educacional, que atingem principalmente escolas públicas, visando atender às necessidades de alunos mais carentes. Para isso, no Brasil, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) promove a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) de que esses alunos precisam, atendendo a estudantes de escolas públicas do Ensino Infantil e Fundamental. Embora a merenda e os programas de alimentação escolar visem contri buir para uma alimentação saudável, as cantinas escolares acabam indo, muitas vezes, na direção oposta (DIEZGARCIA, 2017). Por isso, a educação para a saúde no âmbito escolar propõe que a escola garanta a presença crítica dos educadores e educandos, propiciando o estímulo constante à per gunta, ao saber, à curiosidade, à criatividade, sem o que não há criação de modos de vida mais saudáveis (BÓGUS et al., 2011). Nesse alinhamento, a educação alimentar e nutricional pode perfeitamente compor o currículo escolar. Mais do que isso, pode ser desenvolvida sem qualquer prejuízo aos saberes consagrados nos conteúdos escolares. Ao contrário, agregará valor a estes conhe cimentos, uma vez que permite, na análise real de cada indivíduo, instrumentalizálos no entendimento da sua condição de ser vivo, das dimensões éticas, socioantropológicas e biológicas de sua existência, e que come e habita no espaço social (BARBOSA et al., 2013). Contudo, os professores nem sempre têm conhecimento suficientemente amplo das questões da alimentação que podem ser incorporadas ao ensino, por isso a assessoria de especialistas é necessária para sensibilizálos e apoiálos no ensino dos temas trans versais relacionados à alimentação (BOOG, 2010). Desta forma, é importante que o nutricionista seja o responsável pela intermediação entre os saberes, na medida em que assume a condição de multiplicador de conteúdos e temas em alimentação e nutrição e, por isso, possui um papel determinante no processo de implementação de hábitos alimentares saudáveis na escola. Nessa perspectiva, mais que oferecer pontualmente atividades relativas ao tema ali mentação, a EAN na escola permite constituir um conjunto de ações pedagógicas, nor mativas e culturais, que se desenha nos vários espaços da escola. Extrapola a sala de aula e as atividades pedagógicas desenvolvidas com os estudantes. Estas ações educativas poderão proporcionar ao estudante a construção dos conhecimentos que o instrumen talizarão a fazer suas escolhas – sobretudo na apropriação do direito humano de uma alimentação adequada –, julgar o que ouvirá na mídia e atuar de forma autônoma diante das várias alternativas que se apresentam no seu contexto (BARBOSA et al., 2013). A proposta de criação de Escolas Promotoras de Saúde (EPS) surge, portanto, como uma expressão do compromisso ativo e intersetorial com a saúde e com a qualidade de vida das gerações presentes e futuras. De forma geral a EPS é aquela que se coloca a serviço da promoção da saúde e atua nas áreas de ambiente saudável, oferta de serviços de saúde e educação em saúde e que tem o propósito de contribuir para o desenvolvi mento das potencialidades físicas, psíquicas e sociais dos escolares da Educação Básica, a partir de ações pedagógicas de prevenção e promoção da saúde, e da conservação do meio ambiente, dirigidas à comunidade (BRASIL, 2006). 18 19 No Brasil, o principal investimento governamental em EPS se denomina Programa Saúde na Escola (PSE). Foi criado em 2007, pelo Decreto Presidencial n.º 6.286/2007, com a intenção de fomentar e implantar políticas públicas voltadas para a saúde dos escolares no conjunto das ações de promoção da saúde. Sua implementação prevê a realização de diversas ações articuladas pelas equipes de saúde e de educação com o objetivo de garantir atenção à saúde e educação integral para os estudantes da rede bási ca de ensino. O PSE é o espaço almejado durante muito tempo para a integração da Educação com a Saúde, entretanto, muitas vezes ele tem se resumido a levar à escola atendimento médico e odontológico ou estratégias de prevenção de doenças. Ainda é necessário que esse espaço conquistado pelo PSE seja devidamente ocupado para a construção da saúde no dia a dia das escolas, das crianças que as frequentam, dos professores e de toda equipe que compõe seu quadro dirigente e de funcionários, em parce ria com as unidades de saúde que compartilham o mesmo território (BÓGUS et al., 2017). Leia o Guia de sugestões de atividades Semana Saúde na Escola, cuja versão 2014 está disponível em: https://bit.ly/3cjShJn, e a versão 2013 em: https://bit.ly/31hIVaW Nas ações de educação alimentar e nutricional nas escolas, são diversos os recursos e as ferramentas que podem fazer parte do processo, de modo que na Tabela 1 são listados alguns exemplos: Tabela 1 – Recursos/ferramentas para auxiliar no processo de educação alimentar e nutricional na escola Recurso/ferramenta Como utilizar Observações História em quadrinhos: pode ser con- feccionada com cartolina ou papel sulfite. Os participantes, sob a orientação do nutricionista/professor, selecionam te- mas e desenvolvem histórias que pos- sam ser representadas em quadrinhos. É uma ferramenta que pode ser tra- balhada com crianças de faixas etá- rias diferentes no mesmo projeto. Exemplo: crianças alfabetizadas es- crevem as histórias e as crianças que ainda não são alfabetizadas podem fazer as ilustrações. Jogos interativos ou colaborativos: podem ser criados pelo nutricionista/ professor ou pelos participantes, depen- dendo da faixa etária. Podem ser sele- cionados de livros e/ou revistas e resga- tados da cultura local, utilizando desde tabuleiros ou cartas, até computador e/ ou aplicativos de telefone celular. Os jogos devem ser selecionados/de- senvolvidos de acordo com a maturi- dade do grupo, os objetivos de ensino, os conceitos, os procedimentos eas atitudes que se espera que os alunos desenvolvam. O nutricionista/profes- sor pode trazer ou ajudar os alunos a desenvolver/procurar jogos, progra- mas e sites interativos, relacionados à nutrição, com o objetivo de instruir e trabalhar determinado assunto. Os jogos colaborativos, onde todos têm um objetivo em comum, oferecem me- lhores resultados do que os jogos onde apenas um indivíduo ou um grupo vence. Ilustrações: abrangem desenhos, foto- grafias, estampas, símbolos e pinturas. Podem ser confeccionadas pelo nutri- cionista/professor e/ou pelos alunos. As imagens são utilizadas em muitas ati- vidades para esclarecer e ilustrar. Podem ser utilizadas em murais didáticos, qua- dros de aviso, cartazes, jornais escolares, quadros de giz, projetores e outros. As ilustrações podem ser feitas utili- zando recursos simples, como revistas, tintas, lápis de cor e giz de cera, com- putador, telefone celular etc. 19 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Recurso/ferramenta Como utilizar Observações Peça teatral e dramatização/vídeos: Histórias representadas por um ou mais atores. É interessante que a his- tória seja construída pelos alunos sob orientação do nutricionista/professor. É interessante que a peça teatral/vídeo tenha como objetivo abordar temas de maneira lúdica e criativa, que favore- çam o aprendizado de determinado conteúdo relacionado com as mudan- ças de atitude. Mesmo que não exista um espaço pró- prio, como um palco de teatro para a apresentação/gravação/exibição, os en- volvidos na atividade podem improvisar qualquer outro ambiente disponível. A exibição auxiliará a instruir não somen- te os alunos que desenvolveram o mate- rial, mas também o público que assistirá. Arte culinária: preparação de diver- sos pratos, utilizando uma variedade de alimentos. A culinária coloca a criança em contato com diferentes tipos de alimentos e seus sabores, facilitando a aceitação dos alimentos. Além de trabalhar os alimentos, outros temas podem ser abordados, tais como noções de higiene e cuidados na cozinha. Horticultura: prática e cultivo de fru- tas e hortaliças. A horticultura pode ser feita em um canteiro já destinado dentro da escola ou utilizando jardineiras e materiais recicláveis como vasos. É imprescindível que os alimentos cul- tivados pelas crianças sejam utilizados nas aulas de culinária. Fonte: Adaptado de BARRA; BONATO, 2014 Os programas de educação alimentar e nutricional necessitam de um planejamento sistemático, com foco situação a ser modificada – ou problema –, avaliando o público alvo e visando às mudanças de práticas alimentares – e não somente à transmissão de mensagens. Muita cautela deve ser estabelecida antes de elaborar um programa de educação alimentar e nutricional. Seu conteúdo deve ser definido a partir dos objetivos esperados, das estratégias motivacionais e dos recursos e ferramentas disponíveis para que esse aprendizado ocorra. Além disso, a duração deve ser adequada para que tenha mos resultados satisfatórios (PARRA; BONATO, 2014). Exemplo de proposta pedagógica: • Tema gerador: trabalho e costumes – a vida no campo e na cidade; • Objetivo geral: entender os processos que abrangem a cadeia produtiva de alimentos para que se possa valorizar os alimentos in natura e compreender a importância da proporcionalidade na alimentação entre estes alimentos e os alimentos industrializados. Quadro 4 Objetivos específicos • Relacionar os alimentos produzidos no campo e como são con- sumidos, para identificar o que acontece com os alimentos até chegarem na mesa das pessoas. Conteúdos • Cultivo e colheita; • Cadeia produtiva; • Tipos de alimentos, abastecimento e pontos de venda; • Alimentos in natura e industrializados. Procedimentos didáticos-pedagógicos • Acompanhamento do crescimento de mudas na horta da esco- la, do plantio à colheita; • Elaboração de fluxograma sobre as etapas da cadeia produtiva de alguns alimentos através de pesquisa em feiras, sacolões, mercados; • Exposição das pesquisas em rodas de conversa: é possível culti- var alimentos em casa? 20 21 Recursos • Canteiros, instrumentos de jardinagem, mudas, sementes; • Visita em feiras, sacolões e mercados realizada com os pais. Duração • 6 intervenções de 40 minutos ao longo de 45 a 60 dias. Leia o Manual operacional para profissionais de saúde e educação: promoção da ali- mentação saudável nas escolas, disponível em: https://bit.ly/3lQQTBt Abordagem Educacional nos Transtornos Alimentares Por meio das formas e dimensões corporais é que se manifesta a materialidade das questões relativas ao corpo contemporâneo. A condição humana é corporal, em que a nossa existência só se faz possível por meio de nossas formas corporais, que nos colo cam presente no mundo. A construção do corpo moderno se dá entre a obesidade – expressando a falta de controle sobre si – e a anorexia – como o autocontrole levado às últimas circunstâncias (AMPAROSANTOS, 2017). Os Transtornos Alimentares (TA) são quadros psicopatológicos caracterizados por graves alterações do comportamento alimentar, que acometem, predominantemente, adolescentes e adultos jovens do sexo feminino, podendo levar a prejuízos tanto de natu reza biológica quanto psicológica, assim como ao aumento da morbidade e mortalidade. O tratamento envolve tanto o paciente como a família, com atendimentos individuais e grupais, e precisa ser realizado por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar atenta a todas as dimensões envolvidas – clínicas, psicológicas e nutricionais (PESSA, 2017). O terapeuta nutricional tem papel importante no tratamento dos TA e é essencial na equipe multiprofissional. Ele é o único qualificado profissionalmente para prover o tratamento nutricional especializado para os pacientes com esse problema. O papel fundamental do terapeuta nutricional é auxiliar o paciente a minimizar os sentimentos negativos, angústias e pessimismo em relação à comida, ao peso e ao corpo. Para tan to, deve desenvolver habilidades psicoterapêuticas para criar vínculo, oferecendo ajuda, apoio e orientação a essas pessoas (TIMERMAN et al., 2015). Após o estabelecimento do vínculo, a utilização do diário alimentar oferece a oportu nidade de o paciente perceber sua alimentação de forma mais clara e concreta, buscan do a conscientização sobre seus sentimentos e atitudes alimentares. Além disso, cria a possibilidade de o indivíduo exercer controle e disciplina em rela ção à alimentação, além de avaliação constante do processo de educação alimentar e nutricional. Nesse instrumento devem ser registrados também episódios de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios (vômitos, uso de laxantes, diuréticos etc.), além dos sentimentos associados ao referido momento. Aspectos subjetivos devem ser 21 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes explorados, estimulando o paciente a perceber sua sensação de fome antes do consumo alimentar e da saciedade após as refeições, pois o profissional pode pensar junto com ele sobre a influência das questões emocionais durante o ato alimentar, além das facili dades e dificuldades encontradas a cada período entre os retornos. As características da fase peculiar por que estão passando seus portadores devem ser consideradas, principalmente no caso de jovens adolescentes, que estão desenvolven do e definindo a sua identidade, autoimagem, o seu estilo de vida e se reajustando à vida social, familiar e escolar. Esse reajuste pode ser manifestado por meio de comportamen tos de contestação da autoridade e quebra de padrões. Desta maneira, o adolescente se torna vulnerável, volúvel, seguidor de líderes, grupos e moda, desenvolvendo preocupa ções ligadas ao corpo e à aparência. Possui um senso de indestrutibilidade, acreditando que nada poderá atingilo, nem mesmo esses graves transtornos mentais e tem preferên cias, opiniões e conceitos próprios sobre alimentação,nem sempre verdadeiros. A seguir, veremos as características e particularidades da terapia nutricional para alguns transtornos alimentares: Figura 6 Fonte: Getty Images • Anorexia nervosa: é fundamental respeitar os limites que o paciente apresenta quanto à aceitação do que é proposto, compreendendo sua resistência como parte do tratamento, sem perder de vista a necessidade de ser firme e claro quanto às combinações. O profissional deve entender que essa evolução é lenta, visto que os pacientes têm grande tendência a negar seu estado psicopatológico e a resistir à mudança, mas deve sempre procurar manter em equilíbrio as preferências do pa ciente, hábitos e costumes alimentares, considerando suas crenças, mitos e medos, juntamente com o que acredita ser mais saudável e equilibrado. A realimentação por via oral é a primeira escolha para a recuperação de peso e a mais bemsucedida na recuperação a longo prazo. O plano alimentar deve ajudar o paciente a consu mir, o mais rapidamente possível, uma dieta adequada em energia e balanceada em nutrientes. O paciente com anorexia nervosa apresenta distorções cognitivas tanto em relação à comida, quanto à imagem corporal; além de repetição de ideias infle xíveis em relação à nutrição e alimentação. O comportamento rígido pode, muitas vezes, leválo a cumprir rituais específicos em relação à alimentação. Outras carac terísticas dos pacientes com anorexia nervosa incluem obsessão, perfeccionismo e introspecção, além de dificuldade em expressar sentimentos; 22 23 Leia o artigo intitulado Impacto dos transtornos alimentares na adolescência: uma re- visão integrativa sobre a anorexia nervosa, disponível em: https://bit.ly/3tQM25S Figura 7 Fonte: Getty Images • Bulimia nervosa: o aconselhamento nutricional deve contemplar a compreensão do comportamento bulímico e suas alterações em relação ao comportamento ali mentar normal, considerando que o ciclo compulsãopurgação depende de uma série de fatores, incluindo a oportunidade de purgação, o tipo de alimento dispo nível e o humor. Cabe ao nutricionista auxiliar o indivíduo a controlar as restrições alimentares, discutir e modificar as escolhas alimentares, reestruturar os horários das refeições e buscar estratégias para, em um primeiro momento, minimizar os episódios de compulsão periódica e, depois, cessálos. O planejamento alimentar deve incluir o fracionamento da alimentação, evitandose ingestão energética ex cessiva e grandes volumes consumidos em pequenos intervalos de tempo. Deve ser priorizada a interrupção do método purgativo (autoindução de vômitos, uso indis criminado de laxativos, diuréticos, anorexígenos e preparados tireoidianos, bem como prática exagerada de atividade física) ou, pelo menos, minimização da sua frequência, na tentativa de reduzir os danos. É necessário que o nutricionista ajude o paciente a aprender – ou mesmo redescobrir – o que é fome, de que fome está tratando, quando se pode/deve comer, quanto de comida é o suficiente e quais seriam os alimentos, o que é comer normalmente, aspectos estes que parecem simples, mas que se tornam confusos e perturbadores; Leia o artigo intitulado Comportamento de risco para bulimia em adolescentes, dispo- nível em: https://bit.ly/3rmALZw 23 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Figura 8 Fonte: Getty Images • Transtorno de Compulsão Alimentar Periódica (Tcap): o termo compulsão ali mentar se refere a episódios de comer em excesso caracterizados pelo consumo de grandes quantidades de comida em intervalos curtos de tempo, seguido por uma sensação de perda de controle sobre o que se está comendo. O diagnóstico de Tcap se aplica aos indivíduos que apresentam episódios recorrentes, incontroláveis e perturbadores de compulsão alimentar, porém, sem os comportamentos com pensatórios como aqueles observados na bulimia nervosa. O objetivo da terapia nutricional é eliminar os episódios compulsivos; reduzir a restrição alimentar; elimi nar as práticas alimentares inadequadas; promover alimentação normal (equilibrada e regular); desenvolver habilidades cognitivas e comportamentais para lidar com situações de alto risco que precipitem os episódios compulsivos; modificar pensa mentos e sentimentos disfuncionais sobre o significado do peso e da forma corpo rais. Embora muitos pacientes com Tcap tenham excesso de peso ou obesidade, o objetivo do tratamento não é a perda de peso, mas, sim, a eliminação do transtorno (APPOLINARIO, 2004; ALVARENGA et al., 2015). Leia o artigo intitulado Efetividade de um programa multiprofissional de tratamento da obesidade em adolescentes: impacto sobre transtorno de compulsão alimentar periódica, disponível em: https://bit.ly/3vVfNnY Como uma das estratégias possíveis, a oficina sensorial pode auxiliar a promover mudança de comportamento em transtornos alimentares, promovendo o contato do paciente com os alimentos em diferentes esferas sensoriais. Através dessa experiência, sentimentos e pensamentos são acessados (componente emocional das atitudes), poden do interferir em crenças e conhecimento (componente cognitivo das atitudes) e, por fim, implicar novos comportamentos (Tabela 2). 24 25 Tabela 2– Objetivos e estratégias da ofi cina sensorial para pacientes com transtornos alimentares Objetivo Estratégia Ofi cina do olfato Conhecer temperos e ervas que agregam sabo- res às preparações; reconhecer as característi- cas e propriedades de ervas e especiarias pela degustação; resgatar memórias pelo contato com o aroma das ervas e especiarias; explicar a fisiologia relacionada à memória e aroma. O filme Ratatouille é utilizado para sensibi- lização e, na sequência, os pacientes são con- vidados a identificar visualmente diferentes ervas e especiarias, e anotar seus nomes; eles deverão, ainda, associar os ingredientes a tipos de preparações e ao objetivo desse uso. Na se- quência, vão degustar e sentir o aroma dos in- gredientes e serão estimulados a relacioná-los a alguma situação ou memória. Os pacientes deverão escolher dois ingredientes, entre ervas e especiarias, para a próxima oficina culinária. Por fim, ouvirão explicações sobre a fisiologia da memória associada ao aroma. Ofi cina do tato Reconhecer e identificar texturas diferentes; reconhecer e identificar formatos variados; conhecer consistências; identificar diferentes tipos de cortes usados na culinária. Os pacientes ouvem sobre o sentido do tato e são divididos em grupos para identificar determinados alimentos por meio do tato (colocados dentro de uma caixa). Ao final da atividade, são mostrados diversos tipos de cortes utilizados na culinária no dia a dia. Ofi cina do paladar Identificar os quatro sabores básicos pela de- gustação; relacionar o paladar com os outros sentidos; demonstrar que a apreciação dos sa- bores é algo possível de ser aprendido em qual- quer idade; discutir que pelo paladar é possível ampliar nossa rede social e tornar nosso conta- to com o mundo mais interessante. Elaboração e preparo de uma refeição (que contemple ao menos duas ervas escolhidas na oficina do olfato), favorecendo o contato do paciente com o alimento, envolvendo desde a escolha adequada dos utensílios, e separan- do espaços para preparo, cocção e consumo. A preparação passa por todas as etapas (higie- nizar, cortar, temperar e, por fim, o processo de cocção). Depois, os pacientes participam da refeição terapêutica junto à equipe. Ofi cina da visão Aprimorar os demais sentidos na ausência to- tal da visão; apreciar os alimentos e o momen- to da refeição, a fim de eliminar preconceitos e medos por meio da visão. Os pacientes são vendados e conduzidos para um local não familiar, onde há uma mesa, e re- cebem uma bandeja com preparações culiná- rias devidamente porcionadas em quantida- des equivalentes à refeição servida no almoço. Os pacientes são orientados a degustar os alimentos com as mãos e em silêncio. Após a degustação, devemretirar a venda dos olhos e há uma discussão sobre as sensações vivencia- das a fim de conduzir a troca de experiências. Fonte: Adaptado de TIMERMAN et al., 2015, p. 404-405 O tratamento dos transtornos alimentares costuma ser longo e nem sempre com resultados satisfatórios, pois as questões emocionais interferem no processo de mudança do comportamento alimentar. Os profissionais de saúde devem ter consciência dos seus limites diante da frustração que alguns casos apresentam, buscando apoio e cuidado de outras equipes para que esse enfrentamento possa ser menos sofrido (PESSA, 2014). A maneira como o nutricionista conduz o tratamento é essencial para o sucesso, pois ele deve ser uma motivação externa, guiando o paciente para mudanças e diminuição dos comportamentos autodestrutivos, sabendo como agir de maneira empática e dimi nuindo a chance de criar resistência dos pacientes. 25 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Sob a ótica do cuidado integral, dentro de um enfoque multiprofissional e interdisci plinar, a abordagem educacional nos transtornos alimentares requer o desenvolvimento de recursos educativos, técnicos e pessoais para atuar de forma ética e humanizada. Finalizamos esta Unidade depois de percorrermos um caminho desde o desenvolvi mento dos hábitos alimentares, passando pelo aconselhamento nutricional de crianças e adolescentes, até chegarmos à atuação do nutricionista nos casos de transtornos ali mentares. É um caminho onde o alimento e suas representações são construídas por um processo de aprendizagem, emoções, experiências. E durante todo esse caminho, o nutricionista pode e deve auxiliar para que esse processo se dê de forma criteriosa, amorosa e saudável. 26 27 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor Associação de consumidores sem fins lucrativos, independente de empresas, par tidos ou governos com a missão de orientar, conscientizar, defender a ética na relação de consumo e os direitos dos consumidores. https://bit.ly/3cnmwPX Alana Organização de impacto socioambiental que promove o direito e o desenvolvimento integral da criança e fomenta novas formas de bem viver. https://bit.ly/3sr5ZzW Vídeos Canal – Comer Pra Quê Apresenta vídeos deste movimento de mobilização da juventude para pensar a ali mentação como ato político. Buscase dar voz e visibilidade aos desafios dos jovens para se alimentarem de forma adequada e sustentável. https://bit.ly/39cgAHe Filmes Criança, a Alma do Negócio Criança, A Alma do Negócio é um documentário dirigido pela cineasta Estela Renner e produzido por Marcos Nisti sobre como a sociedade de consumo e as mídias de massa impactam na formação de crianças e adolescentes. https://youtu.be/17F92D2DxOY Leitura Alimentação escolar e constituição de identidades dos escolares: da merenda para pobres ao direito à alimentação https://bit.ly/3d4RCe3 Confluências das relações familiares e transtornos alimentares: revisão integrativa da literatura https://bit.ly/3feMLtM 27 UNIDADE Educação Alimentar e Nutricional para Crianças e Adolescentes Referências ALCANTARA, C. M. de et al. Tecnologias digitais para promoção de hábitos alimentares saudáveis dos adolescentes. Rev. Bras. Enferm., Brasília, DF, v. 72, n. 2, p. 513520, abr. 2019. 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