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Márcio Alberto Gomes Silva LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS comentadas 21 leis mais cobradas em concursos públicos PARA CARREIRAS POLICIAIS Abuso de Autoridade Atribuição Investigativa da Polícia Federal Crimes Ambientais Desarmamento Drogas Execução Penal Hediondos Identifi cação Criminal Idoso Interceptação telefônica Investigação Conduzida por Delegado de Polícia Juizados Especiais Criminais Lavagem de Dinheiro Lei Maria da Penha Ordem Tributária, Econômica e contra as Relações de Consumo Organizações Criminosas Prisão Temporária Racismo Sistema Financeiro Nacional Tortura Trânsito 2022 1 LEI 7.210/84 – EXECUÇÃO PENAL 11 1 Lei 7.210/84 – Execução Penal Pressuposto da execução penal: a execução penal tem o objetivo de materializar o comando constante em sentença penal condenatória ou ab- solutória imprópria: i) aplicação de pena (privativa de liberdade ou não); ou ii) imposição de medida de segurança (tratamento ambulatorial ou inter- nação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico). Destarte, o pres- suposto da execução penal é a aplicação de pena ou medida de segurança. Sistema vicariante: o Brasil adotou o sistema vicariante, que não permite a aplicação simultânea das duas sanções penais para o mesmo caso e pessoa (ou se aplica pena ou medida de segurança). Objetivo da execução penal: o objetivo da execução penal é punir e humanizar (teoria mista, que afirma que a pena tem o objetivo de retri- buir, prevenir o crime e ressocializar). Natureza da execução penal: a execução penal tem natureza juris- dicional, em que pese a atividade administrativa nela desenvolvida. Expressões importantes: algumas expressões importantes: Expressão Comentário Exequente É o Estado (o juiz procede, de ofício, à expedição de guia para cumprimento da pena ou da medida de segurança imposta em sentença – vide artigos 105, 147 e 171 da LEP). Executado É o condenado (lembre que nenhuma pena passará da pessoa do condenado, nos termos do inciso XLV do artigo 5º da CF). LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva12 Expressão Comentário Execução provisória (em benefício do réu) É possível em relação ao preso cautelar (prisão preventiva), quando o processo já transitou em julgado para a acusação (em face da proibição da reformatio in pejus). Execução provisória: sobre a execução provisória de pena (em be- nefício do condenado), vide Súmulas 716 e 717 do STF: Súmula 716/STF – Admite-se a progressão de regime de cumpri- mento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença con- denatória. Súmula 717/STF – Não impede a progressão de regime de exe- cução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial. Execução provisória da pena em face de decisão condenatória proferida por tribunal de segundo grau: em 2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade de execução provisória da sentença condenatória depois de decisão de tribunal de 2º grau. Eis a ementa do HC 126292/SP, relatado pelo Ministro Teori Zavascki: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIO- NAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SE- GUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSI- BILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condena- tório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitu- cional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado (STF, HC 126292/SP, Tribunal Pleno, relator Ministro Teori Zavascki, julga- do em 17/02/2016). O relator assentou em seu voto: A execução da pena na pendência de recursos de natureza extra- ordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não-culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, obser- vados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como res- peitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabili- zação criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias. 1 LEI 7.210/84 – EXECUÇÃO PENAL 13 Contudo, julgando as ADC 43, 44 e 54, o Supremo Tribunal Federal, em nova viragem jurisprudencial, decidiu não ser possível execução pro- visória de condenação em face de decisão condenatória de segundo grau (o artigo 283 do CPP foi declarado constitucional, para afastar a prisão decorrente de decisão condenatória recorrível de segunda instância – o dispositivo não admitia e nem admite, na sua atual redação determinada pelo Pacote Anticrime, essa possibilidade de privação de liberdade): PENA – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍ- PIO DA NÃO CULPABILIDADE. Surge constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, a condicionar o início do cumpri- mento da pena ao trânsito em julgado da sentença penal con- denatória, considerado o alcance da garantia versada no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, no que direciona a apurar para, selada a culpa em virtude de título precluso na via da recor- ribilidade, prender, em execução da sanção, a qual não admite forma provisória (ADC 43, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 07/11/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-270 DIVULG 11-11-2020 PUBLIC 12-11-2020). Execução provisória de comando condenatória no Pacote Anti- crime: o Pacote Anticrime findou autorizando a execução provisória de decisão condenatória oriunda do tribunal do júri (decisão condenatória de primeiro grau que impõe pena igual ou superior a 15 anos de reclusão), em alteração operada no artigo 492 do CPP (que seguiu precedentes do STF acerca do tema): Art. 492. (...) I – (...) e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos; (...) § 3º O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste artigo, se houver questão substancial cuja reso- lução pelo tribunal ao qual competir o julgamento possa plausi- velmente levar à revisão da condenação. § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tri- bunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva14 § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensi- vo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: I – não tem propósito meramente protelatório; e II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvi- ção, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separa- do dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sen- tença condenatória, das razões da apelação e de prova da tem- pestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia. Eis precedente da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal sobre o tema (no sentido da alteração legislativa promovida pela Lei 13.964/19): Direito Constitucional e Penal. Habeas Corpus. Duplo Homicídio, ambos qualificados. Condenaçãopelo Tribunal do Júri. Soberania dos veredictos. Início do cumprimento da pena. Possibilidade. 1. A Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, in- ciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. 2. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independente- mente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. Essa decisão está em consonância com a lógica do precedente firmado em repercussão geral no ARE 964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, já que, também no caso de decisão do Júri, o Tribunal não poderá reapreciar os fatos e provas, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri. 3. Caso haja fortes indícios de nulidade ou de conde- nação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses in- comuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso. 4. Habeas corpus não conhecido, ante a inadequação da via eleita. Não concessão da ordem de ofício. Tese de julgamento: “A prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de inocência ou não-culpabilidade.” (HC 118770, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-082 DIVULG 20-04-2017 PUBLIC 24- 04-2017). 1 LEI 7.210/84 – EXECUÇÃO PENAL 15 Saliento que há precedente do Superior Tribunal de Justiça negando a aplicação do comando legal que admite a execução provisória da sentença recorrível oriunda do tribunal do júri: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PENA IGUAL OU SUPERIOR A 15 ANOS DE RECLUSÃO. ART. 492, I, “E”, DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NÃO ALTERADO. JULGAMENTO DO RE N. 1.235.340 NÃO CONCLUÍDO. ORDEM CONCEDIDA. 1. O Supremo Tribunal Federal decidiu, nas ADCs n. 43, 44 e 54, pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. Assim, ressalvadas as hipóteses em que estão presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva ou temporária, é constitucional a regra que prevê o esgo- tamento de todas as possibilidades de recurso para que então seja iniciado o cumprimento definitivo da pena. 2. Não se desconhece que a possibilidade de execução provisória nas condenações pro- feridas pelo Tribunal do Júri, com pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, está sendo apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 1.235.340 – Tema n. 1.068, contudo, o julgamento ainda não foi concluído. 3. Dessa forma, mantém-se o entendimento, nesta Corte Superior, pela impossibilidade de execu- ção provisória da pena, ainda que em condenação proferida pelo Tribunal do Júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de re- clusão. Precedentes. 4. Habeas corpus concedido (HC 649.103/ES, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 03/08/2021, DJe 12/08/2021). Proibição de execução provisória de pena restritiva de direitos: o Superior Tribunal de Justiça sumulou o entendimento de que não é possí- vel execução provisória de pena restritiva de direitos: Súmula 643/STJ – A execução de pena restritiva de direitos de- pende do trânsito em julgado da condenação. O entendimento é decorrente do artigo 147 da Lei de Execução Penal: Art. 147. Transitada em julgado a sentença que aplicou a pena restritiva de direitos, o Juiz da execução, de ofício ou a reque- rimento do Ministério Público, promoverá a execução, podendo, para tanto, requisitar, quando necessário, a colaboração de enti- dades públicas ou solicitá-la a particulares. Competência para execução da pena: quanto à competência para execução de pena de condenado pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva16 quando recolhido a estabelecimento penitenciário sujeito à administração estadual, vide Súmula 192/STJ – Compete ao Juízo das Execuções Pe- nais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justi- ça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual. Individualização da pena: a pena é individualizada em três mo- mentos: i) pelo legislador (em abstrato, atendendo ao critério de propor- cionalidade); ii) pelo juiz (sentenciando no caso concreto); iii) pelo juízo das execuções (na execução da pena). Nesse contexto, a classificação do condenado é importante para a cor- reta individualização da pena (na fase de execução), de forma a assegurar os princípios da personalidade e proporcionalidade da pena. A classificação do condenado demanda análise do artigo 6º da LEP: Art. 6º A classificação será feita por Comissão Técnica de Clas- sificação que elaborará o programa individualizador da pena privativa de liberdade adequada ao condenado ou preso pro- visório. A composição da Comissão Técnica é informada no artigo 7º da LEP: Art. 7º A Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento, será presidida pelo diretor e composta, no míni- mo, por 2 (dois) chefes de serviço, 1 (um) psiquiatra, 1 (um) psicó- logo e 1 (um) assistente social, quando se tratar de condenado à pena privativa de liberdade. Parágrafo único. Nos demais casos a Comissão atuará junto ao Juízo da Execução e será integrada por fiscais do serviço social. Exame criminológico: o exame criminológico é obrigatório para o condenado a regime fechado e facultativo ao condenado em regime semiaberto (devendo ser determinado neste caso por decisão fundamen- tada do juízo das execuções), nos termos do artigo 8º da LEP: Art. 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liber- dade, em regime fechado, será submetido a exame criminológi- co para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução. 1 LEI 7.210/84 – EXECUÇÃO PENAL 17 Parágrafo único. Ao exame de que trata este artigo poderá ser submetido o condenado ao cumprimento da pena privativa de li- berdade em regime semiaberto. Sobre a identificação do perfil genético: é importante a leitura do artigo 9º-A da LEP (que trata de identificação genética obrigatória de pre- sos condenados) – o presidente da República havia vetado alterações apro- vadas pelo Poder Legislativo no bojo do Pacote Anticrime, mas o Congres- so Nacional derrubou os vetos: Art. 9º-A. O condenado por crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será submetido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por téc- nica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabeleci- mento prisional. § 1º A ide ntificação do perfil genético será armazenada em ban- co de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as melhores práti- cas da genética forense. § 2º A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético. § 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa. § 4º O conden ado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil genético porocasião do ingresso no estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena. § 5º A amostr a biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil gené- tico, não estando autorizadas as práticas de fenotipagem genéti- ca ou de busca familiar. § 6º Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente descartada, de maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva18 § 7º A cole ta da amostra biológica e a elaboração do respectivo laudo serão realizadas por perito oficial. § 8º Constitu i falta grave a recusa do condenado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. O estudo do dispositivo revela que a lei determina a identificação do perfil genético como efeito automático decorrente de condenação pela prá- tica de crime doloso praticado com violência grave contra a pessoa, crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável. A constitucionalidade do dispositivo, contudo, é discutida, em face do direito a não autoincriminação (inciso LXIII do artigo 5º da CF e artigo 8º, inciso II, “g”, da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos). O artigo (em sua redação anterior ao Pacote Anticrime) teve sua cons- titucionalidade questionada no Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 973837, relator Ministro Gilmar Mendes, com repercussão geral re- conhecida pela Corte. O relator cita decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para demonstrar a relevância dos debates em torno do tema (penso que o dispositivo é constitucional, na medida em que se tra- ta, apenas e tão somente, de determinação legal de identificação criminal compulsória, desapegada de investigações/processos específicos em anda- mento em desfavor do condenado): Em Van der Velden contra Holanda, 29514/05, decisão de 7.12. 2006, o Tribunal considerou que o método de colheita do material por esfregação de cotonete na parte interna da bochecha é invasivo à privacidade. Também avaliou como uma intromissão relevante na privacidade a manutenção do material celular e do perfil de DNA. Quanto a esse aspecto, remarcou-se não se tratar de métodos neu- tros de identificação, na medida em que podem revelar caracterís- ticas pessoais do indivíduo. No entanto, a Corte avaliou que a ado- ção da medida em relação a condenados era uma intromissão pro- porcional, tendo em vista o objetivo de prevenir e investigar crimes. No caso S. e MARPER contra Reino Unido (decisão de 4.12.2008), o Tribunal afirmou que a manutenção, por prazo indeterminado, dos perfis genéticos de pessoas não condenadas, viola o direito à privacidade, previsto no art. 8º da Convenção Europeia de Direitos Humanos. Por outro lado, no caso Peruzzo e Martens contra Alemanha (30562/04 e 30566/04, decisão de 4 de dezembro de 2008), consi- derou-se manifestamente infundada a alegação de que a manu- tenção, em bancos de dados estatais, de perfis genéticos de con- denados por crimes graves violaria o direito à privacidade. 1 LEI 7.210/84 – EXECUÇÃO PENAL 19 Saliento que, a partir da entrada em vigor do Pacote Anticrime, passa a constituir falta grave a negativa do condenado em se submeter a coleta de DNA para alimentação do banco de dados de perfis genéticos (§ 8º do artigo 9º-A da LEP). Confira como era e como ficou o artigo 9º-A da LEP (depois da derru- bada dos vetos ao Pacote Anticrime pelo Congresso Nacional): Artigo 9º-A antes da derrubada dos vetos Artigo 9º-A depois da derrubada dos vetos Art. 9º-A. Os condenados por crime pra- ticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, me- diante extração de DNA – ácido deso- xirribonucleico, por técnica adequada e indolor. § 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as me- lhores práticas da genética forense. § 2º A autoridade policial, federal ou es- tadual, poderá requerer ao juiz compe- tente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identifica- ção de perfil genético. § 3º Deve ser viabilizado ao titular de da- dos genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéti- cos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa. § 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil gené- tico por ocasião do ingresso no estabele- cimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena. Art. 9º-A. O condenado por crime dolo- so praticado com violência grave contra a pessoa, bem como por crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável, será sub- metido, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA (ácido desoxirribonucleico), por téc- nica adequada e indolor, por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional. § 1º A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. § 1º-A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de dados genéticos, observando as me- lhores práticas da genética forense. § 2º A autoridade policial, federal ou es- tadual, poderá requerer ao juiz compe- tente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identifica- ção de perfil genético. § 3º Deve ser viabilizado ao titular de da- dos genéticos o acesso aos seus dados constantes nos bancos de perfis genéti- cos, bem como a todos os documentos da cadeia de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa. § 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido submetido à identificação do perfil gené- tico por ocasião do ingresso no estabele- cimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o cumprimento da pena. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva20 Artigo 9º-A antes da derrubada dos vetos Artigo 9º-A depois da derrubada dos vetos § 5º (VETADO) § 6º (VETADO) § 7º (VETADO) § 8º Constitui falta grave a recusa do con- denado em submeter-se ao procedimen- to de identificação do perfil genético. § 5º A amostra biológica coletada só poderá ser utilizada para o único e exclusivo fim de permitir a identificação pelo perfil genéti- co, não estando autorizadas as práticas de fenotipagem genética ou de busca familiar. § 6º Uma vez identificado o perfil genético, a amostra biológica recolhida nos termos do caput deste artigo deverá ser correta e imediatamente descartada, de maneira a impedir a sua utilização para qualquer outro fim. § 7º A coleta da amostra biológica e a ela- boração do respectivo laudo serão reali- zadas por perito oficial. § 8º Constitui falta grave a recusa do con- denado em submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético. Assistência: significa garantir a assistência fornecida pelo Estado ao preso (seja condenado ou provisório). A assistência se estende, ainda, ao egresso, nos termos do artigo 10 da LEP: Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. O objetivo da assistência é a prevenção do crime (evitar a reincidên- cia). Indubitavelmente a assistência contribuipara ressocialização do con- denado – sobre o tema, é relevante a leitura da Resolução 96 do CNJ. Nos termos do artigo 11 da LEP: Art. 11. A assistência será: I – material; II – à saúde; III -jurídica; IV – educacional; V – social; VI – religiosa. 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 685 21 Lei 13.869/19 – Abuso de Autoridade Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, come- tidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído. § 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. § 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade. Especial fim de agir: o § 1º do artigo 1º da Lei 13.869/19 reclama dolo específico para prática dos crimes tipificados no mandamento legal (finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal). Destarte, a peça ovo acusatória deve descrever claramente essa intenção ao imputar crime tipificado na Lei de Abuso de Autoridade (os crimes listados no mandamento legal são de tendência interna transcendente de resultado cortado). O § 2º do artigo 1º do mandamento estudado, indica que a divergência na interpretação da lei ou na avaliação dos fatos e provas não configura crime de abuso de autoridade (o fato será atípico nesse caso, porquanto LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva686 ausente o dolo desenhado no § 1º do mesmo artigo). Não se pune o cha- mado crime de hermenêutica. Sugestiono, destarte, com o fito de afastar qualquer ilação acerca da fi- nalidade para prática do ato, que a autoridade o fundamente efetivamente. Enunciados do CNPG e do GNCCRIM: eis os enunciados do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) sobre o tema: Enunciado 1 – Os tipos incriminadores da Lei de Abuso de Autori- dade exigem elemento subjetivo diverso do mero dolo, restringin- do o alcance da norma. Enunciado 2 – A divergência na interpretação de lei ou na avalia- ção de fatos e provas, salvo quando teratológica, não configura abuso de autoridade, ficando excluído o dolo. Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreenden- do, mas não se limitando a: I – servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; II – membros do Poder Legislativo; III – membros do Poder Executivo; IV – membros do Poder Judiciário; V – membros do Ministério Público; VI – membros dos tribunais ou conselhos de contas. Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, car- go, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo. Sujeito ativo: o artigo 2º da Lei 13.869/19 identifica o sujeito ativo da prática do crime de abuso de autoridade (trata-se de interpretação au- têntica). 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 687 Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada. § 1º Será admitida ação privada se a ação penal pública não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, inter- por recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelan- te, retomar a ação como parte principal. § 2º A ação privada subsidiária será exercida no prazo de 6 (seis) meses, contado da data em que se esgotar o prazo para ofereci- mento da denúncia. Ação penal: o artigo 3º havia sido vetado, mas o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional. O artigo é dispensável. Não é preciso afirmar textualmente que um crime é de ação penal pública incondicionada e que, se esta não for in- tentada no prazo legal pelo Ministério Público (é preciso que se verifique inércia total), abre-se a possibilidade de propositura de ação penal privada subsidiária da pública (decaindo a vítima do direito de oferecer queixa substitutiva no prazo de 6 meses), vez que quando a lei silencia acerca da natureza da ação penal é porque essa é pública incondicionada. Enunciados do CNPG e do GNCCRIM: eis os enunciados do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) sobre o tema: Enunciado 3 – Os crimes da Lei de Abuso de Autoridade são per- seguidos mediante ação penal pública incondicionada. A queixa subsidiária pressupõe comprovada inércia do Ministério Público, caracterizada pela inexistência de qualquer manifestação minis- terial. Art. 4º São efeitos da condenação: I – tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo cri- me, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos; II – a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva688 III – a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Parágrafo único. Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença. Efeitos da condenação: o artigo 4º da Lei 13.869/19 trata dos efeitos da condenação. Em primeiro lugar, saliento que a fixação, pelo juiz, do valor mínimo para reparação dos danos sofridos pelo ofendido demanda requerimento deste (que não ostenta rigor formal) – inciso I. O mesmo dispositivo reza que a condenação torna certo o dever de indenizar (natureza jurídica de efeito secundário extrapenal genérico da condenação – tal qual inciso I do artigo 91 do Código Penal). Doutra banda, importante ressaltar que os efeitos previstos nos inci- sos II e III do artigo 4º da Lei 13.869/19 não são automáticos (devem ser declarados motivadamente em sentença) e só são aplicáveis ao reincidente específico na prática de crime de abuso de autoridade (não é necessário, por óbvio, que o autor repita prática do mesmo tipo, bastando que cometa qualquer crime de abuso de autoridade depois de ter sido condenado com sentença transitada em julgado por crime de abuso de autoridade ante- rior). Enunciado do CNPG e do GNCCRIM: eis enunciado do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) sobre o tema: Enunciado 4 – O requerimento do ofendido para a reparação dos danos causados pela infração penal dispensa qualquer rigor for- mal. Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são: I – prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas; II – suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimen- tos e das vantagens; 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 689 III – (VETADO). Parágrafo único. As penas restritivas de direitos podem ser aplica- das autônoma ou cumulativamente. Penas restritivas de direito:o artigo 5º da Lei 13.869/19 descreve as penas restritivas de direito aplicáveis em substituição às privativas de liberdade, quando há prática de crime de abuso de autoridade. Saliento a gravidade da pena restritiva de direitos descrita no inciso II do artigo 5º da Lei 13.869/19. A suspensão do exercício do cargo, da fun- ção ou do mandato pelo prazo de 1 a 6 meses com perda dos vencimentos e das vantagens é reprimenda muito severa (e que me parece despropor- cional). A redação do dispositivo parece inibir a aplicação das penas restriti- vas de direito listadas no Código Penal (os requisitos para a substituição, conduto, em face do silêncio da lei, devem ser extraídos do 44 do Caderno Repressivo Pátrio1). 1. Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quan- do: I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. § 1º (VETADO) § 2º Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos. § 3º Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de con- denação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4º A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumpri- mento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5º Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução pe- nal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva690 Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independen- temente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis. Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que des- creverem falta funcional serão informadas à autoridade compe- tente com vistas à apuração. Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são indepen- dentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a exis- tência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal. Art . 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no admi- nistrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Sanções de natureza civil e administrativa: os artigos 6º, 7º e 8º da Lei 13.869/19 tratam das sanções de natureza cível e administrativa (os dispositivos reafirmam a independência das instâncias penal, cível e admi- nistrativa – se o caso foi decidido no juízo criminal, contudo, não se pode mais questionar sobre existência ou autoria do fato, tampouco se restar decidido no processo penal que o fato foi praticado sob o manto de exclu- dente de antijuridicidade). Art. 9º Decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. Parágrafo único. Incorre na mesma pena a autoridade judiciária que, dentro de prazo razoável, deixar de: I – relaxar a prisão manifestamente ilegal; II – substituir a prisão preventiva por medida cautelar diversa ou de conceder liberdade provisória, quando manifestamente cabí- vel; III – deferir liminar ou ordem de habeas corpus, quando manifes- tamente cabível. Veto derrubado: o artigo 9º havia sido vetado, mas o veto foi derru- bado pelo Congresso Nacional. 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 691 Crime próprio de membros do Poder Judiciário: o crime acima transcrito só pode ser praticado por membro do Poder Judiciário (juiz, desembargador ou ministro). Em tese, o delito resta perpetrado, por exemplo, quando o juiz decreta a prisão temporária em face da prática de crime que não está listado no inciso III do artigo 1º da Lei 7.960/89, que não é hediondo ou que não é equiparado a hediondo (com a presença do especial fim de agir reclamado no § 1º do artigo 1º da Lei 13.869/19). Em sentido contrário (entendendo que o sujeito ativo do crime aqui estudado pode ser promotor de justiça ou delegado de polícia, por exem- plo), Renato Brasileiro2. Explicarei abaixo, com mais vagar, meu pensar. Consumação: como se trata de crime formal, a consumação ocorre com a decretação da prisão preventiva ou temporária (não é necessário o cumprimento efetivo da ordem). Benefícios: o delito admite suspensão condicional do processo (ar- tigo 89 da Lei 9.099/95), acordo de não persecução penal (artigo 28-A do CPP) e fiança arbitrada pela autoridade policial (artigo 322 do CPP). Delegado de polícia como autor do delito (impossibilidade): não é possível, a priori, imputar o delito descrito no caput do artigo 9º da Lei de Abuso de Autoridade ao delegado de polícia, porque o dispositivo que puniria criminalmente a lavratura de auto de prisão em flagrante delito em desconformidade com as hipóteses legais (artigo 11 da Lei 13.869/19) foi vetado e o veto não foi derrubado pelo Congresso Nacional. Eis o dispo- sitivo vetado: Art. 11. Executar a captura, prisão ou busca e apreensão de pes- soa que não esteja em situação de flagrante delito ou sem ordem escrita de autoridade judiciária, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei, ou de con- denado ou internado fugitivo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. É possível, contudo, pensar na imputação do delito aqui estudado (ar- tigo 9º da Lei 13.869/19) ao delegado de polícia, quando este é partícipe do 2. LIMA, Renato Brasileiro de. Nova Lei de Abuso de Autoridade, Juspodivm, 2020, p. 81. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva692 magistrado que decreta cárcere em manifesta desconformidade com as hi- póteses legais (pode-se imaginar, de igual sorte, participação do membro do Ministério Público no crime praticado pelo magistrado). Exemplifico: SITUAÇÃO HIPOTÉTICA: PEDRO, delegado de polícia, em conluio com JOSÉ, promotor de justiça, e MARCOS, juiz, representa prisão preventiva em manifesta desconformidade com as hipóteses le- gais, com o fito de prejudicar JONAS. JOSÉ opina favoravelmente à decretação do cárcere, mesmo sabendo do atropelo às normas de regência e MARCOS determina o encarceramento indevido. SOLUÇÃO: MARCOS praticou o crime tipificado no artigo 9º da Lei 13.869/19. JOSÉ e PEDRO são partícipes do delito perpetrado pelo juiz. Figura equiparada: há figura equiparada no parágrafo único. O le- gislador optou por termos muito abertos no tipo: “dentro de prazo razoá- vel”, “manifestamente ilegal” e “manifestamente cabível”. Definitivamente andou mal o Congresso Nacional ao incluir expressões tão vagas em man- damento incriminador. Enunciado do CNPG e do GNCCRIM: eis enunciado do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) sobre o artigo: Enunciado 5 – O sujeito ativo do art. 9º., “caput”, da Lei de Abuso de Autoridade, diferentemente do parágrafo único, não alcança somente autoridade judiciária.O verbo nuclear “decretar” tem o sentido de determinar, decidir e ordenar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses le- gais. Nota-se que o CNPG e o GNCCRIM optaram por não limitar o alcan- ce do artigo 9º da Lei 13.869/19 apenas a autoridades judiciárias (como fiz acima). Art. 10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou inves- tigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo: Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa. 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 693 Conduta proibida: a conduta proibida é decretar a condução coer- citiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo. O tipo é confuso e a primeira leitura leva a crer que há duas possibili- dades de prática do delito: i) decretação de condução coercitiva manifes- tamente descabida de testemunha ou investigado no curso do inquérito policial; ii) decretação de condução coercitiva de testemunha pelo juízo, no curso do processo, sem prévia intimação (concluo que o juiz não co- mete o delito estudado quando determina condução coercitiva do acusa- do, porquanto o tipo não faz menção à palavra “réu”, apenas à expressão “investigado”). Consumação: o crime é formal e se consuma com a decretação da condução coercitiva fora dos parâmetros legalmente estabelecidos (ainda que a testemunha ou investigado não seja efetivamente conduzido). Benefícios: o delito admite suspensão condicional do processo (ar- tigo 89 da Lei 9.099/95), acordo de não persecução penal (artigo 28-A do CPP) e fiança arbitrada pela autoridade policial (artigo 322 do CPP). Condução coercitiva permitida: é possível decretação de condução coercitiva do investigado/réu (artigo 260 do Código de Processo Penal3), de testemunha (artigo 218 do Código de Processo Penal4), de perito5 e mesmo da vítima (§ 1º do artigo 201 do Código de Processo Penal6). 3. Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua pre- sença. Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que lhe for aplicável. 4. Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública. 5. Art. 278. No caso de não-comparecimento do perito, sem justa causa, a autoridade poderá determi- nar a sua condução. 6. Art. 201. (...) § 1º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser con- duzido à presença da autoridade. LEIS PENAIS E PROCESSUAIS PENAIS COMENTADAS Márcio Alberto Gomes Silva694 Saliento que a condução coercitiva do investigado ainda é possível mesmo depois do julgamento das ADPF 395 e 444 pelo Supremo Tribunal Federal: 1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Consti- tucional. Processo Penal. Direito à não autoincriminação. Direito ao tempo necessário à preparação da defesa. Direito à liberdade de locomoção. Direito à presunção de não culpabilidade. 2. Agra- vo Regimental contra decisão liminar. Apresentação da decisão, de imediato, para referendo pelo Tribunal. Cognição completa da causa com a inclusão em pauta. Agravo prejudicado. 3. Cabimen- to da ADPF. Objeto: ato normativo pré-constitucional e conjunto de decisões judiciais. Princípio da subsidiariedade (art. 4º, §1º, da Lei nº 9.882/99): ausência de instrumento de controle objetivo de constitucionalidade apto a tutelar a situação. Alegação de falta de documento indispensável à propositura da ação, tendo em vista que a petição inicial não se fez acompanhar de cópia do dispositivo impugnado do Código de Processo Penal. Art. 3º, pará- grafo único, da Lei 9.882/99. Precedentes desta Corte no sentido de dispensar a prova do direito, quando “transcrito literalmente o texto legal impugnado” e não houver dúvida relevante quanto ao seu teor ou vigência – ADI 1.991, Rel. Min. Eros Grau, julgada em 3.11.2004. A lei da ADPF deve ser lida em conjunto com o art. 376 do CPC, que confere ao alegante o ônus de provar o direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, se o juiz de- terminar. Contrario sensu, se impugnada lei federal, a prova do direito é desnecessária. Preliminar rejeitada. Ação conhecida. 4. Presunção de não culpabilidade. A condução coercitiva repre- senta restrição temporária da liberdade de locomoção mediante condução sob custódia por forças policiais, em vias públicas, não sendo tratamento normalmente aplicado a pessoas inocentes. Violação. 5. Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88). O indivíduo deve ser reconhecido como um membro da sociedade dotado de valor intrínseco, em condições de igualdade e com di- reitos iguais. Tornar o ser humano mero objeto no Estado, conse- quentemente, contraria a dignidade humana (NETO, João Costa. Dignidade Humana: São Paulo, Saraiva, 2014. p. 84). Na condução coercitiva, resta evidente que o investigado é conduzido para de- monstrar sua submissão à força, o que desrespeita a dignidade da pessoa humana. 6. Liberdade de locomoção. A condução coerciti- va representa uma supressão absoluta, ainda que temporária, da liberdade de locomoção. Há uma clara interferência na liberdade de locomoção, ainda que por período breve. 7. Potencial viola- ção ao direito à não autoincriminação, na modalidade direito ao silêncio. Direito consistente na prerrogativa do implicado a recur- sar-se a depor em investigações ou ações penais contra si movi- mentadas, sem que o silêncio seja interpretado como admissão 21 LEI 13.869/19 – ABUSO DE AUTORIDADE 695 de responsabilidade. Art. 5º, LXIII, combinado com os arts. 1º, III; 5º, LIV, LV e LVII. O direito ao silêncio e o direito a ser advertido quanto ao seu exercício são previstos na legislação e aplicáveis à ação penal e ao interrogatório policial, tanto ao indivíduo preso quanto ao solto – art. 6º, V, e art. 186 do CPP. O conduzido é assis- tido pelo direito ao silêncio e pelo direito à respectiva advertên- cia. Também é assistido pelo direito a fazer-se aconselhar por seu advogado. 8. Potencial violação à presunção de não culpabilida- de. Aspecto relevante ao caso é a vedação de tratar pessoas não condenadas como culpadas – art. 5º, LVII. A restrição temporária da liberdade e a condução sob custódia por forças policiais em vias públicas não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes. O investigado é claramente trata- do como culpado. 9. A legislação prevê o direito de ausência do investigado ou acusado ao interrogatório. O direito de ausência, por sua vez, afasta a possibilidade de condução coercitiva. 10. Arguição julgada procedente, para declarar a incompatibilidade com a Constituição Federal da condução coercitiva de investiga- dos ou de réus para interrogatório, tendo em vista que o imputa- do não é legalmente obrigado a participar do ato, e pronunciar a não recepção da expressão “para o interrogatório”, constante do art. 260 do CPP (ADPF 444, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 14/06/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-107 DIVULG 21-05-2019 PUBLIC 22-05-2019). É possível, por exemplo, decretação da condução coercitiva do inves- tigado/réu para ato de reconhecimento de pessoa (artigo 226 do Código de Processo Penal). Isso porque quem produz a prova no reconhecimento pessoal não é o reconhecido e sim o reconhecedor (não há atropelo ao direito de não produzir prova contra si no ato). Outra possibilidade é a decretação de condução coercitiva do investigado/réu para que seja mate- rializada sua qualificação (não há aqui direito ao silêncio). Saliento, como dito supra, que a condução coercitiva, ainda que mani- festamente descabida, de réuou de vítima não tipificam o crime aqui es- tudado (fato formalmente atípico), em face da vedação do uso de analogia in malam partem. Enunciados do CNPG e do GNCCRIM: eis os enunciados do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM) sobre o tema: Enunciado 6 – Os investigados e réus não podem ser conduzidos coercitivamente à presença da autoridade policial ou judicial
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