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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS FACULDADE DE DIREITO BELÉM 2021 PROVA DE TIPOLOGIA DOS CRIMES NO CÓDIGO PENAL Bruna Cecília José Jairo Martins Neto José Henrique Santana Oliveira Matheus Barbosa Barbosa 1. Romeu e Julieta estavam enamorados, mas vieram a descobrir que eram irmãos consanguíneos, separados na maternidade, o que impedia por completo qualquer possibilidade de relacionamento. Por isso, resolveram dar cabo à própria vida. Então, combinaram e executaram o seguinte: no apartamento de Julieta, com todas as portas e janelas trancadas, Romeu abriu o registro do gás de cozinha. Ambos inspiraram o ar envenenado e desmaiaram, sendo certo que somente não vieram a falecer porque os vizinhos, assustados com o cheiro forte, decidiram arrombar a porta e resgatá-los. Ocorre que ambos sofreram lesões corporais de natureza grave. Romeu e Julieta respondem por algum crime? Qual? Explique. No caso concreto apresentado, houve pela parte de Romeu a tentativa, conforme o artigo 14, inciso II “diz se o crime tentado quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente”, uma vez que no caso, o casal foi impedido por vizinhos. No entanto, conforme a lei 13968/19, a consumação do crime se dá mesmo sem o resultado alcançado. Assim, Romeu tentou cometer o crime de homicídio qualificado, presente no artigo 121, parágrafo 2, inciso III, “matar alguém com emprego de (...) asfixia”, uma vez que este foi responsável por abrir o registro do gás de cozinha (havendo dolo no ato), sendo considerado o autor do crime e se enquadra no emprego de asfixia, já que, conforme Rogério Sanches, asfixia caracteriza-se pelo impedimento da passagem do ar pelas vias respiratórias o qual acarreta a falta de oxigenação no sangue, podendo levar a morte (CUNHA, 2018 , p. 62 e 63). Ademais, Julieta, por ter prestado auxílio material de forma consciente e voluntaria, facilitando a execução do suicídio (o apartamento era dela) cometeu a qualificadora prevista no artigo 122, caput do Código penal, o crime de induzir ou instigar alguém a suicidar-se, sendo o caso da prestação de auxílio (CUNHA, 2018, p. 88). 2. Eduardo entrou em altercação numa manifestação política de que participava, ferindo Gabriela, que ele não conhecia. Gabriela interpelou os manifestantes, chamando-os de fascistas, devido ao conteúdo de suas reivindicações. Eduardo, então, espancou Gabriela, que estava grávida de dois meses. Em razão do espancamento, Gabriela perdeu seu bebê (o feto morreu) e também o seu útero. Eduardo ou Gabriela cometeram algum crime? Qual? Explique. Mormente, pode-se erroneamente caracterizar a atitude de Gabriela ao chamar os manifestantes de fascistas como o crime de injúria tipificado no Art. 140 do Código Repressivo Pátrio pelo fato de que injuriar significa ofender ou insultar sendo preciso que a ofensa atinja a dignidade ou o decoro e macule a honra subjetiva de alguém, mas Gabriela se referiu a um grupo de manifestantes como fascistas e não exclusivamente a Eduardo. Sob tal atento, cabe ressaltar que em discussões acaloradas, é comum que os participantes profiram injúrias a esmo, sem controle, e com a intenção de desabafar. Arrependem-se do que foi dito, tão logo se acalmam, o que está a evidenciar a falta de intenção de ofender. Nesse prisma, o atual TJSP dispõe: “Inocorre o crime de injúria quando as ofensas verbais são proferidas no calor da discussão, pois nelas não se faz presente o elemento subjetivo do tipo, ou seja, o dolo indispensável à configuração do delito, já que a conduta do agente não se reveste, em tal hipótese, da necessária seriedade” (Ap. 1.175.699/8-SP, 2.ª C., rel. Osni de Souza, 09.12.1999, v.u.). Assim também: TJRJ: Itaboraí, HC 2.656, 6.ª C., rel. Maria Helena Salcedo Magalhães, 05.12.2000, v.u. Portanto, a injúria proferida no calor da discussão não é crime, o que é o caso da Gabriela que se dirigiu a multidão em uma manifestação que havia saído dos eixos haja vista a confusão, tendo em vista que ausente estava o elemento subjetivo específico, que é a especial vontade de magoar e ofender alguém específico. No caso concreto de Eduardo, atenta-se que ele cometeu o crime de lesão corporal grave disposta no art.129, inciso III do Código Penal Brasileiro. É oportuno salientar que ele não responde pelo agravante elucidado no inciso V pois não tinha como ter conhecimento da gravidez da vítima. Portanto, configura lesão corporal grave com base no inciso III do referido Art.129, pois a vítima da agressão perdeu a atuação própria de um órgão reprodutor. Os ensinamentos de Nélson Hungria corroboram esse fato, haja vista que ele entende que o legislador foi redundante ao ser referir à perda de “sentido” e “função” no inciso III. Hungria diz que bastava somente o emprego deste último vocábulo, pois função abrangia, compreendia o sentido. A lei fala em debilidade, isto é, enfraquecimento, redução, diminuição, de capacidade que deve ser permanente ou duradoura, não, porém perpétua. Trata-se de crime preterdoloso, ou seja, o agressor, no caso, Eduardo, queria somente agredir a vítima e não quis causar o aborto, mas o provoca de maneira culposa. 3. Júlia, de treze anos, contou à sua prima Mara que desejava se suicidar. Mara, então, comprou raticida no “Mercadolivre” e entregou à sua prima para que realizasse seu intento. Júlia ingeriu o veneno e morreu. Mara responde por algum crime? Qual? Explique. Mormente, o suicídio é definido como desgraça ou ruina causadas por ação do próprio indivíduo, ou por falta de discernimento ou de previdência, bem como o suicídio não é um ilícito penal, mas é um fato antijurídico, eis que a vida é um bem público indisponível, de modo que o código penal através do art. 146, § 3º, que se exerça coação contra quem tenta suicidar-se, assim, punindo quem auxilia no mesmo. Cabe salientar que o Direito Penal tutela o direito à vida e sua preservação. Sendo assim ninguém pode ser cúmplice na morte de outrem, ainda que exista o consentimento deste, pois a vida é um bem indisponível. Nesse sentido, o código penal, através de seu art. 122, caput, pune aquele que presta auxílio para que aquele o faça, tendo em vista que O Direito Penal tutela o direito à vida e sua preservação. À luz do exposto, ninguém pode ser cúmplice na morte de outrem, ainda que exista o consentimento deste, pois a vida é um bem indisponível, ademais, por se tratar da morte da vítima menor de 14 anos, Mara que incorre no auxílio do suicídio de Júlia, tem seu crime qualificado no parágrafo 7, do art.122, aumentando sua pena, e incorrendo na qualificação do crime como infanticídio (CONSEZO, José Carlos, P. 352, 2019) 4. João, em seu perfil no “facebook”, fez uma postagem especial no aniversário de um ano da morte de Alfredo, seu desafeto, acusando-o se “mau- caráter”, “bandido” e “pilantra”, dizendo que havia um ano que “o mundo estava mais limpo”. João pode ser processado por algum crime? Explique. Neste caso, apesar de parecer tratar-se do crime de calúnia, art.138, §2º do Código Penal, sendo este o único crime praticável contra mortos, não é aplicável esta tipificação, uma vez que a conduta deste crime se caracteriza por “imputar a alguém fato criminoso, sabidamente falso” (CUNHA, 2018, p. 186), devendo ser a narrativa de um fato criminoso, o que não ocorreu no caso apresentado. 5. Antônio, marceneiro, aceitou fazer e montar um guarda-roupa na casa de Joana, que lhe pagou com dois cheques pré-datados. Antônio achou aquilo muito estranho, pois se trata de uma prática ultrapassada. Antônio fez o móvel, mas, no dia combinado, teve um imprevisto e não compareceu para a entrega e montagem. Quando o marceneiro não apareceu no dia combinado, Joana sustou o primeiro cheque. Vendo que isso havia ocorrido, Antônio correu a descontaro segundo cheque. Joana foi à delegacia para lavrar um B.O. contra o marceneiro. Antônio ou Joana cometeram algum crime? Qual? Justifique sua resposta. Inicialmente pode-se tentar enquadrar erroneamente Antônio ou no crime de estelionato descrito no art.171 do Código Penal, ou no inadimplemento obrigacional relativo descrito no art. 389 do Código Civil, mas ambos estão incorretos. Primeiramente para ser caracterizado como crime de estelionato, todas as características do tipo devem estar inclusas pois, elas são os elementos constitutivos do referido crime. Trata-se de um crime com duplicidade do nexo causal. Não basta só o erro decorrente da fraude, há que se ter a vantagem ilícita, porém Antônio já havia gastado seu capital para a produção do móvel e descontou o segundo cheque por que ele já havia gastado com a produção do móvel, se ela sustasse os dois cheques ele teria prejuízo. Acerca do inadimplemento relativo das obrigações decorrente de fato não imputável ao devedor, decorrente muitas vezes de caso fortuito ou força maior, não é de responsabilidade deste, ou seja, o devedor não responde pelos prejuízos causados se expressamente não houver responsabilidade por eles como dispõe o art. 393 do Código Civil desobriga o indivíduo. Destarte, no caso concreto de Joana também não cometeu nenhum crime, e seria errôneo caracterizar como estelionato, tendo em vista que sustar o cheque não foi feito dolosamente pra receber ganho patrimonial ilícito, mas sim foi o meio que ela encontrou de forçar Antônio a cumprir com a obrigação dele que era de entregar os móveis depois do atraso sem aviso. Sob tal enfoque ambos não cometeram crime e deveriam levar a situação para ser esclarecida no juizado especial civil. 6. Juninho, recém-habilitado, na direção de sua motocicleta, achou que conseguiria trafegar entre duas filas de automóveis numa avenida de grande movimento e acabou colidindo com o retrovisor de um automóvel, destruindo-o sem intenção. Juninho cometeu algum crime? Qual? Justifique sua resposta. Juninho, de acordo com o art.163, caput, do Código penal, cometeria um crime, que se enquadraria no tipo penal de dano, contudo, entende-se ser necessário o animus nocendi do autor em causar prejuízo, nesse sentido, de acordo com o STF, "o preso que destrói a cela, tendo por finalidade fugir, não comete crime de dano uma vez que se objetivo não e destruir o bem estatal". Logo, apesar da deterioração gerada ao veículo em que colidiu, o indivíduo não tem intenção de cometê-lo, portanto não cometeu crime. (NARVAEZ, 2019, p.519) 7. Rodrigo era gerente de banco e abriu duas contas bancárias, que nunca foram movimentadas. Em apuração, a auditoria do banco identificou que as contas haviam sido abertas mediante documentos falsos. Como Rodrigo aprovou a abertura de contas e, graças a elas, atingiu a meta mensal de gerência, foi denunciado pelo Ministério Público por delito de estelionato simples. Rodrigo cometeu algum crime? Justifique sua resposta. No caso de Rodrigo, não houve crime já que bater a meta da gerência trata-se de ganho moral e para que ocorra o crime de estelionato é necessário haver vantagem ilícita em prejuízo alheio, conforme Rogério Sanches “para a caracterização do crime, a vítima deve sofrer um prejuízo patrimonial que corresponda à vantagem indevida obtida pelo agente” (CUNHA, 2018, p. 378) e no caso apresentado não houve prejuízo a alguém, apenas a vantagem ilícita. 8. Guilherme abordou um senhor idoso na rua e o obrigou a entrar em seu próprio veículo, munido de uma arma de brinquedo. Com o idoso na direção, ambos se dirigiram a um caixa eletrônico, onde Guilherme forçou o homem a sacar R$600,00 de sua conta bancária e lhe entregar, mas ficou aguardando no automóvel. Assim que pegou o dinheiro, Guilherme fugiu do local. Guilherme cometeu algum crime? Qual? Justifique sua resposta. De acordo com o contexto fático do crime e da conduta do agente delituoso, configura-se que Guilherme cometeu de extorsão mediante privação de liberdade baseado no art.158, parágrafo 3º do Código Repressivo Pátrio, tendo em vista que Guilherme extorquiu sob grave ameaça um idoso restringindo a liberdade da vítima. Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves, como nessa modalidade delituosa a vítima permanece algum tempo com os agentes, passou a ser conhecida como sequestro-relâmpago. O delito diferencia-se da extorsão mediante sequestro, porque, nesta, o resgate é exigido de outras pessoas (familiares em geral), enquanto, no sequestro-relâmpago, não há essa exigência a terceiros, mas à própria pessoa sequestrada, como no caso em concreto que o idoso tem que dar o dinheiro. 9. Ivete penhorou todas as suas joias numa casa de penhores do centro da cidade para manter seu vício no bingo. Quando o dinheiro acabou, pediu ao seu sobrinho Caio para que entrasse na loja durante a noite e recuperasse as joias. Caio arrombou a porta da loja e trouxe vários objetos consigo, além das joias de Ivete, para quem entregou tudo. Ivete e Caio cometeram algum crime? Qual? Justifique sua resposta. No caso em questão, Ivete e Caio incorreram no crime de furto qualificado conforme se prevê o art. 155, § 4º, I, do Código Penal. Caio responde por este artigo por estarem presentes os elementos do tipo penal do art. 155, bem como por ter rompido, por meio de arrombamento, o obstáculo. Ivete por sua vez, mesmo não tendo sido a executora do crime, contribuiu para que o mesmo ocorresse, sendo a autora intelectual. Portanto conforme o art. 29, do CP, Ivete deve responder também, pelo crime de furto qualificado, com relação às outras joias, uma vez que o artigo a cima mencionado, diz que, “aquele que de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. Com relação as suas joias está não deverá responder, pois a penhora não elimina a propriedade do objeto, ou seja, eram suas. 10. Roger é policial civil, investigador, e publicou, em seu perfil do “instagram”, um vídeo em que dizia que não ia entrar em comunidades para “trocar tiros com bandido aleatoriamente” no intuito de tentar recuperar um relógio de ouro da marca “rolex” avaliado em 100 mil reais. O referido relógio havia sido furtado de um famoso apresentador de TV, que publicou uma coluna num importante jornal, dizendo que a polícia nada fazia para proteger cidadãos de bem como ele. Indignado com o teor da coluna, Roger postou tal vídeo, dizendo que ganhava um salário pífio e que não deveria arriscar sua vida “subindo o morro para trocar tiro”, e que a política de segurança pública precisa ser repensada e jamais pautada pelos caprichos de quem quer que fosse. Roger foi denunciado por prevaricação e demitido do serviço público. Roger cometeu esse delito? Justifique sua resposta. Em análise do caso em tela, observa-se que os elementos objetivos do crime estão adequados formalmente à conduta de Roger, posto ter ele, de forma livre e consciente, deixado de praticar, indevidamente, ato de ofício, para satisfazer sentimento pessoal (art. 319 do Código Penal). Ademais, Roger, na condição de funcionário público (Investigador de Polícia Civil) é o sujeito ativo do crime de prevaricação, tipificado pelo mencionado art. 319 do Código Penal. Noutro sentido, estão presentes também, os elementos subjetivos do referido crime (dolo), cumprindo com a exigência legal do dolo especial “para satisfazer sentimento pessoal”. Portanto Roger cometeu o crime de prevaricação ao se recusar a praticar ato de ofício. Referências CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte especial (arts. 121 ao 361) / Rogério Sanches Cunha - 1O. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: JusPODIVM, 2018. 1.024 p. GRECO, Rogério. Código penal: comentado. 11. Ed. Niterói. Rio de Jnaeiro: Impetus, 2017. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direitopenal: parte especial. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal: volume V. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1955, p. 313. MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte especial – vol.2. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. CONSEZO, José Carlos. Código penal comentando: doutrina e jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Monole, 2019.
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