Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
BIOQUÍMICA Maringá 2010 EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ Reitor: Prof. Dr. Júlio Santiago Prates Filho Vice-Reitora: Profa. Dra. Neusa Altoé Diretor da Eduem: Prof. Dr. Alessandro Lucca Braccini Editora-Chefe da Eduem: Profa. Dra. Terezinha Oliveira CONSELHO EDITORIAL Presidente: Prof. Dr. Alessandro Lucca Braccini Editores Científicos: Prof. Dr. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues Profa. Dra. Angela Mara de Barros Lar Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva Profa. Dra. Cecília Edna Mareze da Costa Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso Profa. Dra. Larissa Michelle Lara Prof. Dr. Luiz Roberto Evangelista Profa. Dra. Luzia Marta Bellini Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima Prof. Dr. Rafael Bruno Neto Prof. Dr. Raymundo de Lima Profa. Dra. Regina Lúcia Mesti Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias Profa. Dra. Rozilda das Neves Alves Prof. Dr. Sezinando Luis Menezes Profa. Dra. Terezinha Oliveira Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco Profa. Dra. Valéria Soares de Assis EQUIPE TÉCNICA Fluxo Editorial: Cicília Conceição de Maria Edneire Franciscon Jacob Mônica Tanati Hundzinski Vania Cristina Scomparin Projeto Gráfico e Design: Marcos Kazuyoshi Sassaka Artes Gráficas: Luciano Wilian da Silva Marcos Roberto Andreussi Marketing: Marcos Cipriano da Silva Comercialização: Norberto Pereira da Silva Paulo Bento da Silva Solange Marly Oshima COPyRIGHT © 2013 EDUEM Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2013 para a editora. EDUEM - EDITORA DA UNIV. ESTADUAL DE MARINGÁ Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3011-4103 Fax: (0xx44) 3011-1392 http://www.eduem.uem.br eduem@uem.br Maringá 2010 5 Adelar Bracht Cristina Giatti Marques de Souza Rosane Marina Peralta (Organizadores) Formação de ProFessores em CiênCias biológiCas - ead bioquímica Formação de Professores em Ciências Biológicas - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Luciana de Araújo Nascimento Guaraldo Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Prof. Dr. Osvaldo Ferrarese Filho Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio Eliane Arruda Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Copyright © 2010 para o autor 1a Reimpressão 2013 - Revisada Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem. Bioquímica / Adelar Bracht; Cristina Giatti Marques de Souza; Rosane Marina Peralta, organizadores.-- Maringá : Eduem, 2010. 174p.: il. 21cm. (coleção formação de professores em ciências biológicas - EAD, n. 5) ISBN 978-85-7628-268-6 1. Bioquímica. I. Bracht, Adelar, org. II. Souza, Cristina Giatti Marques de, org. III. Peralta, Rosane Marina, org. CDD 21. ed. 572 B615 Endereço para correspondência: Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392 http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br 5 umárioS Sobre os autores Apresentação da coleção Apresentação do livro Capítulo 1 Introdução a Bioquímica Cristina Giatti Marques de Souza Capítulo 2 Soluções aquosas Cristina Giatti Marques de Souza Capítulo 3 Aminoácidos e proteínas Rosane Marina Peralta Capítulo 4 Enzimas Adelar Bracht Capítulo 5 Carboidratos e lipídios Silvio Cláudio da Costa Capítulo 6 Nucleotídeos e ácidos nucleicos Luiz Carlos Corrêa > 7 > 9 > 11 > 13 > 19 > 29 > 41 > 51 > 65 BIOQUÍMICA 6 > 119 Capítulo 7 Introdução ao metabolismo e bioenergética Rosane Marina Peralta Capítulo 8 Metabolismo de carboidratos Silvio Cláudio da Costa Capítulo 9 Ciclo do ácido cítrico, transporte de elétrons e fosforilação oxidativa Osvaldo Ferrarese-Filho Capítulo 10 Fotossíntese Osvaldo Ferrarese-Filho Capítulo 11 Metabolismo de lipídios Jorgete Constantin Capítulo 12 Metabolismo de aminoácidos e nucleotídeos Luiz Carlos Corrêa Capítulo 13 Integração metabólica Jorgete Constantin Capítulo 14 Metabolismo do DNA e do RNA Rita de Cássia Garcia Simão Capítulo 15 Síntese de proteínas Adelar Bracht > 75 > 85 > 99 > 109 > 129 > 143 > 153 > 165 7 ADELAR BRACHT Professor do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutor em Bioquímica pela Universität Ludwig-Maximi- lians (Alemanha). CRISTINA GIATTI MARQUES DE SOUZA Professora do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Ciências Biológicas (Biologia Celular) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). JORGETE CONSTANTIN Professora do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Fe- deral do Paraná (UFPR). Estágio de pós-doutorado na Universität Potsdam (Alemanha). LUIZ CARLOS CORRÊA Professor do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutor em Bioquímica pela Universidade de São Paulo (USP). Estágio de pós-Doutorado na Université Paris XI (França). OSVALDO FERRARESE-FILHO Professor do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutor em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Fede- ral do Paraná (UFPR). obre os autoresS BIOQUÍMICA 8 RITA DE CÁSSIA GARCIA SIMÃO Professora do Centro de Ciências Médicas e Farmacêuticas (CCMF) da Univer- sidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Doutora pela Universidade de São Paulo (USP). Estágio de pós-doutorado na USP. ROSANE MARINA PERALTA Professora do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutora em Ciências Biológicas (Bioquímica) pela Univer- sidade de São Paulo (USP). SILVIO CLÁUDIO DA COSTA Professor do Departamento de Bioquímica (DBQ) da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Doutor em Ciências (Bioquímica) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). 9 Este livro integra a coleção Formação de Professores de Ciências Biológicas – EAD, como parte do material didático produzido para o Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, na Modalidade de Educação a Distância, vinculado ao Departamento de Biologia (DBI), do Centro de Ciências Biológicas (CCB) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), ofertado no âmbito da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Esta é uma coleção de livros para a formação de professores que traz a marca da tradição e da força. A tradição vem da experiência no ensino e na pesquisa dos autores, vinculados aos departamentos da Universidade Estadual de Maringá. A força, por sua vez, está relacionada ao conteúdo diversifi cado e atualizado, bem como à metodologia baseada na comunicação, em linguagem acessível e objetiva, e nas atividades e leituras complementares propostas. Numa coleção destinada à formação de professores de Ciências Biológicas, acredi- tamos que a melhor opção é a adoção de uma sequência de conteúdos que permite o contato com os níveis crescentes de complexidade, nos quais o mundo vivo se orga- niza. Essa organização, desde o nível molecular até os princípios da hereditariedade e evolução das espécies, culmina com as relações dos seres vivos entre si e com o ambiente. Além disso, oensino atualizado não pode fi car indiferente às conquistas de uma ciência dinâmica, que se renova a cada geração, na busca de respostas para as inúme- ras indagações existentes e para aquelas que surgirão, proporcionando o aumento notável dos conhecimentos adquiridos. Portanto, serão abordados, em todos os vo- lumes, conhecimentos recentes, que focalizem temas de repercussão na atualidade vinculados às pesquisas relacionadas às áreas da Biologia, como a ecologia, a genética, a biotecnologia e a saúde, entre outras. Nessa perspectiva, cada livro da coleção foi pensado e elaborado para uma disciplina específi ca do curso, buscando a leitura, a re- fl exão e o aprofundamento do conteúdo fundamental para a formação de professores nessa área de conhecimento. A conclusão dos trabalhos deverá ocorrer somente no ano de 2013. Deve-se con- siderar que o fi nanciamento para a edição dos volumes da coleção será liberado gra- dativamente, de acordo com o cronograma estabelecido pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), responsável pelo programa Universidade Aberta do Brasil (UAB). presentação da ColeçãoA BIOQUÍMICA 10 Agradecemos aos professores da Universidade Estadual de Maringá que organiza- ram os livros ou escreveram capítulos para os diversos volumes dessa coleção. Tam- bém ressaltamos o apoio do Departamento de Biologia, do Centro de Ciências Bioló- gicas, da reitoria e diversos órgãos da Universidade Estadual de Maringá, em especial do Núcleo de Educação a Distância. Esperamos que a coleção tenha novas edições, destinadas a novos alunos da UEM e de outras instituições públicas de ensino superior vinculadas ao sistema UAB. Celso João Rubin Filho Organizador da Coleção 11 Este livro didático tem uma fi nalidade específi ca: a de fornecer ao aluno do curso de Biologia à Distância da UEM o suporte indispensável à assimilação do importantís- simo conteúdo básico da disciplina de Bioquímica. A Bioquímica, como a ciência que pretende explicar a vida em termos moleculares, é extremamente vasta. Ela é extrema- mente vasta porque o seu campo de atuação abrange todos os organismos, desde os mais simples aos mais complexos, na busca das leis gerais que regem os fenômenos vitais. Tudo isto, sem prejuízo às particularidades de cada grupo de organismos, as quais podem ser importantes sob vários pontos de vista, desde aspectos fi logenéticos a aplicações de ordem prática. Assim, é fácil compreender o quanto é difícil escrever um livro didático que ofereça tudo o que o aluno deve aprender de forma resumida sem incorrer em excessivas simplifi cações. Ao analisar o texto e as ilustrações logo se constata que o desafi o foi amplamente vencido pelos autores, basicamente docentes do Departamento de Bioquímica da UEM, que conseguiram apresentar os tópicos mais importantes de forma simples e clara, e mesmo assim com o rigor indispensável à mais exata das ciências biológicas. Na verdade, embora escrito com a fi nalidade específi ca mencionada logo no início desta apresentação, pode-se dizer que o presente compên- dio pode ser extremamente útil também como texto básico de Bioquímica para alunos de cursos presenciais. Adelar Bracht Cristina Giatti Marques de Souza Rosane Marina Peralta Organizadores presentação do livroA 13 A vida originou-se há aproximadamente 4 bilhões de anos. A partir de elementos simples e de compostos da superfície terrestre, microrganismos com habilidade de obter energia de compostos orgânicos ou da luz solar construíram biomoléculas complexas. As diferenças existentes entre o ser vivo e a matéria não viva são facilmente reco- nhecidas. Seres vivos têm claramente uma organização mais complexa que a matéria inanimada, pois são capazes de retirar energia do ambiente em que vivem e transfor- má-la em um tipo de energia útil para realização das suas funções, entre elas a manu- tenção da vida e a perpetuação da espécie. A propriedade de replicação, embora possa ser encontrado algo semelhante em cristais que aumentam de tamanho, tem um nível de complexidade particular que não se apresenta na matéria inanimada. A Bioquímica pode ser considerada uma ciência que estuda a vida no seu nível molecular. Procura descobrir como as biomoléculas, formadas a partir de elementos químicos simples, interagem fornecendo aos organismos propriedades exclusivas. Em- bora possamos dizer que a Bioquímica é a química da vida, ela não apenas está rela- cionada à Química, mas também à Física e à Matemática, fornecendo subsídios para diversas outras áreas como medicina, agricultura e indústria. Seu objetivo principal é esclarecer como as moléculas, no ser vivo, interagem para manter a vida. BIOMOLÉCULAS Os seres vivos são formados por elementos químicos encontrados na matéria inani- mada. Nas células, onde estão arranjados de forma especial, possibilitam a formação de unidades fundamentais que dão origem às moléculas maiores: as chamadas macromo- léculas celulares. Têm como principais elementos o carbono (C), o hidrogênio (H) e o oxigênio (O) que se organizam para formar moléculas. Nitrogênio (N) e enxofre (S) são encontrados em aminoácidos e o fósforo (P) é ingrediente fundamental do DNA e RNA. Organizadas de maneira hierárquica, as macromoléculas (proteínas, ácidos nuclei- cos e polissacarídeos) possuem unidades fundamentais que formam estes polímeros. Dessa maneira, aminoácidos formam proteínas, nucleotídeos formam ácidos nucleicos Introdução a Bioquímica 1 Cristina Giatti Marques de Souza BIOQUÍMICA 14 e açúcares formam polissacarídeos (Figura 1.1). Uma quarta classe, os lipídios, não é considerada macromolécula pelo fato de não formarem polímeros. Alguns tipos de lipídios conseguem formar agregados e esta característica é de extrema importância para a célula, uma vez que está relacionada à organização estrutural da membrana celular. Por isso, os lipídios são tão importantes quanto as demais macromoléculas. A formação das macromoléculas se dá por poucos tipos de monômeros em cada uma das classes citadas anteriormente. A combinação dos 20 tipos de aminoácidos ou mesmo dos oito tipos diferentes de nucleotídeos e cerca de oito tipos de açúcares leva a uma grande variação na estrutura das biomoléculas e consequente variação nas suas propriedades. As unidades monoméricas são obtidas por meio de nutrientes e são sintetizadas enzimaticamente pela célula a partir de substâncias mais simples. Figura 1.1 - Organização polimérica de proteínas, ácidos nucleicos e polissacarídeos. A síntese das macromoléculas se dá por processos complexos que são catalisados em vias metabólicas por enzimas. Assim, os organismos possuem um complexo e or- ganizado mecanismo de autorreplicação e automontagem. Todas as informações para estes processos estão contidas no material genético. TRANSFERÊNCIA DA INFORMAÇÃO GENÉTICA A maquinaria metabólica celular possibilita a duplicação do DNA e todas as infor- mações são transferidas para as células-fi lhas em um sistema quase perfeito. O DNA se duplica de maneira tal que as células originadas da divisão celular são idênticas à célula-mãe. A duplicação do DNA é realizada de maneira semiconservativa (Figura 1.2). Após a separação das fi tas, cada uma delas é copiada de maneira complementar. As bases existentes em uma fi ta são ligadas por pontes de hidrogênio com suas bases complementares (A=T; C�G), na outra fi ta. Este processo será visto em detalhes no capítulo 14. Alterações ocorridas no material genético podem ocasionar as chamadas mutações. Um sistema de reparo, outra característica notável dos organismos vivos, garante que 15 alterações sejam eliminadas, uma vez que muitas delas podem produzir efeitos deleté- rios à célula. No entanto mutações que por ventura não são reparadas e que conferem adaptação ambiental podem signifi car evolução.Figura 1.2 - Complementaridade das fi tas do DNA na duplicação semiconservativa (à esquerda) e fl uxo da informação genética (à direita). As informações genéticas do DNA são traduzidas na forma de uma sequência de aminoácidos formando as proteínas. O DNA serve como molde e é copiado na forma de uma molécula de RNA chamada de RNA mensageiro (RNAm) que, por sua vez, é traduzido em um polímero proteico (Capítulo 15). Tanto as proteínas como os ácidos nucleicos adquirem um arranjo tridimensional que é mantido por forças de estabilização. As pontes de hidrogênio, interações iônicas e hidrofóbicas constituem forças que, embora fracas coletivamente, mantêm estáveis as estruturas macromoleculares. NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO CELULAR Mesmo as células mais simples possuem certo nível de organização celular. Os procariotos, bactérias e cianobactérias são unicelulares que podem viver em colônias ou associados a grupos, e têm baixa diferenciação de funções celulares. Possuem mem- brana que os separam do meio externo e o seu material genético está concentrado em uma determinada região da célula. Os eucariotos são mais complexos e podem ser unicelulares ou pluricelulares. A célula procariota possui núcleo, onde se encontra o material genético associado a proteínas e delimitado por membrana, e demais organe- las dotadas de membrana. Todas as organelas celulares têm funções específi cas, mas de uma ou outra maneira todos os seres vivos possuem uma base comum. ENERGIA O metabolismo celular requer grandes quantidades de energia. Esta é retirada do ambiente e tem sua fonte na luz solar. Os seres fotossintetizantes utilizam energia Introdução a Bioquímica BIOQUÍMICA 16 da luz do sol e a transformam em energia química para fi xar dióxido de carbono em carboidratos, utilizando a água e liberando oxigênio. Os não fotossintetizantes, os ani- mais, por exemplo, retiram energia dos nutrientes produzidos pelos fotossintetizan- tes, oxidando-os até CO2 e H2O (Figura 1.3). Figura 1.3 - Fluxo de energia na célula. Neste processo, grande parte da energia é armazenada na forma química de ATP ou transportadores de elétrons (NAD(P)H, FADH2) que serão utilizados para as transforma- ções químicas dentro das células. Parte desta energia é dissipada na forma de calor e moléculas mais simples são produzidas a partir dos elementos iniciais: CO2, NH3, H2O, HPO4 2−. Esta etapa do metabolismo é denominada de catabolismo. Em outra etapa, a do anabolismo, a energia livre liberada da hidrólise do ATP é utilizada para realizar traba- lhos celulares de síntese química, trabalho mecânico, trabalho osmótico e transferência da informação genética. Outras informações serão discutidas no capítulo 7. ENZIMAS As inúmeras reações químicas que ocorrem dentro da célula são catalisadas por enzimas, biocatalisadores que aceleram a velocidade das reações na ordem de gran- deza de 1012 vezes. Na sua maioria, são proteínas e atuam em reações sequenciais em vias metabólicas. A transformação de um determinado substrato em produto envolve a ultrapassagem de uma barreira energética, chamada de barreira de energia de ativação. 17 Assim que o reagente atinge determinado ponto, no topo desta barreira energética e atinge o estado de transição, ele pode sofrer a reação e ser transformado em um pro- duto. As enzimas atuam de tal forma a diminuir esta barreira energética, tornando o ca- minho da reação mais curto e, consequentemente, mais rápida a reação (Capítulo 12). As vias metabólicas, onde o produto de uma reação torna-se reagente de outra são controladas de maneira que não ocorre o desperdício de energia. Portanto, enzimas- chave em cada via são reguladas para que proporcionem a formação de quantidade adequada de produtos à necessidade de cada célula. Quando uma célula começa a produzir um determinado produto e este ultrapassa a capacidade de utilização pela célula e acumula, ocorre a inibição de uma enzima reguladora da via e a ação sobre o reagente diminui, até que o produto seja escoado e tenha sua concentração reduzida. Esta inibição é chamada de retroalimentação e suas particularidades serão estudadas no capítulo 4. Nos capítulos a seguir, todos estes assuntos serão vistos com maiores detalhes, de modo a conduzir o estudante a este mundo maravilhoso que é a Bioquímica. Introdução a Bioquímica Referências LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger princípios de Bioquímica. Tradução de Arnaldo Antônio Sales e Wilson R. N. Lodi. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 1202p. Título original: Lehninger Principles of Biochemistry. VOET, D.; VOET, J., V. Bioquímica. Tradução de Ana Beatriz Gorino da Veiga et al. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1616 p. Título original: Biocheistry. Anotações BIOQUÍMICA 18 Anotações 19 A ÁGUA A água é um líquido cujas propriedades têm extrema importância para todos os sistemas biológicos. Aparentemente, o ambiente onde teria surgido a vida era um mar primitivo e, mesmo os seres vivos que desenvolveram a capacidade de sobreviver fora dela trazem consigo fl uidos intra e extracelulares muito semelhantes à composição da água do mar. Considerada como um líquido inerte e simples, seu enorme signifi cado biológico está associado ao fato de que as estruturas das moléculas que fundamen- tam a vida estão relacionadas às interações com o meio aquoso. Tanto as interações intermoleculares como intramoleculares destas estruturas são possíveis na água e não encontramos outros solventes que apresentem as mesmas características. PROPRIEDADES DA ÁGUA A água possui como principal propriedade a coesão entre suas moléculas (coesão interna). Dotada de uma geometria angular proporcionada pelo arranjo das ligações entre os átomos de hidrogênio e de oxigênio, a sua molécula é altamente polar, cau- sando grandes implicações aos sistemas vivos. Assemelha-se a um “V”, onde o átomo de oxigênio está localizado no vértice e os átomos de hidrogênio nas extremidades contrárias. O motivo da polaridade é a grande diferença existente na eletronegatividade entre o H e o O da ligação O−H. Dessa maneira, ocorre a formação de um dipolo elétrico. O caráter dipolar da água é dado pelo núcleo do oxigênio que atrai elétrons mais fortemente que o do hidrogênio. Isso resulta em duas cargas parcialmente negativas na vizinhança do átomo de O e uma parcialmente positiva ao redor de cada átomo de H. A nuvem eletrônica, ao redor do O e com cargas parcialmente negativas, é capaz de atrair dois átomos de H de outra molécula de água, constituindo assim uma ponte (ou ligação) de hidrogênio (Figura 2.1). Soluções aquosas2 Cristina Giatti Marques de Souza BIOQUÍMICA 20 Figura 2.1 - Estrutura da molécula de água (à esquerda). À direita, arranjo das moléculas de água no gelo. De modo geral, uma ponte de hidrogênio não é prioridade das moléculas de água, como veremos mais adiante. Assim, uma molécula consegue fazer pontes de hidrogê- nio com quatro outras moléculas, o que dá à água grande coesão interna. Seus ponto de fusão, calor de vaporização e ponto de ebulição são mais altos que os da maioria dos outros solventes, revelando tal característica (Tabela 2.1). Tabela 2.1 - Propriedades coligativas da água e de alguns solventes comuns. Ponto de fusão (°C) Ponto de ebulição (°C) Calor de vaporização (J/g) Água 0 100 2260 Metanol -98 65 1100 Etanol -117 78 854 Butanol -90 117 590 Acetona -95 56 523 Hexano -98 69 423 Benzeno 6 80 394 Relativamente fracas, as pontes de hidrogênio têm energia de ligação pequena (~ 20 kJ mol-1) quando comparada à energia das ligações covalentes (470 kJ mol-1 para uma ligação O− H), e tempo de vida muito curto, 1 a 20 picossegundos (10-12 s). À medida que uma ponte se desfaz, em torno de 0,1 picossegundo, outra já está sendo formada com a mesma molécula ou uma nova. Na água líquida, à temperatura ambien- te e pressão atmosférica, ela se apresenta de forma desorganizadae em agrupamentos oscilantes de maneira que uma molécula forme ponte de hidrogênio com aproximada- mente 3,4 outras moléculas. 21 No gelo, onde cada molécula está fi xa no espaço, há uma expansão de volume e temos um arranjo tetraédrico das moléculas formando uma estrutura aberta e, con- sequentemente, expande ao congelamento (Figura 2.1, direita). Cada uma das mo- léculas de água está rodeada por quatro vizinhas mais próximas ligadas por pontes de hidrogênio. Esse arranjo permite que o gelo seja menos denso que a água no seu estado líquido e fl utue. Esse é um fator de grande importância para organismos que vivem em mares, rios e lagos. Caso a densidade do gelo fosse maior, esses ambientes estariam condenados ao congelamento, uma vez que ele fi caria no fundo, isolado do Sol, impedindo a vida no ambiente aquático. Moléculas biológicas possuem grupos que se associam por meio de pontes de hidrogênio. Essas podem ocorrer em uma mesma molécula, entre moléculas dife- rentes e entre moléculas e a água. Apesar de a ponte de hidrogênio ser considerada um tipo especial de interação dipolar, cuja energia de ligação é baixa, essas pontes em grande quantidade são coletivamente fortes e contribuem para a estabilidade das biomoléculas celulares. Uma ponte de hidrogênio pode ser defi nida como uma atra- ção eletrostática entre um átomo de hidrogênio, ligado covalentemente a um átomo eletronegativo (N, O), e outro átomo também eletronegativo, na mesma molécula ou em outra. A ÁGUA COMO SOLVENTE A água é considerada um solvente universal, pois tem a capacidade de dissolver um número bastante grande de substâncias e em quantidades maiores que os demais solventes. Solutos que apresentam grupos polares ou iônicos se dissolvem bem em água, uma vez que essa tem um caráter polar. Os chamados compostos hidrofílicos (“amigos” da água) têm sua solubilidade garantida, quando grupos funcionais presen- tes nas suas estruturas interagem com a água por pontes de hidrogênio. Podemos citar como exemplo aldeídos, cetonas e açúcares. Sais cristalinos se dissolvem facilmente uma vez que se dissociam de sua rede crista- lina e seus íons são envoltos por moléculas de água, formando uma “concha de solva- tação” (Figura 2.2). Ao contrário dos compostos hidrofílicos, os hidrofóbicos (“horror” a água) não têm afi nidade alguma ou pouca afi nidade com ela e acabam por repelir este solvente, como é o caso de substâncias oleosas ou gordurosas. Existem ainda com- postos denominados anfi páticos, cujas estruturas apresentam as duas características. Sua interação com a água se limita à extremidade polar, formando estruturas denomi- nadas micelas (Figura 2.2). Soluções aquosas BIOQUÍMICA 22 Figura 2.2 - A concha de solvatação promovida pelas moléculas de água ar redor dos íons Cl – e Na+ e a representação de uma micela segundo Bechtold (2005). IONIZAÇÃO DA ÁGUA A água sofre dissociação em íons H+ e OH–. Na água pura, os íons H+ são hidrata- dos por outras moléculas e teremos o íon hidrônio (H3O + ). A constante de equilíbrio (K) para a sua ionização pode ser descrita da mesma forma que para uma reação quí- mica qualquer: A + B C + D Para a reação acima descrita, a constante de equilíbrio será: Keq = [C] [D] [A] [B] Para a água, teremos: H2O H + + OH– Keq = [H+] [OH-] [H2O] (2-1) A concentração da água (as quantidades entre colchetes indicam concentrações molares das substâncias) é constante em soluções aquosas diluídas e esse valor é de 55,5 M. Uma vez que a densidade da água é 1, em um litro dela, temos 1.000 g L-1 / 18,015 g mol-1. A constante de equilíbrio então é de 1,8 x 10-16 M. Rearranjando a equa- ção 2-1 e substituindo os valores: (55,5 M) (Keq) = [H+] [OH−] = KW (55,5 M) (1,8 x 10-16 M) = [H+] [OH−] 99,9 x 10-16 M2 = [H+] [OH−] = KW Quando as concentrações de íons H+ e OH− forem iguais, como acontece na água pura, o pH da solução é dito neutro. Nesse pH, as concentrações de H+ e OH− podem ser calculadas a partir do produto iônico da água: KW = [H +] [OH−] = [H+]2 (2-2) 23 Resolvendo para [H+]: (2-3) Portanto, o KW é a base para a escala de pH. O pH (ou potencial hidrogeniônico) de uma solução é uma medida da sua concentração de íons H+ em um intervalo de 0,1 M de H+ e 0,1 M de OH−. Pode ser calculado a partir da expressão: pH = –log [H+] e indica acidez. Análogo a essa expressão, a concentração de íons OH− indica basicidade, uma vez que H+ e OH− estão relacionados conforme a equação 2-2. O pOH de uma solução pode ser descrito como pOH = –log [OH−] e a soma de pH com pOH é igual a 14. As soluções onde a [H+] é igual a 10-7 M são neutras, aque- las com [H+] menor que 10-7 M são ácidas e as de [H+] maior que 10-7 M são básicas (Figura 2.3). As medidas de pH podem ser feitas por meio de corantes específi cos que mudam de cor, conforme o pH da solução e de maneira mais precisa por um equipa- mento sensível às mudanças nas concentrações de íons H+ de uma solução, chamado de pHmetro. Figura 2.3 - Escala de pH. A manutenção do pH nos organismos vivos é muito importante, uma vez que sua mudança brusca pode causar alterações na estrutura de biomoléculas como proteínas e ácidos nucleicos e infl uenciar a atividade das enzimas. A [H+] nas células e nos lí- quidos biológicos infl uencia a velocidade das reações químicas, a forma e função das enzimas, assim como de outras proteínas celulares e a integridade das células. ÁCIDOS, BASES E TAMPÕES Grupos funcionais de moléculas biológicas podem sofrer reações ácido–básicas e, por conseguinte, mudanças nas suas propriedades por causa da acidez das soluções nas quais se encontram. Mais de uma defi nição de ácidos e bases foram dadas pelos químicos. A mais apli- cável para os fenômenos bioquímicos é a de Bronsted e Lowry, o qual estabelece que Soluções aquosas BIOQUÍMICA 24 “um ácido é uma substância que pode doar prótons e uma base é uma substância que pode aceitar prótons”. De acordo com esta defi nição, em uma reação ácido-básica: HA + H2O H3O + + A− (2-4) um ácido de Bronsted (HA) reage com uma base de Bronsted (a H2O, nesse caso) for- mando a base conjugada do ácido (A−) e o ácido conjugado da base (H3O +). A reação pode ser abreviada para HA H+ + A− e tem como característica sua constante de equilíbrio, também chamada de constante de dissociação de um ácido (Ka). Esta constante determina a força de um ácido, ou seja, o quanto ele se dissocia. Ácidos fortes se dissociam rapidamente em soluções aquosas, ao contrário dos ácidos fracos que se ionizam apenas parcialmente, quando transferem prótons para a água. Esses têm constantes de dissociação menores que 1, ao contrário dos ácidos fortes, cujas constantes são maiores (K > 1). Para facilitar as medições, a constante de disso- ciação de um ácido pode ser expressa como pKa = −log Ka. CURVAS DE TITULAÇÃO Quando adicionamos um determinado volume de uma solução base de uma con- centração conhecida a uma solução de certo volume de ácido fraco de concentração também conhecida, estamos promovendo a titulação dele até a sua total neutralização. A curva de titulação (Figura 2.4) é um gráfi co que mostra o caminho deste processo, onde é possível acompanhar o comportamento de um ácido à medida que maiores quantidades de base são acrescentadas à solução. Figura 2.4 - Curva de titulação do ácido acético 0,1M por uma base forte. 25 No início da curva de titulação, encontraremos quase 100% das moléculas não dissociadas, do ácido em questão. Os acréscimos contínuos de base farão com que este ácido dissocie o seu próton para reagir com a base acrescentada, formando água. Tantos prótons serão dissociados de forma equivalente à quantidade de base acrescen- tada até sua neutralização. No início da titulação, predomina a forma ácida do par conjugado ácido-base. No ponto médio da curva, quando o pH = pKa, a concentração do ácido é igual à da sua base conjugada e,no ponto fi nal da titulação, os equivalentes da base forte são iguais aos equivalentes do ácido no início da curva. A região sombreada mostra a faixa de tamponamento do ácido. As curvas de titulação para diferentes ácidos são semelhan- tes, mas se deslocam verticalmente ao longo do eixo do pH. É possível perceber que no ponto de equivalência (os equivalentes de OH− adicionados são iguais aos equiva- lentes de ácido inicialmente presentes) o pH da solução será maior que 7, uma vez que a reação de A− com H2O vai formar HA + OH −. Por sua vez, os valores iniciais de pH serão menores que 7 na primeira metade do gráfi co. Outro ponto a ser observado é o de infl exão de cada curva de titulação, onde o pH da solução será igual ao pKa do ácido que está sendo titulado e as concentrações do ácido e de sua base conjugada serão iguais, condição que pode ser indicada pela equação de Henderson-Hasselbalch (2-7). Considerando então: [H+] = Ka [HA] [A-] (2-5) Aplicando-se o logaritmo negativo dos dois lados da equação 2-5 teremos: - log [H+ ] = -log Ka - log [HA] [A-] Substituindo-se então - log [H+] por pH, e - log Ka por Ka a equação será: pH = pKa - log [HA] [A-] (2-6) A fração –log[HA]/[A-] é invertida e também o sinal, obtendo-se a equação de Hen- derson-Hasselbalch (2-7): pH = pKa + log [A-] [HA] (2-7) Soluções aquosas BIOQUÍMICA 26 Com [HA] = [A-], a equação 2-7 dará pH = pKa, pois log 1 = 0. No ponto de infl exão da curva, onde pKa e pH se igualam, será encontrada uma faixa, denominada de região de tamponamento ou faixa tamponante, na qual é possível verifi car que o pH da solução tem pequena variação. Nesta faixa, a capacidade tampo- nante da solução é máxima e resiste a pequenos acréscimos de H+ ou OH− que reagem respectivamente com A− ou HA presentes no meio sem mudar de forma signifi cativa o valor de log [A−] / [HA]. Assim, podem ser denominadas de soluções tampão ou tam- pões ácidos-básicos. Considera-se a região de tamponamento a faixa entre uma unidade de pH abaixo e uma unidade de pH acima do pKa do ácido. Fora dessa faixa, o pH da solução sofrerá mudanças signifi cativas mediante o acréscimo de base ou ácido forte.” O ácido acético (Figura 2.4) é monoprótico, e dissocia apenas um próton ao longo da titulação. As substâncias que contêm mais de um grupo ácido-básico e, portanto, podem sofrer mais de uma ionização, são conhecidas como ácidos polipróticos (Tabe- la 2.2). Para cada etapa de ionização, há um pKa, característico para cada grupo e que sofre a infl uência eletrostática do grupo dissociado. O valor de pKa do segundo ou terceiro prótons dissociáveis aumenta quanto mais inibição eletrostática houver por causa da carga iônica resultante da dissociação do primeiro próton. Da mesma forma, a presença de cargas negativas adjacentes difi culta a liberação de um próton pelo grupo vizinho. Esse efeito pode ser minimizado pelas distâncias das cargas adjacentes. Tabela 2.2 - Valores de pKa de alguns ácidos comuns. Forças relativas de alguns ácidos Monopróticos pk1 pK2 pK3 Fórmico 3,75 - - Láctico 3,86 - - Acético 4,76 - - Dipróticos - Carbônico 6,37 1,25 - Succínico 4,21 5,64 - Tripróticos Fosfórico 2,15 6,82 12,38 Cítrico 3,08 4,74 5,40 TAMPÕES BIOLÓGICOS Os fl uídos biológicos, em geral, são tamponados ao redor da neutralidade. As rea- ções do metabolismo celular, que geram excesso de íons H+ ou OH− e com potencial para modifi car o pH dos fl uídos intra ou extracelulares, são controladas pelos tampões biológicos. 27 Tampão + H+ Tampão H+ Tampão H+ + OH− H2O + Tampão O tampão bicarbonato atua como sistema tampão do sangue, regulando a acidez mediante a eliminação do CO2. É composto pelo par ácido-base conjugado H2CO3/ HCO3 −. O ácido carbônico (H2CO3) é formado na seguinte reação metabólica: H+(aq) + HCO3 − (aq) H2CO3 / H2O(l) + CO2(g) A remoção do CO2, por exalação, desloca o equilíbrio para a direita, consumindo íons H+. O tampão fosfato atua nos fl uídos extracelulares de mamíferos, cujo pH varia de 6,9 a 7,4: H2PO4 − H+ + HPO4 2− pKa = 6,86 (5,9 – 7,9) A água tem ainda outra importante função nas células que é participar diretamente como reagente nas reações de hidrólise catalisadas enzimaticamente. Soluções aquosas Referências BRACHT, A.; ISHII-IWAMOTO, E. L. (Org.). Métodos de laboratório em Bioquímica. São Paulo: Manole, 2003. 439p. LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger princípios de Bioquímica. Tradução de Arnaldo Antônio Sales e Wilson R. N. Lodi. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 1202p. Título original: Lehninger Principles of Biochemistry. MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. 386p. VOET, D.; VOET, J., V. Bioquímica. Tradução de Ana Beatriz Gorino da Veiga et al. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1616 p. Título original: Biochemistry. BIOQUÍMICA 28 Anotações 29 As proteínas são as moléculas orgânicas mais abundantes e importantes nas células, podendo perfazer 50% ou mais de seu peso seco. São encontradas em todas as partes de todas as células, uma vez que são fundamentais sob todos os aspectos da estrutura e função celulares. A grande diversidade de funções desempenhadas pelas proteínas explica a diversidade de formas existentes. Entretanto, todas são sintetizadas a partir de 20 diferentes aminoácidos (os blocos construtores das proteínas). AMINOÁCIDOS Os aminoácidos são compostos que apresentam em sua estrutura um grupo amina (–NH2) e um grupo carboxila (–COOH). A única exceção é o aminoácido prolina, que contém um grupo imino (–NH–) no lugar do grupo amina. Os aminoácidos têm uma fórmula geral comum, na qual os grupos amina e carboxila estão ligados ao carbono α. A este carbono liga-se um átomo de hidrogênio e um grupo variável chamado de cadeia lateral ou grupo R. Como os grupos amina e carboxila estão ionizados em pH fi siológico, a forma correta de se representar a estrutura de um aminoácido é a da fi gura 3.1. Figura 3.1 - A estrutura geral de um aminoácido. As características das cadeias laterais dos aminoácidos, especialmente suas afi nida- des pela água, são importantes para a conformação e função das proteínas. A melhor forma de classifi car os aminoácidos é a que leva em conta a polaridade do grupo R. Assim, os aminoácidos são agrupados em duas categorias: aminoácidos polares (grupo R hidrofílico) e aminoácidos apolares (grupo R hidrofóbico) (Figura 3.2). Aminoácidos e proteínas 3 Rosane Marina Peralta BIOQUÍMICA 30 Cada aminoácido possui uma abreviatura constituída, na maioria das vezes, pelas três primeiras letras do nome do aminoácido, podendo ser representado também por uma única letra (Figura 3.2). O menor dos aminoácidos, a glicina, tem massa molecu- lar de 75 Da e o maior deles, o triptofano, de 204 Da. Figura 3.2 - Estrutura e classifi cação dos aminoácidos. Os aminoácidos apolares ou hidrofóbicos têm grupos R constituídos por cadeias que não interagem com a água, o que faz com que sejam encontrados mais frequen- temente nas porções interiores das moléculas proteicas. Pertencem a este grupo os aminoácidos glicina, alanina, valina, leucina, isoleucina, metionina, prolina, fenilala- nina e triptofano. Os aminoácidos polares ou hidrofílicos, por possuírem grupos R capazes de interagir com água, são encontrados com maior frequência nas superfícies das proteínas. São subdivididos em três tipos, de acordo com a carga apresentada pelo grupo R em pH 7,0: aminoácidos básicos (lisina, arginina e histidina), se a carga for 31 Aminoácidos e proteínas positiva; aminoácidos ácidos (ácido glutâmico e ácido aspártico), se a carga for nega- tiva; e aminoácidos polares neutros (serina, treonina, cisteína, asparagina, glutamina e tirosina) se o grupo R não apresentar carga. À exceção da glicina, cujo grupo R é –H, todos os aminoácidos proteicos possuemum carbono α assimétrico. Assim, 19 dos 20 aminoácidos proteicos possuem dois isômeros opticamente ativos, D e L, que são imagens um do outro. Todas as proteínas dos seres vivos são formadas por L-aminoácidos. Os D-aminoácidos estão presentes em certos antibióticos e em alguns peptídeos de parede celular de bactérias. Além dos 20 aminoácidos proteicos comuns, as proteínas podem conter aminoá- cidos originados por modifi cações químicas de alguns aminoácidos comuns. Como exemplos, citamos a 4-hidroxiprolina (derivada da prolina) e a 5-hidroxilisina (deri- vada da lisina). A primeira é encontrada nas proteínas da parede celular de plantas e ambas são encontradas no colágeno, uma proteína fi brosa do tecido conjuntivo. Já foram descritos mais de 300 tipos diferentes de aminoácidos, que não fazem parte de estruturas proteicas, mas possuem uma variedade de funções nas células. Os aminoácidos ornitina e citrulina, que participam da biossíntese da arginina e do ciclo da ureia, são dois exemplos deste grupo. Entre os 20 aminoácidos proteicos, pelo me- nos dez são considerados essenciais para a maioria dos animais e devem ser adquiridos da dieta (Tabela 3.1). Tabela 3.1 - Valores de pKa dos aminoácidos proteicos. Aminoácidos pK1 (α-COOH) pK2 (α-NH3) pKR (grupo R) Glicina 2,34 9,60 Alanina 2,34 9,69 Valina* 2,29 9,74 Leucina* 2,33 9,74 Isoleucina* 2,32 9,76 Metionina* 2,13 9,28 Prolina 1,95 10,64 Fenilalanina* 2,20 9,31 Triptofano* 2,46 9,41 Serina 2,19 9,21 Treonina* 2,09 9,10 Asparagina 2,14 8,72 Glutamina 2,17 9,13 Cisteína 1,92 10,70 8,37 Tirosina 2,20 9,21 10,46 BIOQUÍMICA 32 Lisina* 2,16 9,06 10,54 Arginina#* 1,82 8,99 12,48 Histidina* 1,80 9,33 6,04 Aspartato 1,99 9,90 3,90 Glutamato 2,10 9,47 4,07 *Aminoácidos essenciais. # Arginina é considerada essencial para indivíduos jovens e em crescimento, mas não para adultos. Todos os aminoácidos possuem ao menos dois grupos ionizáveis, que podem existir na forma protonada (–COOH e –NH3 +) ou desprotonada (COO– e NH2), dependendo do pH do meio. Cada aminoácido possui, portanto, pelo menos dois pares ácido/base conju- gados, podendo atuar como ácido (doador de prótons) ou base (receptora de prótons). Moléculas que possuem essa natureza dupla são chamadas anfotéricas ou anfólitos. As formas ionizáveis da glicina são: + 3HN-CH2-COOH → +3HN-CH2-COO- → 2HN-CH2-COO- (a) (b) (c) A partir dos valores dos pKa’s (Tabela 3.1), em soluções muito ácidas os dois grupos ácidos apresentam-se protonados (forma a); em pH muito alcalino, ambos apresen- tam-se desprotonados (forma c). Em soluções próximas a pH 7,0 ou na forma cristali- na, o aminoácido apresenta-se como um íon dipolar (forma b). A fi gura 3.3 mostra a curva de titulação da forma diprótica da glicina. Figura 3.3 - Curva de titulação da glicina e suas principais formas iônicas. 33 O diagrama possui dois estágios diferentes, correspondentes à desprotonização dos dois grupos ionizáveis da glicina: –COOH, pKa = 2,35 e NH3 +, pKa = 9,78. O pKa é uma medida da tendência de um grupo de oferecer um próton, ou seja, uma medida da acidez do grupo. Quanto menor o valor de pKa, maior a tendência do grupo em liberar seu próton para o meio. Em pH baixo, a forma predominante da glicina é a totalmente protonada. No ponto médio da primeira etapa da titulação, onde o grupo –COOH da glicina perde seu próton, concentrações equimolares de +3HN-CH2-COOH e +3HN-CH2-COO – estão presentes. À medida que a titulação avança, outro ponto im- portante é alcançado no pH 5,97. Nesse pH, a glicina está quase que totalmente na forma do íon dipolar +3HN-CH2-COO –. Esse ponto corresponde ao ponto isoelétrico da glicina (pI) e pode ser calculado pela média aritmética simples dos valores de pKa. No segundo estágio da titulação, ocorre a remoção do próton do grupo –NH3 + da gli- cina. O pH no ponto médio desse estágio é 9,60. Nesse ponto, existem concentrações equimolares de +3HN-CH2-COO – e 2HN-CH2-COO –. A equação de Henderson-Hasselbalch (Capítulo 2) permite verifi car qual a forma predominante do aminoácido em qualquer pH. Aminoácidos com grupos R ionizáveis possuem espécies iônicas adicionais, dependendo do pH do meio e do pKa do grupo R. Uma análise dos valores de pKa dos aminoácidos revela que eles não apresentam poder tamponante signifi cativo em pH fi siológico, uma vez que a faixa tamponante é defi nida como pKa ± 1 (Tabela 3.1). Apenas a histidina possui um grupo R (pKa = 6,0) capaz de fornecer poder tamponante próximo ao pH neutro, normalmente encontra- do nos fl uidos intra- e extracelulares. LIGAÇÃO PEPTÍDICA, PEPTÍDEOS E PROTEÍNAS Os aminoácidos podem formar polímeros pela ligação do grupo carboxila de um aminoácido com o grupo amina do outro aminoácido. Esta ligação carbono-nitrogênio é chamada ligação peptídica. Ela é formada pela remoção de uma molécula de água. Esta reação não ocorre espontaneamente da forma indicada na fi gura 3.4. A união dos aminoácidos só é possível nos seres vivos graças a um complexo aparato de síntese proteica que inclui ribossomos, ácidos ribonucleicos, várias proteínas e enzimas (Ca- pítulo 15). Aminoácidos e proteínas BIOQUÍMICA 34 Figura 3.4 - Formação de uma ligação peptídica. Dois aminoácidos podem ser unidos para formar um dipeptídeo. Três aminoácidos unidos por duas ligações peptídicas formam um tripeptídeo, e assim sucessivamente. Quando alguns poucos aminoácidos são unidos dessa maneira, o produto é chamado oligopeptídeo. Quando muitos aminoácidos são unidos, o produto formado é chama- do polipeptídeo. Proteínas podem ter milhares de resíduos de aminoácidos (lembre-se que a cada ligação peptídica formada perde-se uma molécula de água). O termo pro- teína é mais utilizado quando o produto tem massa molecular acima de 10 kDa. Em um peptídeo (oligo- ou poli-), o aminoácido na extremidade, com o grupo α-amina, é o resíduo N-terminal e o aminoácido da outra extremidade, que possui o grupo carbo- xila livre, é o resíduo C-terminal. As propriedades da ligação peptídica provocam restrições ao dobramento do po- límero formado. A ligação peptídica, apesar de ser representada como uma ligação simples (Figura 3.5), tem uma característica parcial de ligação dupla por causa das interações entre duas formas de ressonância. A consequência desse caráter parcial de dupla ligação é que não há possibilidade de rotação em torno da ligação peptídica e os quatro átomos dos grupamentos que participam da ligação peptídica fi cam dispostos em um plano rígido. A cadeia polipeptídica pode se dobrar graças às possibilidades de rotação (indicadas por setas em torno das ligações com o Cα (Cα-C e N-Cα), que são ligações efetivamente simples (ângulos ψ e φ). Muitos peptídeos encontrados na natureza desempenham funções importantes como hormônios (oxitocina, glucagon), antibióticos (gramicidina) e agentes reduto- res (glutationa). 35 Figura 3.5 - Estrutura de ressonância da ligação peptídica e as restrições impostas pela natureza planar parcial da ligação peptídica. O aspartame, um adoçante sintético com alto poder edulcorante, é um dipeptídeo modifi cado formado por aspartato e fenilalanina, esterifi cada a um grupo metila. ESTRUTURA DAS PROTEÍNAS Para grandes macromoléculas como as proteínas, a descrição da estrutura é tarefa bem mais complexa que para os peptídeos. Para facilitar o entendimento, quatro níveis estruturais foram defi nidos (Figura 3.6). • Estrutura primária: sequência de resíduos de aminoácidos na molécula. • Estrutura secundária: arranjos particularmente estáveis de resíduos de ami- noácidos originando padrões estruturais recorrentes. • Estrutura terciária: enovelamento tridimensional de um polipeptídeo. • Estrutura quaternária: arranjo espacial de uma proteína formada por duas ou mais cadeias polipeptídicas. A estrutura primária é determinada geneticamente, sendoespecífi ca para cada pro- teína. Por convenção, a estrutura primária é descrita na direção C-terminal → N-termi- nal (Figura 3.6a). A massa molecular da proteína depende do número de resíduos de aminoácidos da estrutura primária, variando entre 10 kDa até mais de 1.000 kDa. Com relação às cargas elétricas das proteínas, em pH neutro, elas terão pelo menos uma carga positiva (grupo N-terminal) e uma carga negativa (grupo C-terminal). Outras car- gas positivas e negativas poderão estar presentes graças ao conteúdo em aminoácidos básicos (lisina, arginina e histidina) e ácidos (glutamato e aspartato) específi co para cada proteína. O pH onde a proteína tem somatória de cargas elétricas igual a zero, é defi nido como sendo o seu ponto isoelétrico (pI). Aminoácidos e proteínas BIOQUÍMICA 36 Figura 3.6 - Níveis estruturais das proteínas. A estrutura secundária da proteína descreve as estruturas regulares tridimensionais formadas por segmentos da cadeia polipeptídica. As mais importantes são a estrutura em α-hélice e a folha β-pregueada (Figura 3.6b). Na α-hélice, o esqueleto polipeptídico está fortemente enovelado ao redor de um eixo imaginário desenhado longitudinal- mente no meio da hélice e os grupos R dos resíduos dos aminoácidos projetam-se para fora do esqueleto helicoidal. A unidade repetida é uma simples volta da hélice que se estende sobre 0,54 nm ao longo do eixo. A α-hélice é mantida por pontes de H entre uma unidade peptídica e a quarta unidade peptídica subsequente. Estas pontes de H dispõem-se paralelamente ao eixo da hélice. Certas sequências de aminoácidos não podem organizar-se em α-hélice. Por exemplo, grupos carboxila carregados negativa- mente dos resíduos de Glu adjacentes repelem-se uns aos outros tão fortemente que impedem a formação de α-hélice. Pela mesma razão, muitos resíduos de Lys ou Arg adjacentes (grupos R positivos em pH 7,0) se repelirão uns aos outros e impedirão a formação da α-hélice. O volume e a forma de aminoácidos tais como Asn, Ser, Thr e Cys também podem desestabilizar a α-hélice. 37 Uma restrição para a formação de uma α-hélice é a presença de Pro. Na Pro, o átomo de N é parte de um anel rígido e a rotação sobre a ligação N-Cα não é possível. Estas cadeias ou segmentos de cadeia exibem uma conformação mais distendida que a α-héli- ce, dispondo-se lado a lado, o que dá à estrutura uma aparência de uma folha de papel pregueada. As pontes de H são perpendiculares ao eixo das cadeias e os grupos R dos aminoácidos projetam-se para cima e para baixo do plano da folha pregueada (Figura 3.6b). Aminoácidos de grupos R volumosos perturbam a estabilidade das folhas β. Por este motivo, dois aminoácidos são particularmente abundantes nas folhas β, a Ala e a Gly. A estrutura terciária de uma proteína descreve o dobramento fi nal da cadeia poli- peptídica por interação de regiões com estrutura regular (α-hélice ou folha β-preguea- da) ou de regiões sem estrutura defi nida (Figura 3.6c). Neste nível de organização, seg- mentos distantes da estrutura primária podem aproximar-se e interagir por intermédio de ligações não covalentes entre as cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos. Estas ligações são consideradas fracas (4 - 30 kJ/mol) quando comparadas às ligações cova- lentes (200 kJ/mol), mas por causa da existência de elevado número de ligações fracas, elas permitem a manutenção dos dobramentos da estrutura terciária das proteínas. Estas ligações podem ser de diferentes tipos: 1) Pontes de H formadas entre os grupos R dos aminoácidos polares com ou sem carga. Como exemplo, citamos as possíveis pontes de H formadas entre os gru- pos hidroxila dos aminoácidos serina e treonina com os grupos carbonila da asparagina e glutamina. Observando a fi gura 3.2, avalie todas as possibilidades de formação de pontes de H entre os grupos R dos aminoácidos, e interações hi- drofóbicas entre as cadeias laterais hidrofóbicas dos aminoácidos polares. Oito dos aminoácidos proteicos possuem grupos R hidrofóbicos, que normalmente são encontrados nos interiores das proteínas enoveladas. 2) Ligações iônicas ou salinas entre os grupos com cargas opostas dos aminoáci- dos básicos e ácidos. Além das ligações não covalentes descritas, a estrutura terciária das proteínas pode ser estabilizada por uma ligação covalente chamada ponte dissulfeto (S-S), formada entre dois resíduos de cisteína por uma reação de oxidação dos grupos sulfi drila (-SH) do aminoácido. Quando uma proteína possui em sua estrutura duas ou mais cadeias polipeptídicas (chamadas de subunidades), a associação entre tais cadeias constitui a estrutura qua- ternária da proteína. Esta estrutura é mantida pelas mesmas interações responsáveis pela manutenção da estrutura terciária. A molécula da hemoglobina é formada por quatro cadeias polipeptídicas α2β2 associadas principalmente por interações hidrofó- bicas (Figura 3.6d). Aminoácidos e proteínas BIOQUÍMICA 38 Em alguns casos, é possível distinguir, na estrutura terciária das proteínas, regiões diferenciadas denominadas domínios. Estas regiões, em geral, estão associadas às dife- rentes funções das proteínas. PROTEÍNAS SIMPLES E CONJUGADAS Todas as proteínas contêm carbono, hidrogênio, nitrogênio e oxigênio, e quase to- das contêm enxofre. Algumas proteínas contêm elementos adicionais, particularmente fósforo, ferro, zinco e cobre. Tais proteínas são chamadas metaloproteínas. Quando uma proteína é constituída apenas por aminoácidos, ela é uma proteína simples. Se além dos aminoácidos ela contiver em sua estrutura outros compostos como carboi- dratos, lipídios e ácidos nucleicos, elas serão proteínas conjugadas (glicoproteínas, lipoproteínas, nucleoproteínas, respectivamente). PROTEÍNAS GLOBULARES E FIBROSAS A análise das estruturas proteicas permite-nos dividi-las, de acordo com sua forma, em dois grupos: as proteínas globulares e as proteínas fi brosas. As proteínas fi brosas têm forma alongada, geralmente são insolúveis e desempenham principalmente papel estrutural. Alguns exemplos de proteínas fi brosas são as α-queratinas (estruturas em α-hélice) encontradas na epiderme e seus apêndices (cabelo, unhas, chifres, etc), as β-queratinas (estruturas em folha β-pregueada) encontradas nas penas das aves, o colágeno (proteína particularmente rica em glicina, prolina e hidroxiprolina) encon- trado no tecido conjuntivo (tendões, cartilagens, etc). As proteínas globulares têm formas aproximadamente esféricas, são geralmente solúveis e desenvolvem funções dinâmicas. Suas estruturas terciárias são mais complexas que as proteínas fi brosas. A elucidação da estrutura terciária das proteínas globulares foi possível graças ao uso de métodos como a difração de raios X e a ressonância nuclear magnética. Neste grupo, incluem-se enzimas, proteínas transportadoras, armazenadoras, sinalizadoras, regula- doras, etc. Quando as proteínas são sintetizadas, suas estruturas primárias enovelam-se es- pontaneamente ou assistidas por proteínas especializadas (chaperonas moleculares) originando proteínas nativas. Essa é a conformação mais estável que a molécula pode assumir, e refl ete um equilíbrio delicado entre as interações ocorridas no interior da molécula e o meio ambiente. Quando de alguma forma as proteínas são removidas do seu habitat e são promovidas alterações em seu meio ambiente, esse equilíbrio delicado pode ser rompido, afetando sua estrutura e causando perda da sua função biológica. A isso se dá o nome de desnaturação proteica, na qual a proteína perde suas estruturas secundárias, terciárias e quaternárias, mas conserva a estrutura primária 39 distendida. A estrutura primária só é perdida por hidrólise enzimática (pelo uso de proteases) ou ácida. A proteína desnaturada é na maioria das vezes insolúvel e pre- cipita. É o que acontece com a albumina quando aquecemos o ovo e com a caseína quando acidifi camos o leite.ISOLAMENTO DAS PROTEÍNAS Cada proteína possui um conjunto de características (massa molecular, carga elétri- ca, pI, afi nidade por ligantes). Essas características são importantes quando se pretende isolar uma proteína. Diversos métodos de estudos são baseados nestas propriedades das proteínas, como por exemplo, os métodos cromatográfi cos e as eletroforeses. Em uma eletroforese, as proteínas podem ser separadas visto que, por terem cargas líquidas diferentes, elas migrarão a velocidades diferentes quando expostas a um campo elétri- co. Nos métodos cromatográfi cos, as proteínas podem ser separadas graças às suas dife- renças em cargas elétricas (cromatografi a de troca iônica), massas moleculares (croma- tografi a de exclusão molecular) e afi nidade por ligantes (cromatografi a de afi nidade). Aminoácidos e proteínas BRACHT, A.; ISHII-IWAMOTO, E. L. (Org.). Métodos de laboratório em Bioquímica. São Paulo: Manole, 2003. 439p. LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger princípios de Bioquímica. Tradução de Arnaldo Antônio Sales e Wilson R. N. Lodi. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 1202p. Título original: Lehninger Principles of Biochemistry. MARZZOCO, A.; TORRES, B. B. Bioquímica básica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. 386p. VOET, D.; VOET, J., V. Bioquímica. Tradução de Ana Beatriz Gorino da Veiga et al. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. 1616 p. Título original: Biochemistry. Indicações de Leitura: BIOQUÍMICA 40 Anotações 41 ENZIMAS SÃO CATALISADORES BIOLÓGICOS Enzimas são proteínas que agem como catalisadores biológicos. Elas catalisam as reações químicas que ocorrem nos organismos. É a atividade das enzimas que torna possível as múltiplas reações que perfazem o metabolismo celular. Em geral, o nome de uma enzima permite reconhecer a reação que ela catalisa, por exemplo, lactato desidrogenase, que catalisa a remoção de átomos de hidrogênio do ácido lático. A palavra hidrolase, outro exemplo, designa uma enzima que catalisa reações de hidrólise. A terminação –ase sempre signifi ca que se trata de uma enzima. Como todos os catalisadores, as enzimas aceleram as reações diminuindo suas energias de ativação. Como mostra o esquema da fi gura 4.1, a energia de ativação é uma barreira energética a ser superada para que uma reação química possa ocorrer. As enzimas, porém, não alteram as posições de equilíbrio das reações que elas catalisam Figura 4.1 - Energética das reações catalisadas e não catalisadas. Enzimas4 Adelar Bracht BIOQUÍMICA 42 ESPECIFICIDADE E NATUREZA DA CATÁLISE ENZIMÁTICA As enzimas são específi cas, isto é, catalisam em geral apenas um tipo de reação e, na maior parte das vezes, com uma substância apenas ou pelo menos com um grupo re- duzido de substâncias com estrutura muito semelhante. As propriedades catalíticas e a especifi cidade de uma enzima são determinadas pelos grupos químicos de uma região da proteína chamada sítio ativo. Esta região da proteína geralmente constitui menos de 5% da sua superfície. Enzimas precisam ser muito maiores do que os seus sítios ativos para que as cadeias laterais responsáveis pela ligação dos reagentes e pelas reações de catálise possam ser justapostas adequadamente nas três dimensões do espaço. Ele está localizado em geral numa depressão e tem duas funções: ligação dos reagentes (subs- tratos) e catálise. Em geral, diferentes cadeias laterais de aminoácidos estão envolvidas. As enzimas possuem alta especifi cidade por causa do ajuste preciso entre os sítios de ligação e os substratos. A ligação do substrato envolve interações iônicas, pontes de hidrogênio e interações de van der Waals. As enzimas ligam o substrato de tal modo que os átomos participantes da ligação fi cam orientados adequadamente em relação aos grupos catalíticos da enzima. Os grupos que participam do ato catalítico são, em geral, as cadeias laterais da cisteína, histidina, serina, aspartato, glutamato e lisina. A catálise pode ser, por exemplo, ácido-básica ou covalente. A primeira envolve grupos que doam ou aceitam prótons (H+), tais como as cadeias laterais do glutamato, aspartato e da histidina. A catálise covalente difere da catálise ácido-básica pela formação transitória de ligações covalentes entre o substrato e a enzima. Grupos que participam desse tipo de catálise são as cadeias laterais da serina, cisteína, histidina, lisina, aspartato e glutamato. COFATORES E COENZIMAS Cofatores são agentes não proteicos que auxiliam a enzima no ato catalítico. Po- dem ser substâncias orgânicas ou íons metálicos. Quando se trata de uma substância orgânica recebe em geral o nome de coenzima. Ela pode estar ligada covalentemente à enzima ou não. Exemplos de coenzimas são: tiamina pirofosfato (transferência de gru- pos aldeído), nicotinamida adenina dinucleotídeo (reações de oxirredução), coenzima A (transferência de grupos acila) e piridoxal fosfato (transferência de grupos amina). Exemplos de íons metálicos que atuam como cofatores enzimáticos são: Ca2+, Fe2+, Fe3+, Cu+, Mg2+ e outros. MECANISMOS DE AÇÃO ENZIMÁTICA E CINÉTICA DE REAÇÃO Como catalisadores, as enzimas devem acelerar reações sem sofrer transformações permanentes. Tradicionalmente, tem-se como correto o seguinte mecanismo básico para a ação catalítica de uma enzima: 43 S + E SE P + E k1 k2 k3 k4 S representa a substância a ser transformada, normalmente chamada de substrato; E representa a enzima; P representa o produto resultante da transformação do substra- to. O ponto central do mecanismo apresentado acima é a formação de um complexo, chamado complexo enzima-substrato, ES, que resulta da ligação do substrato no sítio ativo da enzima. Os símbolos k1, k2, k3 e k4 representam as constantes de velocidade de cada uma das transformações indicadas pelas setas, isto é, os parâmetros numéricos que, ao serem multiplicados pelas concentrações respectivas, fornecem as velocidades das transformações. Quantitativamente, os eventos do esquema acima podem ser descritos pela assim chamada equação de Michaelis-Menten. Esta equação pode ser derivada com base em duas hipóteses diferentes. A primeira delas assume que a formação reversível do com- plexo enzima-substrato é muito rápida em comparação com a velocidade de formação do produto, de modo que esta etapa está praticamente em equilíbrio (hipótese do rá- pido equilíbrio). A segunda hipótese assume que quando a enzima e o substrato estão presentes simultaneamente numa solução, a concentração do complexo enzima-subs- trato logo atinge um valor mais ou menos constante, de estado estacionário (hipótese do estado estacionário). Nos dois casos, a equação que relaciona a velocidade inicial, v, de formação do produto, nas condições em que [P] é igual a zero, com a concentração do substrato [S], é a mesma: v= Vmax[S] KM + [S] A equação acima é universalmente conhecida como equação de Michaelis-Menten. O parâmetro Vmax é a velocidade máxima de reação, a velocidade que será observada quando todos os sítios ativos na enzima estiverem ocupados por substrato; o seu sig- nifi cado teórico é Vmax = k3[Et], sendo [Et] a concentração total de enzima (livre + complexada). O parâmetro KM é conhecido como constante de Michaelis-Menten. Esta constante é igual a (k2+k3)/k1 para a hipótese do estado estacionário, mas igual a k2/k1 no caso da hipótese do rápido equilíbrio. Independente do seu signifi cado teórico, no entanto, o parâmetro KM tem importância prática. Em primeiro lugar, ela é uma cons- tante característica da enzima, mesmo que ela seja também função de condições, tais como temperatura, pH e força iônica. Determinar KM, portanto, signifi ca também ca- racterizar a enzima. Em segundo lugar, o parâmetro KM corresponde àquela concentra- ção do substrato para a qual a velocidade de reação é igual à metade da máxima (i.e., Enzimas BIOQUÍMICA 44 v = Vmax/2). Isto pode ser apreciado graficamente (Figura 4.2). O gráfi co mostra que a velocidade da reação catalisada aumenta proporcionalmente com a concentração de substrato, quando esta é baixa. Progressivos aumentos em [S] produzem incrementos cada vez menores em v. A tendência é que v se aproxime cada vez mais do valor limite Vmax, o qual será atingido quando [S] se tornar infi nito. Um valor de v = Vmax/2 ocorre com [S] igual a KM. Figura 4.2 - A velocidade de reação em função da concentração de substrato para uma enzima. DETERMINAÇÃO GRÁFICA DE KM E VMAX Para simplifi car a determinação de KM e Vmax a partir de dados experimentais, a equação de Michaelis-Menten é rearranjada para uma forma que produz uma linha reta quando uma variável é representada grafi camente contra a outra. A forma de linha reta mais comum é aquela dada pela equação de Lineweaver-Burk: 1 v KM Vmax 1 [S] 1 Vmax = . + A representação gráfi ca de 1/v contra 1/[S] produz uma linha reta com inclinação igual a KM/Vmax e intersecção ao eixo 1/v igual a 1/Vmax (Figura 4.3). Além disso, extrapo- lação da reta à esquerda do eixo 1/v intersecta o eixo 1/[S] no ponto −1/KM. Assim, leituras gráfi cas permitem obter os valores de KM e Vmax com razoável precisão. 45 Figura 4.3 - Determinação gráfi ca de KM e Vmax utilizando a equação de Lineweaver-Burk. ATIVIDADE MOLECULAR E ATIVIDADE ESPECÍFICA A atividade molecular é o número de moléculas de substrato que uma única mo- lécula de enzima é capaz de transformar por unidade de tempo. Tem como unidade o inverso do tempo (tempo−1). Às vezes, usa-se a expressão número de turnover para designar a atividade molecular. A atividade específi ca é a atividade da enzima, em geral expressa em massa por unidade de tempo (e.g., µmol.minuto−1), dividida pela quantidade de proteína (em geral expressa em miligramas). A atividade específi ca é uma medida do grau de pureza de uma preparação enzimática. Quanto maior a atividade específi ca, maior será o grau de pureza da preparação. INIBIDORES DA ATIVIDADE ENZIMÁTICA Substâncias que diminuem a velocidade da reação catalisada por uma enzima são chamadas de inibidores. Muitos agentes terapêuticos são inibidores enzimáticos. Há dois tipos principais de inibidores: irreversíveis e reversíveis. Os primeiros, em geral, reagem covalentemente com a enzima, desativando-a completamente. Somente a re- moção do inibidor por meios químicos poderia restaurar a atividade enzimática. Os inibidores reversíveis são compostos que se ligam a sítios específi cos na enzima de modo reversível, quer dizer, para restaurar a atividade enzimática o inibidor pode ser removido por meios físicos (por diálise, por exemplo). Enzimas BIOQUÍMICA 46 Basicamente, há três possibilidades de ligação à enzima para os inibidores reversí- veis, conforme esquematizado abaixo: No esquema (1), o inibidor (I) liga-se reversivelmente apenas à forma livre (E) da enzima; a ligação do substrato à enzima impede a ligação do inibidor. Na maioria dos casos em que isto ocorre, o inibidor está ligando ao mesmo sítio de ligação do substrato, que é o sítio ativo. Há, portanto, uma real competição entre o inibidor e o substrato, motivo pelo qual esse tipo de inibição é chamado de competitiva. O es- quema (2) mostra o caso em que o inibidor pode ligar tanto na forma livre da enzima como também na forma já complexada com o substrato (ES). No caso mais simples em que há apenas um sítio de ligação do inibidor, este não pode, evidentemente, ser o sítio ativo. Por isso, este tipo de inibição costuma ser chamado de não competitiva. O mecanismo do esquema (3), fi nalmente, descreve o caso em que o inibidor liga apenas no complexo ES. Portanto, a ligação do substrato cria as condições para a ligação do inibidor. Costuma ser chamado de inibição incompetitiva. É um tipo raro de inibição que ocorre, no entanto, quando o inibidor é produto da reação. A força de um inibidor pode ser avaliada pela constante de dissociação dos com- plexos EI ou ESI: Quanto menores forem os valores de KI ou KI’, maior a afi nidade da enzima pelo inibidor e mais forte, portanto, será o inibidor. EFEITOS AMBIENTAIS SOBRE A ATIVIDADE ENZIMÁTICA Fatores ambientais importantes que afetam a atividade enzimática são o pH e a temperatura. As enzimas, em geral, apresentam uma curva de dependência do pH em forma de sino, muitas vezes simétrica, conforme mostra a fi gura 4.4. Existem, no entanto, enzimas muito pouco sensíveis ao pH dentro de determina- da faixa. O pH ótimo, por outro lado, em geral está próximo do pH predominante no ambiente onde a enzima opera. Basicamente, o pH pode afetar: grupos disso- ciáveis do sítio ativo e que participam do ato catalítico; grupos dissociáveis do sítio ativo responsáveis pela ligação do substrato; grupos dissociáveis na enzima cujo 47 grau de dissociação tem infl uência sobre a sua conformação e grupos dissociáveis na enzima cujo grau de dissociação tem infl uência sobre a ligação de outros agentes que infl uenciam a atividade enzimática. O pH pode também afetar o grau de ioni- zação do substrato, de modo que, se a enzima liga apenas uma determinada forma ionizável, isso também irá infl uenciar a atividade. Figura 4.4 - Tipo frequente de dependência do pH da atividade enzimática. A dependência da atividade enzimática da temperatura, com frequência, é seme- lhante àquela ilustrada pela fi gura 4.5. No início, aumentos na temperatura provo- cam aumentos na atividade. Isto ocorre porque elevação na temperatura também signifi ca aumentos na energia cinética das moléculas. Isso, por sua vez, aumenta o número de choques entre elas e, portanto, as chances de que ocorra reação. Após certa temperatura ótima, no entanto, há uma queda, que se deve, basicamente, a um aumento da fração das moléculas de proteína que perdem sua conformação nativa (desnaturação). Enzimas BIOQUÍMICA 48 Figura 4.5 - Tipo frequente de dependência da temperatura da atividade enzimática. ENZIMAS REGULADORAS Enzimas reguladoras são aquelas que catalisam as etapas determinantes da velo- cidade de uma via metabólica. São enzimas cuja atividade pode ser regulada, isto é, alterada por vários fatores. Alterar a velocidade de reação de uma enzima reguladora signifi ca alterar a velocidade de uma via metabólica, justamente porque a reação que ela catalisa é a etapa determinante da via. Existem dois tipos de enzimas reguladoras. As covalentemente são aquelas cuja ati- vidade pode ser alterada pela adição ou pela retirada de um grupo químico. O grupo mais comum é o fosfato, cuja adição pode ativar ou inibir uma enzima. Estas reações são catalisadas por outras enzimas (quinases ou fosfatases). O outro grupo, as enzimas alostéricas, é aquele cujos parâmetros cinéticos, como a concentração do substrato que produz metade da velocidade máxima, podem ser alterados pela ligação reversível de pequenas moléculas chamadas efetores. Estas enzi- mas são proteínas formadas por várias subunidades que possuem dois tipos de sítios de ligação: catalíticos e reguladores. A ligação do efetor ao sítio regulador pode alterar as propriedades do sítio catalítico. O próprio substrato age como efetor; os efeitos que ele exerce são chamados de homotrópicos. Os efeitos exercidos por outros efe- tores que não o substrato são chamados de heterotrópicos. A fi gura 4.6 exemplifi ca os efeitos homotrópicos do substrato na ausência e na presença de efetores positivo e negativo, que exercem efeitos heterotrópicos. Ao aumentar a concentração do subs- trato verifi ca-se que a dependência não é hiperbólica, isto é, não segue a equação de Michaelis-Menten (Figura 4.2). A dependência é sigmoidal, a qual signifi ca que a 49 enzima apresenta o fenômeno de cooperatividade: a ligação da primeira molécula do substrato facilita a ligação das demais. Neste caso, os efetores, positivo e negativo, não alteram a velocidade máxima, mas alteram a concentraçãodo substrato que produz metade da velocidade máxima, o efetor positivo diminuindo e o efetor negativo au- mentando aquela concentração. As consequências são estímulo, no primeiro caso, e inibição, no segundo caso, em baixas concentrações do substrato. Figura 4.6 - Cinética de uma enzima alostérica com efeitos homotrópico e heterotrópico. Enzimas BRACHT, A.; ISHII-IWAMOTO, E. L. (Org.). Métodos de laboratório em Bioquímica. São Paulo: Manole, 2003. 439p. LEHNINGER, A. L.; NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger princípios de Bioquímica. Tradução de Arnaldo Antônio Sales e Wilson R. N. Lodi. 4. ed. São Paulo: Sarvier, 2006. 1202p. Título original: Lehninger Principles of Biochemistry. Referências BIOQUÍMICA 50 Anotações 51 CARBOIDRATOS São defi nidos como poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas, ou substâncias que produzem, por hidrólise, esses compostos. Todos contêm C, H, O. Alguns contêm N, S e P. Muitos podem ser representados pela fórmula empírica Cm(H2O)n, da qual se origina o nome carboidratos. Os carboidratos se classifi cam em monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos. Monossacarídeos São os mais simples dos carboidratos, sendo o mais abundante a glicose, molé- cula combustível que desempenha papel central na bioenergética da maioria dos organismos. Os monossacarídeos podem ser classifi cados de acordo com a função química em aldoses e cetoses, apresentando, respectivamente, função aldeído e ce- tona. De acordo com o número de átomos de carbonos, os monossacarídeos (as aldoses e cetoses) podem apresentar de três a nove átomos de carbonos. A seguir, exemplos de monossacarídeos com três até seis átomos de carbonos na forma de aldoses e cetoses. Trioses Tetroses Carboidratos e lipídios 5 Silvio Cláudio da Costa BIOQUÍMICA 52 Pentoses Estereoisomeria dos monossacarídeos Os monossacarídeos, com exceção da diidroxiacetona, contêm um ou mais átomos de carbono assimétrico (ligados por quatro substituintes diferentes) podendo, dessa forma, apresentar vários estereoisômeros. Para os carboidratos que apresentam dois ou mais átomos de carbono assimétrico, os prefi xos D e L referem-se ao átomo de car- bono assimétrico (C*) mais afastado do átomo de carbono carbonílico. Esta notação leva em consideração a confi guração absoluta do gliceraldeído e não o desvio da luz plano-polarizada, ou seja, não indica se a molécula é levorrotatória ou dextrorrotató- ria. A partir do número de carbonos assimétricos de um monossacarídeo, é possível calcular o número de estereoisômeros, utilizando a expressão 2n, onde n representa o número de C* existentes molécula. Ex.: aldohexoses tem quatro C*, logo 24 = 16. Hexoses Mutarrotação da D-glicose Grande parte dos monossacarídeos com cinco ou mais carbonos, como a glico- se e frutose, por exemplo, existem como compostos cíclicos em que os grupos al- deído ou cetona se combinam intramolecularmente com um grupo hidroxila, dando 53 origem a compostos cíclicos, respectivamente hemiacetais e hemicetais. O fenômeno de ciclização permite à D-glicose existir em duas formas cristalinas idênticas quanto à composição química, α-D-glicose e β-D-glicose, as quais podem ser cristalizadas, res- pectivamente, a partir de solução aquosa e de um solvente orgânico (piridina). Tanto α e β-D-glicose, quando dissolvidas em H2O, convertem-se espontaneamente, com o tempo, em uma mistura formada de 1/3 de α-D-glicose e 2/3 de β-D-glicose, um fenô- meno que é acompanhado por uma mudança no valor de rotação óptica denominada de mutarrotação. Formas anoméricas da D-glicose Carboidratos e lipídios BIOQUÍMICA 54 Oligossacarídeos Os monossacarídeos ou açúcares simples podem ligar-se entre si por meio de ligações glicosídicas, dando origem aos oligossacarídeos e polissacarídeos, depen- dendo do número de monossacarídeos interligados. Dentre os oligossacarídeos, carboidratos formados por algumas poucas unidades monossacarídicas, destacam- se os dissacarídeos formados por duas unidades, como, por exemplo, a maltose, a celobiose e a isomaltose, entre outros. Maltose A maltose é constituída por duas unidades de glicose, ligadas ente si por meio de uma ligação glicosídica do tipo α(1→4), podendo ser obtida pela hidrólise do amido. Apresenta poder redutor por causa do carbono anomérico livre no segundo resíduo de glicose. Reduz íon metálico como Cu++ a Cu2O. Celobiose e isomaltose A celobiose é resultante da hidrólise da celulose. Contém duas unidades de glicose. É redutor, pois a exemplo da maltose, apresenta o carbono anomérico livre no segundo resíduo de glicose. O carbono 1 da primeira glicose está ligado ao carbono 4 da segunda glicose numa ligação do tipo β(1→4). A isomaltose é o produto de hidrólise do amido, e possui ligação glicosídica α(1→6). Polissacarídeos Polissacarídeos são macromoléculas constituídas por muitas unidades de açúca- res e representam a forma mais abundante de carboidratos na natureza. A partir dos 55 polissacarídeos, é possível obter oligossacarídeos e monossacarídeos, dependendo da extensão do processo de hidrólise. Os polissacarídeos podem ser classifi cados de acordo com a sua composição monomérica em homopolissacarídeos e hete- ropolissacarídeos. Homopolissacarídeos são aqueles constituídos por um único tipo de monossacarídeo, como o amido, o glicogênio, a celulose e a quitina. Os he- teropolissacarídeos contêm duas ou mais unidades monoméricas diferentes como, por exemplo, o ácido hialurônico que contém resíduos alternados de ácido D-gli- curônico e N-acetil-D-glicosamina, os peptídeoglicanos e os glicosaminoglicanos. Homopolissacarídeos A amilose e a amilopectina são homopolissacarídeos que constituem o amido, produto da fotossíntese encontrado na forma de grandes grânulos nos cloroplas- tos das células vegetais. A α-amilose se apresenta na forma de longas cadeias não ramifi cadas. Portanto, trata-se de um polissacarídeo linear onde as unidades de D-glicose são mantidas por ligação do tipo α(1→4). A amilopectina é um polissa- carídeo altamente ramifi cado, apresentando ligações do tipo α(1→4) e α(1→6) nos pontos de ramifi cação. O glicogênio é um polímero de glicose semelhante à amilopectina, porém apresenta maior grau de ramifi cação, e é encontrado no fígado e nos músculos. A celulose é um homopolímero de glicose, não ramifi cado, que apresenta unidades recorrentes de glicose interligadas por meio de ligações β(1→4). O tipo de ligação resulta em propriedades físico-químicas muito diferen- tes, a celulose e a amilose diferem entre si apenas no tipo de ligação pelo qual as unidades de glicose são interligadas. A quitina também é um homopolissacarídeo, e tem como unidade monossacarídica resíduos de N-acetilglicosamina, unidos me- diante ligações do tipo β(1→4). Heteropolissacarídeos Os peptídeoglicanos são heteropolissacarídeos formados por resíduos de N-a- cetil-D-glicosamina e o ácido acetilmurâmico ligados entre si por meio de ligações Carboidratos e lipídios Ácido BIOQUÍMICA 56 do tipo β(1→4), formando longas cadeias, as quais se dispõem lado a lado e são interligadas mediante pequenos polipeptídeos, formando uma superestrutura, os peptideoglicanos. O ácido hialurônico também é um heteropolissacarídeo, classi- fi cado como glicosaminoglicano, constituído de unidades alternadas de ácido D- glicurônico e N-acetil-D-glicosamina. Glicoconjugados Originam-se da ligação covalente de moléculas de carboidratos a proteínas: gli- coproteínas e proteoglicanos. As glicoproteínas apresentam como grupos prosté- ticos um ou mais oligossacarídeos unidos covalentemente por meio de ligações N-glicosídicas ou O-glicosídicas. Os proteoglicanos são formados pela união cova- lente e não covalente de proteínas e glicosaminoglicanos. LIPÍDIOS São biomoléculas orgânicas, cuja característica geral é apresentarem alta solubi- lidade em solventes apolares e baixa solubilidade em água. Em muitos
Compartilhar