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Avaliação de carcaça e carne de bovinos Regis Luis Missio 1 A bovinocultura de corte é uma atividade de grande importância para o Brasil, contribuindo com 25% do PIB do agronegócio. O Brasil apresenta o maior rebanho comercial do mundo, com aproximadamente 208 milhões de cabeças, caracterizando o grande potencial para produção de bovinos no país. Além disso, o Brasil é favorecido pela grande área de pastagens (em torno de 177 milhões de hectares), pelo relevo e por condições edafoclimáticas que favorecem a produção de forragem, o que contribui para que a produção de bovinos no Brasil seja basicamente a pasto. Apesar disso, os sistemas de criação predominantes são caracterizados por baixos índices zootécnicos, em consequência da precária nutrição, dos problemas sanitários, do manejo ineficiente e do baixo potencial genético dos animais. Tais aspectos posicionam o Brasil como um dos principais países com reais chances de crescimento em sua produção. Além dos aspectos relacionados com o potencial produtivo, o Brasil apresenta grande potencial no que se refere ao mercado interno, o qual é representado por aproximadamente 208 milhões de habitantes, que consomem em torno de 80% da produção. O aumento da renda familiar bem como o crescimento da população contribui para o aumento da demanda interna de carne bovina. Isso tem ocorrido acompanhado pelo aumento da demanda por qualidade, bem como de outras exigências quanto ao tamanho dos cortes, facilidade de preparo, tipo de embalagem, produção ambientalmente sustentável, entre outras. Isso ocorre não somente pelo aumento da renda familiar, mas também pela nova conjuntura social, com redução do número de indivíduos por família, aumento da população urbana, maior escolaridade, entre outros fatores. Esses aspectos determinam a necessidade de uma reorganização da cadeia produtiva como um todo, com a produção e industrialização voltadas para as exigências de mercado, com padronização de produtos de qualidade e uniformidade, tal como ocorre na da cadeia produtiva da carne de aves. A classificação e tipificação de carcaça, nesse sentido, são importantes para organizar e facilitar o sistema de compra e venda (comercialização do produto), bem como para a uniformização dos produtos ofertados. A classificação e tipificação possibilitam ainda definir o valor de determinada carcaça, conduzindo a produção para qualidade a fim de melhorar a remuneração, o que consequentemente irá aumentar a qualidade e o rendimento da carne produzida no país. Esses aspectos são importantes também no aumento da competitividade da carne bovina perante o mercado internacional, o qual apresenta exigências distintas do mercado interno, tal como carne com menores quantidades de gordura, maior peso dos cortes preparados, entre outros. A classificação de carcaças é um esquema desenvolvido no Reino Unido e na França no final dos anos 60 e início dos 70, que serviu de base para os sistemas em uso na União Europeia e na Nova Zelândia, bem como no Brasil, regulamentado pela Instrução Normativa (IN) do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA), número 9, de maio de 2004. A variabilidade fenotípica dos animais decorre de efeitos genéticos, de meio ambiente e da interação do genótipo ambiente, vai se manifestar nas características da carcaça e da carne produzida. Assim, a raça ou linhagem, o cruzamento, o sexo, a castração, o tipo de pasto, o maior ou menor nível de concentrado (ração), a fase na curva de crescimento (peso e idade) em que se dá o abate, bem como o manejo pré-abate podem influenciar a composição da carcaça ou qualidade da carne ou ambas. A qualidade da carcaça de um animal é determinada primeiramente pelo seu rendimento de carne, gordura e osso. Essas avaliações podem ser realizadas por separação física dos tecidos (dissecação) ou seu equivalente do ponto de vista comercial, através da desossa e elaboração dos cortes cárneos. As carcaças também diferem quanto à qualidade visual (cor, textura e firmeza), seus atributos organolépticos (maciez, sabor e suculência) e tecnológicos (cor, capacidade de retenção de água e pH). Como não é possível analisar estas características de qualidade da carcaça e da carne na rotina da indústria frigorífica, a classificação da carcaça tenta de forma indireta estimar a qualidade. A carcaça pode ser avaliada no que diz respeito à suas características de maior importância: o rendimento e a qualidade da carne. O rendimento da carne refere-se à quantidade de carne comercializável na carcaça. Já, a qualidade da carne inclui os fatores de interesse ao setor varejista, da indústria de transformação e consumidores. Entre os fatores de qualidade encontram-se a vida de prateleira, cor, maciez, capacidade de retenção de água, sabor, entre outras. O rendimento de carne na carcaça depende do seu conteúdo de músculo esquelético e de sua relação com a ossatura e a gordura. De acordo com as curvas de crescimento alométrico, o esqueleto se 1 Professor do curso de agronomia – UTFPR/PB desenvolve mais cedo, seguido pela musculatura e finalmente o tecido adiposo. Desta maneira, a proporção de músculo na carcaça aumenta com o incremento de peso do animal durante o período antes do acúmulo rápido de gordura, para depois diminuir na fase de terminação. Assim, os fatores que interverem no crescimento e no desenvolvimento dos animais como o genótipo, o sexo, o estado hormonal (uso de anabólicos, castração), nutrição e ambiente (clima, manejo e instalações) interferem também no rendimento de carne na carcaça e irá alterar as proporções dos componentes da carcaça. São considerados indicadores da composição quantitativa: peso de carcaça, escore de conformação, área do Longissimus dorsi (ALD), escore de acabamento, espessura de gordura subcutânea, comprimento de carcaça, escore para gordura interna (renal, pélvica e cardíaca). Esses indicadores podem ser utilizados isoladamente ou combinados em índices ou equações de regressão no intuito de se estimar o rendimento cárneo das carcaças, tal como ocorre nos sistemas Americano e Canadense. O peso de carcaça está diretamente relacionado com o rendimento cárneo, bem como com a remuneração do produtor rural. Do ponto de vista da indústria são requeridos pesos de carcaças elevados, em função de se diluir o custo operacional. A exigência de grande parte dos frigoríficos é por carcaças pesadas, com pesos acima de 240 kg (16@), em que seu não atendimento pode resultar em penalizações quanto à remuneração ou, bonificações, no caso de carcaças pesadas. Além disso, carcaças mais pesadas são normalmente acompanhadas de maior acabamento de gordura, o que beneficia a qualidade de carne. Os escores de conformação, bem como a área do Longissumus dorsi visam classificar as carcaças em função do rendimento cárneo. A ALD é normalmente medida na carcaça fria entre a 12 e 13 o costelas, estando altamente correlacionada com a quantidade de músculo na carcaça. A conformação leva em consideração a hipertrofia da carcaça, especialmente do quarto posterior. Além disso, carcaças com maior conformação apresentam menor superfície específica o que contribui para a redução na perda de líquidos durante o resfriamento (entre 2-5% do peso da carcaça quente). Os escores de gordura e a medida da espessura de gordura estão relacionados com o acabamento de carcaça, em que a primeira avaliação se refere à quantidade e distribuição e a segunda à quantificação de gordura de cobertura na carcaça. A quantidade e a distribuição da gordura de acabamento na carcaça exercem função de proteção quanto à queima pelo frio e perda de líquidos durante o resfriamento. Em função disso, os frigoríficos normalmente exigem acabamento mínimo de 3 mm. Além disso, o adequado acabamento de carcaça impede o rápido decréscimo da temperatura interna da carcaçaimpedindo o encurtamento das fibras musculares pelo frio e favorecendo a maciez da carne. Outro aspecto importante é que o acúmulo de gordura na carcaça agrega peso à carcaça, o que de certo modo beneficia os frigoríficos. Por outro lado, o acréscimo demasiado de gordura diminui o rendimento de carcaça, prejudicando o produtor rural em função do maior recorte de gordura e aumento dos custos de produção em função da menor eficiência alimentar dos animais. O comprimento de carcaça está diretamente associado ao peso de carcaça, sendo medida da extremidade do osso do púbis e a extremidade da primeira costela. Já a avaliação subjetiva da gordura interna tem o objetivo de avaliar o rendimento de carne magra em países em que essa gordura não é retirada da carcaça, tal como nos EUA. Para estimar a qualidade da carne são utilizados indicadores que apresentam correlação com as medidas que poderiam ser feitas em laboratórios. Os indicadores mais utilizados são a maturidade fisiológica, o marmoreio, a cor da carne e da gordura, a temperatura e o pH. A maturidade fisiológica é avaliada pelo grau de ossificação das cartilagens das vértebras do sacro, lombares e torácicas e pela avaliação da erupção e crescimento dos dentes incisivos permanentes. A avaliação da maturidade ou da idade do animal é um indicativo da qualidade porque os animais mais jovens, dependendo do grau de acabamento, apresentam carne mais macia pela presença de menor quantidade de colágeno insolúvel, bem como cor de vermelho cereja e textura mais fina. Avaliação do marmoreio, ou seja, da gordura intramuscular é avaliada subjetivamente, em que a escala utilizada tem sido com escala e amplitude diferente em função dos sistemas de classificações e da demanda de mercado. O marmoreio da carne está relacionado com o genótipo, à fase da curva de crescimento e ao nível energético da ração do bovino, que por sua vez estão associados à velocidade de ganho de peso, que apresenta correlação positiva com a maciez da carne, bem como com a palatabilidade e suculência. O marmoreio influencia menor perda de líquidos da carne ao cozimento, em função da barreira física proporcionada pela gordura. A cor da carne e da gordura é normalmente avaliada na superfície da carcaça ou na superfície da área do olho do lombo. A cor da gordura tendendo para creme claro, por exemplo, aponta para um animal jovem, alimentado com ração em confinamento. Já a cor da carne é indicador de maturidade fisiológica, em que animais jovens apresentam o tom de vermelho claro, característica determinante para a compra da carne na prateleira. A análise da cor associada com o pH pode indicar se ocorreu alguma anomalia na carne como PSE (carne de cor pálida, textura mole e exudativa), DFD (carne de cor escura, de textura dura e que retém muita água no seu interior) ou carne ácida. O pH, bem como a temperatura da carcaça é medido 45 minutos e 24 horas após o abate. O decréscimo muito rápido da temperatura após o abate pode determinar o encurtamento das fibras musculares e o endurecimento da carne. Por outro lado, o pH da carne está relacionado com os estoques que glicogênio muscular, indicando anomalias no manejo pré-abate, e influenciando a coloração, maciez. O Brasil adota, atualmente, o sistema de classificação sem a parte de colocação em tipos hierarquizados. A avaliação das carcaças bovinas é feita por profissionais habilitados e credenciados pelo MAPA e pagos pelo setor privado. Os parâmetros utilizados para classificação das carcaças no Brasil são: sexo, maturidade, peso da carcaça e acabamento da carcaça. Na avaliação do sexo são verificados os caracteres sexuais dos animais, estabelecendo as categorias: macho inteiro, macho castrado, novilha e vacas de descarte. A maturidade fisiológica é verificada pelo exame dos dentes incisivos, estabelecendo-se as categorias: dente de leite (animais com a primeira dentição sem a queda das pinças), dois dentes (animais com até dois dentes definitivos), quatro dentes (animais com até quatro dentes definitivos), seis dentes (animais com até seis dentes definitivos), oito dentes (animais com mais de seis dentes definitivos). O peso de carcaça é verificado mediante pesagem da carcaça quente (em kg) no final da linha de abate, entendendo-se como carcaça o animal abatido, esfolado, eviscerado, desprovido de cabeça, patas, rabada, órgãos genitais externos, gordura perirrenal e inguinal, ferida de sangria, medula espinhal, diafragma e seus pilares. O acabamento de carcaça é avaliado subjetivamente pela distribuição e quantidade de gordura na carcaça, estabelecendo-se as categorias: magra (gordura ausente), gordura escassa (1 a 3 mm de espessura de gordura subcutânea-EGS), gordura mediana (3 a 6 mm de EGS), gordura uniforme (6 a 10 mm de EGS), gordura excessiva (acima de 10 mm de EGS). As meias-carcaças, quartos, grandes peças e cortes, são identificados (as) com os códigos correspondentes às categorias dos parâmetros sexo, maturidade e acabamento em que foram classificadas as carcaças. Essas identificações são mantidas até o consumo industrial ou exposição do produto para venda ao consumidor. Esse novo sistema brasileiro de classificação de carcaças é do tipo descritivo, ou seja, uma classificação pura e simples, o que é muito importante quando se considera a heterogeneidade da produção pecuária e do mercado consumidor no Brasil. O fato de eliminar a hierarquização que existia no sistema anterior foi considerado um avanço por vários técnicos, porque não era utilizado na prática comercial e industrial, a não ser para novilho precoce e “cota Hilton”. O retrocesso do sistema de classificação ficou por conta da eliminação da análise de conformação, que é um indicador da massa muscular. Como exemplo a classificação atual não diferencia uma carcaça de gado de corte daquela de leite. Com isso perde-se um indicador bastante prático da relação carne/osso, ou seja, do rendimento de desossa. A avaliação de carcaça e carne é um processo essencial para a cadeia produtiva, pois possibilita a classificação e precificação diferenciada por qualidade. Isso possibilita o atendimento do mercado consumidor (interno e externo) considerando suas peculiaridades, fortalecendo as relações comerciais e a competividade da cadeia produtiva. Além disso, disponibiliza para o consumidor informações sobre a qualidade do produto que ele está adquirindo, possibilitando incrementos na demanda. Referências Bibliográficas FELÍCIO, P.E. Classificação e tipificação de carcaças bovinas. In: Alexandre Vaz Pires. Bovinocultura de corte. FEALQ: Piracicaba, SP. 2010, v.2, p. 1257-1276. GOMIDE, L.A.M.; RAMOS, E.M.; FONTES, P.R. Tecnologia de abate e tipificação de carcaças. Viçosa: UFV, 2006. 370p.
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