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Indaial – 2022 NutricioNal Profª. Cristina Henschel de Matos 1a Edição Educação alimENtar E Elaboração: Profª. Cristina Henschel de Matos Copyright © UNIASSELVI 2022 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: M433e Matos, Cristina Henschel de Educação alimentar e nutricional. / Cristina Henschel de Matos. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 197 p.; il. ISBN 978-65-5663-463-0 ISBN Digital 978-65-5663-464-7 1. Hábitos alimentares. – Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 610 Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Educação Alimentar e Nutricional, que tem como propósito auxiliar o seu processo de aprendizagem sobre a ciência da Nutrição, que envolve diferentes conceitos e práticas. Este livro servirá como guia para você, futuro nutricionista, saber como planejar e executar ações de Educação Alimentar e Nutricional em unidades de ensino e saúde, no consultório, no hospital, em unidades de alimentação e nutrição e nos demais locais em que o nutricionista pode atuar. Para tanto, os conhecimentos abordados permitirão uma melhor compreensão do comportamento e das escolhas alimentares dos indivíduos, bem como os métodos e as técnicas para a execução de Programas de Educação Alimentar e Nutricional. O caderno de estudo está dividido em três unidades, cada qual com objetivos, conteúdos, atividades de estudo, dicas, sugestões e recomendações. Na Unidade 1, serão abordados os aspectos relacionados com o ato de comer, o comportamento, as práticas e os fatores que levaram a mudanças alimentares nas últimas décadas. O objetivo é ampliar o seu conhecimento sobre alimentação e fornecer subsídios para que o planejamento das ações de Educação Alimentar e Nutricional seja mais assertivo e adaptado à realidade da população. Na Unidade 2, aprofundaremos os conhecimentos sobre educação e didática, a fim de entender a importância de um planejamento adequado antes da realização de uma ação educativa. Em seguida, conheceremos a história e a evolução da educação alimentar e nutricional, bem como as políticas que a norteiam. Por fim, na Unidade 3, veremos o planejamento, a execução e a avaliação de ações de educação alimentar e nutricional, usando técnicas e estratégias adequadas, e teremos a oportunidade de conhecer experiências aplicadas a populações específicas, como escolares, idosos e portadores de doenças crônicas não transmissíveis. Tenha uma ótima leitura! Profª. Cristina Henschel de Matos APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO QR CODE Você lembra dos UNIs? Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! SUMÁRIO UNIDADE 1 - BASES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ................................................... 1 TÓPICO 1 - BASES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ......................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 CONCEITO E DEFINIÇÕES ..................................................................................................3 3 DIAGNÓSTICO DE PRÁTICAS E COMPORTAMENTOS ALIMENTARES .............................6 3.1 NATUREZA DOS DADOS ....................................................................................................................... 6 3.2 MÉTODOS DE COLETA DE DADOS ....................................................................................................8 3.2.1 Questionário .................................................................................................................................. 9 3.2.2 Outras técnicas de coleta autoadministradas ................................................................. 10 3.2.2.1 Recordatório 24h .................................................................................................................. 10 3.2.2.2 Registro ou diário alimentar .............................................................................................. 10 3.2.2.3 História alimentar .................................................................................................................. 11 3.2.2.4 Semanário alimentar ............................................................................................................ 11 3.2.2.5 Modelo transteórico ............................................................................................................... 11 3.3 VIAS DE ENTRADA NO ESPAÇO SOCIAL ALIMENTAR ................................................................ 15 3.3.1 Vias de entrada no espaço social alimentar .......................................................................15 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 - DIMENSÕES DO COMPORTAMENTO E DAS PRÁTICAS ALIMENTARES ........ 25 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 25 2 DESCRITORES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR ......................................................................25 3 ATITUDES ALIMENTARES ................................................................................................27 3.1 FATORES AMBIENTAIS ......................................................................................................................28 3.1.1 Família ..........................................................................................................................................28 3.1.2 Escola ...........................................................................................................................................29 3.1.3 Mídia ..............................................................................................................................................29 3.1.4 Imagem corporal .......................................................................................................................30 3.2 ATITUDES ALIMENTARES .................................................................................................................30 4 DETERMINANTES DAS ESCOLHAS ALIMENTARES ....................................................... 32 4.1 MODELOS DE DETERMINANTES ALIMENTARES ..........................................................................33 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................37 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 38 TÓPICO 3 - MUDANÇAS ALIMENTARES ............................................................................. 41 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 41 2 EVOLUÇÃO NO PADRÃO ALIMENTAR DO BRASILEIRO .................................................. 41 3 CONTEXTO SOCIAL .......................................................................................................... 43 4 O PAPEL DA PUBLICIDADE NO CONSUMO ALIMENTAR ................................................ 45 5 OS REFLEXOS DA VIDA URBANA NO CONSUMO ALIMENTAR ....................................... 49 6 MANIFESTAÇÕES NO ESTADO NUTRICIONAL ............................................................... 53 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 55 RESUMO DO TÓPICO 3 .........................................................................................................57 AUTOATIVIDADE ..................................................................................................................59 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 62 UNIDADE 2 — FUNDAMENTOS DE EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO ALIMENTAR NUTRICIONAL (EAN) E PROGRAMAS E POLÍTICAS QUE NORTEIAM A EAN ........................................................................................ 69 TÓPICO 1 — CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE EDUCAÇÃO ............................................. 71 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 71 2 ELEMENTOS DIDÁTICOS .................................................................................................. 71 3 MOMENTOS DIDÁTICOS ...................................................................................................75 3.1 PLANEJAMENTO ................................................................................................................................ 75 3.2 EXECUÇÃO ........................................................................................................................................... 77 3.3 VERIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM ................................................................................................78 4 FORMAS DE PLANEJAMENTO DIDÁTICO .......................................................................79 RESUMO DO TÓPICO 1 ........................................................................................................ 84 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 86 TÓPICO 2 - A EVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL NO BRASIL ........................................................................................................ 89 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 89 2 CONCEITO ........................................................................................................................ 89 3 HISTÓRIA DA EAN NO BRASIL ......................................................................................... 92 RESUMO DO TÓPICO 2 .........................................................................................................99 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................100 TÓPICO 3 - POLÍTICAS PÚBLICAS QUE NORTEIAM A EUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL (EAN) NO BRASIL ................................................................103 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................103 2 GUIAS ALIMENTARES .....................................................................................................103 3 ALIMENTAÇÃO COMO DIREITO HUMANO ......................................................................107 4 MARCO DE REFERÊNCIA DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS ....................................................................................109 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................... 115 RESUMO DO TÓPICO 3 ....................................................................................................... 118 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................120 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................123 UNIDADE 3 — PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DE PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL ..................................................................... 127 TÓPICO 1 — CONCEPÇÃO DE UM PROJETO DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL ..............................................................................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................129 2 PLANEJAMENTO.............................................................................................................129 3 IMPLEMENTAÇÃO ........................................................................................................... 137 4 AVALIAÇÃO .....................................................................................................................138 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................142AUTOATIVIDADE ............................................................................................................... 144 TÓPICO 2 - TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL .............................................................................................. 147 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 147 2 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL INDIVIDUAL ................................................ 147 2.1 ACONSELHAMENTO DIETÉTICO .....................................................................................................148 2.1.1 Comunicação não verbal ........................................................................................................ 149 2.1.2 Comunicação verbal ...............................................................................................................150 2.1.2.1 Perguntar ................................................................................................................................150 2.1.2.2 Escutar .....................................................................................................................................151 2.1.2.3 Responder .............................................................................................................................. 152 2.1.2.4 Informar .................................................................................................................................. 153 2.1.3 Etapas do aconselhamento dietético ................................................................................ 154 2.2 DEMONSTRAÇÃO .............................................................................................................................. 155 2.3 INSTRUÇÃO PROGRAMADA OU TAREFA DIRIGIDA ................................................................... 155 3 EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL PARA GRUPOS ...........................................156 3.1 BRAINSTORMING ............................................................................................................................... 156 3.2 AULA EXPOSITIVA OU PRELEÇÃO ................................................................................................ 157 3.3 DISCUSSÃO ........................................................................................................................................ 157 3.3.1 Discussão 66 ou Philips 66 ................................................................................................... 157 3.3.2 Grupo de verbalização (GV) e grupo de observação (GO) ............................................158 3.3.3 Grupos rotativos ..................................................................................................................... 159 3.4 ESTUDO DE CASO ............................................................................................................................ 159 3.5 DRAMATIZAÇÃO ................................................................................................................................ 159 3.6 DINÂMICAS LUDO-PEDAGÓGICAS .............................................................................................. 159 4 MÉTODOS APLICADOS A POPULAÇÃO EM GERAL .......................................................165 4.1 EXPOSIÇÃO E DEMONSTRAÇÃO ................................................................................................... 166 4.2 ENTREVISTA ...................................................................................................................................... 166 4.3 PAINEL ............................................................................................................................................... 166 4.4 DOCUMENTÁRIO .............................................................................................................................. 166 5 RECURSOS DIDÁTICOS .................................................................................................. 167 5.1 CLASSIFICAÇÃO DOS RECURSOS DIDÁTICOS ............................................................................167 5.2 CRITÉRIOS PARA ESCOLHA PARA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DIDÁTICOS .....................168 5.3 RECURSOS DIDÁTICOS MAIS UTILIZADOS ................................................................................. 169 5.3.1 Quadro negro ou quadro branco ......................................................................................... 169 5.3.2 Álbum seriado.......................................................................................................................... 169 5.3.3 Flanelógrafo ............................................................................................................................. 170 5.3.4 Cartaz ou mural ...................................................................................................................... 170 5.3.5 Folheto informativo ................................................................................................................ 170 5.3.6 Projeções ................................................................................................................................... 171 5.3.7 Jogos .......................................................................................................................................... 171 5.4 TÉCNICAS PARA CONFECÇÃO DE RECURSO DIDÁTICOS ...................................................... 172 5.4.1 Cores ........................................................................................................................................... 172 5.4.2 Letras ......................................................................................................................................... 173 5.4.3 Ilustrações ou imagem .......................................................................................................... 174 RESUMO DO TÓPICO 2 ....................................................................................................... 177 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................ 179 TÓPICO 3 - RELATO DE EXPERIÊNCIAS DE PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL ......................................................................... 181 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 181 2 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL PARA ESCOLARES ..........182 3 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL PARA PORTADORES DE DOENÇAS CRÔNICAS ................................................................................................184 4 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL PARA IDOSOS ..................186 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................190 RESUMO DO TÓPICO 3 .......................................................................................................192 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................193 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................195 1 UNIDADE 1 - BASES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender o conceito de comportamento alimentar; • distinguir as definições que envolvem o ato de comer; • identificar as diferentes formas de coleta de práticas alimentares; • inter-relacionar comportamento e práticas alimentares; • identificar os fatores que levaram às mudanças alimentares no Brasil. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontraráautoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – BASES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR TÓPICO 2 – DIMENSÕES DO COMPORTAMENTO E DAS PRÁTICAS ALIMENTARES TÓPICO 3 – MUDANÇAS ALIMENTARES Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 BASES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 1 INTRODUÇÃO Para conhecer o conceito de comportamento alimentar, quais são as definições que envolvem o ato de comer e perceber a complexidade que envolve a avaliação das práticas alimentares, é interessante compreendermos as bases do comportamento alimentar, necessárias para o desenvolvimento das ações e atividades de Educação Alimentar e Nutricional (EAN), bem como para a sua atuação na prática profissional. Além disso, veremos como funciona o comportamento alimentar de um indivíduo, que, embora seja fundamental, é extremamente complexo, pois envolve muitas variáveis; portanto, abordaremos alguns temas pertinentes ao assunto. Destacaremos o significado da palavra comportamento, para distingui-lo dos termos que envolvem o ato de comer. Veremos, por exemplo, as diferenças entre consumo e práticas alimentares, alimento e comida, fome e saciedade, entre outros conceitos e definições que, aparentemente, são corriqueiros, mas muito importantes do ponto de vista de classificação e análise. Em seguida, trabalharemos os aspectos metodológicos relacionados com as práticas alimentares – por exemplo, quais tipos de dados devem ser coletados, quais métodos utilizar, quais as vias de entrada dos alimentos para os indivíduos e como elas podem ser observadas. Compreender o conceito e todos os aspectos que permeiam o ato de comer é fundamental para a formação do nutricionista. Para aperfeiçoar ainda mais o seu conhecimento, ao final de cada tópico, você, acadêmico, poderá realizar uma atividade prática relativa às técnicas de coleta das práticas alimentares, para uma reflexão sobre o que envolve o tema. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 2 CONCEITO E DEFINIÇÕES O comportamento alimentar é determinado por uma série de fatores: • os biológicos, como a presença de doenças, a genética e a exposição a alguma substância ainda na placenta da mãe; • os psicológicos, que envolvem o humor, a personalidade e, até mesmo, doenças como depressão, ansiedade e transtornos alimentares; 4 • os fatores ambientais, que vão desde a escolha e a seleção dos alimentos, os hábitos familiares, a rotina de vida, o local de moradia e a influência da mídia (DIEZ-GARCIA; CERVATO-MANCUSO, 2012). Embora os fatores biológicos tenham precedido os demais e, hoje, exista uma vasta literatura sobre eles, nos últimos anos, observou-se um interesse maior sobre os fatores ambientais e psicológicos, o que demonstra seu papel fundamental na gênese do comportamento alimentar (DIEZ-GARCIA; CERVATO-MANCUSO, 2012). O termo “comportamento” é definido como a maneira de se comportar ou se conduzir; ou como forma de proceder, ou, ainda, como um conjunto de ações observadas num indivíduo em seu meio social (TREVISAN, 2015). Pode ser entendido, também, como um conjunto de reações do indivíduo diante das interações do meio em que está envolvido sob determinadas circunstâncias (ALVARENGA et al., 2019). Por isso, a importância de compreendermos o meio em que vivemos, a influência que este é capaz de exercer, e a forma como reagimos a mais distintas situações. No campo da alimentação e da nutrição, hábitos alimentares estão relacionados com a ideia de consumo alimentar ou, ainda, de ingestão alimentar (ingestão energética e de nutrientes), enquanto o comportamento alimentar aparece, na maioria das vezes, vinculado a aspectos psicológicos da ingestão de comida (KLOTZ-SILVA; PRADO; SEIXAS, 2017). Até mesmo no novo Guia Alimentar para a População Brasileira (ALVARENGA et al., 2019), esses conceitos não estão claros – um exemplo é a referência à alimentação, que, embora apresente uma definição mais ampla, sendo referida “como mais que a ingestão de nutrientes” envolvendo combinações, dimensões culturais, sociais e práticas alimentares, ainda mistura as terminologias sem esclarecê-las (BRASIL, 2014b; ALVARENGA et al., 2019). Diante dessas considerações, entender o comportamento alimentar do indivíduo, de forma empática, torna a abordagem nutricional mais humana e efetiva, porém essa não é uma tarefa fácil, demanda observação e técnicas adequadas. Para Alvarenga e Philippi (2011), um dos primeiros passos é a apropriação do conhecimento das definições sobre alguns conceitos ou taxonomia. NOTA Taxonomia é o campo da ciência que engloba identificação e descrição nomenclatura e classificação. 5 O Quadro 1 apresenta algumas das principais definições que envolvem o ato de comer. Conceito Definição Alimentação Criação histórico-cultural, ligada às relações humanas mediadas pela comida Nutrição Ciência da modernidade com foco no estudo dos nutrientes Alimento Funções destinadas à formação, ao desenvolvimento e à manutenção do organismo Comida Funções nutricionais, mas também culturais e simbólicas Fome Necessidade fisiológica de comer sem relação com um alimento específico, nunca é emocional Fome hedônica ou apetite Desejo de comer um alimento ou grupo de alimentos em particular para obter satisfação e prazer Saciedade Sensação de plenitude gástrica, sem sensação de fome e com sensação de bem-estar Práticas alimentares Forma como os indivíduos se alimentam em diferentes esferas Motivação alimentar Causa que impulsiona nossa ação de escolher comer ou não determinado alimento/comida Escolha alimentar Ato dinâmico que determina o consumo alimentar Consumo alimentar Ingestão de alimentos Consumo nutricional Ingestão de energia e nutrientes Padrão alimentar Análises estatísticas ou matemáticas dos alimentos como eles são verdadeiramente consumidos Estrutura alimentar Tipos, horários e regularidade das refeições Atitude alimentar Crenças, pensamentos, sentimentos, comportamentos e relacionamentos com os alimentos Comportamento alimentar Ações em relação ao ato de se alimentar, como, quando e de que forma comemos Hábito alimentar Comportamentos aprendidos e repetidos de forma automática Tomada alimentar Toda a ingestão de produtos sólidos e líquidos que têm valor energético FONTE: Adaptado de Alvarenga et al. (2019) QUADRO 1 – DEFINIÇÕES DOS ASPECTOS ALIMENTARES E NUTRICIONAIS Por meio da compreensão desses conceitos, é possível, por exemplo, entender que um indivíduo pode ter um consumo alimentar adequado, mas um consumo nutricional inadequado, ou, ainda, o que é comida para uns pode não ser considerado comida para outros. É interessante refletir sobre esses conceitos. 6 3 DIAGNÓSTICO DE PRÁTICAS E COMPORTAMENTOS ALIMENTARES Como visto anteriormente, muitos são os fatores relacionados à alimentação, assim como ao comportamento alimentar, a escolha alimentar também é influenciada por determinantes individuais e determinantes coletivos (BRASIL, 2012). Dessa forma, mesmo que as definições e os conceitos estejam bem estabelecidos, é necessária uma metodologia clara, que possa determinar cada um deles – porém, como investigar essas questões pode ser complexo. Considerando a complexidade e a multifatoriedade da alimentação humana, Poulain e Proença (2003) discutiram e sistematizaram formas de diagnosticar as práticas e o comportamento alimentar, expondo três tipos de problemas metodológicos que merecem atenção: natureza dos dados, métodos de coleta de dados e vias de entrada no espaço social alimentar. 3.1 NATUREZA DOS DADOS Considera o tipo de dados que se pretende coletar, o que o indivíduo faz, o que ele demonstra fazer, suas opiniões, valores e atitudes em relação ao alimento e à alimentação. Esses dados permitem descrever e compreender o fenômeno alimentar e podem ser distribuídos de modocontínuo desde os mais objetivos até os mais subjetivos, conforme demonstra o Quadro 2. INTERESSANTE Os determinantes individuais são relativos ao conhecimento do indivíduo sobre alimentação e nutrição, suas percepções sobre alimentação saudável, idade e situação de saúde, enquanto os determinantes coletivos estão associados aos socioeconômicos (renda e escolaridade) e a fatores sociais e culturais. 7 Categoria de dados Definições Exemplos Práticas observadas Comportamento individual ou coletivo, externalizado com a ajuda de técnicas audiovisuais de registro Composição da bandeja ou do prato. Itens que compõem um carrinho de compras num supermercado Práticas objetivadas Práticas analisadas pelos traços que elas deixam: fluxo econômico, fluxo de dejetos etc. Quantidade de produtos vendidos em uma da zona geográfica Práticas reconstruídas Rememoração assistida de práticas de compras ou de consumo, a partir de uma grade de acompanhamento que permite um inventário sistemático das diferentes dimensões da prática Reconstrução das compras, das práticas culinárias ou das diferentes tomadas alimentares sob uma dada unidade de tempo: dia, semana, mês etc. Práticas declaradas espontaneamente Reconstituição espontânea de uma prática sem que as dimensões sejam sugeridas pelo pesquisador Respostas espontâneas a uma questão do tipo: o que você fez Normas e modelos coletivos Expressão do que é uma prática considerada “conveniente” e cuja não observância resulta, geralmente, em sanções mais ou menos explícitas No Brasil, um “verdadeiro almoço” é composto, por exemplo, de arroz, feijão, alguma preparação com carne, complemento, salada ou sobremesa Opiniões Representa o pensamento de um indivíduo ou de um grupo sobre uma determinada prática. A opinião é a expressão verbal das atitudes ou dos valores A afirmação de que “comer entre as refeições não é bom para a saúde” Atitudes Conjunto de predisposições de um indivíduo em relação a um objeto ou uma prática. A atitude somente pode ser estudada indiretamente e se distingue da opinião pelo fato de não ser frequentemente verbalizada, mas determinada por comportamentos Analisa-se a atitude, propondo ao indivíduo uma série de práticas e lhe solicitando classificá-las, por exemplo, entre aceitáveis e não aceitáveis QUADRO 2 – CATEGORIAS DE DADOS: DEFINIÇÕES E EXEMPLOS 8 Valores Os valores são representações positivas ou negativas, mais ou menos racionais, associadas a uma prática ou a um produto Comer muito pão aumenta a barriga, comer arroz com feijão engorda, comer pão torrado não engorda etc. Sistemas simbólicos Conjunto de núcleos de sentido, mais ou menos conscientes, estruturados e organizados em sistemas de representações Símbolo associado a um produto: a carne vermelha sustenta, peru é comida de natal, canja é comida de doente etc. Sistema de representações inconscientes de, por exemplo, posições à mesa ou de sistemas de cocção FONTE: Poulain; Proença (2003, p. 371) Segundo o Quadro 2, “[...] todas essas diferentes categorias de dados, definidas e exemplificadas, apresentam interesse, já que representam famílias de variáveis que permitem engajar o estudo sociológico do espaço social alimentar” (POULAIN; PROENÇA, 2003, p. 370). Em determinadas situações, para coletar dados sobre o comportamento alimentar de clientes de um restaurante, talvez seja necessário utilizar a categoria de dados das práticas observadas, como a composição da bandeja ou do prato. Já se o objetivo for a coleta de dados sobre o comportamento alimentar de usuário de uma unidade de saúde, a melhor estratégia é utilizar a categoria de dados descrita como práticas reconstruídas – o importante é saber se adaptar aos interesses do estudo. 3.2 MÉTODOS DE COLETA DE DADOS A construção ou, até mesmo, a utilização de técnicas já consagradas são essenciais na coleta de dados e tornam-se importantes pontos de atenção. Para Poulain e Proença (2003), a coleta dos dados sociológicos pode ser feita a partir de seis grandes técnicas (Figura 1). 9 FONTE: Adaptada de Poulain; Proença (2003) FIGURA 1 – TÉCNICAS DE COLETA DE DADOS SOCIOLÓGICOS A Figura 1 demonstra as várias técnicas de coleta de dados e todas têm sua importância e devem ser utilizadas de acordo com o contexto em que se encontra o pesquisador; entretanto, a técnica do questionário é uma das mais comuns e possui diversas formas de aplicação, conforme exploraremos a seguir. 3.2.1 Questionário Provavelmente, um dos instrumentos de coleta de dados mais utilizados nas pesquisas de comportamento e práticas alimentares, os questionários podem ser administrados de três formas distintas, como sugere Poulain e Proença (2003): • Por entrevista pessoal: é um método considerado mais confiável quando conduzido por profissionais treinados, porém deve-se controlar o impacto do papel do entrevistador na condução das entrevistas. 10 • Por entrevista telefônica: é um método conveniente, elimina custos de transporte e permite um alcance maior da população, embora não permita a apresentação de listas ou imagens, além da necessidade de se atentar às questões culturais locais, principalmente no que diz respeito aos alimentos regionais. • Por autoadministração: o indivíduo preenche as informações, em lugares e em contextos diversos. O questionário pode ser entregue pessoalmente, por e-mail ou, até mesmo, ser enviado por meio de instrumentos de pesquisa on-line, como o Google forms® ou o Survey Monkey® – esta solução tem a vantagem de evitar as interferências entre os status social do entrevistador e do entrevistado. No entanto, a aplicação em grande escala e com uma população pouco motivada pode gerar erro de dados e/ou redução na devolução de questionários. É importante salientar que não existe um tipo de questionário ideal, e sim aquele que melhor se adapta ao objetivo da coleta dos dados, o público-alvo e o número de entrevistados. 3.2.2 Outras técnicas de coleta autoadministradas Além das formas de administração apresentadas, ainda podem ser utilizadas técnicas variadas de relato e construção de práticas com o objetivo de resgatar no paciente seus hábitos alimentares, os alimentos mais consumidos, os horários de refeições, os sentimentos e as sensações envolvidos no ato de se alimentar como. 3.2.2.1 Recordatório 24h Método retrospectivo, utilizado para definir e quantificar alimentos e bebidas ingeridos no período anterior à entrevista, que normalmente 24 horas precedentes ou, comumente no dia anterior. Embora sua aplicação seja fácil e rápida ela depende da memória e idade dos entrevistados, não reflete as diferenças entre dias atípicos e caracteriza apenas o consumo alimentar (FAGIOLI; NASSER, 2008). 3.2.2.2 Registro ou diário alimentar Esse método é baseado nas anotações de um indivíduo em formulários específicos, nos quais eles devem descrever alimentos e bebidas ingeridos durante um determinado período e ainda acrescentar informações como sentimentos, sensação de fome saciedade e satisfação. Como desvantagem ele pode interferir no padrão alimentar exige alto nível de motivação, colaboração e treinamento e ainda que o indivíduo saiba ler e escrever (FAGIOLI; NASSER, 2008). 11 3.2.2.3 História alimentar Consiste na associação nos métodos de recordatório 24 horas, registro alimentar e um checklist dos alimentos consumidos no último mês, entretanto como desvantagens depende da memória exige tempo, é de difícil padronização e não deve ser aplicado em populações (FAGIOLI; NASSER, 2008). 3.2.2.4 Semanário alimentar É um instrumento no formato de um bloco, e cada tomada alimentar, seja uma refeição ou um lanche, deve ser registrado em uma folha única. Todos os detalhes com relação à atividade física, sensações de sede, fome, calma/ansiedade, depressão/ alegria, bem como informações com relação ao próprio alimento – se parece estar apetitoso ou não – deveriamser percebidos pelo voluntário e registrados na folha correspondente. Portanto, não se trata apenas do registro do consumo alimentar; representa, antes, a descrição do ambiente como um todo, por meio do registro do local, horário, dia da semana, tipo de evento alimentar e número de pessoas presentes. Cada folha contém 21 campos a serem preenchidos. O voluntário utiliza, em média, 6 folhas por dia, totalizando 126 informações registradas em apenas um dia da semana. Sete dias exigem, portanto, a atenção no preenchimento de, em média, 882 dados referentes apenas ao comportamento alimentar. Há também dez campos que devem ser preenchidos com informações referentes à qualidade do sono diário. Esses números refletem a riqueza das informações que devem ser preenchidas pelos voluntários. Embora ele seja extremamente completo, também é complexo, exige a participação de indivíduos motivados e instruídos que devem ser previamente treinados e acompanhados (GAUCHE; CALVO; ASSIS, 2006; FISBERG et al., 2005) 3.2.2.5 Modelo transteórico Utiliza estágios de mudança para integrar processos e princípios de mudança provenientes das principais teorias de intervenção. Para tanto ele considera os seguintes estágios (TORAL; SLATER, 2007): • pré-contemplação (comportamento de risco) – reconhece práticas inadequadas, mas não tem intenção de modificar; • contemplação (intenção de mudar a longo prazo) – visualiza muitas barreiras, mas está decidido a mudar de comportamento; • decisão ou preparação (intenção de mudar a curto prazo ± 30 dias) – muitas vezes, o indivíduo já prevê um plano de ação. • ação (mudança está ocorrendo) – há um envolvimento ativo na mudança de comportamento há menos de 6 meses. • manutenção (incorporação de novos hábitos há mais de 6 meses) – há uma consolidação dos ganhos obtidos até o momento. 12 A identificação dos estágios de mudança dos indivíduos é feita com base em algoritmos, como mostra a Figura 2, proposta nos Cadernos de Cuidados para a Obesidade, do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014a). A classificação dos indivíduos nos estágios de mudança permite direcionar melhor as ações e as metas das intervenções nutricionais para cada indivíduo, considerando que apresentam diferentes percepções e motivações para realizar mudanças em sua dieta ou em seu estilo de vida. FONTE: Brasil (2014a, p. 80) FIGURA 2 – PROPOSTA DE ALGORITMO PARA AVALIAÇÃO DOS ESTÁGIOS DE MUDANÇA EM RELAÇÃO À PERDA DE PESO Além do algoritmo apresentado, existem outros que abordam situações distintas, como propensão ao consumo de gorduras saturadas, consumo de frutas, percepção alimentar – as diferenças entre eles são basicamente a pergunta inicial. DICA Para aprofundar os estudos em relação aos cuidados com a obesidade, consulte a Biblioteca do Ministério da Saúde, acessando: http://bvsms.saude. gov.br/bvs/publicacoes/estrategias_cuidado_doenca_cronica_obesidade_ cab38.pdf. 13 O modelo transteórico ou de estágios da vida, além de um importante instrumento de coleta de dados de comportamento alimentar, como dito anteriormente, pode auxiliar nas estratégias de intervenção propostas, auxiliando o profissional nutricionista a se aproximar e acolher melhor população-alvo (Quadro 3). Estágio Foco de intervenção O que fazer O que não fazer Pré- contemplação Aumentar o conhecimento sobre o saudável e a consciência do indivíduo sobre a sua prática alimentar Oferecer informações sobre recomendações nutricionais e os benefícios de uma dieta adequada, e prover o indivíduo de ferramentas adequadas para avaliar a sua alimentação Não assumir que a mudança de comportamento será rápida, diante da grande resistência e da pouca motivação do indivíduo Contemplação Aumentar a confiança na própria habilidade do indivíduo para adotar as recomendações nutricionais em sua alimentação Identificar quais são as barreiras que impedem a mudança, segundo o indivíduo, e traçar meios de superá-las Não criticar a ambivalência do indivíduo: diversas barreiras podem ser apresentadas em diferentes momentos Preparação Definir o plano de ação que será implementado nos próximos 30 dias Estimular o alcance de objetivos específicos, sem sobrecarregar o indivíduo com várias metas Não menosprezar pequenas mudanças realizadas pelo indivíduo em sua alimentação Ação Treinar as habilidades do indivíduo para alterar o comportamento por mais tempo Fornecer materiais individualizados e estratégias práticas, envolvendo suporte social (relacionamentos de auxílio à mudança) e recompensas Não oferecer apenas informações gerais, considerando que o indivíduo já está colocando em prática uma alimentação saudável QUADRO 3 – ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PROPOSTAS PARA CADA ESTÁGIO DE MUDANÇA, VISANDO À MODIFICAÇÃO DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR 14 Manutenção Desenvolver a habilidade do indivíduo para enfrentar novas dificuldades Estimular a manutenção dos objetivos alcançados Não assumir que a ação inicial será permanente, nem criticar recaídas FONTE: Adaptado de Diez-Garcia; Cervato-Mancuso (2012); Kristal et al. (1999) FONTE: Poulain; Proença (2003, p. 374) TABELA 1 – TÉCNICAS DE COLETA E DADOS SOCIOLÓGICOS Assim, após identificar a fase de mudança que o indivíduo está, é possível, a partir das propostas apresentadas no Quadro 3, determinar o foco da intervenção e planejar estratégias que visem à modificação do comportamento alimentar. A Tabela 1 mostra a interface entre as diferentes técnicas de coleta de dados e sua eficácia em relação à categoria dos dados que se pretende coletar. Técnicas de coleta Tipos de dados P rá ti c a s o b se rv a d a s P rá ti c a s o b je ti va d a s P rá ti c a s re c o n st ru íd a s P rá ti c a s d e c la ra d a s N o rm a s in d iv id u a is O p in iõ e s A ti tu d e s V a lo re s S ím b o lo s O b s e r v a ç ã o participante + + + + + + Observação armada + + + Q u e s t i o n á r i o autoadministrado +- + + + + + +- Questionário por entrevista + + + + + + + E n t r e v i s t a s semiestruturadas +- + + + + + + História de vida +- + + + + + + Tratamento de dados secundários + + + + 15 Considerando os elementos abordados na tabela, é importante destacar que, dependendo do tipo de dado a ser coletado, pode ser necessário utilizar mais de uma técnica, a fim de garantir a qualidade das informações. 3.3 VIAS DE ENTRADA NO ESPAÇO SOCIAL ALIMENTAR 3.3.1 Vias de entrada no espaço social alimentar Podemos considerar quatro níveis de entrada dos alimentos na vida dos indivíduos: as disponibilidades de alimento na escala dos países; as aquisições de alimentos analisadas por categorias sociais; as práticas domésticas de compra, de preparação e de consumo de alimentos; e, por fim, as diferentes modalidades de consumo individual. Esses níveis correspondem a focos, isto é, a escalas de leituras complementares do fenômeno alimentar. As vias de acesso e os níveis de observação do fenômeno permitem compreender como esses alimentos chegam até os indivíduos e suas possíveis limitações, conforme esquematizado no Quadro 4. Os assuntos abordados neste tópico fornecem subsídios para a investigação e realização de um diagnóstico do comportamento e das práticas alimentares de forma mais precisa, porém respeitando todas as interfaces que envolvem o ato de comer. DICA Sugerimos a leitura do artigo de Poulain e Proença (2003), disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rn/v16n4/a01v16n4.pdf. 16 FONTE: Poulain; Proença (2003, p. 386) QUADRO 4 – VIAS DE ENTRADA E NÍVEIS DE OBSERVAÇÃO V ia s d e e n tr a d a N ív e is d e o b se rv a ç ã o P rá ti c a s o b se rv a d a s P rá ti c a s o b je ti va d a s P rá ti c a s re c o n st ru íd a s P rá ti c a s d e c la ra d a s N o rm a s in d iv id u a is O p in iõ e s A ti tu d e s V a lore s S ím b o lo s A s co m pr as O bs er va çã o et n og rá fic a do at o de c om pr a, ev en tu al m en te as si st id a pe lo si st em a de ví de o A n ál is e do s ite n s qu e co m põ em u m c ar rin h o de co m pr as n u m su pe rm er ca do . A n ál is e de flu xo m ic ro o u m ac ro ec on ôm ic o O q u e vo cê c om pr ou n a se m an a pa ss ad a? O q u e vo cê co m pr a? O q u e de ve s er co m pr ad o? O q u e vo cê pe n sa d e al gu ém qu e co m pr a es te al im en to ? E sc al a de at itu de s re la tiv as a pr át ic as d e co m pr as Va lo re s po si tiv os o u n eg at iv os as so ci ad os às p rá tic as d e co m pr as S ím bo lo s as so ci ad os às c om pr as al im en ta re s ou a os lo ca is de c om pr a A s pr át ic as do m és tic as O bs er va çã o et n og rá fic a da s pr át ic as do m és tic as , ev en tu al m en te as si st id as p el o si st em a de ví de o E qu ip am en to s do m és tic os . A lim en to s co m pr ad os ou e st oc ad os . P rá tic as c u lin ár ia s ob se rv ad as O q u e vo cê p re pa ro u n as X ú lti m as re fe iç õe s? C om o vo cê co zi n h a de te rm in ad o al im en to ? O n de v oc ê co m pr a os al im en to s? Q u em d ev e co zi n h ar ? C oz in h ar é? E sc al as d e at itu de s re la tiv as a pr át ic as do m és tic as Va lo re s po si tiv os o u n eg at iv os as so ci ad os às p rá tic as do m és tic as S ím bo lo s as so ci ad os às t éc n ic as e ao s ob je to s cu lin ár io s A s pr át ic as al im en ta re s de in co rp or aç ão O bs er va çã o et n og rá fic a da s pr át ic as al im en ta re s, ev en tu al m en te as si st id as p el o si st em a de ví de o A n ál is e de r es to s al im en ta re s. P rá tic as al im en ta re s ob se rv ad as D es en vo lv im en to do d ia a lim en ta r d e on te m O q u e vo cê co m eu o nt em ao m ei o- di a? O q u e é u m a ve rd ad ei ra re fe iç ão ? C om er en tr e as re fe iç õe s é? (e sc al a) E sc al as d e at itu de s re la tiv as às p rá tic as al im en ta re s Va lo re s po si tiv os o u n eg at iv os as so ci ad os às p rá tic as al im en ta re s S ím bo lo s as so ci ad os a o pr in cí pi o de in co rp or aç ão 17 AMBIENTE ALIMENTAR: VALIDAÇÃO DE MÉTODO DE MENSURAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO EM TERRITÓRIO COM O PROGRAMA ACADEMIA DA SAÚDE O ambiente alimentar é definido pelos ambientes físico (disponibilidade, qualidade e promoção), econômico (custos), político (políticas governamentais) e sociocultural (normas e comportamento), em que se vive, estuda e/ou trabalha, e que propiciam oportunidades e condições que afetam a salubridade da alimentação e o estado nutricional dos indivíduos e da comunidade. Investigar o ambiente alimentar tanto da comunidade quanto do consumidor é fundamental na atualidade, ao considerar a limitação das análises centradas no indivíduo para estudar algo tão complexo, como a alimentação e a saúde. Com base em informações sobre o território em que os indivíduos estudam/vivem/ trabalham, é possível delinear melhor as políticas públicas e estratégias de saúde, incluindo a criação de ambientes saudáveis. Tais aspectos reforçam a importância de se investigar o ambiente alimentar no contexto das políticas públicas, de forma a alinhar as estratégias e as ações de saúde e de alimentação, sendo a investigação dos territórios com serviços de saúde estratégicos nesse sentido. O uso de tecnologias, como o Google Street View, para a varredura das áreas a serem analisadas constitui uma importante ferramenta para a validação dos dados. Entretanto, pondera-se que a validade e a obtenção dos dados com o uso da tecnologia podem ser influenciadas pela data e pelo horário da coleta da imagem e o não mapeamento de algumas regiões, sobretudo as rurais, mais pobres e pouco urbanizadas. Adicionalmente, pode desconsiderar ambientes fechados, nos quais a ferramenta não consegue realizar o mapeamento, como mercados e shoppings centers, subestimando o acesso. Apesar das limitações, o uso de ferramentas tecnológicas é relevante e crescente, sobretudo em grandes estudos por seu acesso fácil e gratuito. A maior disponibilidade de alimentos saudáveis, verificada no estudo, foi registrada nas feiras livres e sacolões, em contraposição aos mercados e supermercados de grande rede. Um trabalho conduzido em áreas de baixa renda na cidade de São Paulo, utilizando a mesma metodologia, apresentou resultados semelhantes. Num estudo conduzido em Baltimore, Estados Unidos, após o ajuste por características sociodemográficas, a maior probabilidade de consumo de alimentos frescos também esteve associada à compra em sacolões ou feiras livres. Entretanto, muitos estudos internacionais divergem desses resultados, mostrando os supermercados como marcadores de ambientes saudáveis e associados ao maior consumo de frutas e hortaliças, por apresentarem grande oferta e disponibilidade desses alimentos. Contudo, pondera-se que, em países desenvolvidos, onde a maior parte dos estudos de ambiente alimentar é desenvolvida, usualmente não apresentam estabelecimentos próprios para comercialização de frutas e hortaliças, como os sacolões no Brasil. Essa divergência possivelmente revela diferenças no delineamento do ambiente alimentar dos países, apontando a necessidade de ampliar a realização de estudos para cenários distintos. 18 Em relação às condições higiênico-sanitárias, foi elevado o número de estabelecimentos comerciais com condições insatisfatórias. A condição higiênico- sanitária do comércio é considerada um importante critério para a escolha do local de compra de frutas e hortaliças. Condições insatisfatórias podem favorecer a deterioração e a contaminação dos alimentos, sobretudo as frutas e hortaliças, levar a perdas e riscos à saúde dos consumidores, além de fazer com que estes percorram maiores distâncias para a compra de alimentos com boa qualidade. Acredita-se que a presença de estabelecimentos que vendem produtos frescos e que apresentam satisfatória qualidade higiênico-sanitária pode contribuir para o maior consumo de frutas e hortaliças, sendo fundamental o investimento em fiscalização das condições sanitárias dos estabelecimentos e na promoção de ações educativas com os comerciantes – estratégias importantes nesse sentido. FONTE: COSTA, B. V. L.; OLIVEIRA, C. D. L.; LOPES, A. C. S. Ambiente alimentar de frutas e vegetais no território do programa de academia de saúde. Cad. Saude. Publica, v. 31, Suplemento 1, p. 159-69, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/csp/v31s1/pt_0102-311X-csp-31-s1-0159.pdf. Aces- so em: 6 ago. 2020. 19 Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como: • Os conceitos e as definições relacionadas ao ato de comer, como alimentação, nutrição, alimento, comida, fome, apetite, saciedade, práticas alimentares, motivação, escolha e consumo alimentar, padrão alimentar, estrutura alimentar, atitude alimentar, comportamento alimentar, hábito alimentar e tomada alimentar, são essenciais para entender os aspectos que envolvem a alimentação, tanto em seu sentido fisiológico como emocional. • É importante categorizar a natureza dos dados relacionados com as práticas alimentares que podem ser coletadas, como as práticas observadas (comportamentos externalizados utilizando técnicas audiovisuais), as práticas objetivadas (analisadaspelos traços deixados), as práticas reconstruídas (rememoração assistida por semanário sistemático), as práticas declaradas espontaneamente (reconstituição espontânea), as normas e os modelos coletivos (práticas que o indivíduo ou a coletividade consideram convenientes), as opiniões (pensamento de um indivíduo ou coletividade sobre uma determinada prática alimentar), as atitudes (predisposições em relação a um objeto ou prática), os valores (representações positivas e negativas) e os sistemas simbólicos (representação mais ou menos consciente de determinadas práticas alimentares). Essas categorias de dados permitem descrever e compreender o fenômeno alimentar, permitindo coletar desde os dados mais objetivos até os mais subjetivos. • As principais técnicas de coleta de dados compreendem: a observação participante (o observador torna-se parte da população estudada); a observação armada (leituras precisas para conhecer os acontecimentos estudados); questionário (permite a coleta de grande quantidade de dados); entrevista semiestruturada (consiste em fazer falar sobre um determinado tema); história da vida (reconstrução da história alimentar) e tratamento de dados secundários (utiliza dados já coletados). • Há várias formas de administração do questionário, com vantagens e limitações distintas, bem como outras técnicas autoadministradas, como recordatório 24 horas; diário alimentar, história alimentar, semanário alimentar e modelo transteórico – técnica que se destaca das demais por identificar em qual estágio de mudança está o indivíduo e auxiliar nas estratégias de intervenção. • Entre as principais vias de entrada do alimento na vida do indivíduo e seus níveis de observação estão: as compras – via em que são registrados dados de consumo no sentido econômico, como os itens do carrinho, o que o indivíduo compra ou comprou em determinados períodos, os valores positivos e negativos relacionados com as compras, o que ele pensa sobre quem compra um determinado alimento, RESUMO DO TÓPICO 1 20 ou ainda as atitudes relacionadas com as compras; as práticas domésticas – nessa abordagem, as práticas de compra, a autoprodução, a preparação e o consumo alimentar, como o que o indivíduo preparou nas últimas refeições, como ele cozinha um determinado alimento, o que, para ele, é cozinhar, suas atitudes em relação às práticas domésticas, seus valores (positivos e negativos) e os símbolos associados às técnicas e aos objetos culinários; as práticas alimentares de incorporação – com destaque para o comportamento alimentar, que está associado às práticas à mesa e suas representações, analisando restos de alimentos, desenvolvimento do dia alimentar, o que o indivíduo comeu em um determinado período, o que, para ele, é uma verdadeira refeição, o que é comer entre as refeições, valores positivos e negativos associados às práticas alimentares e os símbolos associados ao princípio de incorporação. • Conhecer a inter-relação entre a natureza dos dados e as técnicas de coleta é fundamental para diagnosticar as práticas e o comportamento alimentar, sendo, muitas vezes, necessário o uso de mais de uma técnica de coleta. 21 1 Considerando toda a complexidade que envolve o ato de comer, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Práticas alimentares. II- Hábito alimentar. III- Estrutura alimentar. IV- Consumo alimentar. ( ) Descrição dos alimentos ingeridos (arroz, feijão, bife etc.). ( ) Comportamentos aprendidos e repetidos de forma automática. ( ) Lanche às 10 e às 15 horas, todos os dias da semana. ( ) Forma como os indivíduos se alimentam em diferentes esferas. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II – III – IV. b) ( ) II – III – IV – I. c) ( ) II – I – III – IV. d) ( ) III – I – IV – II. e) ( ) IV – II – III – I. 2 Ao avaliar a composição do prato de frequentadores de um restaurante que se servem em um buffet à quilo, é possível compreender as práticas alimentares desses indivíduos. Com base na categoria de dados que analisa o quadro apresentado, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Práticas reconstruídas. b) ( ) Práticas observadas. c) ( ) Práticas declaradas espontaneamente. d) ( ) Opiniões. e) ( ) Normas e modelos coletivos. 3 Um nutricionista de uma Unidade de Saúde do litoral catarinense notou que a maioria dos seus pacientes idosos apresentam queixa de perda de memória – ciente de que esse problema pode estar associado à redução do consumo ou absorção da vitamina B12 em função da hipocloridria (redução da produção de ácido clorídrico no estômago), ele resolve realizar uma pesquisa sobre as práticas alimentares dessa população. Considerando a técnica mais adequada para a obtenção dos dados para AUTOATIVIDADE 22 esse caso, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Tratamento de dados secundários. b) ( ) Semanário alimentar. c) ( ) Questionário por entrevista. d) ( ) Observação armada. e) ( ) História da vida. 4 Considerando como via de entrada da alimentação de um indivíduo as compras, qual exemplo de nível de observação tem relação com as práticas reconstruídas? a) ( ) Para você, cozinhar é? b) ( ) O que você pensa de alguém que compra alimentos ultraprocessados? c) ( ) O que você preparou para as duas últimas refeições? d) ( ) O que você comprou no mercado a semana passada? e) ( ) Como você cozinha o feijão? 5 Leia o texto a seguir: E. B. M., 37 anos, ensino fundamental completo, dependente financeiramente do marido, procurou a Clínica de Nutrição após ter sido encaminhada pelo médico da Unidade de Saúde por apresentar obesidade (IMC = 31 kg/m2) e dislipidemia. Após anamnese clínica e alimentar, foi realizada a avaliação antropométrica e a paciente foi orientada a realizar uma dieta de 1.800 kcal (respeitando hábitos alimentares e condição socioeconômica da paciente), com fracionamento das refeições, redução de gorduras e aumento de fibras solúveis e insolúveis. Recomendou-se a prática de atividade física (caminhada leve) e aumento do consumo hídrico e o retorno foi agendado para depois de 30 dias. Passados 60 dias, a paciente retorna dizendo que não seguiu as orientações, pois não tinha dinheiro para realizar as modificações alimentares e que o marido não consumia os mesmos alimentos que ela, o que dificultava o tratamento. Também não praticou a atividade física. A avaliação antropométrica apontou aumento de 3 kg em 2 meses. A paciente referiu que diminuiu o consumo de frituras e solicitou que os exames fossem feitos novamente. A anamnese alimentar: • Café da manhã: 2 pães, margarina, 1 xícara de leite integral, café. • Almoço: 2 colheres de servir de arroz, feijão sem carne 1 concha, peixe frito 2 pedaços, suco industrializado 2 copos. • Lanche da tarde: idem ao café da manhã. • Jantar: idem ao café da manhã. Considerando o caso relatado e o modelo transteórico, em qual estágio da vida encontra- se a paciente? Cite pelo menos três situações do texto que justifiquem sua resposta. 23 6 De acordo com o historiador gaúcho Carlos Antunes dos Santos, “Alimentar-se é um ato nutricional, mas comer é um ato social”. Considerando os conceitos relacionados ao ato de comer: a) Discorra sobre três conceitos relacionados ao ato comer que são capazes de justificar essa frase. b) Dê um exemplo da vida cotidiana que representa a frase dita pelo historiador. 24 25 DIMENSÕES DO COMPORTAMENTO E DAS PRÁTICAS ALIMENTARES 1 INTRODUÇÃO Como visto no tópico anteriormente, os conceitos relacionados ao ato de comer, bem como o seu diagnóstico, envolvem inúmeros fatores. Por isso, existem vários descritores do comportamento alimentar, categorizados em dimensões para ajudar a entendermos melhor as práticas alimentares. Neste tópico, serão abordados os diversos fatores que envolvem o comportamento alimentar e a forma complexa com que se inter-relacionam. Veremos também a influência da família, da escola, da mídia e da imagem corporal naformação dos hábitos alimentares na infância e o seu reflexo na atitude alimentar dos indivíduos. Observaremos exemplos de atitudes positivas e negativas, para entender a relação delas com as atitudes do comportamento alimentar e perceber o quanto esse conhecimento pode ajudar na prática profissional. Por fim, serão destacados os determinantes das escolhas alimentares relacionadas ao alimento, ao ambiente e ao comedor, bem como os principais modelos que ajudam a compreendê-las dentro das suas complexidades. O conhecimento abordado neste tópico será essencial para a construção de instrumentos para avaliação do comportamento e práticas alimentares. 2 DESCRITORES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR Os descritores do comportamento alimentar permitem, quer seja pela observação, pela objetivação indireta ou pela reconstrução, a percepção das diferentes dimensões das práticas alimentares (Quadro 5). Nesse momento, precisamos resgatar dois conceitos importantes: considera-se refeição (café da manhã, almoço e jantar) as tomadas alimentares fortemente constituídas e sobre as quais o indivíduo apresenta mais clareza e consciência do seu consumo; já as tomadas alimentares fora das refeições são representadas por lanches e aperitivos, que, muitas vezes, se reagrupam sob o termo “lambiscar” ou “beliscar”, não são fortemente constituídas, mas também representam o consumo alimentar (POULAIN; PROENÇA, 2003). UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 26 Dimensões Temporal Momento do dia • Período: manhã • Período: meio-dia • Período: noite Duração • Número de minutos Estrutural Fora das refeições • Número de tomadas • Tipos de alimentos Nas refeições • Número de tomadas • Estruturas: prato principal, salada, arroz, feijão etc. Espacial Em local público • Restaurante coletivo • Restaurante comercial • Local de trabalho • Local de estudo Em uma casa • Pessoal • De um parente • De um amigo Lógica de escolha Pessoal • Oferta fechada • Oferta aberta Delegada • A alguém próximo • A um profissional de cozinha • A um profissional de saúde Meio ambiente social Ausente Sozinho Natureza • Amigos • Colegas de trabalho • Parentes Número • Dupla • Grupo • Grande grupo Posição corporal Em pé • Móvel • Imóvel Sentado • Agachado • Em uma cadeira • No chão, de pernas cruzadas Deitado • Com mobilidade • Sem mobilidade Maneiras à mesa Modo de pegar o alimento • Dedos • Talheres • Outro alimento (pão, folha de alface etc.) Forma de divisão • Alimento inteiro • Em pequenos pedaços moídos Papel de gênero e de idade • Homem, mulher • Criança, adolescente, adulto, idoso QUADRO 5 – DESCRITORES DO COMPORTAMENTO ALIMENTAR FONTE: Adaptado de Poulain; Proença (2003) 27 É importante ressaltar que o conhecimento e os usos desses descritores permitem, segundo Poulain e Proença (2003), estudar a alimentação no interior de uma mesma cultura, mas, também, de uma perspectiva mais comparativa, possibilitando ao pesquisador destacar as diferenças alimentares de uma cultura para outra. 3 ATITUDES ALIMENTARES A atitude alimentar é a melhor expressão para entendermos a relação do indivíduo com os alimentos e sua dieta. De forma geral, essa ideia passa por três componentes (ALVARENGA et al., 2019). • Afetivo: refere-se a sentimentos, humor e emoções (favoráveis ou desfavoráveis) causados por um objeto específico. • Cognitivo: refere-se a crenças e conhecimentos sobre o objeto (influenciado por fatores diversos). • Volitivo: diz respeito à vontade, referindo-se à intenção comportamental em relação ao objeto, ou seja, a predisposição para agir (comportamento de forma coerente). Resgatando o conceito proposto por Alvarenga, Scagliusi e Philippi (2012), que considera que atitude alimentar são crenças, pensamentos, sentimentos, comportamentos e relacionamentos com os alimentos, fica claro que o comportamento alimentar está inserido nas atitudes, as quais são influenciadas por fatores internos e ambientais, como a mídia, a família e a sociedade (Figura 3). NOTA Será que é possível identificarmos a razão pela qual comemos? O que pensamos e até mesmo o que sentimos durante o ato de comer? 28 FIGURA 3 – ATITUDES ALIMENTARES E SEUS COMPONENTES COGNITIVO, AFETIVO E COMPORTAMENTAL FONTE: Alvarenga et al. (2019) 3.1 FATORES AMBIENTAIS Os fatores ambientais têm clara influência na formação dos hábitos alimentares, com destaque são formados na infância e, quando há condições favoráveis, promovem mudanças que repercutem em escolhas saudáveis na vida adulta. Quando a criança nasce, existe todo um contexto familiar consolidado que reflete diretamente nas preferências e nos hábitos alimentares futuros (SCAGLIONI et al., 2018). Assim, os hábitos alimentares da família e os primeiros aprendizados alimentares influirão, a longo prazo, no comportamento alimentar (SCAGLIONI et al., 2018; SILVEIRA; HENN; GONÇALVES, 2019). Para Diez-Garcia e Cervato-Mancuso (2012), os principais fatores envolvidos são a família, a escola, a mídia e a imagem corporal. A seguir, exploraremos cada um desses fatores ambientais. 3.1.1 Família Para as crianças, o ato de comer é um evento social, uma vez que elas dependem da ajuda de pais, irmãos ou parentes para preparar os alimentos. Dessa forma, a atitude alimentar dos membros da família é um importante preditor de preferências e aversões alimentares das crianças (DIEZ-GARCIA; CERVATO-MANCUSO, 2012). Para Lucas (2002), as companhias que frequentemente fazem parte de refeições e lanches tendem a 29 servir como modelo, bem como seu comportamento e suas reações aos alimentos. Por isso, sempre deve-se levar em conta o papel da família nesse processo, já que ela é responsável pelo desenvolvimento, pela educação, pela afetividade, pelo bem-estar, pela proteção e segurança da criança. A família tem um papel vital na formação de cada sujeito, e é um elo fundamental entre a criança e a sociedade (MORAES; DIAS, 2012) Um estudo realizado por Souza e Cadete (2017) mostra como é importante que os pais ou responsáveis realizem pelo menos uma refeição com a criança e que deem bons exemplos, consumindo e oferecendo frutas, verduras e legumes conforme a cultura e os hábitos do local em que vivem. 3.1.2 Escola Atualmente, devido à mudança no estilo de vida, a maioria das crianças passa seus dias em creches e escolas, e, dependendo do tempo que elas permanecem no estabelecimento de ensino, chegam a fazer cerca de quatro refeições diárias no local. O Brasil mantém políticas, como o Programa de Nacional de Alimentação Escolar (PNAE; BRASIL, 2013a), que abrangem a escola pública, garantindo a alimentação escolar de acordo com determinados critérios nutricionais, no que diz respeito à variedade e à qualidade da alimentação. Nesse contexto, a escola também participa da formação do comportamento alimentar infantil, na medida em que a criança também molda seu comportamento espelhando-se em amigos e professores (LUCAS, 2002; VITOLO, 2003). Outro aspecto importante a ser considerado é que, na escola, o alimento deve ser visto na sua função pedagógica e ser utilizado para promover estratégias e ações que se transformem as práticas alimentares saudáveis, conforme previsto pelo PNAE (BRASIL, 2013a). O objetivo é que o ambiente escolar propicie às crianças boas escolhas alimentares, que se transformem em hábitos saudáveis e perdurem por toda a vida (SOUZA; CADETE, 2017; BRASIL, 2012; 2013a; GABRIEL et al., 2011). 3.1.3 Mídia Sabe-se que um dos principais fatores que tem induzido famílias e, em especial, as crianças e os adolescentes a realizarem mudanças no comportamento alimentar são a mídia, as propagandas e o número de horas que as famílias passam em frente à televisão (MORAES; DIAS, 2012; MOMM; HOFELMANN, 2014). Ao longo do tempo, toda a exposição da criança aos meios de comunicação acaba influenciando no consumo de alimentos, que nem sempre são saudáveis – além disso, o tempo excessivo de exposição contribui para o sedentarismoe para a alteração do estado nutricional. Para Diez-Garcia e Cervato- Mancuso (2012), outro aspecto importante que envolve os meios de comunicação e o 30 3.1.4 Imagem corporal A imagem corporal é formada a partir da infância e, aos 2 anos, a maioria das crianças já possui uma autopercepção e pode reconhecer a imagem do seu corpo refletida no espelho. O padrão de beleza ideal é transmitido aos indivíduos de várias formas, mas, principalmente, por família, amigos e mídia (DIEZ-GARCIA; CERVATO- MANCUSO, 2012). É importante lembrar que, ao longo da vida, a imagem corporal está em permanente (des)construção, mas é durante a infância que preocupações com o peso, crenças relacionadas ao corpo e comportamentos direcionados à melhora da aparência física podem ter início, por isso a preocupação de uma imagem corporal negativa durante a infância pode ser fator de risco para o desenvolvimento de psicopatologias em idades tardias (NEVES et al., 2017; GLEESON; FRITH, 2006; FORTES et al., 2014; SMOLAK, 2011) Nesse caso, cabe destacar que o acesso e o conhecimento sobre os fatores citados anteriormente podem auxiliar o profissional a identificar atitudes alimentares anormais, levando ao reconhecimento de comportamentos disfuncionais e, até mesmo, ao diagnóstico de transtornos alimentares como anorexia nervosa, bulimia nervosa e compulsão alimentar (MUSAIGER et al., 2016). 3.2 ATITUDES ALIMENTARES Outra questão a ser considerada e identificada no modelo de competências alimentares e do ato de comer é o fato de as atitudes alimentares referirem-se a significados positivos e negativos, conforme mostra o Quadro 6. comportamento alimentar é a propagação de um padrão de beleza irreal, muitas vezes inatingível. Por meio da mídia, são estabelecidos ideais de forma física que passam a ser almejados e cultuados, por isso a não correspondência a esses padrões pode influenciar na percepção da imagem corporal – no Tópico 3, será abordado o papel da publicidade no consumo alimentar. 31 Atitudes alimentares negativas Atitudes alimentares positivas Comer não é importante Comer é uma prioridade, algo essencial sem o qual não é possível se manter vivo Dedicar tempo apenas para comer é uma perda de tempo O momento de refeição é um tempo precioso para quebrar a rotina diária e satisfazer necessidades básicas, como fome e desejo por prazer Comer fazendo outra coisa é aproveitar o tempo Quando se come fazendo outra coisa, não se aproveita nenhuma das duas atividades. A hora de comer é a hora de comer, e apenas isso Pular refeições é bom Quando se pulam refeições, há efeitos e sensações negativas no corpo: sentir muita fome, fazer refeições não planejadas, sentir fraqueza e dores de cabeça. Fazer todas as refeições é prioridade Não comer algo é um sinal de superioridade Não comer algo não traz um significado em si. Quando se decide não comer, deve ser em respeito aos sinais internos de fome e apetite. Em outras palavras, é possível não estar com fome ou não gostar da comida em questão. Isso é normal Ser indiferente com relação à comida A comida é muito importante, não apenas para saciar a fome e o apetite, mas também o ato de comer é um jeito de compartilhar com amigos momentos especiais, como um aniversario, por exemplo, ou também de se lembrar de momentos únicos da vida e de pessoas importantes, entre outros Ser extremamente “chato” (seletivo para comer) Gostar de algumas comidas mais que de outras é normal. Em algumas situações, é necessário flexibilizar – por falta de opção, comer algo que talvez não goste tanto e presentear-se com a oportunidade de experimentar esse alimento de novo e, eventualmente, descobrir que ele tem um sabor melhor do que recordava QUADRO 6 – EXEMPLOS DE ATITUDES POSITIVAS E NEGATIVAS RELACIONADAS À ALIMENTAÇÃO FONTE: Adaptado de Alvarenga et al. (2019) Entretanto, a identificação dessas atitudes nem sempre é tão explícita e pode ser o início de um longo processo, pois mudanças relacionadas à comida não são fáceis, já que, como relatado anteriormente, as atitudes foram formadas e praticadas durante toda a vida da pessoa. Segundo Alvarenga et al. (2019), o primeiro passo para compreender as atitudes é “prestar atenção” nos motivos de se agir ou se sentir de determinada forma em relação à comida. Dificilmente isso acontecerá sem nenhuma facilitação, pois são atitudes cotidianas, cabendo ao nutricionista auxiliar e fornecer ferramentas de ação, como a escuta ativa e de qualidade e o uso do diário alimentar 32 4 DETERMINANTES DAS ESCOLHAS ALIMENTARES A palavra escolha é definida como um processo mental de pensamento que envolve julgamentos de méritos de várias opções e a seleção de uma delas para ação (HOUAISS; VILLAR, 2009). Para Alvarenga et al. (2019), as escolhas alimentares são um tipo de comportamento e significam a opção por determinado alimento em detrimento de outro. Os autores afirmam ainda que, ao longo da história da humanidade, o objetivo primário da busca por comida estava relacionado com a sobrevivência, a manutenção da homeostase energética e a luta contra a inanição. A partir de quando o homem se distingue do animal em sua alimentação? Pelo tipo de alimento que consome ou por sua variedade? Pelo modo como os prepara antes de comê-los? Pelo cerimonial que envolve seu consumo, a comensalidade e a função social que caracterizam as refeições? (FLANDRIN; MONTANARI, 1996, p. 26). Como é possível perceber com a evolução do homem, atualmente, o consumo alimentar é direcionado, em sua maioria, pelo prazer, a chamada fome hedônica, e não mais pela sobrevivência. Por isso, um alimento não será comprado e consumido se não tiver odor, aparência e textura agradável, independentemente da situação financeira do indivíduo (ALVARENGA et al., 2019). Assim, observa-se que, nos tempos atuais, as escolhas, as quantidades e a frequência com que se come são dependentes de numerosas variáveis, que vão muito além das necessidades fisiológicas e sugerem a influência direta das dimensões socioculturais e ambientais, das dimensões psicológicas e de toda a carga simbólica associada (PAIS; FERREIRA, 2016). O Quadro 7 retrata os determinantes de escolha alimentar, considerando todas essas dimensões. Categoria Fatores Relacionados ao alimento Sabor, aparência, valor nutricional, qualidade e higiene, cheiro, textura, variedade, preço, origem, familiaridade Relacionados ao ambiente Fatores físicos Odor, iluminação, conforto, limpeza, localização, opções disponíveis, presença de pessoas conhecidas e distrações do ambiente Fatores socioculturais Família, pares, mídia e cultura local Relacionados ao comedor Biológicos Fisiológicos, patológicos, genéticos, preferências alimentares, idade, sexo e estado nutricional Socioeconômicos Renda familiar, escolaridade e preço Antropológicos e psicológicos Crenças, emoções, expectativas e experiências positivas ou negativas QUADRO 7 – DETERMINANTES DA ESCOLHA ALIMENTAR RELACIONADOS AO ALIMENTO, AO INDIVÍDUO E AO AMBIENTE FONTE: Alvarenga et al. (2019, p. 40) 33 FIGURA 4 – MODELO DE PREFERÊNCIAS ALIMENTARES PROPOSTO POR GAINS (1999) FONTE: Alvarenga et al. (2019, p. 118) Além dos três elementos apresentados na primeira coluna do Quadro 8, não se pode esquecer do significado simbólico do ato comer, que permite criar identidade de classe, amor, carinho, reconhecimento, pertencimento, gênero, etnia e socialização – esta representada, especialmente, nas celebrações sociais, fazendo parte da interação e da comunhão entre os comensais (TRONCOSO PANTOJA et al., 2018). A maioria das pessoas chega a fazer cerca de duzentas escolhas alimentares por dia; por isso, entender como esse processo se dá é fundamental para que o nutricionista atue no aconselhamento dietético (ALVARENGA et al., 2019). Para tanto, vários são os modelos propostos. 4.1 MODELOS DE DETERMINANTES ALIMENTARES O modelo elaborado por Gains (1999) afirma entender que
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