Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Textos para Estudo da Disciplina Docência Superior 1 2 Caro(a) Aluno(a), Você chegou a última disciplina do seu curso de pós-graduação: Docência Superior. A carga horária desta disciplina é diferente das demais disciplinas do curso. É uma disciplina de 90 horas. Em função disto, muda um pouco a dinâmica da disciplina. Além do Caderno de Estudos, vamos fazer um estudo de dois textos – artigos científicos – sobre temas relacionados à Docência Superior. A inclusão destes estudos tem como propósito enriquecer, aprofundar e complementar o conteúdo da disciplina. Os textos são: 1) Compreendendo os movimentos construtivos da Docência Superior: contribuições sobre pedagogia universitária, cujas autoras são Silvia Maria de Aguiar Isaia e Doris Pires Vargas Bonzan. 2) Docência Universitária: professores inovadores na USP da autoria de Helena Coharik Chamlian. Atenção: Os textos constituem-se em conteúdo da disciplina e de cada um deles será extraída uma questão para a prova discursiva (presencial). No sentido de orientar seus estudos, sugerimos que após ler e reler os textos, você construa um esquema e/ou resumo dos mesmos. Ambos são excelentes recursos de estudos, mas saiba que não são a mesma coisa. O esquema não é um texto, mas um conjunto de respostas. Para fazer um bom esquema, sugerimos os seguintes passos: Destaque as palavras-chave de cada parágrafo. Responder a cada parágrafo: do que fala o parágrafo? O esquema será o conjunto das respostas, que poderão ser organizadas em itens e subitens. 3 Quanto ao resumo, a Norma NBR 60281 define como a "apresentação concisa dos pontos relevantes de um texto". Deve resultar em um novo texto (curto em relação ao texto base). Neste sentido, sugerimos: Levante as ideias centrais de forma ordenada (na ordem em que aparecem no texto) e articulada em texto contínuo. Enfatize apenas as ideias de maior destaque. Construa um texto que represente no máximo ¼ do texto base que contenha: tema, objetivo da pesquisa, métodos, fundamentação teórica, resultados e conclusões do autor. Por fim, desejamos sucesso nos seus estudos. Lembre-se que através do AVA você poderá interagir com seu tutor e colegas para trocar e compartilhar suas impressões acerca dos textos e de todo conteúdo da disciplina. 1 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6028: estabelece os requisitos para a redação e configuração do resumo. Rio de Janeiro, 2003. 2p. 4 COMPREENDENDO OS MOVIMENTOS CONSTRUTIVOS DA DOCÊNCIA SUPERIOR: CONSTRUÇÕES SOBRE PEDAGOGIA UNIVERSITÁRIA2 Silvia Maria de Aguiar Isaia * Doris Pires Vargas Bolzan ** Resumo Esse artigo decorre de pesquisas que as autoras vêm desenvolvendo em especial sobre a temática dos ciclos de vida profissional de professores do ensino superior. Discute os possíveis movimentos construtivos na trajetória docente de professores universitários. Essa discussão se dá a partir da busca pela compreensão dos movimentos construtivos da docência, bem como do delineamento de possíveis ciclos de vida profissional desses sujeitos. Os participantes da pesquisa foram agrupados considerando-se o tempo de experiência no magistério superior, com a finalidade de narrarem suas biografias. Nesta análise encontramos quatro movimentos construtivos da docência: preparação à carreira docente; entrada efetiva no magistério superior; marcas da pós-graduação na docência superior; professoralidade docente. Os achados permitem-nos especular que os fios das concepções de docência são tecidos a partir dos movimentos construtivos ao longo da trajetória docente, demarcando-os como um processo contínuo de aprendizagem docente. Palavras-chave: Pedagogia universitária. Movimentos construtivos. Docência superior. * Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Professora Pesquisadora da Unifra. Bolsista do CNPq. Coordenadora da Ries na UFSM. Membro do Pronex – CNPq/Fapergs e do Observatório da Educação Capes/Inep. ** Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Educação CE/UFSM. Membro da Ries e Pesquisadora Participante do Observatório da Educação junto à UFSM. Palavras introdutórias Este artigo decorre de pesquisas desenvolvidas pelas autoras. Dentre os projetos desenvolvidos destaca-se o relativo ao estudo dos ciclos de vida profissional de docentes do ensino superior em que buscamos desvelar os movimentos construtivos desses sujeitos. Para tanto, o campo da pesquisa escolhido foi uma Universidade Federal, congregando os professores dos Cursos de Licenciatura e de Bacharelado. Neste texto, a temática nos remete as seguintes indagações: Quais os movimentos construtivos da docência superior? Quais os elementos constitutivos nos movimentos encontrados? Na tentativa de responder a essas questões encontramos três razões principais. A primeira ancora-se na necessidade de um estudo sistemático que leve em conta a especificidade da de uma Pedagogia Universitária. Os estudos já realizados, mesmo 2 ISAIA, Silvia Maria de Aguiar; BOLZAN, Doris Pires Vargas. Compreendendo os movimentos construtivos da docência superior: construções sobre pedagogia universitária. Linhas Críticas. Revista da Faculdade de Educação. Universidade de Brasília. Brasília/DF, v. 14, 2008, n. 26, jan-jun. Disponível em: <http://www.fe.unb.br/linhascriticas/n26/compreendendo.html>. Acesso em: 20 fev 2009. 5 contemplando as noções de Huberman (1989, 1998) não estão voltados, estrito senso, para o estabelecimento de movimentos construtivos relativos à docência superior e pesquisadores brasileiros apenas aplicam o modelo hubermasiano a seus estudos com docentes universitários (LUDKE, 1996; MIZUKAMI, 1995, 1996). A segunda, porque, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que os professores são vistos como responsáveis pela formação de um leque diversificado de profissionais, voltados tanto para as profissões liberais quanto para a docência, sua formação docente não tem sido valorizada nas IES. Basta ver que a titulação e a produção científica são os critérios distintivos para a progressão na carreira docente, não garantindo, contudo, um ensino de qualidade (ISAIA, 2003, 2006a; ISAIA; BOLZAN 2006; ZABALZA, 2004). Em nossos estudos constatamos que os docentes que atuam na docência superior, em sua maioria, tiveram sua formação na área específica de seu bacharelado e/ou licenciatura, sem, contudo terem qualquer atividade ou disciplina curricular que os preparasse pedagogicamente para atuar na Educação Superior. Logo, todo o processo formativo instaurado durante a formação inicial não dá conta da carreira Universitária. Advém daí outra indagação relevante: quem forma ou como se formam estes docentes? Uma possibilidade de resposta vincula-se à questão das trajetórias ao longo da carreira docente, na medida em que sua formação docente precisa ocorrer ao longo de um processo continuado e em serviço. A terceira, porque entendemos, com base em pesquisa já realizada, que as concepções de docência podem ser os fios condutores para se entender as transformações ocorridas na prática educativa desses professores, caracterizando-se a partir daí seus movimentos construtivos e, conseqüentemente os ciclos profissionais pelos quais passam ou podem passar. Em nossa compreensão, essas envolvem a noção de como os professores percebem e pensam a docência, envolvendo criação mental e possibilidade de compreensão. Elas comportam, assim, dinâmicas em que se articulam processos reflexivose práticas efetivas em permanente movimento construtivo ao longo da carreira docente. Emergem da vivência dos professores, apresentando componentes explícitos e implícitos que envolvem tanto saberes advindos do senso comum, como do conhecimento sistematicamente elaborado e organizado. Neste sentido, essas concepções são atravessadas por expectativas (projeções), sentimentos, apreciações que acompanham a linha temporal da trajetória docente, tanto em termos retrospectivos quanto prospectivos, constituindo assim, os ciclos da profissão. Desse modo, essas concepções orientam a visão que os docentes têm de si mesmos em situação de sala de aula, dos alunos, do seu fazer pedagógico, dos colegas e da instituição a que pertencem (ISAIA, 2006b). Com vista às questões por nós levantadas, optamos, nesse texto, em apresentar um recorte da pesquisa sobre os ciclos. Esse se orienta pelo objetivo de apreender o movimento construtivo dos ciclos de vida profissional dos docentes participantes, considerando-se suas percepções sobre a carreira, permeadas pelas concepções de docência que vão construindo ao longo de suas atividades como professores. Com esse intuito utilizamos o corpus relativo às auto-reconstruções biográficas elaboradas por escrito, por um grupo de vinte docentes de instituição pública. Esse procedimento metodológico teve por finalidade levar os professores a reconstruírem, via memória, suas trajetórias docentes, demarcando as fases das mesmas, suas principais características e a temática que as orienta. Como nosso objetivo é apreender o movimento construtivo dos ciclos de vida profissional docente, levamos em conta o tempo de experiência destes sujeitos no magistério superior, classificando este percurso em: anos iniciais (0-5), anos intermediários (6- 15) 6 e anos finais (de 16 anos em diante). O material decorrente das auto-reconstuções foi trabalhado a partir da análise de conteúdo (BAUER, 2004; MORAES, 1998). Desse modo, buscamos, a partir das narrativas dos professores, descrever e interpretar os relatos escritos que eles fazem dos acontecimentos vividos ao longo da carreira docente e, assim, tentar compreender como esses repercutem no movimento transformacional das concepções de docência que adotam. Portanto, o ponto focal desse estudo está em partir da subjetividade dos docentes, ou seja, de como eles percebem e interpretam suas trajetórias docentes. Tratamos, assim, de produzir novos significados sobre o processo construtivo dos professores, partindo de um duplo movimento interpretativo, envolvendo, por um lado, os pesquisadores e, por outro, os docentes, sujeitos da pesquisa. Tal procedimento, dentro da tradição narrativa, levou em conta, conforme Arnaus (1995), os que contam e nós que interpretamos, compreendendo assim, não só como os professores relatam suas vidas, mas também como nós os pesquisadores narramos e interpretamos esses relatos (CONNELLY; CLANDININ, 1995). Reiteramos que a opção pelo viés narrativo se deu na medida em que não só são dadas voz e vez aos professores envolvidos no estudo, mas também a possibilidade desses tomarem distância de suas vidas profissionais, convertendo-as em objeto de auto- reflexão, podendo assim, [re] significá-las e transformá-las (HUBERMAN, 1989, 1998; McEWAN, 1998). Nessa direção é que pretendemos tramar os fios teóricos e empíricos relativo à investigação dos ciclos, buscando apreender os prováveis percursos que os movimentos construtivos da docência tomam e as temáticas subjacentes a esses, ao longo da carreira docente, levando em conta as concepções de docência construídas. Fios teóricos orientadores O ponto inicial que nos orienta é a noção do professor como pessoa, a partir dos estudos desenvolvidos por Abraham (1987, 2000) que enfatizam a necessidade de pesquisas que consideram a inter-relação entre aspectos pessoais e profissionais. Ambos os aspectos remetem a compreensão de que o processo formativo é de natureza social, pois os professores se constituem como tal em atividades interpessoais, seja em seu período de preparação, seja ao longo da carreira, em uma ou em diferentes IES. Os esforços que eles realizam para aquisição, desenvolvimento e aperfeiçoamento de competências profissionais, subentendem um grupo interagindo, centrado em interesses e necessidades comuns, em um contexto institucional concreto. Nesse sentido, destacamos a necessidade de estudos que levem em conta a trajetória vivencial dos professores e o modo como eles articulam o pessoal, o profissional e o institucional e, conseqüentemente, como vão se (trans)formando, no decorrer do tempo. Nesse viés investigativo o professor é visto como sujeito de sua própria vida e do processo educativo do qual é um dos atores. Tal perspectiva não implica em desinteresse pelas condições conjunturais que o cercam, mas acreditamos que essas precisam ser pensadas a partir da forma como são vividas e apreendidas pelos docentes. Daí a importância das vozes dos professores narrando suas próprias histórias – auto- reconstrução biográfica. 7 Ao analisarmos as narrativas dos docentes participantes, levamos em conta que as concepções de docência nelas presentes, comportam dinâmicas em que se articulam processos reflexivos e práticas efetivas, em permanente movimento construtivo ao longo da carreira. Assim, a docência constitui-se como um espaço para além da dimensão técnica, sendo atravessada não só por conhecimentos, mas também por relações interpessoais e vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, como nossos achados têm demonstrado. Outro elemento conceitual, para as trama dos fios teóricos, é a noção de trajetória, percurso, ciclo de vida, embasada em Ortega y Gasset (1970). O percurso vital pode, assim, ser entendido como etapas, idades vividas, em que cada docente vai transitando em porções de tempo que vão se sucedendo. O importante é que esta sucessão de momentos existenciais não só ocorrem uns após os outros, mas principalmente, se enlaçam, resultando no que o filósofo espanhol denomina de geração. Essa envolve um conjunto de anos vivenciados por um grupo de pessoas que compartilham entre si valores, crenças e estilos de vida, mas que convivem em um mesmo momento histórico, com outras gerações. Esta concepção de geração foi transposta e ampliada a partir de nossos estudos, denominando-se de geração pedagógica. Essa se constitui em um conjunto de professores que se situam em uma mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores, crenças, convicções e estilos próprios de entender e viver a docência (ISAIA, 2006b, 368). Assim, a trajetória profissional dos professores do ensino superior envolve uma multiplicidade de gerações pedagógicas que não só se sucedem, mas se entrelaçam em um mesmo percurso histórico, possuindo, contudo, modos diferenciados de participação, interação e compreensão da trajetória formativa a ser empreendida pelos docentes nas instituições em que atuam. As possíveis resistências ao logo dessa trajetória podem ser em decorrência da assincronia geracional entre os diversos grupos de professores, o que pode indicar a necessidade da mesma ser levada em conta para o planejamento e a implementação do desenvolvimento profissional docente. Em termos profissionais este percurso corresponde à carreira pedagógica ou, como denominamos em nossas pesquisas de trajetória docente. Esta é entendida como um processo que envolve a trajetória especificamente docente dos professores em uma ou em várias instituições de ensino, nas quais estiveram ou estão engajados e que, de algum modo, condiciona as ações formativas que eles realizam, tendo em vista o próprio desenvolvimento e de seus alunos (ISAIA, 2006b). O significativo a considerar é que a carreira é influenciada, tanto pelas características pessoais (trajetória de vida) dos professores, quanto pelas profissionais (contexto institucional em que estão inseridos). Nesse sentido, é importanteconsiderarmos, de modo integrado, as alterações vivenciais e as maneiras como os professores encaram a docência. Assim, a história de vida pessoal e profissional remete à dimensão dos outros, daqueles que precedem e acompanham a cada um, sendo constituída na trama de relações vividas e narradas (BRUN; BACHELART, 2000; LANI-BAYLE, 2000). Desse modo, o desenrolar da carreira é um processo que, apesar de seqüencial, não se apresenta de forma linear, daí os ciclos de vida profissional corresponderem aos momentos de ruptura ou oscilação, responsáveis pelo aparecimento de novas fases ou percursos que podem ser trilhados pelos docentes. (HUBERMAN, 1989, 1998). Os ciclos abarcam, deste modo, uma sucessão de anos combinados com fases que podem apresentar mais de uma temática e, para cada fase, entradas e saídas diversificadas ao longo da carreira docente. Mesmo que haja certa estandardização seqüencial, 8 constatamos que os acontecimentos dentro de cada etapa são percebidos e enfrentados de forma idiossincrática pelos professores. Essa seqüência não linear e que carrega as peculiaridades de cada docente e de como ele interpreta os acontecimentos vividos corresponde ao que denominamos de movimentos construtivos da docência. Nessa perspectiva buscamos compreender esses movimentos a partir da percepção que cada docente tem de sua carreira, tendo como fio condutor a subjetividade de cada um e como constroem as concepções de docência em sua trajetória constituída pelos seus diferentes ciclos profissionais. Discussão dos achados: entrelaçamento de fios teóricos e empíricos Os docentes responsáveis pelas auto-reconstruções receberam siglas relativas aos anos de experiência no magistério superior, a fim de ser resguardado seu anonimato. Assim, os professores dos anos iniciais receberam a sigla PAI, os dos anos intermediários são indicados pela sigla PAT e os dos anos finais são representados pela sigla PAF. Os vinte professores se distribuíram numericamente do seguinte modo, quanto ao tempo da carreira docente: cinco para os anos iniciais; sete para os anos intermediários e oito para os anos finais. O maior número de sujeitos contemplados nos anos intermediários e finais se deve ao fato de que estes possuem uma trajetória docente que nos permitiu compreender de forma mais detalhada os movimentos transformativos por que passam e no delineamento de suas trajetórias[1] foi o grupo mais expressivo, ou seja, o que apresentou maior percentual do grupo como um todo. Com base nas vinte auto-reconstruções biográficas, procuramos evidenciar quais os movimentos que os professores participantes perceberam em suas trajetórias docentes, buscando os primeiros indicadores de possíveis movimentos construtivos. 1. Preparação à carreira docente Esse movimento envolve experiências no ensino médio, monitorias, estágios de residência médica, curso de pós-graduação “latu sensu” e “strito sensu”, atuação como professor substituto e influências familiares, denotando que a trajetória profissional docente vai se constituindo a partir de experiências prévias que podem direcionar futuramente o sujeito para a carreira docente. (...) Escola Normal Colegial como professora primária por dois anos (...) professora contratada, de língua inglesa de 5ª a 8ª (...) alunos eram filhos dos empregados das empreiteiras responsáveis pela obra (...) PAF. (...) Aparece como substituta (...)1995 – substitutos heróis – número de disciplinas diferentes com enfoques distintos. (...) Não questionava a falta de qualidade de ensino e a baixa remuneração (...). Orgulho por ter um contrato com a (...) PAI. (...) forma de estudar era em grupo e geralmente ensinando colegas, para o vestibular (...) estudei com uma colega que tinha facilidade em disciplinas matemáticas e eu em outras e nos ensinávamos, trocávamos conhecimentos. (...) este histórico preparou o terreno para a docência (...) PAT. 9 Os professores participantes demarcaram que neste período inicial começam a se dar conta da docência superior como uma possibilidade, apesar de que a maioria ainda não explicita com clareza que tinha consciência de que iria dedicar-se a este nível de ensino. Salientamos que este período constituiu-se em uma formação inicial para a futura carreira, pois é a partir dele que os docentes entraram em contato, pela primeira vez, com a dinâmica educativa. Podemos perceber a partir deste primeiro movimento o que temos denominado de aprendizagem docente[2], ou seja, o processo de apropriação, por parte do professor, de saberes e fazeres inerentes a uma Pedagogia Universitária. 2. Entrada efetiva no magistério superior Esta entrada ocorre de forma circunstancial para grande parte dos professores, não representando uma escolha efetivamente buscada para o início da vida profissional, mas, principalmente, pela oportunidade de trabalho que representa. Para outros, contudo, o magistério é uma a escolha pessoal, o que indica um forte componente de envolvimento afetivo com a docência desde um período prévio. Um fator preponderante nesta escolha encontra-se em uma inclinação afetiva que denominamos, a partir de resultados de nossas pesquisas, de sentimentos docentes.[3] Eles podem constituir-se na escolha profissional e, principalmente, ao logo da docência, em elementos dinamizadores da atividade educativa dos professores. Nas narrativas dos docentes foi possível detectarmos a explicitação destes sentimentos: (...) Não sei, hoje, se meu início na vida docente foi por falta de outras opções; eu tinha então, 26 anos, queria muito trabalhar, não tinha outro convite e planejava ter filhos, e, portanto, um emprego público seria um bom início (...) PAF. (...) A minha motivação para exercer a docência era ter um trabalho e poder me desenvolver como pessoa e profissionalmente. Não sabia bem o que significava ser professor PAF. (...) Agora me parece que para docência não houve uma escolha, mas que ela estava dentro de mim e aflorou (...) PAT. (...) logo no início do mestrado, soube da possibilidade do concurso na. (...) Havia uma vaga (...) então, uma possibilidade muito real de ser professor. Tive tempo e me preparei muito para o concurso (...) Começava então a minha carreira docente, como professor auxiliar, além de continuar o mestrado (...) PAT. Algumas das percepções marcantes deste período envolvem: solidão pedagógica, insegurança frente aos alunos e à disciplina, tanto em termos de manejo de classe, quanto de domínio do conteúdo da disciplina; centração no conteúdo específico e na necessidade de vencer o programa a qualquer custo; inadequação para a docência, ou seja, falta de domínio de uma pedagogia para esse nível de ensino. A solidão pedagógica é sentida devido à inexistência tanto de apoio institucional ao professor iniciante, quanto da parte de colegas mais experientes. Cunhamos o termo solidão pedagógica para indicar o sentimento de desamparo dos professores frente à 10 ausência de interlocução e de conhecimentos pedagógicos compartilhados para o enfrentamento do ato educativo. O processo de organização pedagógica e sua relação com as ações do professor constituem o que denominamos de conhecimento pedagógico compartilhado. Esse é um conceito de base centrado em uma rede de relações interpessoais e que compreende o domínio do saber fazer (estratégias pedagógicas) e do saber teórico e conceitual e suas relações. Ele implica em trocas cognitivas e socioculturais entre ensinantes/aprendentes, sendo possível destacarem-se condições a serem levadas em conta pelos professores, ao longo de suas trajetórias de formação (BOLZAN, 2006, p. 380). A insegurança frente aos alunos ou à disciplina é uma característica comum no início da carreira devido ao despreparo dos professores para a docência superior, na medida em que o preparo para o magistério superior não é contemplado nos currículos dos diversos cursos de graduação e na Pós-graduação “latuou strito sensu”, apenas está presente na forma de disciplinas esparsas, quando ocorrem, ou em iniciativas mais atuais de contemplar a docência orientada ou o estágio da docência como preparação inicial ao nível superior, experiência vivida especificamente pelos alunos que estão fazendo os cursos de mestrado ou doutorado em educação. A centração no conteúdo específico é uma marca dos professores iniciantes e se estende também àqueles que apresentam maior consolidação da docência, mas com variantes diferenciadas. Esse conhecimento, que os professores tanto valorizam, refere- se aos conhecimentos sobre a matéria a ser ensinada. Constitui-se por elementos conceituais e organizacionais dos conteúdos próprios da disciplina, envolvendo idéias, informações, definições, convenções e tópicos gerais, bem como sua estrutura organizacional. (BOLZAN 2002, 2004; MARCELO GARCÍA, 1999). Assim, é necessário que os professores, além de considerarem seus domínios específicos, invistam na dimensão pedagógica da docência. Essa dimensão envolve atividades e valores traduzidos em: a) sensibilidade frente ao aluno; b) valorização dos saberes da experiência; c) ênfase nas relações interpessoais; d) aprendizagem compartilhada; e) integração teoria/prática; f) o ensinar enfocado a partir do processo de aprender do aluno, tudo isso voltado para o desenvolvimento desse sujeito como pessoa e profissional, constituindo, desse modo, uma pedagogia própria para esse nível de ensino, o que chamamos de pedagogia universitária.[4] A inadequação à docência decorre da falta de preparo específico para o magistério superior. Isto se deve ao fato, já comentado, de que os docentes mesmo estando cientes da sua função formativa, não consideram a necessidade de uma preparação específica para exercê-la. É como se o conhecimento específico desenvolvido nos anos de formação inicial e mesmo no início da carreira, bem como o exercício profissional bastassem para assegurar um bom desempenho docente. Isso se torna evidente nas narrativas que seguem: (...) A estrutura em Centros e Departamentos pulveriza as atividades concentradas (...) A estrutura departamental isola os profissionais omissos e atravanca o desenvolvimento dos que trabalham (...) PAF. (...) Espaços para a partilha coletiva de experiências pedagógicas não existiam, pelo menos de maneira formal (...) PAT. (...) Devemos encontrar um modo de trocarmos idéias com os colegas sobre as disciplinas lecionadas, sobre o planejamento das 11 aulas, a forma e a metodologia utilizada para lidar com certos conteúdos, sempre buscando um objetivo comum (...) PAI. (...) pela falta clássica de informações entre os colegas de disciplina, só se interam dos aspectos administrativos e ou curriculares, os chefes de disciplina (...) Planejamento de aulas, acompanhamento, partilha de experiências pedagógicas não foram abordadas ou discutidas no departamento (...) PAF. (...) A preocupação era diretamente proporcional ao conteúdo e ao modo de expô-lo, sem nenhuma preocupação quanto à aplicabilidade prática (...) PAF. Evidenciamos que a idéia de aprendizagem docente implicitamente está presente neste movimento construtivo, na medida em que percebemos a tomada de consciência dos professores de sua inadequação docente, o que lhes permite moverem-se em direção a futuras transformações. 3. A marca da pós-graduação na docência superior Esta experiência pode ser anterior ou após a entrada na carreira docente, mas de qualquer modo marca uma nova perspectiva docente, voltada para a pesquisa, à orientação de alunos, seja de IC, mestrado ou doutorado e para a produção acadêmico- científica. A Pós-graduação “strictu sensu”, representa, sem dúvida, um novo movimento transformativo na construção da carreira docente. Esta construção, possivelmente, envolve o fato de que os critérios de seleção e progressão funcional adotados nas IES estão centrados, principalmente, na titulação e na produção científico-acadêmica como vimos constatando. Salientamos, ainda, que os docentes creditam aos Cursos de Pós- graduação “strictu sensu” a expansão de seus horizontes conceituais e a possibilidade de formarem-se como pesquisadores e como docentes na educação superior, o que lhes dá maior maturidade como professores. Eles explicitaram em suas narrativas a importância deste acontecimento em suas carreiras, inclusive como forma de sentirem-se mais preparados para a docência após sua realização. Esses aspectos deixam evidente o processo de aprendizagem docente que vai sendo tecido nas diferentes vivências da docência. Não é possível pensar no processo de aprender a ser professor sem a efetivação de uma rede de interação que se caracteriza pela atividade compartilhada. A ação, a reflexão conjunta e a negociação de conflitos, favorecem a construção de uma rede de relações que compõe o processo interativo da formação docente e seu conseqüente processo de aprendizagem compartilhada, possibilitando a aprendizagem da docência e, conseqüentemente, o desenvolvimento profissional no ensino superior (BOLZAN, 2002, 2004; BOLZAN; ISAIA, 2006; ISAIA; BOLZAN, 2006; 2007a e b). As narrativas que seguem evidenciam esses elementos. (...) os projetos de pesquisa sob minha coordenação sempre tiveram como colaboradores apenas estudantes do curso (...) (às vezes de outras áreas da saúde). Portanto, o ensino vinha na esteira da produção acadêmica, assim como a extensão (assistência para nós) (...) PAF. (...) tive contato com professores e autores que me oportunizaram pensar de forma diversa, considerar coisas que eu não havia considerado, perceber certas nuances que me escapavam. Cresci 12 muito ao longo deste meu ainda curto percurso dentro da educação. As mudanças são enormes, tenho muito mais tranqüilidade hoje em tratar com os meus alunos. Gosto muito mais de ser professor hoje do que antes de ter contato com a Educação (...) PAI. (...) foi iniciar sob “nova roupagem acadêmica” uma atividade docente diferente daquela quando comecei a lecionar. Novas idéias, novas técnicas de ensinagem, trabalho acadêmico centrado no aluno, como foco primeiro da minha atenção, com repercussão direta sobre o produto final da atividade (...) a questionar, discutir, pesquisar, envolver, etc. era algo que fugia completamente ao paradigma até então estabelecido (...) PAF. (...) Enquanto isso, na pós-graduação, matriculei-me em duas disciplinas de educação, Fundamentos Educacionais do Ensino Superior e Didática do Ensino Superior. A primeira foi excelente, me fez começar a ver com outros olhos a licenciatura e o ensino (...) PAT. 4. Professoralidade docente Nesse movimento o conteúdo não parece ser o mais importante. Os professores estão mais voltados para as necessidades dos alunos do que de suas próprias. O amadurecimento profissional e a consciência de que a docência é um processo construído ao longo da carreira parece ser o elemento distintivo. Esta consciência depende de que os docentes tenham um conhecimento consistente de sua área de conhecimento; do modo como seus alunos aprendem e de com podem ser auxiliados neste processo, o que, sem dúvida, mobiliza movimentos de reorganização do trabalho pedagógico da aula universitária. Devido às peculiaridades desse movimento, nós o denominamos de professoralidade docente na medida em que ela implica não só em dominar conhecimentos, saberes, fazeres de determinado campo, mas envolve também a sensibilidade do docente como pessoa e profissional em termos de atitudes e valores, levando em conta os saberes da experiência docente e profissional, entendida a partir de uma ótica de reflexão sistemática, bem como a ênfase nas relações interpessoais, entendidas como o componente intrínseco ao processo de ensinar, aprender, formar-se e, conseqüentemente, desenvolver-se profissionalmente (BOLZAN; ISAIA, 2006). Assim o professor à medida que ensina aprende com seus alunos, denotando espírito de aberturae humildade ao não adotar uma posição autoritária, ao mesmo tempo em que está ciente de sua responsabilidade em conduzir o processo formativo dos alunos, tendo como meta o desenvolvimento dos mesmos, como pessoas e profissionais. Com esta postura o professor está assumindo a professoralidade docente (ISAIA; BOLZAN, 2006, 2007a, 2007b). Nessa mesma direção, afirmamos que outro elemento essencial a professoralidade é a certeza do inacabamento, isto é, o professor para se construir na docência precisa estar disposto a aprender. Não estamos falando de uma aprendizagem generalizada de ser professor, mas a entendemos a partir do contexto concreto de cada um, tendo em vista sua trajetória de formação, sua trajetória institucional e para qual atividade formativa está direcionado. Nesse processo estão implicados a dinamização dos conteúdos específicos 13 da área disciplinar e os modos de construção de estratégias pedagógicas para o desenvolvimento de atividades de estudo a serem implementadas, compreendidos por nós como elementos fundantes do processo de aprender a docência. Para tanto, é necessário levarmos em conta o que entendemos por docência. Assim, nós a definimos como todas as atividades desenvolvidas pelos professores, orientadas para a preparação de futuros profissionais. Dessa forma, a docência superior precisa apoiar-se na dinâmica da interação/compartilhamento de diferentes processos que respaldam o modo como os professores concebem o conhecer, o fazer, o ensinar, e o aprender, bem como o significado e o sentido que dão a eles. Portanto, a docência superior ocorre no espaço de articulação entre modos de ensinar e de aprender, constituído por uma pedagogia universitária própria, em que professores e alunos intercambiam as funções de ensinantes e de aprendentes. Nesse sentido, podemos falar em aprendizagem compartilhada, seja relativa ao processo construtivo de ser professor do ensino superior, seja em relação ao processo inicial de preparação dos alunos como futuros profissionais em suas diversas áreas de atuação relativas aos cursos de licenciatura e de bacharelado a que estão ligados. Tais elementos se evidenciam nas narrativas colhidas. (...) Tenho projetos de ensino, pesquisa e extensão. Estão ligados a formação (...)nos cursos de graduação em um movimento nacional e a criação de espaços para informações, reflexões que auxiliem na revisão das concepções que embasam as mudanças desejadas no setor saúde, como a própria concepção de saúde. Na pesquisa estudo a tendência de mudanças nos cursos de graduação das escolas médicas brasileiras. Estas atividades, sendo fora do âmbito da docência do curso, estão dentro das propostas de uma universidade. (...) Penso que a docência que trata do ensino, não pode estar desvinculada da pesquisa e extensão/assistência. (...) PAF. (...) hoje considero o “ser professor” o centro da minha vida profissional. Acho que muitas coisas estão mudando e tantas outras ainda vão mudar. Atuo como docente em função dos alunos, a interação com eles é o meu principal motivador. E das discordâncias com os colegas, tiro muitas lições. Acho que o principal atributo de um professor é a capacidade de considerar alternativas. E isso não é nada fácil. Mas, como já disse anteriormente, ninguém disse que seria (...) PAI. (...) sempre dou importância ao conteúdo a ser ministrado, mas também me preocupo com o modo de ensinar. A aplicação futura dos conteúdos também é levada em consideração, sobretudo aos alunos de cursos de licenciatura (...) PAT. Apontamentos finais: uma caminhada possível à compreensão dos movimentos constitutivos dos ciclos Com base em achados desta etapa da pesquisa, evidenciamos que as concepções de docência de professores de licenciatura e de bacharelado de uma IES pública vão se 14 transformando, permeadas por movimentos construtivos que os docentes vão produzindo ao longo da carreira. Desse modo, o primeiro movimento é de cunho preparatório para a efetiva atuação na universidade. As experiências prévias de caráter pedagógico que eles vivenciam têm a função de iniciá-los na atividade docente futura. Percebemos aí um tateamento em direção a uma função que mais tarde irá se concretizar. Ainda não uma clara idéia sobre quais caminhos trilhar para a produção de uma aula universitária. (adequação das propostas pedagógicas sem ênfase na reprodução de conteúdos específicos apenas). O segundo movimento envolve a efetivação na docência superior na qual a característica mais marcante é a falta de preparação específica para este nível de ensino. Grande parte das escolhas é acidental na busca de iniciar uma atividade laboral após a graduação. Também evidenciamos a ausência de clareza sobre quais os rumos da atividade docente, uma vez que as exigências não são claramente explicitadas pelas instâncias institucionais (as chefias entregam o ementário e o docente precisa dar conta de realizar a aula sem qualquer tipo de auxílio para tal). O terceiro movimento que os professores explicitam como marcante em sua trajetória docente é a realização de Cursos de Pós-graduação, entendendo-os não apenas como oportunidade de formação para a pesquisa, mas também para a docência na universidade. Essa experiência se caracteriza para muitos dos entrevistados como um caminho formativo em andamento. A partir dos Cursos de Pós-graduação, os nossos sujeitos sentiram-se mais preparados para atuar como professores, percebendo que suas atividades docentes, muito mais do que técnicas, são de natureza pedagógico-formativa em relação aos alunos e a eles próprios. Nessa fase é evidente que os conhecimentos e discussões sobre a área pedagógica vivenciados em disciplinas dos cursos de pós-graduação servem de base para pensar sobre o que produzir em uma aula universitária. O último movimento construtivo demarcado pelos professores envolve o que podemos denominar de professoralidade docente, ou seja, os professores estão engajados em atividades educativas voltadas para o efetivo desenvolvimento de seus alunos. (BOLZAN; ISAIA, 2006). Neste movimento parece emergir uma concepção de docência mais madura, à medida que os saberes por eles acionados estão marcados pela dimensão humana, ou seja, os alunos são os focos de atenção docente, levando-nos a indicar o caráter gerativo desta atividade. Há um evidente direcionamento na organização da aula universitária, uma vez que os docentes consideram as áreas de interesse dos alunos para aprofundar temas e tópicos, o que lhes exige dar conta de tais demandas, obrigando-os a reorganizar o trabalho pedagógico tomando esses aspectos como relevantes para a dinamização da aula. Portanto, o professor gerativo caracteriza-se pela postura de engajar-se frente ao desafio de formar seus alunos, isto é, assumir conscientemente a condução pedagógica e colocar em marcha um processo de ação docente que favorece a aprendizagem dos alunos, preparando-os para seu aperfeiçoamento profissional. Ele não apenas executa as atividades docentes, mas sente-se comprometido a realizá-las da melhor forma possível. Um elemento importante de análise e interpretação para a compreensão dos movimentos construtivos encontrados está em que eles apresentam dimensões contínuas a todo o processo, e outras descontínuas, estando presentes em um ou outro movimento. Assim, elementos próprios à professoralidade podem estar presentes em etapas anteriores, mesclados com elementos contraditórios a esse movimento. Como os movimentos não são lineares e de seqüência fixa, os anos na carreira não são condicionantes suficientes ao surgimento de determinado movimento. Assim, um professor nos anos iniciais da carreira pode apresentar peculiaridades de um maior amadurecimento docente, enquanto 15 outro dos anos intermediários ou finais pode manter características mais comuns a um professor iniciante. Não podemos esquecer também que os apontamentos, expressos através do esboçode análise preliminar a que chegamos, indicam que as concepções de docência envolvem um processo de construção que é marcado por diferentes movimentos construtivos dos professores sujeitos desta pesquisa e dependem da interação dos processos formativos que eles colocam em andamento, da própria aprendizagem da docência que os acompanha ao longo de toda a carreira e de uma pedagogia própria a esse nível de ensino. Notas [1]O projeto em sua primeira fase apresentou um número expressivo de docentes que se encontravam na fase intermediária e final da carreira e que responderam a um questionário disponibilizado a todos os docentes. Desses 43% encontravam-se entre os anos intermediários e finais. [2]Aprendizagem docente compreende um processo interpessoal e intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres próprios ao magistério superior, que estão vinculados à realidade concreta da atividade docente em seus diversos campos de atuação e em seus respectivos domínios. Sua estrutura envolve: o processo de apropriação, em sua dimensão interpessoal e intrapessoal; o impulso que a direciona, representado por sentimentos que indicam sua finalidade geral; o estabelecimento de objetivos específicos, a partir da compreensão do ato educativo e, por fim, as condições necessárias para a realização dos objetivos traçados, envolvendo a trajetória pessoal e profissional dos professores, bem como o percurso trilhado por suas instituições. A aprendizagem docente ocorre no espaço de articulação entre modos de ensinar e aprender, em que os atores do espaço educativo superior intercambiam essas funções, tendo por entorno o conhecimento profissional compartilhado e a aprendizagem colaborativa. Não é possível falar-se em um aprender generalizado de ser professor, mas entendê-lo a partir do contexto de cada docente no qual são consideradas suas trajetórias de formação e a atividade formativa para a qual se direcionam (ISAIA, 2006b, p. 377). [3] Os sentimentos docentes constituem-se emelementos dinamizadores da atividade educativa dos professores, uma vez que representam vivências afetivas de caráter apreciativo, o que condiciona a atitude valorativa destes frente ao que é importante ao mundo pessoal e profissional. Envolvem uma dinâmica entre as experiências, competências e expectativas próprias a cada docente em relação a valores, a expectativas e a normas elaboradas no contexto em que estão inseridos. Os processos formativos necessitam de sentimentos orientativos para sua consecução, levando professores e alunos a perceberem suas trajetórias de formação como significativas em termos de realização pessoal e profissional (ISAIA, 2006b, p. 373). [4] Pedagogia Universitária vista como campo polissêmico de produção e aplicação dos conhecimentos pedagógicos na educação superior. Notas: Reconhece-se no plural, como pedagogias múltiplas, porque faz interlocução com os distintos campos científicos dos quais toma referentes epistemológicos e culturais para definir suas bases e características. A pedagogia universitária é um espaço de conexão de conhecimentos, subjetividades e cultura, que exige um conteúdo científico, tecnológico ou artístico altamente especializado e orientado para a formação de uma profissão (LUCARELI, 2000, p. 36). Pressupõe, especialmente, conhecimentos no âmbito do currículo e da prática 16 pedagógica que inclui as formas de ensinar e aprender. Incide sobre as teorias e as práticas de formação de professores e dos estudantes da educação superior. Articula as dimensões do ensino e da pesquisa nos lugares e espaços de formação. Pode envolver uma condição institucional considerando-se como pedagógicos o conjunto de processos vividos no âmbito acadêmico (CUNHA, 2006, p. 351). Referências ARNAUS, Remei. Voces que cuentam y vocês que interpretam. In: LARROSA, Jorge; ARNAUS, Remei; FERRER, Virginia et al. Déjame que te cuente. Barcelona: Alertes, 1995, p. 61-78. ABRAHAM, Ada (Org.). El enseñante es también una persona. Barcelona: Gedisa, 2000. ______. El mundo interior de los enseñantes. Barcelona: Gedisa, 1987. BAUER, Martin. Análise de conteúdo clássica: uma revisão. In: BAUER, Martin; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som. Um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 189-217. BOLZAN, Doris Pires Vargas. Formação de professores: compartilhando e reconstruindo conhecimentos. Porto Alegre: Mediação, 2002. ______. A construção do conhecimento pedagógico compartilhado: reflexões sobre o papel do professor universitário. In: ANAIS da V ANPEd Sul, Curitiba/PR, 2004. p. 1-15. BOLZAN, Dóris Pires Vargas; ISAIA, Silvia de Aguiar. Aprendizagem docente na educação superior: construções tessituras da professoralidade. Revista Educação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 29, n. 3 (60) p. 489-501, 2006. BOLZAN, Doris Pires Vargas. Verbete. In: CUNHA, Maria Isabel; ISAIA, Silvia de Aguiar. Professor da educação superior. In: MOROSINI, Marília (Ed.). Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário. Brasília, v. 2, 2007. p. 388. BRUN, Patrick; BACHELART, Dominique. Histoires de vie et démarches collectives de construction d’histoire. Education Permanente. Paris, n. 142, p. 105-114, 2000. CONNELLY, Michael; CLANDININ, Jean. Relatos de experiência e investigación narrativa. In: LARROSA, Jorge; ARNAUS, Remei; FERRER, Virginia et al. Déjame que te cuente. Barcelona: Alertes, 1995, p. 53-78. CUNHA, Maria Isabel. Verbete. In: CUNHA, Maria Isabel; ISAIA, Silvia de Aguiar. Professor da Educação Superior. In: MOROSINI, Marília (Ed.). Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário. Brasília, v. 2, 2006. p. 351. HUBERMAN, Michael. La vie des enseignants. Évolution et bilan d’une profession. Paris/Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1989. ______. Trabajando con narrativas biográficas. In: McEWAN, Hunter; EGAN, Kieran (Comps.). La narrativa en la enseñanza el aprendizaje y la investigación. Buenos Aires: Amorrortu, 1998. p. 183-235. 17 ISAIA, Silvia de Aguiar. Professor do ensino superior: tramas na tessitura. In: MOROSINI, Marília (Org.). Enciclopédia de pedagogia universitária. Porto Alegre: FAPERGS/ RIES, 2003. p. 241-251. ______. Desafios à Docência Superior: pressupostos a considerar. In: RISTOFF, Dilvo; SEVEGNANI, Palmira (Orgs.). Docência na educação superior. Brasília: Inep, 2006a, p. 65-86. (Coleção Educação Superior em Debate; v. 5). ______. Verbetes. In: CUNHA, Maria Isabel; ISAIA, Silvia de Aguiar. Professor da Educação Superior. In: MOROSINI, Marília (Ed.). Enciclopédia de pedagogia universitária: glossário. Brasília, v. 2, 2006b, p. 358, 368, 373, 377. ISAIA, Silvia de Aguiar; BOLZAN, Dóris Pires Vargas. Tessituras dos processos formativos de professores que atuam nas licenciaturas. In: RAYS, Oswaldo A. (Org.). Educação, matemática e física: subsídios para a prática pedagógica. Santa Maria, RS: Edunifra, 2006, p. 69-86. ______; ______. Ciclos de vida profissional docente: movimentos construtivos da docência universitária. In: Anais IV Congresso Nacional y II Internacional de Investigación Educativa, Universidad Nacional de Comahue, Argentina, 2007a. p. 1-13. ______; ______. Construção da Profissão docente/professoralidade em debate: desafios para a educação superior. In: CUNHA, Maria Isabel (Org.). Reflexões e práticas em pedagogia universitária. Campinas: Papirus, 2007b, p. 161-177. LANI-BAYLE, Martine. Histoire de vie et transmission intergénérationnelle. Education Permanente. Paris, n. 142, p. 85-93, 2000. LUCARELLI, Elisa (Comp.). El asesor pedagógico em la universidad. De la teoria pedagógica a la práctica en la formación. Buenos Aires: Paidos, 2000. LUDKE, Menga. Os professores e a sua socialização profissional. In: REALI, Aline Maria de Medeiros; MIZUKAMI, Maria da Graça (Org.). Formação de professores. São Carlos: EDUFSCar, 1996. p. 25-46. MARCELO, Carlos Garcia. Formación del professorado para el cambio educativo. Barcelona:EUB, 1999. McEWAN, Hunter. Las narrativas en el estudio de la docência. In: McEWAN, Hunter; EGAN, Kibran (Comps). La narrativa en la enseñanza, el aprendizaje y la investigación. Buenos Aires: Amorrortu, 1998. p. 236-259. MIZUKAMI, Maria da Graça. Aprendendo a profissão docente no ensino superior: um estudo de caso. São Carlos: PPGE – UFSCar, 1995. ______. Docência, trajetórias pessoais e desenvolvimento profissional. In: REALI, Aline Maria de Medeiros; MIZUKAMI, Maria da Graça (Orgs.). Formação de professores. São Carlos: EDUFSCar, 1996, p. 59-91. MORAES, Roque. Uma experiência de pesquisa coletiva: introdução à Análise de Conteúdo. In: GRILLO, Marlene; MEDEIROS, Marilu. Construção do conhecimento e sua mediação metodológica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998, p. 111-129. 18 ORTEGA Y GASSET, José. Obras completas. 7. ed. Madrid: Ediciones de la Revista del Occidente, 1970, v. 5. PROJETO DE PESQUISA. O professor de licenciatura e a docência: reflexões e posicionamentos ao longo da carreira. CNPq, 1999 – 2003. PROJETO DE PESQUISA. Ciclos de vida de professores do ensino superior: um estudo sobre trajetórias docentes. CNPq, 2003 – 2007. PROJETO DE PESQUISA. O aluno/professor do Curso de Pedagogia e a alfabetização: construções pedagógicas e epistemológicas da formação profissional. FAPERGS, 2002 – 2005. PROJETO DE PESQUISA. Aprendizagem docente e processos formativos: novas perspectivas para a educação básica e superior. GAP n. 020117, CE/UFSM, FAPERGS, 2007 – 2009. ZABALZA, Miguel. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto Alegre: Artmed, 2004. Understanding the constructive movements of higher education teaching: constructions over university pedagogy Abstract This article result from the researches which have been developed by the authors and, specially, on the thematic of the professional life cycles of higher education professors. It discusses the possible constructive movements in the teaching trajectory of university professors. The present discussion emerges from the search for comprehension of the constructive movements of teaching, as well as the delineation of possible professional life cycles of these subjects. The participants in the research were grouped according to experience in the higher education teaching, aiming to describe their biographies. In this analysis four teaching constructive movements were found: the preparation for the teaching career, effective entrance in higher education teaching, post-graduation traces in higher education teaching; teaching professorality. The findings allow us to speculate that the teaching conception threads are woven from constructive movements throughout the teaching trajectory, marking them out as a continuous learning process for teaching. Keywords: University pedagogy. Constructive movements. Higher education teaching. 19 Docência na universidade: professores inovadores na USP Helena Coharik Chamlian3 Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Departamento de Metodologia do Ensino e Educação Comparada, E-mail: hcchamli@usp.br RESUMO O artigo trata de pesquisa realizada com um grupo de professores inovadores da Universidade de São Paulo tendo como objetivo procurar subsídios para a formação do professor universitário. Esses docentes foram entrevistados, solicitando que detalhassem melhor suas experiências inovadoras; explicassem as razões pelas quais haviam introduzido modificações em sua forma de trabalho; explicitassem as relações entre sua atividade de docência e de pesquisa, expressassem o papel que atribuíam ao ensino na universidade, bem como a forma pela qual sua trajetória acadêmica havia se cumprido até então. A diversidade de experiências relatadas e, ao mesmo tempo, a convergência de visões a respeito de suas funções de ensino e de pesquisa na universidade permitem- nos afirmar que, mais do que uma formação pedagógica específica, a sensibilização para as dificuldades do ensino e a valorização institucional dessa atividade consistiriam em grande avanço para a formação do professor. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO – FORMAÇÃO DE PROFESSORES – UNIVERSIDADE – ENSINO-PESQUISA – INOVAÇÃO EDUCATIVA ABSTRACT This article relates a research made with innovator teachers of the University of São Paulo, which aim was to search elements to rethink the educational formation provided to university teachers. A group of these teachers was interviewed, in order to obtain details 3 CHAMLIAN, Helena Coharik. Docência na universidade: professores inovadores na USP. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p.41-64, mar.2003. 20 about the nature of their innovations, to explain the reasons why they introduced changes in their teaching, to explicit the relationship between their teaching and research activities and to define the function that they had attributed to teaching at the university. They were also asked to inform the way which their academic trajectory had been carried out until then. The diversity of the collected experiences and, at the same time, the convergence of ideas about the functions of teaching and research led us to affirm that, more than a specific teaching education, it would be a great improvement to teacher education, to become aware of teaching difficulties, accompanied by institutional valorization of this activity PROFESSORS – TEACHER EDUCATORS – UNIVERSITIES – INNOVATION ...o ensino e a pesquisa não se confundem [...] com o aprendizado de uma profissão. Sua grandeza e seu infortúnio estão em constituírem ou um refúgio ou uma missão. Lévi-Strauss, 1955, p. 46 Nos últimos anos, verifica-se um novo movimento de expansão de vagas nos cursos de graduação das universidades públicas, especialmente no Estado de São Paulo. Ele procura responder a vários tipos de pressão, dentre os quais se destaca o próprio crescimento do ensino público de nível médio. Embora seja um movimento de proporções limitadas ele é suficiente para que a questão da reposição/formação do corpo docente das universidades seja objeto de discussão, corroborando a tendência, também observada, de que a questão da formação do professor universitário vem saindo dos bastidores para ocupar a cena pública. Desde que nos propusemos a enfrentar esta questão, nosso principal foco tem sido o de considerar a especificidade da atuação do docente de nível superior e os contextos institucionais que a determinam. Além disso, parece-nos temerário pensar em intervir nessa formação sem ter delimitado um campo teórico específico e adequado, que sirva de ponto de referência e de confronto para a própria intervenção. Nessa perspectiva, o estudo das principais concepções sobre universidade, formuladas ao longo de sua história, é fundamental para perceber de que modo nelas se articulam as funções de ensino e pesquisa que, por sua vez, norteiam as ênfases predominantes nas diversas organizações institucionais. Soma-se a essa preocupação a tentativa de compreender como as universidades, caudatárias de tradições seculares, vêm convivendo com fenômenos mais recentes, tais como: a sua expansão e diversidade de funções, a massificação do ensino e a sua própria reprodutibilidade. De modo geral, podemos dizer que os problemas relacionados à questão do ensino nas universidades, em toda a parte, têm suas raízes no chamado "éthos acadêmico", que é a identificação fundamental do trabalho universitário com a pesquisa. Essa é, também, a lógica da própria organização institucional da universidade e a fonte de prestígio na atividade acadêmica1. Definimos, portanto, como questão teórica central para nossa investigação sobre a formação do professor universitário, a necessidade de compreensão da relação ensino/pesquisa na universidade e suas decorrências para o exercício da função docente. 21 Assistimos hoje à convivênciade duas visões de universidade que ilustram as contradições e os confrontos que esse nível de ensino enfrenta. A primeira delas está ligada à sua concepção original de associação entre ensino e pesquisa e ao caráter mais cultural que profissional atribuído a seus ensinamentos, exatamente por suas atividades de pesquisa. A segunda visão está relacionada às evoluções reclamadas pela conjuntura socioeconômica, necessitando de profissionais cada vez mais qualificados e com perfis de formação mais flexíveis. Um levantamento sobre a situação dos sistemas universitários pelo mundo, publicado pela revista The Economist (Bireaud,1994), aponta para as contradições entre as expectativas do universo acadêmico em relação ao trabalho na universidade, inclusive do ponto de vista dos agentes financeiros, voltadas eminentemente para a pesquisa, e as expectativas da maioria de seu público, que espera usufruir dos resultados dela gerados, por meio de um ensino e de uma formação profissional de boa qualidade, que nem sempre se concretizam. Concordamos com Bireaud, quando afirma que a existência e a natureza da formação pedagógica dos professores de ensino superior são elementos desse confronto. Além disso, segundo a mesma autora (1995), o modelo pedagógico tradicional da universidade, traduzido pela "aula magistral" e pelas formas de controle e avaliação, ainda não teve sua lógica rompida, a despeito da incorporação de inovações de natureza tecnológica, representadas pela utilização dos meios e recursos audiovisuais e da informática. Essa lógica é a da transmissão de um saber que, para Lyotard (1986, p.58-9), "encontra a sua legitimidade em si próprio", porque é fruto da pesquisa. Para Santos (1997), tanto o modelo pedagógico quanto a pesquisa e o saber produzidos na universidade apresentam sinais de degradação, porque a própria idéia de universidade está em crise. A crise da universidade manifesta-se de diversas formas e para este autor pode ser qualificada em três amplos aspectos, entre si relacionados: crise de hegemonia, crise de legitimidade e crise institucional, frutos da crise da própria modernidade. No caso brasileiro, para pensarmos na versão nacional dessa crise, devemos considerar a escassez de nossa tradição universitária – já que a universidade é de história recente em nosso país, não tendo ainda completado um século –, e suas relações com a estrutura econômica, política e social. Verificamos, obviamente, as intensas repercussões produzidas sobre a universidade brasileira, pela forma como nos estruturamos como sociedade moderna, na fase atual do capitalismo organizado, que acirram suas contradições e aceleraram sua crise. O ensino superior no Brasil apresenta-se hoje com uma estrutura de proporções consideráveis, se comparado ao que era há 40 anos. Esse aumento de oferta ocorreu especialmente pela atuação majoritária da iniciativa privada, que viu na profissionalização de ensino superior um mercado lucrativo a ser explorado. O poder público, por sua vez, tendo alcançado o momento forte de expansão na década de 60 e primeira metade dos anos 70, retraiu os investimentos para a oferta de vagas e cursos de graduação e concentrou sua ação no investimento à pesquisa, favorecendo a implementação de cursos de pós-graduação. A reforma universitária de 1968 estabeleceu como princípio norteador, para o desenvolvimento da universidade brasileira, a indissociabilidade entre ensino e pesquisa. Este princípio, formal e obrigatório, acabou por transformar todos os professores 22 universitários em professores pesquisadores2. A despeito do grande avanço que tal medida significou para a estruturação das universidades, ela também tem produzido "uma grande burocratização da pesquisa e uma enorme desvalorização da atividade docente" (Nogueira, 1989, p.36)3. Com a implementação dos cursos de pós-graduação, por sua vez, procurava-se oferecer uma das vias pelas quais esse tipo de professor pesquisador poderia ser formado. Argumentava-se, então, que tais cursos teriam como objetivo a formação do professorado competente para atender à expansão do ensino superior, assegurando, ao mesmo tempo, a elevação dos níveis de qualidade. De fato, no que diz respeito às universidades, e também a muitas instituições isoladas de ensino superior, os cursos de pós-graduação tornaram-se, de lá para cá, a principal fonte de formação do professorado do ensino superior. Mas, além disto, estes cursos tinham também como objetivo o estímulo ao desenvolvimento da pesquisa científica, por meio da preparação adequada de pesquisadores. Mediante medidas concretas, os diversos planos nacionais de pós-graduação acentuaram cada vez mais esse último objetivo. Porém, os cursos de pós-graduação continuaram a ser, ainda que de forma secundária, a via preponderante de formação do professor universitário. Com a expansão do sistema de ensino superior, a tarefa de gestão e controle desse sistema, por parte do governo federal, torna-se cada vez mais complexa, uma vez que a diversidade das instituições existentes e a qualidade do ensino oferecido passam a exigir normas disciplinadoras e orientadoras. É com esse caráter que se recomenda, por exemplo, a criação da disciplina Metodologia do Ensino Superior como uma disciplina pedagógica, na pós-graduação4. Mais recentemente, no início de 1999, uma medida adotada pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior – Capes – passou a tornar obrigatório o estágio supervisionado na docência como parte das atividades dos bolsistas de mestrado e de doutorado sob sua tutela, apontando para a necessidade de alguma formação de caráter pedagógico para aqueles que, realizando cursos de pós-graduação, têm na atividade docente em nível superior um campo de trabalho possível. O sistema superior privado paulatinamente, também, passou a oferecer cursos após a graduação, denominados cursos de pós-graduação lato sensu, que não conduzem à obtenção do mestrado e do doutorado, mas que, de algum modo, ofereciam uma espécie de aperfeiçoamento e preparação à atividade docente nessas instituições. A disciplina Metodologia do Ensino Superior era parte integrante da maioria dos currículos desses cursos. Na USP, o equivalente a essa preocupação reside na iniciativa da reitoria da universidade de introduzir, nos anos 90, um Programa de Aperfeiçoamento do Ensino – PAE –, criando bolsas de monitoria para os pós-graduandos como parte de sua formação. Mais recentemente, esse programa passou a incluir ainda uma etapa, preliminar e obrigatória, de preparação pedagógica para todos os candidatos à monitoria. Essas preocupações estiveram presentes no momento em que nos dispusemos a investigar a ótica de alguns professores da USP, que haviam participado de um encontro sobre experiências inovadoras de ensino na universidade sobre a função docente por 23 eles praticada e, conseqüentemente, sobre suas percepções a respeito da necessidade de formação pedagógica específica para o exercício dessa função. Tivemos como pressuposto que o conhecimento de práticas bem-sucedidas no ensino de graduação, concebidas para solucionar problemas peculiares enfrentados pelos professores, nos auxiliariam a compreender melhor a natureza do trabalho que desenvolviam e o contexto de sua preocupações. De qualquer modo, sempre tivemos claro que, quaisquer que elas fossem, dependiam de uma percepção precisa sobre a função do ensino e sobre o papel que a universidade deve desempenhar na formação de seus alunos. As entrevistas foram realizadas durante o ano de 1994, quando o novo momento de expansão da graduação da Universidade de São Paulo – USP – ainda era incipiente. Podemos dizer que tal expansão ainda não afetou drasticamente as práticas vigentes na universidade e os elementos obtidos nos depoimentos continuam extremamente relevantes para as questões que, neste momento, compõem o cenário para a discussão sobre a formação do professoruniversitário. Este artigo procura, portanto, apresentar os resultados da investigação realizada, buscando contribuir com essa discussão. O exemplo da USP ilustra o trabalho cotidiano dos professores que constroem a profissão docente no ensino superior. AS ESPECIFICIDADES DO CAMPO INVESTIGADO Cientes das dificuldades de generalizar os resultados de pesquisa, tal como a que empreendemos, consideramos necessário explicitar as particularidades da USP, palco de atuação de nossos entrevistados. A criação da Universidade de São Paulo, em 1934, significou, como é sabido, um grande avanço em termos da concepção de universidade no Brasil, pela função atribuída à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e pela vinda de missões de professores estrangeiros, alguns já eminentes em seu campo e outros que viriam a sê-lo, para nela trabalharem5. A Faculdade de Filosofia foi pensada, inicialmente, como uma instituição de altos estudos, de caráter geral e não profissionalizante e que, como elemento integrador da universidade, reuniu as escolas de formação profissional como a Faculdade de Direito, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica. Os professores estrangeiros que por ela passaram, especialmente até 1939, deixaram sua marca causando, segundo Antunha (1974), a moratória do rígido sistema de cátedras, implantado no ensino superior do país, desde as suas origens6. Além disso, a missão estrangeira produziu um "grande impacto pedagógico no meio relativamente acanhado da época e contribuiu para a implantação efetiva da investigação e dos altos estudos em setores até então absolutamente desconhecidos em nosso meio" (Antunha, 1974, p.45-6). A conjugação dessas duas medidas, a nosso ver, permitiu que, na sua origem, a Universidade de São Paulo adquirisse um caráter distinto das demais instituições de ensino superior existentes e, desde logo, definisse sua vocação para a investigação do saber, concretizada pela dedicação plena à atividade de pesquisa. Ao longo de toda sua história, parece-nos que tal vocação não foi menosprezada, e poderíamos mesmo afirmar 24 que se há uma idéia ou concepção que defina a USP ela está necessariamente vinculada à sua vocação para a pesquisa. A Prof. Maria Isaura Pereira de Queiroz (1995), procura demonstrar como o surgimento da USP somou outras reivindicações, além da de formação de bons profissionais, que era o caso das grandes escolas. Segundo ela, a expansão da pesquisa, e a conseqüente ampliação do saber, passou a ser reconhecida como uma função tão importante quanto a constituição de um conjunto de profissionais de alto nível. Esta maneira de pensar poderia ser demonstrada pela defesa da dedicação plena às atividades, como meio de desenvolvimento das ciências; pela organização, já em 1948, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC – e, mais tarde, pela mesma intenção de proteger a expansão do conhecimento e a iniciativa, ligada à USP, pela criação da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp –, que se concretizou em 1962. Ainda, segundo Antunha (1974), a filosofia de universidade que caracterizou a USP nos anos de sua fundação pode ser resumida nos seguintes princípios: a) universalidade de campo; b) idéia de integração; c) autonomia universitária. A despeito de todas as vicissitudes pelas quais esses princípios possam ter passado na existência concreta da instituição, eles sempre estiveram presentes como concepção de universidade7. A Reforma Universitária de 1968 não alterou substancialmente essa filosofia, ao contrário, enfatizou alguns desses aspectos. Assim, estabeleceu como princípios: unidade de patrimônio e de administração; estrutura orgânica com base em departamentos, reunidos ou não em unidades mais amplas; unidade de funções de ensino e de pesquisa, vedada a duplicação de meios para fins idênticos ou eqüivalentes; racionalidade de organização, universalidade de campo, pelo cultivo das áreas fundamentais dos conhecimentos humanos; flexibilidade de métodos e critérios, com vistas às diferenças individuais dos alunos, às peculiaridades regionais e às possibilidades de combinação de conhecimentos para novos cursos e programas de pesquisa (art. 11, Lei n. 5.540/68). Com a reforma, os cursos de pós-graduação foram disciplinados e passaram a exercer duas funções importantes para a universidade: o desenvolvimento da pesquisa e a formação de seus quadros docentes. A dimensão da USP, em 1994, quando realizamos as entrevistas, colocava-a entre uma das maiores universidades do país, sendo reconhecida como centro de excelência e sendo, sozinha, responsável por quase 50% de toda a pesquisa realizada no Brasil8. Nesse sentido, compreender como a questão do ensino, especialmente de graduação, é articulada no conjunto de atividades de seus professores, parece-nos extremamente relevante para nosso tema de estudo. Para tanto, apresentaremos alguns dados diretamente envolvidos com a atividade docente na USP, no momento em que nossa investigação foi realizada, compreendendo o número de cursos de graduação e de pós- graduação oferecidos, o número de alunos de graduação e de pós-graduação matriculados, bem como o total de docentes por regime de trabalho, que podem auxiliar- nos a ilustrar a dimensão do problema. Em 1994, a USP contava com um total de 47 entidades e 210 departamentos, que ofereciam o seguinte agrupamento de cursos de graduação e de pós-graduação. Verifica-se, portanto, que o grande esforço da USP, do ponto de vista do ensino, concentra-se na pós-graduação. Do total de 604 cursos regularmente ministrados em 25 1994, 474 (78,4%) destinavam-se à pós-graduação, enquanto os cursos de graduação representavam 21,6% do total. A distribuição dos alunos por esses mesmos cursos era a seguinte: Podemos observar, pelos dois últimos quadros, que, embora o número de alunos de pós- graduação seja inferior aos de graduação, eles já constituem um volume bastante considerável. Esse dado é ainda mais importante se observarmos que os alunos de pós- graduação têm, obrigatoriamente, um docente orientador, por eles responsável. Nesse sentido, o número de docentes atuando é importante para melhor avaliarmos o quadro do desempenho da atividade de ensino na universidade. Verificamos, portanto, que 49,74% dos docentes da USP concentravam-se na categoria MS3 (professor assistente doutor). Destes, 75,71% encontravam-se em regime de dedicação integral à docência e à pesquisa – RDIDP. Esse dado reforça, a nosso ver, a tendência à valorização da pós-graduação na USP, uma vez que só trabalham nesse nível docentes com, no mínimo, título de doutor. Ora, as categorias MS1 e MS2, compostas por graduados e mestres, juntas perfazem 20,30% do total de docentes e é de se supor que boa parte do ensino de graduação esteja sob sua responsabilidade, uma vez que não podem trabalhar na pós-graduação. 26 Desse modo, do ponto de vista do ensino, a USP demonstra estar encaminhando seus esforços não mais para a graduação, mas sim para a pós-graduação. Esse percurso tem algumas causas e também decorrências. O trabalho de Queiroz já apontava, para o ano de 1984, que tão grande tinha sido o desenvolvimento do ensino superior no Estado de São Paulo, que a quantidade dos diplomados pela USP representava 8,65% do total. Portanto, não podia mais ser considerada a instituição provedora de profissionais para a região e para o país. Porém, acrescentava, "o próprio crescimento e funcionamento da USP foi dando impulso a outros objetivos que ganharam vulto cada vez maior: a formação de cientistas, por exemplo, acompanhada e acompanhando a expansão e o aprofundamento das pesquisas" (Queiroz, 1995, p.20). Parece-nos que a expansão dos cursos de pós-graduação traduz essa direção. Nesse sentido, é de se supor que a ênfase na formação de cientistas e na ampliação do saber concentra os esforços da atividade na universidade. Esta situaçãose traduz na expressão "valorização da pesquisa", em referência às principais funções atribuídas à universidade: ensino, pesquisa e extensão. A atividade docente, por sua vez, embora pressuponha a pesquisa, não se limita a ela, e a sua valorização tem-se constituído em fonte de tensão para a maioria dos docentes que depositam, também na atividade de ensino, o objetivo de seu trabalho9. Essa tensão tem sido expressa, nos últimos anos, por ações de natureza diversa, por exemplo, freqüentes tentativas de reformulação curricular dos cursos de graduação, pela discussão sobre a finalidade desses cursos, pela busca de modelos metodológicos alternativos para a atividade docente em sala de aula. 27 Foi com base nessas percepções que nos pusemos a campo para a realização das entrevistas com os docentes da USP, e o esforço realizado nesse sentido é o que relataremos a seguir. A PESQUISA10 Como já dissemos, entrevistamos um grupo de professores que participou do Seminário sobre Experiências Inovadoras de Ensino11, realizado na Faculdade de Educação, em 1991. Eles se dispuseram a relatar sua experiência como professores da universidade, explicando as inovações introduzidas em sua docência e as razões pelas quais haviam introduzido essas modificações. Perguntamos, ainda, como percebiam as relações entre seu trabalho de ensino e de pesquisa e o papel que atribuíam ao ensino na universidade, bem como se cumprira sua trajetória acadêmica até então, especialmente quanto ao ensino e se, de início sentiam-se aptos para tal atividade. Nesse sentido, estávamos menos preocupados em conhecer e descrever as ações inovadoras e mais atentos às razões que levaram aqueles docentes a mudar sua prática, bem como às relações entre essas mudanças e uma concepção de ensino na universidade. A proposição de questões sobre sua própria preparação para a atividade docente e sobre a maneira pela qual encaravam a formação de novos professores, baseados em sua própria experiência, pretendia estabelecer uma interlocução que permitisse pensar de forma mais plural sobre o tema. Os relatos dos professores entrevistados sobre as dificuldades que enfrentaram como docentes e as tentativas para solucioná-las caracterizaram-se, na maior parte das vezes, como verdadeiros relatos de vida e de percurso profissional. A maior parte desse percurso foi realizada na própria universidade, e muitos dos entrevistados incluíram experiências de colegas e até das unidades em que trabalhavam em seus exemplos, o que, de certa forma, ampliava o campo de suas considerações. Nesse sentido, esses relatos apresentaram alguns elementos significativos sobre as transformações ocorridas na vida acadêmica da USP, especialmente nos últimos 30 anos. Desse modo, além dos objetivos inicialmente previstos, o material obtido tem um rico potencial para ser explorado como fonte de conhecimento da memória recente da universidade. Descrição dos dados Foram entrevistados, durante o período de novembro de 1994 a junho de 1995, 18 professores, de um total de 53 experiências relatadas no encontro. Do ponto de vista estatístico, os entrevistados representaram 34% do universo inicial. Dadas as características da investigação, consideramos o retorno razoável, uma vez que um dos nossos pressupostos era o de que os professores deveriam participar voluntariamente, sem pressão de nossa parte, e sobretudo sem se sentirem constrangidos ou avaliados. Conversamos com dez professores do sexo feminino e oito do sexo masculino. A idade média do grupo concentra-se entre 45 e 50 anos, havendo apenas um professor12 com mais de 60 anos e outro com menos de 40. Solicitamos, ainda, que os professores preenchessem uma ficha que continha dados pessoais, incluindo informações sobre sua formação. Três deles não o fizeram, de modo que os quadros a seguir somente serão relativos às informações obtidas pelas fichas. 28 Caracterização do grupo pesquisado Os dados relativos à formação são interessantes porque a amostra, composta aleatoriamente por aqueles que se dispuseram a colaborar, reproduziu a distribuição dos docentes por áreas na universidade. O quadro a seguir ilustra essa observação: Desse modo, as áreas mais representadas na amostra foram a de ciências humanas e a da saúde, as duas mais numerosas da universidade. No que diz respeito à titulação, surgiu um componente extremamente interessante: a categoria mais numerosa foi a de professores doutores (seis entrevistados), repetindo o que acontece na universidade. Entretanto, as categorias de professor titular (quatro entrevistados) e de livre-docente (três entrevistados), se somadas, ultrapassaram o número de doutores. Essa composição do grupo permite-nos algumas suposições: a primeira delas seria a de que os professores, nos estágios mais avançados da carreira universitária, estariam mais livres, do ponto de vista da produção do conhecimento ou da pressão da carreira, para se debruçarem sobre as questões de ensino. Ou, ainda, a de que com maior tempo de experiência no ensino, se sentiram mais seguros para experimentar novas fórmulas de ensinar. O tempo de magistério na universidade, a nosso ver, reforça essas suposições. Como podemos perceber, a maior parte da amostra possuía entre 15 a 25 anos de experiência na universidade, o que nos faz supor que não passaram incólumes pelas questões implícitas na atividade de ensino. A nosso ver, outro elemento complementar para esse conjunto de suposições diz respeito aos cargos e funções ocupados pelos professores entrevistados. Quatro deles eram chefes de departamento, um era vice-chefe, quatro estavam vinculados a comissões de ensino na graduação e na pós-graduação e um era vice-diretor. Ora, esses postos 29 naturalmente tendem a encaminhar as reflexões de seus ocupantes para questões mais gerais da vida da universidade e, no caso das comissões de ensino, diretamente para a natureza das atividades desenvolvidas pelos cursos sob sua direção. Para nós, essas correspondências não são ocasionais, mas refletem o perfil do trabalho desenvolvido pelos docentes. As entrevistas realizadas, por sua vez, permitiram configurar ainda melhor a trajetória acadêmica desses docentes. O relato das dificuldades enfrentadas como professores permitiu-nos perceber que a maior parte delas dizia respeito à necessidade de um tratamento mais adequado ao conteúdo desenvolvido, tendo em vista a melhor assimilação por parte do aluno, e a questões relativas aos processos e critérios de avaliação. As soluções encontradas por eles foram as mais diversificadas, abrangendo desde experiências completas de reformulação curricular até a introdução de pequenas inovações na prática cotidiana em sala de aula. Arrolaremos a seguir os tipos de inovações descritos nas entrevistas: • reformulação curricular; • modificação nas características das atividades de estágio, encaminhando os alunos para a vivência de situações mais concretas ou para a iniciação à pesquisa; • criação de disciplina optativa como caminho de transição entre a formação do especialista e a formação do professor; • criação de laboratório de brinquedos para servir de estímulo à pesquisa no ensino; • desenvolvimento de cursos em estreita relação com as necessidades do mercado de trabalho, ou ainda, utilizando as próprias instalações industriais como sala de aula; • reformulação das atividades de laboratório através da proposição de problemas cujas soluções são desconhecidas até pelo próprio professor, introduzindo uma questão de investigação real e não simulada; • criação de oficinas para redação científica; • utilização de recursos tecnológicos, como a informática ou multimídia, para o desenvolvimento de conteúdos em sala de aula; • adoção de recursos didáticos alternativos à aula expositiva; • tratamento didático do conteúdo, organizado por unidades completas; • utilização de exercícios programados substituindo
Compartilhar